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Os livros que li e o que achei deles
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cristianemagalhaes · 11 days ago
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A eloquência da Sardinha – Bill François
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Deliciosas descobertas sobre os seres do mar. Escrito com leveza, graça e clareza, o livro é muito gostoso de ler.
“Os arenques, primos próximos das sardinhas, vivem em cardumes como eles, mas não tem os mesmos bons modos. Quando chega a hora do reagrupamento noturno, eles têm uma maneira bem própria de conversar na escuridão, para não se perderem de vista. Uma maneira bastante incivilizada, e que quase desencadeou uma guerra.
Em 1982, um ano depois do naufrágio acidental de um submarino russo perto de Estocolmo, a Marinha sueca temia uma invasão soviética, no contexto de tensão do fim da Guerra Fria A imprensa a todo momento descrevia os sinais da iminência dessa invasão. Foi então que “orelhas de ouro” da Marinha sueca, oficiais encarregados de analisar os sons captados pelos sonares, detectaram um sinal sonoro desconhecido e inexplicável. Um “ruído característico” que tinha a mesma gama de frequência das hélices dos motores.
O Estado maior sueco, acreditando ter frustrado uma emboscada de submarinos russos, abriu uma investigação.... Todas as unidades relataram a mesma coisa: em cada ponto onde o sinal era detectado, viam-se bolhas de ar subindo à superfície, mas o submarino permanecia invisível ... Com o passar dos meses, e dos anos, o inquérito sobre esses sons foi reaberto várias vezes....
Somente no ano de 1996 o Exército sueco autorizou civis, a equipe de bioacústicos do professor Magnus Wahlberg, a ouvir os sons misteriosos ,, e a tentar identificá-los. Os cientistas, analisando os “sons característicos”, inocentaram os submarinos russos e identificaram o culpado: um cardume de arenques.”
“... Um polvo adquire conhecimentos ao longa de toda a vida> ele desenvolve estratégias complexas, como disfarçar-se de seus predadores para melhor evitá-los, utilizar conchas vazias como armadura ou arrastar-se por terra firme para comer, em apneia ... .Eles compartilham dicas de sobrevivência, falam por meio de sinais dos braços e mudanças de cores, e vivem até em cidades de polvos, regidas por interações sociais complexas e construídas sobre pilhas de conchas das quais eles se alimentam....”
“Ao contrário dos polvos, as baleias-jubarte criam os filhotes por longo tempo e conversam com eles constantemente; esse método de educação levou-as à criação de uma espécie de cultura. Os grupos de baleias desenvolvem traços culturais: comportamentos que lhes são próprios, que eles mantêm e transmitem por meio de um aprendizado social. Seus cantos são transmitidos de ano em ano entre baleias de um mesmo grupo. Cada indivíduo acrescenta ou modifica algumas estrofes, que em seguida são compartilhadas com os outros. Os cantos evoluem constantemente ente ao longo dos anos, do mesmo modo que as modas musicais e a linguagem.”
“O regaleco é um incrível peixe com forma de serpente, podendo chegar a onze metros de comprimento. Ele é prateado com pintas azuis e tem uma longa crista de dragão vermelha na cabeça. Muito raro de ser observado.... Há pouco se soube que o animal podia nadar para trás, e na vertical. Ele tamb��m pratica a autotomia, isto é, pode se dividir em dois para abandonar um pedaço do rabo quando deseja escapar de um predador ou simplesmente para economizar energia tornando-se menor. Supõe-se que em situações de escassez de alimente ele possa comer a si mesmo... Além disso, o regaleco seria capaz de prever terremotos...”
   
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cristianemagalhaes · 11 days ago
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Quando deixamos de entender o mundo – Benjamin Labatut
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Misturando pessoas e teorias reais com um pouco de ficção o autor conseguiu fazer um livro que não só nos deixa conhecer fatos e descobertas reais mas nos leva a um mundo em que a fantasia preenche buracos e cria situações para dar liga ao romance.
