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A Disciplina Contínua do Amor Infindável (Poema do Lixão Cosmopatagônico):
Encontrar-me-ia
envolto de livros
em uma biblioteca
subterrânea, com
uma pilha métrica
ao meu lado
composta de livros,
artigos, ensaios e
cartas de pessoas
que haviam
passado pelos
mesmos problemas.
Pois estuda-la
nunca tornava-se
uma tarefa, mas
sempre um
dever.
Enquanto não
encontrasse os
meios para
trazer conforto
ao seu coração,
nenhum cansaço
materializava-se
como tão penoso,
qualquer mau
agouro era
era privado de
fortificar-se,
a morte soava
como um
pesadelo irrealizável
pela natureza doce
das circunstâncias.
Amá-la é
como fundir-se
com o sol
para se
permitir
sonhar novamente.
A busca incessante
pelo buquê capaz
de segurar
todas as flores
do mundo.
E de vergonhosa,
nada tinha essa
declaração. Como
poderia eu, ousar
negar uma das
potências mais
catalizadoras
de minha vida?
Seria um crime,
um sacrilégio,
uma calúnia
de incontável
proporção,
um atentado
à sinceridade,
algo chulo
e irreal.
Enquanto meus
olhos sedentos
por leitura são
lubrificados a
cada fechar
rápido e
constante,
aqui me
encontro.
E continuarei
aqui por um
bom tempo.
--- || ---
— Cortesia de Arte do Lixão.
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A Sagacidade do Mago Imperfeito (Poema do Lixão Cosmopatagônico):
"Avançai, revolução!
Pois a prolongada
passeata dos
reacionários chora
ao ter sua autoridade
devastada. Assim,
que a resistência
é construída
à base da razão
e estendida pela
ação, seguremos
nossa terra como
se nela estivesse
presente o sangue
de todo o planeta!
Das pessoas, de seus
materiais! Das emoções
exploradas, do
sublime e belo.
Corte o braço
com uma navalha
e lá enfie os
dedos na ferida,
sinta a unha
deslizar pela camada
interna de carne.
Sintam, minhas
crianças! Em uma
vida tão breve,
tão gloriosa pode
tornar-se a dor.
Afinal, na ruína
da boa lembrança,
também, sempre
prevalecerá os
tempos de morte.
Nascemos cauterizados
em um cruel mundo
frio, mas caridoso.
Então permita-se
ao luto, relembre
a maça que caira
na cabeça de Newton.
Lhe arranque um
pedaço e descubra
que estava podre
este tempo inteiro,
mas nem por
isso deixou de
mudar o percurso
histórico!" ele
proferiu, afagando
sua bola de cristal.
Bebeu de seu cálice.
"A verdade de tudo
é sua antítese. Para
o bem se alastrar,
a injustiça tem de ter
ceifado muitos. Para viver
de verdade, é necessário
morrer. Para um dia
partir, é fundamental
ter-se vivido.
E tudo dessa linha
constante se desaba
aos poucos para se
reconstruir novamente!
Pode, como deve!
Mil futuros promissores
nascem de um
passado obscuro,
quando há pelo
menos uma das
potências catalizadoras¹
em jogo. O limite
de um ser nasce
da vontade de
seu espírito. Por
isso mate. Crie.
Absorva e dissolva.
Avançai, revolução!
Pois o tempo
sempre fora nosso,
mas disso
eternamente
fora ocultado.
Arrancai os véus
que dão luz à
doença e
ceife o caminho
certeiro pelas
montanhas da
discórdia!" e
assim,
ele empurrou
sua bola de cristal
para longe, ajuntou
os braços. Iniciando
o sono que era
necessário.
--- || ---
— Cortesia de Arte do Lixão.
Notas de rodapé:
¹ Filosofia pessoal. Acredito que a vida funcione sempre à base de duas potências que agem no nosso ser constantemente, sem intervalos: a paixão e o ódio.
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O Fim (Poema do Lixão Cosmopatagônico):
A morte
se aproxima.
Sinto seu cheiro,
ouço sua voz
clamando por
mim. É Buk.
Marx. Camus
e Sartre,
Faulkner e
Dostoiévski.
É necessário pensar.
Fundamentais
tornam-se as
bases do
agir.
Tenho medo. E isso
é ótimo. Significa
que os ventos da
adversidade não
me fecharam com
os portões da
apatia. Tenho
apenas um coração
e sou um único
homem. Sou
Arte T. Corrêa.
Não me chamo
Cínico Esperançoso
por motivos tolos,
quiçá, o Digníssimo
Filho da Puta.
Na margem sombria
da morte, pende um
maço de cigarro, uma
trilha de desfiladeiro,
regado de plantas
mortas que já me
conhecem o bastante
para me respeitar.
Temo, mas por isso
mesmo não recuo.
Nos anos de reclusão
e pesquisa, assim
como Descartes fizera
no Discurso do Método,
fugi por tanto tempo,
machucado, atordoado
por um novo ciclo, e,
no meio do caminho,
ao longo dos anos,
deparei com o homem
velho que me
encarava este tempo
inteiro.
Eu enfim cheguei.
Depois de anos de
caminhada, muitos
cacos de vidro
pisados em um
pé desprotegido,
muita bebida colocada
para dentro.
Exausto, no recinto,
fico ofegante. O
homem de barba a
fazer, trajando um
sobretudo, me olha
enquanto fuma.
— Sou só eu? —
perguntei, com as
mãos no joelho,
para o homem.
Então percebi.
Usava as mesmas
roupas que o
homem à minha
frente, meu rosto
coçava. Passei
os dedos abaixo
do nariz. Era um
bigode.
— Nunca esteve sozinho
de verdade — meu eu
que fumava, disse
com um sorriso.
Foi quando senti
a fragrância feminina
passar pela porta.
Ela sempre
esteve ali. Durante
aquele tempo
inteiro.
— Eu estou pronto
— confirmei ao meu
outro eu. Ele
me acendeu
um cigarro e
entregou.
— Então, aqui
está. Escreva
naquela máquina
ali — me apontou
para um canto.
Peguei a mão
dela e a trouxe
junto de mim
à todo momento.
Sentei na cadeira,
à frente da máquina
de escrever. Pensei
um pouco no
que elaborar na
página.
Sinto a
mão dela em
afagar o meu
ombro.
Meu outro eu
está ao lado,
esperando.
Me acende
um cigarro
e me entrega
para substituir
o que tinha
acabado.
Traguei.
Comecei
a escrever
com o apoio
deles.
Por anos,
fiquei sozinho
por auto-destruição,
não por verdadeira
solidão.
Não é mais assim.
A morte chegou.
Chegou até mim.
--- || ---
— Cortesia de Arte do Lixão.
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Algumas Juntas Sangrentas (Poema do Lixão Cosmopatagônico):
Escrevi isso fazem algumas semanas acho, mas esqueci de postar essa peça por falta de tempo, eu julgo. Estava passando pelos meus acervos escritos e me deparei com esse texto. Aqui vai:
Percebe que é
sujo quando
você nem mais
sabe o porquê
dói, mas pensa
que a bebida
de alguma forma
poderia resolver.
Pois agora existe
um amor verdadeiro
e ele me redunda,
mas, por tanto,
fora apenas eu
e a birita
quando tudo
desabava ao
meu redor.
Era noite e
eu a olhava
na mão. Estava
em um gramado
escuro e
desolado pois
não queria que
ninguém me
visse. E,
se o fizessem,
teriam um terrível
problema com
minha pessoa.
Evitava isso à
todos os
custos, pois
mesmo cego
de embriaguez,
eu não lutava
como um homem,
não trocava pancadas
como em uma
briga justa
de seres.
Eu batia até
a carne das
minhas juntas
sangrarem, até
muito depois de
elas começarem
a arder.
Era quando ele
implorava por um
pouco de misericórdia,
já com olhos
marejados e perdidos
na polpa sangrenta,
que eu parava
de lhe socar e
e fitava nos
olhos por um
instante.
Uma breve, curta
esperança, que
não seria idealizada
por muito tempo.
Então, voltava.
Uma mão, depois
outra. Após mais
a décima, uma
braçada.
