caoscomcais

[caoscomcais]

não suporto quem reclama demais de tudo

e se eu te dissesse que a solidão me é tão comum, que nem sinto-imagino o quanto ela pode ser temerosa pra alguns?

fazer de ser só uma segunda pele, é fazer da sozinhez algo irreclamável, como se não desse pra reclamar do que não incomoda. estranho é quando outras epidermes acompanham meus pêlos arrepiados ou cabisbaixos.

enquanto ouço as reclamações coitadísticas, as indisposições contínuas, as vitimizações catastróficas, sinto o peso das ironias: te escutar reivindicar o direito à chatice, enquanto carrego, até hoje, o silêncio de quem já foi tão vítima e coitada, que se fosse parar pra relembrar e protestar, enjoaria todos os tímpanos.

o silêncio é a consequência da solidão, por isso falo tanto comigo pra dentro, por isso penso tanto nos tantos, nos ticos, nos entretantos. por isso me incomoda mais quando falam tanto de dentro pra fora perto de mim, do que quando estou só com meus silêncios.

vício perigoso, esse de ser intolerável às chatices alheias, quando eu mesma quase nunca me dei o direito a ser também intragável. a linha tênue entre a autorepressão e a autoproteção. por muito tempo, arquitetei submissões que iludiram poderes e opressões sobre mim. fingia a obediência numa aparência-fora oceânica pacífica, enquanto o esconderijo-dentro explodia em líquido vulcânico, fervente, ardente, estridente.

não suporto quem reclama demais de tudo, me lembra as queixas e gritarias infindas da minha mãe. me relembra o que tentei me tornar: tudo o que ela não conseguiu ser; que hoje é tudo o que ela foi, só que de menos. me fiz do seu contrário, seu negativo. a outra ponta dos excessos, dos extremos.

há pouco li uma matéria sobre a prejudicialidade que existe quando se reclama muito. fato irremediável. inúmeras vezes já tive vontade de arrancar as orelhas, pra não precisar ser o orelhão que servia de receptáculo pra todas as atrocidades que insistiam em sair da boca do coração dela.

mas pouco ou nada vejo sobre a vitalidade das reclam-ações, das críticas que viram proposições. reclamar não é desabafar. reclamar é apontar, clamar de novo, que arma de raiva os ombros; desabafar é um clamor do profundo, que descarrega os ombros. não tem certo, errado, pior ou melhor: tem o que o cansaço das injustiças cansa de suportar, e esbraveja-desaba.

não suporto quem reclama demais de tudo, não só porque é chato, mas porque também me é insuportável sustentar quem eu poderia me tornar se reclamasse tanto: ela. mas, estaria mentindo se dissesse que não suporto quem reclama demais de tudo: porque escuto, fico, somatizo.

quero exercitar a reclam-ação, e reclamar de quem re-clama demais de tudo. quero reclam-ar, permitir entrar pelas narinas e expirar pela boca, como num urro, reivindicando meu esgotamento. não quero ter que sempre recorrer à solidão pra me sentir a salvo do pesar da interação.