“Como muitas pessoas sensíveis, à medida que se aproximava a Primeira Guerra mundial, Schwarzschild foi invadido por uma sensação de desastre iminente, que nele se manifestou como um temor específico: que a física fosse incapaz de explicar os movimentos estelares e encontrar uma ordem no universo. ‘Existe por acaso alguma coisa que esteja em descanso, ao redor da qual o resto do universo seja construído, ou será que não há onde se aferrar nesta cadeia sem fim de movimentos, à qual tudo parece preso? Percebam a que ponto caímos na insegurança se a imaginação humana não consegue encontrar um lugar sequer onde deixar cair a âncora e nenhuma pedra do mundo tem direito de se considerar imóvel!’”
“... A incerteza de Heisenberg esmigalhava a esperança de todos aqueles que tinham acreditado no universo da relojoaria que a física de Newton prometia. Segundo os deterministas, bastava descobrir as leis que governavam a matéria para poder conhecer o passado mais arcaico e predizer o futuro mais longínquo. Se tudo o que acontecia era consequência direta de um estado anterior, a única coisa de que precisavam era olhar o presente e deixar correr as equações para obter um conhecimento similar ao de Deus. Tudo aquilo era uma quimera à luz da descoberta de Heisenberg: o que estava para além de nosso alcance não era nosso futuro. Também não era nosso passado. Era o presente. Nem sequer o estado de uma miserável partícula poderia ser apreendido de maneira perfeita....
.... se não podíamos conhecer, ao mesmo tempo, coisas tão básicas como onde estava e como se mexia um elétron, também não podíamos predizer o caminho exato que seguiria de um ponto a outro, mas apenas seus múltiplos caminhos possíveis. Essa era a genialidade da equação de Schrodinger: de alguma maneira era capaz de alinhavar os infinitos destinos de uma partícula, todos os seus estados, todas as suas trajetórias, em uma trama só – a função de onda – que se mostravam superpostos. Uma partícula tinha muitas maneiras de atravessar o espaço, mas escolhia apenas uma. como? Por puro acaso...”
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cristianemagalhaes · 14 days ago
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O colibri – Sandro Veronesi
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A história de uma família contada por um homem que tem muitas perdas, mas se sustenta no ar tal como um colibri... Contada por vários meios – cartas, e-mails e narração, num vai e vem de tempo, que vai construindo o quebra-cabeça da vida das personagens.
“... em inúmeras línguas, não existe nem mesmo um nome, mas ele existe, por exemplo, na língua hebraica, shakul, proveniente do verbo shakal, que significa justamente “perder um filho”, e existe em árabe, thaakil, com a mesma raiz, e .... designa quem sofre por um luto, mas é usado quase exclusivamente para indicar o progenitor que perde um filho; aliás, essa história de perder os filhos já havia sido tratada, definitivamente, em um dos oráculos da juventude do nosso irmão Marco, “Sabia que perdi dois filhos? / Pois então a senhora é uma mulher muito distraída”, porque, de fato, pensando bem, não faz sentido dizer que perdemos alguém quando alguém rre, isto é, somos o sujeito da sua morte, perdi minha filha, fiz com que ela me faltasse, deixei que ela morresse...”
“- Eu estava dizendo que o senhor tem que pensar em si mesmo agora, em como fazer para ter vontade de se levantar da cama toda manhã.
- Bem, para isso, tenho Miraijin.
- Não! Desse jeito, o senhor é uma folha ao vento. Essa vontade o senhor tem de encontrá-la dentro de si mesmo. Somente assim vai poder cuidar de fato de sua neta... Se o senhor cuidar de Miraijin com um vazio no coração, transmitirá esse vazio a ela. Se, ao contrário, tentar preencher esse vazio, e não importa se vai conseguir ou não, basta que tente preenchê-lo, então transmitirá a ela esse esforço, e esse esforço simplesmente, é a vida. Todos os dias, cuido de pessoas que perderam tudo, com frequência são as únicas sobreviventes de todo o seu núcleo familiar. Tem problemas materiais de todo tipo e, às vezes, também têm doenças terríveis, mas sabe com o que trabalhamos?