E eu não parava
até desacordar.
Não apedrejava
para disputar.
Jogava pedras para
desfigurar, se preciso,
matar.
Por isso
não bebo.
Por isso
procuro ficar
seco à tempos.
--- || ---
— Cortesia de Arte do Lixão.
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O Senado Adornado Pelo Manto do Proveito e Desumanização (Tese do Lixão Cosmopatagônico):
O absoluto defensor da pátria é um tremendo de um filho da puta burro pois faz questão de ir votar pessoalmente no homem que vai lhe socar no rabo pelos próximos quatro anos, senão mais. Um desgraçado desse tem mais é se foder mesmo. Entrar em uma espiral constante de reclamações e insatisfações constantes com as quais ele mesmo cultiva.
E, sim, antes que diga, eu não irei negar. Estou atacando sim atacando partidos. E são esses partidos que você pensa mesmo. Esses bolsonaristas velhos e limitados, que não fazem bulhufas sobre o que “pregam” (assim como sua ‘antítese’, se assim podemos dizer. Aspas, pois, são a mesma laia. A mesma escória), esses lobotomizados do “partido dos trabalhadores” (dos quais nem capitalizarei o nome de seu “partido” por sua constante falta de integridade e ausência no que deveriam brilhar, ser um movimento liberalista), tudo, tudo a nata podre que pode ser vista por aqueles que ainda tem um pingo de razão sobrando no cérebro. É uma lástima, realmente uma pena que um país com tantos recursos antigamente se perca à desapropriação de cultura cada vez mais nos dias de hoje. De operários cultos que apoiavam causas humanistas para vagabundos imbecis que não fazem questão de sentar e ler um pouco. Do pináculo da consciência de classe à hoje “ver que algo está errado, mas não saber o que”. Não escolher tirar o rabo do sofá e entender um pouco como você está sendo explorado apenas por existir. Taxado diariamente para usufruir de uma vivência média com poucos momentos memoráveis, ocultados por caronas constantes à um trabalho que odeia, para bater o ponto e se estressar um pouco.
Taxas. As taxas.
Colocaram essa múmia pré-histórica que tem cara de já ter atuado em uns cinquenta pornôs-chanchada dos anos setenta e pegado uns vinte tipos de dst’s diferentes num puteiro sujo de São Paulo para nos governar. Este cara. Um velho nove dedos que está sempre com um sorriso no rosto pois sabe muito bem o que está fazendo. Sabe que está melando o rosto de todo mundo com essa merda que sai de seu rabo todos os dias, mas ainda não sorri por isso.
Sorri, pois, sabe que faz merda e sempre tem gente que apoia.
Se começar a escovar os dentes com uma lixa, com certeza uma parcela notável dos dentistas de todas as cidades vão começar a ter o rabo pingando de dinheiro, com isso, a receita obviamente não vai ficar muito feliz. Afinal, estão usando o dinheiro suado do proletário em si, não para os telescópios caros que o Sr. Presidente gosta de usar uma vez que nunca, para seu hobby sazonal de astrologia. O maior vício do senado é entregar um problema com óbvia solução para um povo movido pela incapacidade e ignorância. Sabem que as massas são burras como uma porta, são espertos. Eu faria o mesmo, se também fosse um babaca. Mas como não sou, aqui estou. Batendo com o pé na porta e lhe dando algumas porradas no rosto, para você acordar deste idealizado sonho americano fora de seu alcance, que é um completo lesado. Já hibernou por muito tempo.
Aja, seja, crie. Mate, inicie e continue.
Mas, como eu ia dizendo: taxaram.
Este puto frouxo que colocaram perto dos holofotes achou uma ótima ideia começar a taxar compras internacionais. Pois, é claro, seus imbecis. O problema não está nele, mas sim em vocês. Vocês, intolerantes impulsivos, que só votaram em um palhaço para tirar outro ainda mais esdruxulo do comando. Pois aquela bicha do Salnorabo também é igualmente retardada, mas pelo menos aquele broxa não taxava as merdas que eu comprava. Este garoto de bosta, “maior face do movimento liberal no Brasil” (o maior equívoco a existir numa frase que eu já poderia ter visto. De humanista um veado desse não tem nada, e eu de fato acho melhor ele continuar fodendo vocês que nem essas putinhas submissas que são. Tolos miseráveis que insistem no mesmo botão de um teclado infestado pela sujeira e sem alguma tecla), está fodendo com a minha lista de compras, assim como a sua.
Isso é sim um texto político, mas não criticando necessariamente a potência oposta do que prego (afinal, já tenho vários textos no Lixão falando dessa ralé), aqui hoje abro um pouco os olhos daqueles que leem minhas coisas frequentemente, portanto, gostam do que consomem e muito provável que se identifiquem. Senão o fizessem, nem leriam de qualquer forma. A não ser se fossem alguma forma de sádicos. Coisa que não é de meu interesse, e que sinceramente não me importo muito. Mas se houver uma estatística como essa, certamente acharei engraçado pra cacete.
Estou aqui para falar desses falsos “partidos” esquerdistas na nossa civilização, que se escondem da mesma forma que um lobo em pele de cordeiro, indo em algumas palestras e tirando foto com os trabalhadores e as bichas quando, na primeira oportunidade, lá estão para esfaquear os mesmos (junto com o resto da população) pelas costas como o servente de um rei sem filhos, que espera herdar seu trono.
“partido dos trabalhadores” só teria as iniciais capitalizadas se eles realmente se importassem com causas humanistas e não com o proveito de ser um “partido” que apoia causas a favor do ser. Se realmente dessem a mínima para o proletariado, não aumentariam as taxas, fariam o contrário. E, como sempre, virá agora algum petistinha doente para tentar me contrariar dizendo:
“Não é assim que funciona! As coisas no senado precisam de muita avaliação e nem sempre são aprovadas! Foram assim que as coisas sempre foram e sempre serão!”
Não diminui o fato que ele se dizer “apoiar” as minorias e socar no rabo das mesmas quando tem toda a gente olhando. Porra. O filho da puta enfia uma mão inteira no seu rabo com a mesma sutileza com que passaria manteiga no miolo do pão matinal e você ainda faz questão de defendê-lo? Crítico. Realmente crítico. Efetivamente, o contrário na verdade:
Absente. Uma realização absente. Desprovida de qualquer forma de pensamento crítico. E, se houver (tarefa realmente impossível, ao meu ver), com certeza é a pior linha de raciocínio que eu já deva ter visto. Pois, puta merda. Fazer questão de um segundo turno para prolongar uma comida de rabo é realmente sacanagem. Reclamam que o brasileiro não vai para frente, mas é claro que ele não irá. Adquiriu gosto pela miséria e por isso quer amaldiçoar os outros com suas más escolhas. Estamos fadados à desgraça se uma revolução não acontecer. Mas para isso, é preciso agarrar-se a idealização de uma mudança. Coisa que, em um país preguiçoso, com um péssimo indicie de leitura, não se torna impossível, mas certamente materializa-se e se aproxima de presenciar uma miragem com um buda gigante no meio dos Lençóis Maranhenses.
Deplorável. Realmente de mal gosto.
Talvez eu alongue a tese no futuro, mas isso já deve bastar como uma mera demonstração.
Uma demonstração da indignação causada pela alienação daquele que se diz “cidadão” em uma forma de política que aos poucos se aproxima cada vez mais ao despotismo.
Pro caralho com vocês todos.
--- || ---
— Uma cortesia de Arte do Lixão.