- Não...
- Trabalhamos com os desejos, com os prazeres. Porque os desejos e os prazeres sobrevivem até mesmo na situação mais desastrosa... Você gosta de jogar bolça? Pois então, jogue. Gosta de caminhar.... Isso não vai resolver nenhum dos seus problemas, mas também não vai agravá-los, e, nesse meio tempo, seu corpo se livrará da ditadura da dor, que quer mortificá-lo.”
 
“Aconteceu o seguinte: assim como uma tragédia costuma mandar pelos ares o pacto que mantém uma família unida, produzindo nela uma ruína inexorável, essa mesma tragédia pode surtir o efeito contrário se a família já tiver explodido, reaproximando os membros sobreviventes, ainda que durante anos eles tenham brigado, se ferido, se afastado e se ignorado com todas as forças. Era a teoria da pedra lançada na água: e a água estiver calma, a pedra produzirá turbulência, mas se já estiver agitada, a pedra, ao contrário, produzirá calma.”
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cristianemagalhaes · 14 days ago
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Amsterdam – Ian McEwan
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Um livro ótimo! Dois grandes amigos fazem um pacto mas os fatos e as pessoas mudam... Um romance envolvente e muito bom na construção dos personagens.
“Compreender uma linha melódica era um ato mental complexo, mas passível de ser executado até por uma criança bem pequena; já nascíamos com uma herança, éramos o Homos musicus; portanto, definir a beleza na música implicava uma definição da natureza humana, o que nos trazia de volta às humanidades e á capacidade de comunicação.”
“No seu canto da zona oeste de Londres e ao cumprir as rotinas diárias em que não dava muita atenção ao que existia à sua volta, era fácil para Clive imaginar a civilização como o somatório de todas as artes, juntamente com o design de qualidade, boas comidas, bons vinhos e coisas do gênero. Mas agora ela parecia ser o que realmente era – quilômetros quadrados de casas modernas e ordinárias cujo principal propósito consistia em sustentar as antenas de tv; fábricas produzindo coisas sem valor para serem anunciadas nas televisões; e, em lúgubres pátio, caminhões fazendo filas para distribuí-las; fora disso, estradas e a tirania do tráfego. ...”
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cristianemagalhaes · 15 days ago
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Adiós Hemingway – Leonardo Padura Fuentes
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Esse eu li em inglês. Bom, como todos os livros do Padura, mas não o melhor. Hemingway, um ídolo de literatura para Mario Conde, é também uma pessoa meio “detestável”... Mas o detetive não quer que a memória desse autor fique danificada após o encontro de um corpo de um agende do FBI no terreno de sua finca em Cuba. Aí se desenrola a investigação, tendo sempre presente os amigos de Conde, a situação de Cuba, as saudades dos que deixaram a ilha....
“Thinking about death again took his mind off his discovery. He had already had the rare experience of being dead in the eyes of the rest of the world, when his plane had crashed near Lake Victoria during his second African safari. Like the character in Molière, it had given him the chance to find out what many or his friends and acquaintances thought of him. It wasn’t pleasant to read the obituaries published in several newspapers and to discover how many more people didn’t like him than he could have foretold. But he assumed that such harsh reactions were an inevitable consequence of his relationship with the world and a reflection of an old human habit: not to forgive other people´s success. Anyway, that false death brought him a feeling of freedom, though from that moment onwards, the way in which he was to die became an obsession, particularly as the time to die young and heroically had now passed, and his abused body was beginning to deteriorate. ...”
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cristianemagalhaes · 29 days ago
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Amendoas – Won-pyung Sohn
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Um adolescente “diferente”, com amídala pequena não consegue sentir sentimentos. Seus problemas com a família, os desconhecidos, os alunos da escola.... Enfim, um livro fácil de ler, sem grandes pretensões.
“Livros me levaram a lugares a que nunca poderia ir de outra maneira. Compartilhavam confissões de pessoas que eu nunca conheceria e vidas que jamais presenciaria. As emoções que não conseguia sentia e as experiências pelas quais não passara podiam ser todas encontradas naqueles volumes. E eles eram, por natureza, diferentes de programas de tv ou filmes.
Os mundos dos filmes, das novelas ou dos desenhos animados já eram tão meticulosos que não havia espaços em branco para preencher. As histórias na tela existiam exatamente como tinham sido filmadas ou desenhadas. ....
Mas os livros eram diferentes. Eles tinham muitos espaços em branco. Lacunas entre as palavras e até entre as linhas... Não importava que não tivesse ideia de o que as palavras queriam dizer. Virar as páginas era metade do caminho.”
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cristianemagalhaes · 1 month ago
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Canção de Ninar – Leila Slimani
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Um livro que começa pelo fim, mas que sabe manter o suspense até o próprio fim... Uma babá perfeita que permite a família muitas coisas que, sem ela, não seriam possíveis. Mas que vai se embrenhando de tal forma na história e, ao mesmo tempo, não é realmente vista por ninguém, num crescendo de curiosidade por ver como é que se chega ao fim que está logo no começo.
“Louise não responde, ou quase não responde, e as babás compreendem esse silêncio. Todas elas têm segredos inconfessáveis. Escondem lembranças terríveis de joelhos dobrados, de humilhações, de mentiras. Lembranças de vozes que mal se ouvem no outro lado da linha, conversas que se interrompem, pessoas que morrem e não foram  vistas uma última vez, dinheiro pedido emprestado dia após dia para um filho doente, que não a reconhece mais e que esqueceu o som de sua voz. Algumas, Louise sabe, roubaram; coisas pequenas, quase nada, como uma taxa cobrada pela felicidade dos outros. Algumas escondem seu verdadeiro nome. Não gostar de Louise por sua reserva não seria algo que pudessem cogitar. Desconfiam, só isso.”
“... Seu coração endureceu. Os anos o cobriram com uma casca grossa e fria, e ela mal o ouve bater. Nada mais a emociona. Precisa admitir que não sabe mais amar. Esgotou toda a ternura que tinha em seu coração, e suas mãos não tem mais nada para afagar.”
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cristianemagalhaes · 2 months ago
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Expiração – Ted Chiang
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Os contos são ótimos!!! Um deles fala sobre a possibilidade de vermos “outras versões de nossa vida”, ou seja, de ter contato com “você mesmo”, mas que decidiu, em vez de casar com “A”, por exemplo, não se casar... O que teria acontecido? Outro fala da escrita como mediadora dos pensamentos e há um em que se questiona se o que nos lembramos é o que realmente “aconteceu” *A verdade dos fatos, a verdade dos sentimentos”. Vale muito a leitura!
“... a escrita não era apenas um modo de preservar o que alguém dizia, ela podia ajudar a pessoa a decidir o que falar antes mesmo de dizê-lo. E as palavras não eram apenas pedaços da fala; eram pedaços do pensamento. Quando você escrevia, manejava os pensamentos como se segurasse tijolos, e, assim, era capaz de dispô-los em diferentes arranjos. a escrita lhe permitia olhar seus pensamentos de uma maneira que seria impossível se estivesse apenas falando, e, ao vê-los, era possível melhorá-los, torná-los mais fortes e elaborados.”
‘... mas a escrita é uma tecnologia, o que significa que uma pessoa alfabetizada é alguém cujos processos de pensamento são mediados por essa tecnologia....
... o Remen é apenas o primeiro exemplar de uma geração inteira de próteses para a memória, e, à medida que esses produtos forem ganhando uma aceitação generalizada, vamos substituir as memórias orgânicas e maleáveis pela perfeição dos arquivos digitais. Teremos gravações de tudo que de fato fizemos, em vez de histórias que vão evoluindo cada vez que são recontadas. ....
... E acho que descobri o verdadeiro benefício da memória digital. A questão não é provar que estávamos certos, mas admitir que estávamos errados.