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Dinosauria, Nós (Tradução de Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico, por Charles Bukowski):
Nascidos assim
Dentro disso
Enquanto as caras de giz sorriem
Enquanto a Senhora Morte ri
Enquanto os elevadores desabam
Enquanto territórios políticos se dissolvem
Enquanto o empacotador do mercado tem um bacharelado
Enquanto o peixe oleoso regurgita sua presa oleosa
Enquanto o sol é mascarado
Nós somos
Nascidos assim
Dentro disso
Dentro dessas estratégicas guerras birutas
Dentro da visão de fábricas abandonadas janelas do esquecimento
Dentro de bares onde as pessoas não mais conversam
Dentro de porradarias que acabam em tiroteios e esquartejamentos
Nascidos assim
Em hospitais tão caros que é mais barato morrer
Com advogados que cobram tanto que é mais barato se julgar culpado
Em um país onde as prisões estão entupidas e os manicômios fechados
Em um lugar onde as massas elevam tolos para heróis magnatas
Nascidos assim
Andando e vivendo diante disso
Morrendo por causa disso
Silenciado por causa disso
Castrado
Depravado
Deserdado
Por causa disso
Ludibriado por isso
Usado por isso
Sendo mijado por isso
Feito de louco e doente por isso
Feito violento
Feito desumano
Por isso
Meu coração está enegrecido
Os dedos se aproximam da garganta
A arma
A faca
A bomba
Os dedos tateiam por um deus não responsivo
Os dedos se aproximam da garrafa
A pílula
O pó
Nós somos nascidos nessa letalidade pesada
Nós somos nascidos em um governo de 60 anos em dívida
Que em breve será incapaz de sequer pagar o interesse nessa dívida
E os bancos vão entrar em chamas
Dinheiro será inútil
Terá público e impune assassinato nas ruas
Terá armas e gangues pra lá e para cá
Território não terá mais utilidade
Comida se tornará um retorno cada vez mais precário
Poder nuclear será tomado por muitos
Explosões irão chacoalhar a terra continuamente
Homens-robô radioativos irão perseguir uns aos outros
O rico e o escolhido irá olhar pelas plataformas do espaço
O Inferno de Dante será criado para parecer um parquinho de criança
O sol nunca será visto e sempre estará certo
Árvores morrerão
Toda vegetação irá morrer
Homens radioativos irão comer a carne dos homens radioativos
O mar será envenenado
Os lagos e rios sumirão
Chuva será o novo ouro
Os corpos pútridos dos homens e animais vão feder no vento esfumaçado
Os últimos poucos sobreviventes serão sobrepostos por doenças novas e feias
E as plataformas espaciais serão destruídas pelo atrito
Os recursos que vão embora
O efeito natural do declínio geral
E depois disso haverá o silêncio mais belo nunca ouvido
Nascido fora disso.
O sol ainda está escondido lá
Esperando o próximo capítulo.
--- || ---
— Uma tradução de Arte do Lixão.
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Ó Capitão! Meu Capitão! (Tradução de Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico, por Walt Whitman):
Ó Capitão! meu Capitão! nossa temerosa viagem acabou,
O barco resistiu à todas as barragens, o prêmio que procurávamos está ganho,
O porto está perto, os sinos que ouço, as pessoas todas exultando,
Enquanto olhos seguem a decidida quilha, a navegação severa e audaciosa.
Mas Ó coração! coração! coração!
Ó dos sangrentos pingares de vermelho
Onde no piso jaz meu Capitão,
Caído frio e morto.
Ó Capitão! meu Capitão! levante-se e ouça os sinos;
Levante-se—para você a bandeira é ribombada—para você a corneta é trinada
Para você buquês e grinaldas com fitas — por você os mares se revoltam
Por você eles chamam, a massa inquieta, suas faces sem sossego virando;
Aqui Capitão! querido pai!
Este braço atrás de sua cabeça!
É em algum sonho no piso,
Que você caira frio e morto.
Meu Capitão não responde, seus lábios estão pálidos e imóveis
Meu pai não sente meu braço, ele não tem pulso tampouco vontade,
A embarcação está ancorada sã e salva, a viagem fechada e concluída,
Da temerosa jornada o barco vitorioso chega com o objeto vencido;
Exulte as marés, e soe os sinos!
Porém eu com meu caminhar pesaroso
Caminho para o piso onde meu capitão jaz,
Caído frio e morto.
--- || ---
— Uma tradução de Arte do Lixão.
0 notes
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Canção da Mais Alta Torre (Tradução de Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico, por Arthur Rimbaud):
Inerte juventude
Dependente de tudo,
Por ser muito sensível
Eu desperdicei minha vida.
Ah! Deixe o tempo vir
Quando corações estão enamorados.
Disse isso a mim mesmo: deixe ser,
E não deixe ninguém te ver;
Faça sem a promessa
De mais altos júbilos.
Deixe nada o atrasar,
Majestoso descanso.
Resisti por tanto tempo
que esqueci de tudo;
Temor e sofrimento
Voam para os céus.
E sede mórbida
Enegrece minhas veias.
Assim a sombra
Entregue ao olvido,
Maturada, e florescendo
Com olíbano e joios
Para o zumbido selvagem
De cem moscas sujas.
Ó! as mil perdas
Da pobre alma
Que possui apenas a imagem
De nossa senhora! Poderia um rezar
Para a Virgem Maria?
Inerte juventude
Dependente de tudo,
Por ser muito sensível
Eu desperdicei minha vida.
Ah! Deixe o tempo vir
Quando corações estão enamorados!
--- || ---
— Uma tradução de Arte do Lixão.
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Sobre Filhos e Crianças (Do Mortuário Constante de Pensamentos e Devaneios):
“Caro Virgílio, você gosta de crianças? Pensa em ter filhos ou de ser pai?”
Por perguntas como essas, meu trabalho deveria ser muito mais caro do que ele realmente é. Que porra de pergunta tosca.
Sigo uma das melhores linhas de raciocínio a serem criadas nessa terra:
“Eu adoro crianças. Crianças são a benção mais rara e preciosa que Deus nos presenteou, e por isso sempre celebrarei o nascimento de uma nova assim que acontecer. Afinal, é o início de uma vida que acabou de começar. Ninguém sabe se ele ou ela vai morrer de artrite aos setenta e poucos, quiçá se injetar com alguma agulha enferrujada de heroína embaixo de uma ponte às três horas da manhã. Só se sabe que ali algo começa e ali algo termina. Mas tudo, tudo é incerto.
Amo crianças. Infantes são lindos e puros. E este amor só se fortifica com os anos, contanto que a criança não seja minha.”
Eu vim nesse mundo para escrever, não para ter junto a mim, um ser completamente dependente das minhas vontades. Já está de ótimo tamanho o zelo que tenho por minha vida, a de minha amada, e pessoas que tenho afinidade, como o meu colega de quarto que é varejista. Portanto, um fruto de minha pessoa materializado com pernas e uma mente pensante, seria uma ideia terrível. Pois, eu seria um péssimo pai.
Um amigo meu, Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico, disse-me algo por meio de cartas esses tempos atrás com o qual concordei muito:
“[...] tanto que nem penso em ter filhos, Virgílio. Para que eu me incomodaria com algo que é merecido tanta atenção, sendo que nem eu mesmo me sentiria bem fazendo isso? Digo, porra, isso é loucura. Sabe? Toda essa coisa. Crianças. “Começar o que terminei”. Machado de Assis escreveu com a maestria de um cirurgião quando falou:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa miséria”.
Sendo franco com você, Vírgilio, o maior ato de amor que eu poderia demonstrar à uma criança seria de, primeiramente, lhe negar a vida para ela nunca ter que se deparar comigo. Pois, embora eu mude todos os dias para me tornar cada vez mais o homem que tanto me orgulharia de ser: eu realmente só não nasci para ser pai e estou completamente de acordo com isso.”
Parafraseando novamente o dizer específico do meu camarada: [...] o maior ato de amor que eu poderia demonstrar à uma criança seria de, primeiramente, lhe negar a vida para ela nunca ter que se deparar comigo.
Acho que o que meu colega acabara de dizer explica muito minha visão sobre filhos e crianças no geral.
Para mim, criança boa é aquela que posso mimar, mas não preciso trocar as fraldas.
Criança que me enche o saco por algumas horas depois volta para sua casa.
Aquelas pestezinhas que te chamam pelo “tio” por algum motivo e te fazem questionar se sua barba te deixa assim tão mais velho de aparência.
--- || ---
— Cortesia de Virgílio do Mortuário
e uma colaboração de Arte do Lixão.