Afinal, todos nós estivemos errados em um momento ou outro, fomos cruéis ou hipócritas, e acabamos nos esquecendo dessas ocasiões. E isso significa que, na verdade, não conhecemos a nós mesmos. Que tipo de autoconhecimento posso ter, se não tenho como confiar em minha memória? ...
.... O que a memória digital nos trará é a mudança dessas narrativas de fabulações que enfatizam os nossos melhores atos e escondem os piores para outras que – espero – reconheçam nossa falibilidade e nos tornem menos severos para com as falhas alheias....”
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cristianemagalhaes · 2 months ago
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Memórias de um urso polar – Yoko Tawada
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O livro tenta contar a história de 3 gerações de ursos sendo o último Knut, aquele ursinho que ficou famoso no zoológico de Berlim. Assim, conta a história de sua avó, que trabalhou no circo e escreve sua própria biografia, depois a de sua mãe, cuja história é contada por uma artista de circo que trabalha com ela e de Knut, que é criado no zoológico por ter sido abandonado por sua mãe. Esperava mais, é apenas razoável, do meu ponto de vista.
“Escrever uma autobiografia significava adivinhar ou inventar tudo o que se havia esquecido. Pensei que já tivesse descrito suficientemente a imagem de Ivan. Na verdade, quase não conseguia mais me lembrar dele. Ou melhor: estava começando a lembrar muito claramente, o que só podia significar que Ivan agora era nada mais do que uma criação minha.”
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cristianemagalhaes · 2 months ago
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O ancião que saiu pela janela e desapareceu – Jonas Jonasson
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Uma história meio rocambolesca, de um velho, que no dia que completa 100 anos, foge do asilo antes da festa.... e vai encontrando personagens curiosos e vai sendo contada sua história, que passa por encontros com Mao Tse Tung, Franco e outras figuras famosas, inclusive com a participação na pesquisa para a bomba atômica... Divertido!
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cristianemagalhaes · 2 months ago
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Vento que arrasa – Selva Almada
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4 pessoas que se encontram por um acaso (um carro quebrado), e esse encontro, além de fazer reviver o passado delas, muda seus futuros. Um livro pequeno, mas bastante grande.
“Volta e meia os dois se metiam pela mata e a observavam. A mata era uma espécie de entidade fervilhante de vida. Um homem podia aprender tudo o que havia para saber só de observar a natureza. Lá, na mata, tudo estava se escrevendo continuamente, como num livro de sabedoria inesgotável. O mistério e a revelação. Tudo mesmo, contanto que o sujeito parasse para escutar e ver o que a natureza tinha para dizer e mostrar.
Passavam horas quietos sob as árvores, desentranhando sons, exercitando um ouvido de tísico, capaz de distinguir entre uma lagartixa andando sobre a casca das árvores e um verme passando sobre uma folha. O pulso do universo se explicava por si mesmo.”
“Aquele cheiro era muitos cheiros a um só tempo. Cheiros que vinham de longe, cheiros que era preciso separar, classificar e reunir, para decifrar o que era esse cheiro feito de tantas misturas.
Era o cheiro da mata profunda. Não do coração da mata, mas de muito mais para dentro, das entranhas, por assim dizer. O cheiro da umidade do chão mais abaixo dos excrementos dos animais, do microcosmo que palpita abaixo do esterco; sementinhas, insetos diminutos, escorpiões azuis, donos e senhores daquele pedaço de terra sob a sombra......
O cheiro dos boias-frias curvados sobre os campos de algodão. O cheiro dos algodoais. O cheiro de querosene das colheitadeiras.
E, mais para cá, o cheiro do lugarejo mais próximo, do lixão, a um quilômetro do lugar, do cemitério incrustado na periferia, das águas negras dos bairros sem rede de esgoto, o cheiro das fossas. E o cheiro dos pés de maracujá que se obstinam em subir pelos postes e alambrados, que preenche o ar com o cheiro doce da fruta, do mel babento que atrai as moscas.
Baio sacudiu a cabeça, pesada de tantos cheiros que reconhecia. Coçou o focinho com uma pata, como se limpasse o nariz, como se o desintoxicasse.”