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O Tal ‘Mortuário Constante de Pensamentos e Devaneios’ (publicado da Mesa de Escrita de Virgílio):
Este texto será bem breve. É, na verdade, apenas um aviso. Todas as escrituras postadas em meu nome, agora serão apresentadas pelo nome do jornal que criei fazem poucos dias. Um velho amigo passara aqui por casa tempos atrás. Ele também tem um jornal. Chama-se Lixão Cosmopatagônico. Conheci esse merdinha quando ele ainda era um calouro inseguro de faculdade, hoje em dia o desgraçado escreve sobre as coisas mais absurdas com a mesma naturalidade com que narraria um jogo de golfe. Costumo ler os seus textos durante porres. É um bom remédio, ajuda certamente.
É bom saber que ainda tem gente com um cérebro funcional nessa sociedade tão acalentada pela insensibilidade e ausência de ponderações, a falsa sustentação de emoções.
Enfim. Quando veio aqui beber algumas comigo e Jean, me dera a ideia de criar este jornal. Depois de pensar um pouco, percebi que realmente não seria uma má ideia. Afinal, o renome eu já tenho pelos meios jornalísticos. Seria um passo quase que esperado, parando para pensar. Não sei porque demorei tanto tempo para fazer isso.
É isso. Como disse, é apenas um aviso.
Quando ver algum texto aqui com o selo de: “Mortuário Constante de Pensamentos e Devaneios”, saiba que Virgílio sentou em uma cadeira, defumou o rabo de bebida e escreveu todas aquelas palavras que você acabou de ler.
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A Arte Por Trás de Ser um Digníssimo Filho da Puta (Curto conto/tese para o Lixão Cosmopatagônico):
Me encontrava completamente recostado naquela cadeira, em meio de toda a penumbra. Em meio de toda a desordem. Haviam pequenos papéis de recado por toda a minha mesa, junto de uma pilha de livros ao lado do computador. Lá se encontravam: Dumas, Alighieri, Descartes, Sartre e Poe. Faltava um último livro, mas este se encontrava na minha cama. O Manifesto do Partido Comunista era uma leitura e tanto. Essencial, necessária para um cara ter a mínima noção do tanto de tora que leva no rabo todos os dias sem nem ao menos perceber.
Tinha meus pés encostados na cama, ficava nessa posição frequentemente. Até que era bem confortável. Via várias coisas no computador como fazia em todas as madrugadas. Principalmente, escrevia meus textos, uma vez que outra no ano os revisava (sempre fui de fazer as coisas, analisa-las depois), pesquisava livros que queria por preço de banana (é uma vida de merda e uma vida cara, mas isso não a impede de ser experienciada), olhava vagas de trabalho na minha área, comia algo e bebia refrigerante. Tudo isso ao som de algum álbum icônico de fundo, como Wild Heart do Current Joys, Ride The Lightning do Metallica, Brasil do Ratos de Porão, Grace do Buckley, ou, senão, sempre alguma coisa do The Doors.
Eu particularmente gostava e desde que me conheço, sou apaixonado pelo Morrison Hotel. Porra, digo: Peace Frog, Roadhouse Blues, Waiting for the Sun¹... Quanta sopa de pancada você tem que já ter tomado para desvalidar argumentos tão bons quanto esses?
E todas aquelas vagas de emprego também lá não eram fáceis. Todos aqueles chefes que procuravam pobres serventes tinham um tesão inestimável por ‘cursos técnicos de administração’.
Parecia que, mesmo se fosse um completo retardado, contanto que tivesse uma formação mínima em administração, poderia ser o escravo mais ‘livre’ que quisesse (que lhe permitissem). Era uma das merdas mais fétidas e repulsantes que eu havia visto, que ainda vejo. Aqueles desgraçados repugnantes colocavam aquele requisito como se fossem merecedores de tal direito, em uma empresa fodida e miserável que era furada à goteiras, situada pelo mal encanamento e amaldiçoada por terem cabeças tão fracas e lesadas no seu comando. Realmente uma das desgraças mais tristes e engraçadas que eu já me deparei. Esses filhos da puta só podem se alimentar de arroz com bosta no almoço, cocaína com papelada pela tarde, e jantar nada pois são burros demais para pedir alguma coisa de fora ou inventar algo dentro em casa.
O tipinho de gente que vive por dizeres estoicos, clama pela individualidade do ser sem nem ao menos se destacar, apenas julga e é impassível de pensamento, conta quantas bolas de catarro tem no lenço que carrega sempre no bolso, inventa um passatempo temporário que em breve morrerá, dando espaço para outro que não durará muito também.
Não consigo imaginar algo mais miserável que isso. Uma vida mais tediante, torturosa, autodestrutiva quanto uma com esta rotina. Não li toda A Divina Comédia ainda, mas já passei por alguns círculos do inferno, junto de Dante e Vírgilio. O que acabei de falar, consegue ser pior do que vi naquelas profundezas tão desumanas do inferno. Pois o que acabei de dizer é um dos atos de menor humanidade que eu já vi na terra, e realmente espero que esse com essa rotina um dia encontre um pouco de redenção. Pois, puta merda, que caralho de vida de bosta.
Mas saindo deste exemplo de rotina torturosa e voltando para os meus costumes cotidianos: viver coisas novas não me causavam tanto medo quanto antigamente. Acho que é assim pois apenas cresci como ser humano e homem nesse meio-tempo. Percebi que não tem o porque temer estas coisas tão gravemente. Citei à mulher mais importante da minha vida, alguns dias atrás:
“Não existe nada tão ruim que possa te destruir por inteiro; mas sempre há algo tão bom que pode te mudar para todo o sempre.”
As raízes ocultas do crescimento só podem ser regadas quando houver espaço e razão para mudança. E, enquanto essas coisas não coexistirem, é impossível sair de um ciclo do qual você ainda desconhece, do qual se afunda todos os dias cada vez mais. A quebra, o início de novos ciclos sempre estiveram presentes na nossa história pois, para o homem descobrir o fogo, ele primeiro teve de descobrir a madeira e as pedras, previamente ter a coragem de sair de sua caverna, e o buraco fica cada mais profundo quando estas pequenas ações ocasionaram no homem conseguir criar um foguete e ir para a lua.
De se fragmentar ao nada novamente é se fragilizar para montar um longo quebra-cabeça do qual você desconhece e forma a imagem aos poucos. É a Perestroika², o Crepúsculo dos Ídolos³, a reformulação inacabável do ser canalha em eterno desenvolvimento.
A arte por trás de ser um digníssimo filho da puta.
--- || ---
Notas de Rodapé: ¹ Todas músicas presentes no Álbum Morrison Hotel do The Doors.
² Perestroika, política russa que visava a reformulação econômica na URSS perto dos anos noventa. Como objetivo: causar novos olhos à econômia soviética (naquele momento, horrível), tornando-a mais confiável e competitiva.
³ Se referindo ao título da obra de Friedrich Nietzsche: O Crepúsculo dos Ídolos, faz alusão à quebra de valores ocidentais na nossa cultura, religião, escolaridade e outras potências catalizadoras em uma civilização.
— Cortesia de Arte do Lixão
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June 1897 Rilke and Andreas-Salomé: a love story in letters (1897-1926)
[ID: Date — June 1897. Text — I have left the garden in which I paced wearily for so long. . . END ID]
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Mãe Superior Se Precipitou (Um conto do Lixão Cosmopatagônico):
— É só apertar. Você só precisa apertar — Túlio Bonanza disse, do outro lado da mesa.
O Francês já ficou completamente sestroso. Sabia que tinha algo de errado. E, se não tivesse, havia pelo menos algo que ele não sabia sobre.
O mesmo cara que tinha acabado de dizer isso encostou o revólver na sua têmpora, puxou o gatilho e ouviu o clique tranquilamente. Nem fechara os olhos antes do possível disparo. Era como se o desgraçado soubesse que não tinha bala lá dentro para o matar. Mas tinha. Em algum lugar do barril tinha. Uma única bala, feroz e mortal, com cheiro de pólvora e que portava a morte da mesma forma que um padre joga água benta nos outros utilizando-se de um ramo.
Começou a suar um pouco. Perguntou, ainda com o revólver não acionado contra a têmpora:
— Porrr que está me botando tanta prrressão? — com seu sotaque
— Eu não estou — Bonanza respondeu.
Estava calmo, contido. Não parecia orgulhoso, não tinha o ar de quem esperava alguma coisa. Havia proposto o jogo no início da noite, depois de algumas cervejas. Iria ser legal. Era sempre legal. Mas hoje era diferente. Se não fosse, certamente parecia.
Olhou o Francês com um estranhamento sincero.
— Por que está demorando tanto? — ele perguntou.
— Porrr que está me oporrrtunando? Eu atirro quando quisser...
— Bem, então atire...
Eles se encararam por um momento. Havia algo em seus olhares. Era meio difícil de colocar meu dedo sobre o que era exatamente. Mas ali certamente existia algo. Parecia desconfiança e incerteza, tão quanto assertividade e pulso firme. Complicado era saber quem estava errado, quem estava certo. Algum dos dois tinha que estar. Pois bem, uma roleta russa aquilo era de fato.
— Vou pularrr a vez — o Francês disse, repousando o revólver de volta à mesa.
— Não tem a coragem de atirar? — Bonanza replicou.
O Francês enrugou o meio entre as sobrancelhas. Ficou puto. Porra, é claro que ia ficar, o filho da puta vinha da França. Terra do pessoal que toma banhos semanais, lar dos orgulhosos, libidinosos e simpatizantes da liberdade na forma de paixão. Chamar um francês de ‘covarde’ na sua presença era como ir à uma boate gay para espalhar o evangelho.
— É clarrro que tenho! Acha que sou o que? Uma daquelass malditass bichass que vê na rua?! — respondeu a altura.
— Eu não acho nada. Só penso que: se tem tanta certeza sobre si mesmo, o que te impede de puxar esse gatilho agora mesmo?
— Minhas mãos, o meu cérrrebro. Não que um bárrrbarrro como você fosse entender tais conceitos tão complexos... Se aprrresse.
Deslizou a arma para Bonanza do outro lado da mesa. Ele a colocou sobre a têmpora direita. Olhou para o francês de uma forma estranha.
— Não vai atirrarr? — o Francês perguntou, com orgulho.
Bonanza não respondeu. Tirou a arma da têmpora.
— O que está fazendo?... — O estrangeiro perguntou novamente, desta vez mais medroso (embora não quisesse demonstrar).
Bonanza abriu a boca, passou-a pelos dentes e repousou a ponta saliente do cano no céu de sua boca. Era possível ouvir sua respiração durante toda a ação. Não tirava os olhos do francês que se sentia cada vez menor, por algum motivo que nem o mesmo entendia. Não piscava. Só olhava. Só olhava e encarava. Olhava e encarava a vida e a morte junto com uma de suas ferramentas mais conhecidas do fim, embaçando o metal por causa da respiração. Era lúcido, era um maníaco. Era um idiota e, ao mesmo tempo, o homem mais sagaz à pousar pés nessa terra.
Então, o Francês que lá estava vislumbrado diante de um homem com tanta resiliência e controle emocional, ouviu o gatilho ser apertado.
Nada. Ele havia disparado um round da sorte. Só conseguia pensar como aquele arrombado tinha o rabo tão virado para a lua.
... ou se sabia de algo que ele não sabia.
Bonanza tirou a arma de sua boca, limpou o cano embaçado com um guardanapo em cima da mesa. Não tirava os olhos do francês.
Eu via tudo do balcão, junto com o dono e taberneiro daquela pocilga nada mal. Estava transcrevendo tudo o que via. Aquilo se tornaria uma narrativa para o Lixão assim que eu tomasse minha última cerveja e chegasse em casa.
Não eram olhos de ódio com os quais Bonanza encarava. Era, de alguma forma, pior do que isso. Eram olhos desajustados. Olhos de alguém capaz de fazer nada, mas também a priori de uma rebelião. A visão se torna turva e temível ao longo que ela é imprevisível. Eu não sabia se Bonanza iria tirar uma segunda arma do bolso e matar o francês ali, e naquele momento. Ou se ia suicidar antes de conseguir fazê-lo.
E o taberneiro também não fazia nada. Estava tão ansioso quanto eu, tão quieto quanto o Francês.
Deslizou a arma para o Francês. O mesmo tomou um susto ao ouvir a colisão da arma contra a lombada do seu livro de filosofia na mesa. O Animal que Logo Sou, de Derrida. Olhou a arma. Olhou para Bonanza. Olhou para Derrida. Derrida não olhou para ele. Estava desesperado. Era a saia mais justa que haviam lhe colocado em tempos.
— Eu preciso ir para casa logo. Dispare.
— Eu irrrei pularrr... — suava mais que muitos puros-sangues de hipismo, se eu já tivesse ido à uma casa de apostas desse ramo.
— Você já usou o seu último ‘passe livre’. — disse, mostrando indiferença. — Tem que disparar.
O Francês achou uma boa se armar.
— E sse eu não quisserrr? — pegou a arma e apontou para Bonanza. — E sse eu atirrrarrr em você?
— Então nada mais me impediria de usar a arma que tenho apontada aqui embaixo esse tempo inteiro — respondeu, ainda encarando sem piscar os olhos. Aquilo me deixava inseguro. E olhe que eu nem estava jogando.
Filho da puta. Ele não tinha mexido a mão esquerda esse tempo inteiro. Estava à todo momento embaixo da mesa. Aquele desgraçado parecia viver disso. Se não vivia, certamente já jogara muito para entender como essa porra toda funciona. Podia ser professor se bem quisesse. Só não virava porquê...
sei lá caralho.
— Não me obrigue a disparar primeiro — Bonanza disse, de cara neutra.
Vi o rosto do Francês.
Ele chorava. Chorava em silêncio. Ele tinha medo. Queria sentir o cheiro do abraço de sua mãe. Queria o cafuné da mão calejada de seu pai. Mas nenhum deles estavam ali.
Ele lentamente foi colocando a ponta do cano em sua têmpora. Soluçava de olhos fechados. Catarro saia por uma de suas narinas enquanto seu rosto suado pulsava como um coração cheio de vida, mas tão arruinado.
— Não — Bonanza proferiu.
O Francês parou de soluçar. Já sentia a dor no seu pâncreas antes mesmo que a bala entrasse. Estava muito frio antes mesmo que a morte lhe olhasse. Abriu os olhos marejados e fitou Bonanza. Implorava em silêncio.
— Dispare no palato. Assim como eu fiz. — Fez uma arma com a mão direita e com ela apontou dentro da própria boca.
— Porrr favor... não... — um francês orgulhoso implorava. Essa era a gravidade da situação.
— Faça.
Abriu a boca. Conseguia lhe ouvir com nitidez. Cada tropego, cada soluço, cada engasgada de saliva inesperada, cada repuxada de ar para os pulmões. Enfiou a arma entre os dentes. Repousou quando sentiu a ponta do cano.
Fechou os olhos já marcados, regados pelas lágrimas
e atirou.
Apenas um clique.
Foi um round da sorte.
Bonanza não precisou falar nada. O francês colocou a arma na mesa, pegou o seu livro, empurrou sua companhia para o lado sem nem lhe olhar diretamente (afinal se fizesse, desabaria no choro por definitivo) e saiu com passo apressado para fora da taberna. Bateu os pés enxugando os olhos culposos que tentavam de engolir as lágrimas, mas não conseguiam. Soluçavam, tropeçavam, eram impassíveis de alguma supressão próxima, palpável.
Bonanza tomava um copo de vinho. Terminou o último terço que restava sem muita pressa. Como se fosse mais uma caminhada pelo parque. Olhava para a parede. Coçou o nariz.
Encontrei coragem, e então lhe perguntei:
— Como sabia que a bala estaria vazia?
Bonanza virou a cabeça e me fitou. O taberneiro também o olhava, mas ele não parecia muito interessado nessa atenção de qualquer forma.
— Eu não sabia.
— Então realmente não sabia de nada? — interroguei, incrédulo.
— Não, é claro que sabia.
— Sabia o que?
— Que franceses não saberiam diferenciar uma bala de festim para uma de verdade nem que sua vida dependesse disso.
Fiquei em silêncio.