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cristianemagalhaes · 3 months ago
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A senhora Pylinska e o segredo de Chopin – Eric-Emmanuel Schmitt
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Outro pequeno livro do mesmo autor, mas completamente diferente. Uma excêntrica professora de piano faz com que Éric, o personagem central, se envolva em diversos exercícios que parecem nada ter a ver com o piano e a obra de Chopin, mas que o levam a encontrar a alma dessa música.
 - deitar-se de baixo da tampa harmônica do piano com as palmas da mão no chão;
- aprender a colher as flores sem derrubar o orvalho;
- jogar semente na água e ver a superfície plana, analisar o impacto, suas consequências, o tempo que os círculos levam para se formar, ampliar e desaparecer;
- prestar atenção ao efeito do vento nas árvores;
- faça amor com alguém, olhe-a nos olhos e dedique-se a isso por mais de uma hora;
“Uma prova de que criava por completo! Nós ouvimos o que ele escutou. Ele se importava profundamente com os elementos que constroem a música. Ele é acusado de ter se limitado ao piano, criticavam-no quando ainda era vivo, quando a fama e a fortuna vinham da ópera ou do concerto sinfônico. Ele resistiu. Admire sua força interior! Quanta sabedoria! Gênio é quem entende logo o que deve realizar na Terra. Chopin conheceu e reconheceu a si mesmo antes dos outros; desde os dezoito anos se rebelou contra os bons conselhos. E por quê? Não por desprezar o sucesso do dinheiro, e sim por se recusar a negligenciar as sonoridades. Ele manejava os timbres tal como Rembrandt fazia com os pigmentos de sua paleta. Bach praticava desenho; Chopin, pintura."
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cristianemagalhaes · 3 months ago
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Milarepa – Eric-Emmanuel Schmitt
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Um pequeno livro, parte de uma trilogia que fala das religiões – e, nesse caso, do budismo. Nesse caso, um personagem atormentado por sonhos em que busca um odiado homem encontra uma pessoa que lhe diz que ele é a reencarnação de uma pessoa que odiava seu sobrinho, que se envolveu com magia negra e destruiu a vida do tio. Milarepa, tempos depois, trilhou outro caminho e se tornou um mestre budista.
“Tinha percebido que repetir fórmulas não significa nada, somente o esforço produz benefícios. Tinha percebido que o bem requer mais vontade que o mal. Tinha percebido também que meu corpo é uma embarcação frágil se o abarroto de crimes, ela naufraga; se alivio seu peso praticando o desapego, a generosidade, o altruísmo, ela me leva a bom porto. Tinha, enfim, percebido que antes eu não era um homem, era somente um bípede, levemente peludo e dotado de linguagem articulada; a humanidade aparecia para mim no fim da estrada. Estava longe, um alvo. Será que eu conseguiria me tornar um homem?”
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cristianemagalhaes · 3 months ago
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O Senhor Ventura – Miguel Torga
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As viagens e aventuras de um alentejano, que vai a China, faz negócios nem sempre muito lícitos, conhece um grande amigo, depois se apaixona... enfim, uma vida de aventuras, como diz o próprio nome do personagem.
“No silêncio da noite e em pleno deserto, sob um céu escuro onde só uma estrela bruxuleava, o Senhor Ventura recebeu então no mais profundo da ala o último suspiro do companheiro. E pela primeira vez a sua humanidade ura teve consciência do mistério da vida e da morte, e das forças cósmicas que aproximam os homens e os fazem amar-se uns aos outros. Por que razão chorava ele o corpo exangue que lhe arrefecia nos braços? Por que motivo um desespero argo lhe apertava a garganta? Tanta gente que vira morrer a seu lado Mas, por mais que qisesse, não conseguia render-se à insensibilidade deste argumento. Conhecera aquele sujeito por acaso, sabia que se chamara Pereira, era do Minho, e cozinhava bem. Nada mais.”