Aquele filho da puta era um desgraçado de primeira categoria. Puta merda. Que coisa mais vil.
— E como tem tanta certeza disso?
Bonanza pegou o seu copo terminado de vinho, o cheirou o caminho, colocou no balcão que separava ele do taberneiro (até cruzou olhares com o homem, por um breve momento) e me fitou com aquela encarada vazia. Aquele rosto vazio e imprevisível. Eu não senti medo realmente, pois reconhecia que Bonanza e eu tínhamos, na verdade, temperamentos muito parecidos. Me calava devido à um grande respeito por seus métodos, sua malandragem tão bem trabalhada.
Então, antes de se virar e ir embora, enfim respondeu minha pergunta:
— Pois são orgulhosos demais.
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As Faces da Liberdade Presentes no Lixão Cosmopatagônico (Uma tese pessoal do Lixão Cosmopatagônico):
Se eu fodesse com porcos, todos os textos deste acervo viriam diretamente de um chiqueiro, não de um quarto fechado com uma grande estante, recheado de pessoas lúcidas e íntegras; mortas e vivas.
Os verdadeiros leitores do Lixão Cosmopatagônico sabem muito o que eu penso sobre os assuntos tão velhos quanto deus e a terra. Berra constantemente, como um colosso que fora interrompido de sua hibernação secular, penetra com violência, da mesma forma que um vadio inexperiente praticando seu primeiro assalto à mão armada, utilizando-se de uma navalha afiada e muito nervosismo nos dedos que a seguram.
Sou um socialista de primeira e não faço questão alguma de esconder esse fato. Afinal, quando a noite chegava no fim de cada dia, era sempre um andarilho nada vaidoso que me dava conselhos para não ser igual à ele. Do que fazer para não ser igual à ele.
Mas, tão longe disso, nunca o via como morador de rua primeiro, e sim apenas como um homem igual à mim, apenas que em uma situação mais crítica e não tão afortunada quanto a que eu me encontrava. E eu não veria nenhum problema em lhe dar dinheiro para se enxugar um pouco com bebida, pois, já fui ele um dia e também já fiz isso.
Nós, assim como seres vagos, somos apenas homens. Somos homens quando a coisa aperta, quando a vida se encontra de volta nos trilhos da prosperidade. O que realmente te diferencia dos demais, é ser o homem íntegro (mas nunca perfeito. Não existe tal coisa como esta) que tanto admira. Ser o tipo de homem que você teria orgulho de poder afirmar que é "amigo", ser um filho da puta desgraçado que levanta do chão quando seu rosto já está ocultado pelo sangue, que fecha os punhos e se joga novamente para a rebelião como se nada houvesse acontecido. Pois sabe que isso acontecerá de novo e a resposta para esta ação é na verdade bem simples. Você só ergue e continua lutando com o que tem. Com a vida que te resta, com a força que lhe mantém indo.
Por isso, eu, Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico, não fodo com porcos. O meu trabalho por aqui é retratar a voz ativa daqueles que foram silenciados, daqueles que ainda não têm os meios necessários para serem Artistas da Resistência ao meu lado. Mas terão. Terão enquanto eu estiver por aqui para representá-los e mijando na frente do Congresso Nacional.
Simpatizo muito na verdade com o pensamento de Sócrates quando posto em uma sentença de morte, por se rebelar contra as normas de sua época. Fora um dos maiores exemplos vivos de resiliência possíveis na pele de um homem: negou se rebaixar a ser uma pessoa que não era, mesmo que isso lhe custasse sua tão preciosa vida.
Pois uma vida regada à inverdades e conscientes falsas esperanças, nunca será uma vida que merece ter o direito de ser desfrutada.
Antes de terminar o texto, de fato, gostaria de parafrasear uma de minhas frases favoritas do ilustre ocultista Aleister Crowley:
"Faz o que tu queres, há de ser tudo da lei".
A revolta e necessidade por mudança nunca morrerá enquanto houver um homem ou uma mulher trancafiado em um quarto, cansado de tudo e indignado com o mundo. Sempre foi assim, continua sendo e sempre será.
E, por fim: enquanto este ser não conseguir o que quer, jamais descansará de verdade.
Alimentarei os que aqui não entenderam a minha mensagem com um pouco de milho pela manhã,
pois vocês são dependentes de mim e eu sempre conseguiria um leitão mais gordo se quisesse.
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— Cortesia de Arte do Lixão.
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Anotações tiradas da mesa de escrita de Virgílio, autorizadas a serem publicadas pelo mesmo (16 de junho de 2025) (2/2):
Jean me perguntou esses dias se eu não penso em desistir. De jogar a merda no ventilador e só me matar. Não perguntou de uma forma ruim. Perguntou, pois, às vezes pede minha ajuda nessas coisas. Parece achar que eu sou alguma espécie de velho sagaz dos ensinamentos anciões. E é óbvio que não sou. Sou só um escritor de meia-tigela que faz grana quando pode, ama uma mulher com o único coração que tenho, bebo pois o costume já ficou, e fuma, pois, cai entre nós, é uma sensação ótima deixar a nicotina entrar no corpo.
Mas para isso lhe respondi:
“Não taco a merda no ventilador por um simples motivo. Pois eu não preciso. Não tem nada nesse mundo tão impossível de eu conseguir pois, é tudo uma questão de ficar bom na coisa. Ninguém nasce com o dom de escrever, o de atuar, o de tocar um instrumento, ou qualquer merda desse tipo. Somos todos retardados que vão se alfabetizando com o tempo e a coisa sempre foi assim. Tempo é o que mais tenho, talvez também o que você mais possua. Por isso, não há motivo para pressa.
Não levo coisas realmente impossíveis em pauta, como uma paixão não correspondida, pois a partir disso, nossa questão torna-se uma conferência da maturidade e do respeito, e não é muito bem disso sobre o que estou escrevendo aqui, embora também seja fundamental no convívio dos seres.
O que quero dizer é: não me mato, pois, para mim, tudo tem o potencial de ser impossível e é impossível até você ir lá e mudar isso. É o velho tratado de afirmar sua mão molenga e finalmente começar a viver. Chega um ponto na vida de um homem que ele tem que se conformar que as estações não tem o mesmo cheiro de inocência que tinham anos atrás, mas isso, de forma alguma, as transforma em más estações. Quando criança, você procurava folhas crocantes para pisar na calçada, hoje em dia nem percebe quando pisa em uma, andando apressado pois está atrasado para bater o cartão de chegada.
O que diferencia um canalha para um canalha de verdade, é que um idealizador de ser tosco só fala, nunca faz. Se afoga nas próprias mentiras antes mesmo que note e é orgulhoso demais para pedir ajuda. Um verdadeiro canalha (tal como eu), muitas vezes fala das coisas que irá fazer, não se importando com superstições ou algo parecido, pois sabe muito bem que o tem que ser feito será feito, e de uma forma tão graciosa que chega quase a beirar a arrogância.
Estas pessoas se assustam tanto com o pensamento de errar e não ter o tempo para reparar, que esquecem que equívocos são uma das ferramentas catalizadoras de uma vida. A engrenagem que as faz ter combustível para continuar girando eternamente. Juntamente da felicidade e do amor.
Então, meu caro Jean, posso lhe afirmar que não corto meu pescoço com uma faca de cozinha pois conheço muito bem esse cheiro de bosta que nosso mundo exala, mas sei que a vida é muito além do que apenas um vaso sanitário. Você que escolhe dar descarga ou não naquele estrume fedorento e desbravar o resto da casa que nunca ousara caminhar pelo resto do piso, numa madrugada fria e bem escura, mas que também pode te aguardar coisas maravilhosas na penumbra.
Estou vivo pois escolhi não dar descarga na bosta que entupiria o vaso sanitário, e agora estou começando a decorar as paredes da casa onde me encontro enquanto sinto esse cheiro ruim com o qual dá para se acostumar. Talvez nunca pegue todos os padrões presentes no teto, mas, em uma vida, é capaz que eu me relembre vagamente de todos os azulejos do piso da casa, mesmo que de uma forma pobre e rasa. Não é sobre ter uma memória impecável, mas só de ter uma memória verdadeira com lembranças que importam afinal.
E, enquanto a bosta feder com o assento para cima, é um sinal de que ainda estou vivo e aqui presente.
Ela perde um pouco da confiança em feder quando percebe que não é coisa mais suja do quarto, fica com medo.
Sou o bicho papão, por isso não temo.
Sou um homem, e ainda por cima um escritor, por isso temo.
Mas isso só me motiva a continuar.
Enquanto um papel me espera para ser preenchido com palavras, minha amada anseia por nos encontrarmos e trocarmos carícias, enquanto houver injustiça e eu puder expressar minha indignação sobre.
Odiar a vida já é uma forma de celebrá-la, mesmo que você não pense dessa forma.”.
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Prefácio de Arte T. Corrêa às Anotações de Virgílio (1/2):
O texto a seguir fora retirado de algumas das folhas bagunçadas da mesa de escrita de Virgílio. Mas, primeiro, gostaria de fazer uma nota de agradecimento.
Fazia tempo que não visitava o apartamento desses dois, são meus amigos de longa data, mas, assim como Virgílio, trabalho no mesmo ramo: o jornalístico. Por isso, acabo não tendo muito tempo livre.
Entretanto, quando sobra um momento, tenho o costume de fazer duas coisas. Escrever para o Lixão, ou ler as coisas que Virgílio publica pelos jornais. Esse cara é realmente um escritor brilhante desde os tempos de faculdade. Lembro-me bem de uma vez de quando eu era um recém chegado e inseguro calouro nos terrenos daquele campo de ensino, o fato do mundo ser uma esfera tão direta, mas também tão resguardada quanto às verdades da vida me assombrava muito.
Então, lá estava eu na sala de aula. Era bem cedo da manhã e eu olhava em volta. Sentei-me bem no canto, para evitar conversa com qualquer pessoa. Esfregava minha mão na cabeça, estressado. Tinha virado aquela mesma noite, escrevendo vários poemas e alguns inícios de contos que eu continuaria depois, mas, nenhum deles parecia realmente bom o bastante. Era lixo. Tudo lixo.
O resto da classe chegou, mas o professor ainda não. Todos se entreolhavam inquietos, não tão inseguros quanto eu, mas com certeza mais inconformados. Eu não dava a mínima. Estava com a cabeça entre as mãos, quase na margem onde as lágrimas começam a cair, pensando que minha vida se resumiria a isso. Eu morreria sendo um nada desconhecido, fadado à um trabalho meia-boca e alguns engradados de cerveja quando sobrasse o dinheiro. Quiçá, mesmo quando não sobrasse.
O primeiro dia naquele lugar mostrava o início de um novo ciclo. A minha morte como artista, e minha obrigação de ter que ser um ser humano médio como todos os outros.
Fora o que eu pensara, até a porta da sala de aula se abrir em um estouro. Todos olharam, eu olhei. Lá, no batente da porta, havia um homem. Trajava um roupão onde se podia um pedaço de suas canelas não depiladas (junto de seu peito que, embora não fosse peludo, tinha uma camada de pelos aparentes para serem raspados), onde, em seus pés, calçava pantufas rosas de coelhinho. Tinha uma barba por fazer em seu rosto e, há muito um cabelo cacheado com caimento precisava de um corte.
Sua aparência tinha tudo para ser ridícula, mas, por algum motivo, ninguém riu dele. Todos o olharam com espanto. Como se alguém segurando uma arma na mão houvesse entrado na sala.
Ele olhou em volta com uma cara de maníaco. Tinha olhos saltados como se tivesse na sua oitava carreirinha seguida e, de algum jeito, ainda estava de pé. Arrastou os pés até a frente do quadro, sem medo algum. De fato, havia algo no jeito que andava também. Parecia tentar o fazer, mas acabava em algum canto antes que mesmo percebêssemos.
Se aquele filho da puta fosse o nosso professor, estava começando a me convencer que talvez o ano escolar não seria tão ruim.
Na frente de todos, apropriou a mão na cintura e apertou um pouco mais o laço de seu roupão. Só depois fui perceber, mas ele estava pelado. O desgraçado era maluco.
Olhou para todos nós e proferiu:
— Calouros. Odeio vocês filhos de umas putas estoicos que adornam seus rabos com essa positividade barata de cartões motivacionais de posto de gasolina. Estão cursando Jornalismo. — Eu esqueci de falar a cadeira que estava fazendo. — Vocês não podem estar mais fodidos que isso.
Todos o ouviam com completo espanto e nojo. Embora não expressassem muito esse segundo por medo.
Eu não era um deles. Eu estava de olhos esbugalhados, nem um pouco crente no que presenciava. Aquele cara era o máximo. Eu queria ser ele. Era como ver Bukowski recitando um de seus poemas bem na sua frente, beber o último trago ao lado de Allan Poe no dia de sua morte.
Ele então continuou sua linha de pensamento, andando de um lado para o outro na frente do quadro, gesticulando com as mãos enquanto falava e olhando para o teto muitas vezes:
— Jornalismo é comprometimento. Jornalismo não é estudo. Acham que vão aprender alguma merda aqui dentro que nunca aprenderiam nos livros, mas não poderiam estar mais errados. Não tem um segredo supremo para você escrever a porra de uma matéria digna do prêmio Nobel. Nenhum de vocês conseguirá, de fato. E não falo isso para os desafiar com alguma didática alternativa desconhecida, ou qualquer merda entre essas linhas. Todos — apontou para cada um de nós. — Todos vocês, sem exceção, são uns bostas sem valor que não entendem sobre metade das cagadas que pregam. São porcos burros e imundos que só querem saber de farra desenfreada e puta de uma enrabada com gosto.
Após o vaiarem, causando comoção alguma no homem que discursava, um cara resolveu tacar um grampeador na cara dele. Isso deixou ele tão puto que ele fez algo que lembro até hoje.
Ele levantou uma das pernas, tirou a pantufa de coelhinho rosa de seu pé, se aproximou da mesa do cara que tinha tacado o grampeador no seu rosto (filho da puta que era o dobro de seu tamanho, por sinal), e produziu um estouro ao bater com o calçado na cara do desgraçado.
O brutamontes, que deveria bem de ter uns cem quilos (contando os músculos), caiu desacordado no chão, que nem um saco de bosta. Levou a carteira junto consigo, estava cochilando de lado no chão agora com uma mesa e cadeira virada.
Quem era aquele cara? Eu me perguntava, completamente desacreditado.
Ninguém esperou para começar a levantar de suas cadeiras e sair pela porta da sala, não estavam ali para isso.
Mas eu, eu continuei no meu lugar. Não sairia dali. Enquanto aquele maluco espantava todos da sala, imitando sons de macaco e ameaçando tacar coisas nas pessoas, rindo como um maníaco, só havia três pessoas lá. O brutamontes ainda estava desacordado no chão, tomando um sol ali no piso. Provavelmente já babava a esse ponto. Tomou uma porrada para valer.
O homem ficou parado na porta de costas, com as mãos na cintura, rindo para si próprio. Olhando os corredores. Então tirou as mãos da cintura, ainda rindo e se virou. Se deparou comigo sentado lá no canto. Eu o fitava. Ele me olhou de volta, parecia um tanto confuso. Aquilo claramente havia o encucado.
Foi arrastando os pés em minha direção, com a sobrancelha franzida. Quando chegou ao meu lado, consegui sentir o seu cheiro. Era claro que passava perfumes e desodorantes, quiçá tomasse até banhos frequentes, mas seu roupão fedia à fumaça de cigarro e seu hálito à vinho do mais vagabundo de mercadinho.
— Como você se chama, novato?
— Arthur... Arthur Torres.
— Não, cacete. Digo, qual é seu nome?
— Meu nome? Eu acabei de te dizer...
— Você não vai me dizer que publica por esse nome de bosta, certo?
Nunca havia pensado naquilo. Achava que era um nome tranquilo, nunca achei que fosse ser algo realmente relevante no ramo, por isso jamais pensei em outro. Era só meu nome de nascença, afinal.