“O senhor Ventura, porém, estava para lá dos cálculos de Tatiana. Amava-a verdadeiramente, dum amor capaz de purificar um lodaçal. A sua natureza violenta, assomadiça, que até ali só soubera e quisera afirmar-se por actos de vontade, descobrira naquela mulher um receptáculo de ternura e de paz. Embora a saber que pisavam saibro, os seus pés queriam passear ali como num jardim verdejante e florido. A primeira paixão do alentejano precisava dum lírio branco à cabeceira.”
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cristianemagalhaes · 3 months ago
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No degrau de ouro – Tatiana Tolstáia
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Um livro de contos contados com muita poesia. Traduzido por Tatiana Belinky, tem boas histórias, em que os termos mais característicos da Rússia são explicados ou pela autora ou pela tradutora.
As descrições são preciosas:
“E de lá, do horizonte distante, já corria, risonho e ruidoso, agitando sua bandeira multicolor, o verde verão com formigas e camomilas.”
“As folhas já empoeiradas da frondosa tília chapinhavam, sussurravam, conspiravam, misturando-se num monte emaranhado, entre risadinhas, sopravam sugestões, combinavam coisas> vamos fazer assim? E ainda podemos fazer deste jeito, bem pensado, então, pronto, estamos combinadas, é o nosso segredo, certo? Cuidado para não entregá-lo!....Não há como deter o verão com as mãos débeis, evitar a decomposição, ruem as pirâmides.... “
“A pessoa era – e não é mais. Só o nome ficou – Sônia. ‘Lembra-se, a Sônia dizia...’ ‘Um vestido como aquele da Sônia...’ ‘Você vive assoando o nariz, igual a Sônia’ Depois morreram também as pessoas que diziam isso, e na cabeça só me ficou um rastro da voz, incorpóreo, como que saindo da goela negra do bocal do telefone. Ou súbito se descortina, como se fosse no ar, qual nítida fotografia viva, uma sala ensolarada, risos em volta da mesa posta, com jacintos num vasinho de vidro sobre a toalha, também enroscados em recursos sorrisos rosados. Olha depressa, enquanto ela não se apaga.”
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cristianemagalhaes · 4 months ago
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Amanhã tardará – Pedro Jucá
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Uma família, como todas, difíceis... Um tio homossexual, um rapaz que descobre a própria sexualidade e sabe da incompreensão da família, uma irmã, que de inseparável se torna distante, a relação difícil com a mãe, a alegria das sobrinhas... Uma história de família, como todas, com suas infelicidades e momentos felizes. Mas o autor é muito bom com as palavras!
“Quando saímos de Ourives, deixando as moradias para trás, desceu sobre nós a última cerração da madrugada. Não era um agouro, mas um auspício de proteção e esperança. a vista não ia longe, mas, mais próximos, fiávamos ser um só o caminho. A vaga impressão de estar algo prestes a rebentar se fez concreta quando chegamos ao alto da colina e descobrimos, em redeslumbre, que a noite havia nos dado à luz: no horizonte, o dia nascia em um silêncio róseo. O vento frio suspendeu de nossos olhos o derradeiro véu de penumbra, e, incandescido de sol, o campo de macelas ardeu dourado”
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cristianemagalhaes · 4 months ago
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20 contos de Truman Capote
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Não sei se é o melhor de Truman Capote, mas há contos bons e outros, nem tanto.
“... Se de fato havia algo de errado nele, era consequencia de circunstâncias fora de seu controle, culpa, talvez, da mãe carola, ou do pai, que trabalhava na área de seguros em Hartford, ou da irmã mais velha, Cecile, que se casara com um homem quarenta anos mais velho que ela....”
“Voce sabe, sim. nós dois ensinamos o Irving a odiar. Tenho a impressão que antes ele não sabia.”
Memória de Natal talvez seja o melhor deles! um menino que tem por melhor amiga uma velha, e juntos fazem bolos de Natal que enviam para “pessoas que caem em nossas graças”... é um conto delicioso, como talvez sejam os bolos de Natal que eles faziam...
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