Ele continuou me olhando e, quase como se fizesse minha mente em silêncio, comecei a perceber que talvez estivesse certo sobre isso. Não agi por medo, mas sim por razão de considerar uma opinião externa. Ninguém lia os meus textos e por isso, alguém me questionar sobre minha profundidade como artista era algo realmente novo. Arthur Torres começava a soar como um nome realmente vazio. Comecei a pensar em algo.
Então veio:
— Arte... Arte T. Corrêa.
Ele assentiu com a cabeça, parecendo satisfeito. Estendeu a mão direita para eu a apertar.
— Não é um nome nada mal. Nada mal, mesmo.
Apertei sua mão com firmeza. Talvez fosse apenas intuição, mas aquele cara não parecia tão maluco mais. Tão imprevisível quanto antes.
Me arrisquei depois de apertar sua mão e perguntei:
— E você? Qual é seu nome?
Coçou o nariz e coçou a barba por fazer.
— Virgílio. Sou veterano por aqui. Gosto de apavorar a gente nova que entra.
— Mas isso não te mete em problema? — perguntei.
— Sou colunista no jornal da faculdade. Eles sabem muito bem que se me tirarem do jogo, ninguém mais lê aquela merda escrota.
— Entendi.
Ele olhou minha mesa. Viu os meus papéis espalhados com poemas e contos começados, mas nunca terminados em cima.
— O que você tem aí?
— Alguns textos, só isso.
— Posso ver? — me perguntou.
— Claro.
Pegou uma página de um poema e começou a ler ali do meu lado, em pé. Fiquei esperando ele terminar. Queria saber o que pensava a respeito. Era a primeira vez que alguém lia meus textos.
— Você tem o jeito da coisa. Mas falta uma coisa... — ele disse, tirou uma caneta de ponta grossa do bolso e começou a rascunhar na folha.
Riscou algumas coisas, escreveu outras por cima e ao lado, e então virou a página para o meu rosto.
— Você quer muito xingar, mas, por algum motivo, não faz. Quando consegue, fica ridículo.
Em uma estrofe eu havia escrito: um homem demasiadamente horroroso e de aspecto escroto. Ele riscou essa frase e sugeriu: um cara feio pra cacete que parecia ter se vestido no escuro.
Peguei a folha e comecei a ler tudo aquilo. Minhas sobrancelhas levantaram. Ele tinha descoberto. Ele descobriu o que faltava nos meus textos. Era aquilo que eu queria dizer, mas não encontrava jeito de expressar.
— Me procure nas salas de cima depois, ‘cê parece ser um cara legal. Vou ir tomar umas no bar aqui perto mais tarde, você está convidado se quiser. Traga os seus textos, gostei do que li aí, se todos forem mais ou menos nessa linha — Vírgilio disse, se retirando.
— São sim — disse.
— Fechado então. Umas sete horas da noite no Cabral /(Cabral era um bar das redondezas)/, você paga.
— O que? — perguntei, meio confuso.
— Você me ouviu bem. Até mais tarde.
E saiu da sala. O professor chegou uns cinco minutos depois e viu o cara desacordado no chão. Perguntou se o Virgílio tinha passado por ali. Eu disse que não.
Isso já está longo demais, mas achei necessário. Não seria metade do escritor que sou hoje senão fosse pela ajuda e conselhos de Virgílio. E além de ter a honra de ser seu amigo, também me inspiro muito em seus textos para escrever o que escrevo aqui no Lixão. Esse cara é, de fato, meu autor favorito. E o Lixão não seria esse englobado de resistência, verdades e otimismo questionável, mas sincero, se esse cara não resolvesse ver um escritor que prestasse no meio daquele liceu cheio de idiotas estúpidos e esperançosos.
Boas lembranças e apreciem o texto a seguir.
Sinceramente,
Arte T. Corrêa do Lixão Cosmopatagônico.
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A Sonata de São Valentim -//Da saga O Vadio e o Varejista, terceiro fragmento//- (Um poema do Lixão Cosmopatagônico):
Jean chegou ao
apartamento tarde
da noite. Havia
sido um longo
dia no varejo
e uma velhaca
desgraçada
resolvera parcelar
uma geladeira
em vinte e cinco
vezes antes
da loja fechar.
Abriu a porta e
se deparou com
uma casa escura.
Algo parecia
fora do lugar,
mas não sabia
exatamente o
que poderia ser.
Ligou a luz,
olhou a sala
de estar.
Uma mesa de
escrita tinha
uma máquina
de escrever junto
dela, mas nenhuma
garrafa por perto.
Era como uma
boca sem dentes,
um par de botas
sem pés.
"Deve estar
dormindo" pensou,
indo para o quarto
daquele que era
citado.
Lá abriu a
porta e lá
ninguém estava.
Nenhuma pessoa
na cama, nem
menos outra
perambulando pelo
quarto.
Percebeu uma
nota dobrada
à ponta da
cômoda ao
lado da porta,
ela dizia:
"Tenho de ver
alguém, volto
pela meia-noite."
Virgílio havia
enfim saido
de casa após
meses trancado.
Era dia de
São Valentim.
***
E, em um
banco da
praça, lia
'A Crítica
da Razão
Prática' de
Kant,
fumando
ansioso
e olhando
sobre o
ombro.
As badaladas
do sino de
igreja ao
longe soavam
à muitos
como um
lembrete
da existência
pungente,
tanto
quanto um
grito constante
de mil
vozes influentes;
por séculos
ocultadas,
aos milênios
destruídas.
Mas, no coração
do homem apaixonado,
a miséria torna-se
ocorrência e o
vazio se embrutece
como saudade.
Solidão sincera que
se reparte em
duas almas sofridas
no compartilhamento
de uma paixão.
Pois, dê à um homem
ódio, e ele
dedicara o resto
de sua vida
para o término
do mesmo.
Lhe enxugue com
ternura e isso
lhe fará buscar
uma vida (ainda
que suja) intensa
que vale a
pena ser
sentida.
Quando então,
sente a lateral
de sua coxa
ser esquentada.
Era o calor
de uma perna.
Vira-se e
depara com
a pintura
mais sublime
e bela que
um homem
pode
presenciar;
que faz um
escravo da
capital se
apaixonar por
arte,
que afirma
um marinheiro
na tempestade
de que dias
melhores sempre
foram possíveis,
apenas por muito
tempo tendo
seu conceito
negado e
afastado.
Fechou 'A
Crítica da
Razão Prática'
em seu colo
e ousou olhar
para a mulher
ao seu lado.
— Fazem tantos
anos, Helena... —
não tinha a
segurança vadia
de sempre em
sua voz. Soava
pesaroso e errante.
Ela pegou uma
de suas mãos
e segurou na
sua, o
fitando.
— Fazem...
Fazem muitos
anos, Virgílio...
Mas, lá, naquele
olhar contínuo
dos dois, não
havia desconforto.
Uma chama que
voara baixo por
anos resolvera
ser regada por
um punhado de
gasolina.
— Eu peguei algo
para você... —
Virgílio começou
a vasculhar o
bolso.
Tirou uma
rosa ensacada
e algo retangular
embrulhado.
Entregou a
flor, depois
o presente.
Ela desfez
o embrulho.
Nas mãos da
dama agora
se encontrava
'Temor e Tremor'
de Søren Kierkegaard.
Ela gargalhou um
pouco.
— Eu já li
esse — Helena
disse, cobrindo
a boca com
a mão.
— Eu sei.
Mas também
lembro que
lia pela
biblioteca. —
Virgílio olhava
com atenção.
— Agora você
têm o seu
próprio.
Se olharam por
um momento.
Palavras não eram
necessárias
quando atitudes
silenciosas
denominavam
novos limites em,
até então,
mortos solos
antigos.
De Platão falaram
de Foucault, da
política citaram
a liberdade, do
cotidiano expuseram
os fatos.
E a chama se
reacendera, os
dias tornaram-se
menos perdurosos,
e os nevoeiros
escondiam mais
bons caminhos
do que penhascos
mortais e
inesperados.
Pois, um indivíduo
nunca experienciaria
a humanidade de
verdade
senão se
permitisse
amar.
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— Cortesia de Arte do Lixão
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