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About Political Science in Mozambique
O PROCESSO HISTÓRICO DA TRANSFORMAÇÃO DO CAMPO RELIGIOSO EM MOÇAMBIQUE
O período colonial e o cristianismo em Moçambique
O período colonial em Moçambique apresenta manifestação de dois grupos religiosos, as igrejas católicas e as igrejas protestantes. A colocação plural do primeiro grupo, “igrejas católicas”, é propositada, almejando destacar a existência de duas correntes do catolicismo em Moçambique. De acordo com Cruz e Silva (s/d), a diversidade católica decorre do facto de ser composta por católicos aliados e católicos que se opunham a acção do sistema colonial português em Moçambique.
Mesmo sem precisar sobre a origem dos indivíduos e missões que compunham o grupo de católicos opositores ao sistema colonial português, a autora advoga que era constituído, maioritariamente, por indivíduos não portugueses. Este facto demonstra a existência de dois grupos distintos entre os católicos no período colonial, cujo elemento de distinção consiste no tipo de relação estabelecida com o poder colonial, de aliada ou rebelde. Este último teve pouca manifestação social e religiosa, pois os seus percursores foram expulsos ou presos em Moçambique e são poucos teóricos que tem considerado a sua manifestação (Cruz e Silva s/d)).
A Igreja Católica como aliada ao poder colonial português gozava de alguns privilégios e, em contrapartida, participava para o alcance dos objectivos de Portugal. Parte destes privilégios correspondem ao direito de subsídios fornecido pela Companhia de Moçambique, acordado em 1930 e em troca a Igreja Católica deveria abrir escolas rurais, sobretudo nas zonas de maior concentração protestante, com o objectivo de melhorar a mão-de-obra e reduzir a influência protestante nestas zonas (Neves 1999).
Com o advento do Estado Novo em Portugal, o papel da Igreja Católica foi reforçado em questões de formação moral e cívica, e na instrução dos africanos. Deste modo, foi-lhe confiada a missão de civilizar o indígena através da cristianização. Nesta aliança, o Estado Novo concedeu a Igreja Católica direitos exclusivos de dirigir a educação dos moçambicanos, promover serviços sanitários e de registo civil, com recurso a fé cristã. Este acordo foi atribuído mediante a assinatura da Concordata e do Acordo Missionário entre o Vaticano e o governo português em 1940, bem como do Estatuto Missionário em 1941 (Cruz e Silva s/d). Deste modo, vemos a igreja em Moçambique, no caso católica, como instrumento colonial. A sua base era a fé cristã.
No contexto do colonialismo em Moçambique existiam as igrejas protestantes, as quais segundo Mahumane (2004) surgem em Moçambique como consequência da penetração de igrejas missionárias a partir do século XIX e das influências culturais decorrentes do processo de migração de moçambicanos para os países vizinhos. A questão da migração teve maior influência nos moçambicanos que migravam para África do Sul, de onde ao regressarem traziam consigo as experiências religiosas deste país. Deste evento destaca-se a importação das Igrejas Zione da África do Sul para o contexto moçambicano, a qual com a independência alastra-se por diversos contextos moçambicanos (Agadjanian 1999).
Diversos autores, referindo-se a presença de igrejas protestantes em Moçambique no período colonial, compartilham a ideia de que esta foi num ambiente de tensão (Neves 1998; Morier-Genoud 2002; Agadjanian 1999; Leite 2012). A principal causa baseava-se na diferença de objectivos entre as igrejas protestantes e o poder colonial português, ao contrário da igreja católica.
De acordo com Neves (1998) é possível identificar a tensão entre o governo colonial português e as igrejas protestantes nos objectivos distintos entre estas duas instituições. As igrejas protestantes, na sua diversidade, ofereciam melhores oportunidades de instrução em relação ao sistema colonial e participavam na valorização da identidade dos grupos sociais de Moçambique. Neste aspecto está a introdução de novos valores e atitudes entre os grupos com os quais trabalhavam, assim como a introdução do ensino em línguas locais.
Os protestantes criticaram o conceito de civilização do sistema colonial/igreja católica e propuseram currículos alternativos, com vista a alargar a visão científica dos estudantes moçambicanos, observando a peculiaridade local. Foi neste âmbito de valorização da cultura moçambicana que as igrejas protestantes contribuíram para o despertar da consciência política e reafirmação da identidade africana, em especial moçambicana. Desta atitude surgiram movimentos associativos de cariz nacionalista e posterior reivindicação política. Ressaltar que é do movimento protestante que surgem alguns nacionalistas moçambicanos (Neves 1998).
As igrejas protestantes, enquanto movimentos religiosos, tinham o objectivo de evangelizar os grupos sociais de Moçambique. Xavier (2020) sugere que o interesse religioso das missões protestantes advém do entendimento de África, em especial Moçambique, como um contexto social carente de conhecer a Palavra de Deus e amaldiçoado. Desta carência de salvação e libertação, o africano estava impossibilitado de suprir-se por si. Surgindo, deste modo, o sentimento de responsabilidade missionária das igrejas protestantes por Moçambique, para a salvação dos moçambicanos.
Com base nestes autores é possível identificar algumas áreas de actuação ou influência do protestantismo em Moçambique, no contexto colonial. Por um lado, assiste-se a participação de igrejas protestantes na dimensão sociopolítica, através de abertura de escolas, hospitais, seminários, desenvolvimento da consciência nacionalista, bem como do sentimento e atitudes com vista a libertação de Moçambique (Morier-Genoud 2002 e Cruz e Silva s/d). Por outro, verifica-se a sua participação na dimensão religiosa, com um carácter específico.
Enquanto os católicos afirmavam uma estrutura hierárquica vertical na sua relação com os moçambicanos, os protestantes desenvolveram uma relação horizontal. Este facto é visível pelo interesse e empenho na africanização das instituições religiosas por si criadas. Isto através de formação de pastores e professores moçambicanos, aos quais, gradualmente coube-lhes dar continuidade a missão evangélica em Moçambique, para a expansão da fé cristã e consequente salvação dos moçambicanos.
A manifestação das igrejas protestantes nestas áreas variou de igreja para igreja, segundo o plano e visão de cada uma. No contexto do colonialismo identifica-se diversas igrejas ou missões protestantes, a saber: Igreja Nazarena (1921), Missão de Nauela (1913), Igreja Metodista Livre (1885), União Baptista (1920), Open Doors (por volta de 1970) e Africa Inland Mission (Morier-Genoud 2002), American Board Mission (finais do século XIX) (Neves 199), Igreja Metodista Episcopal, Missão Suíça, Igreja Adventistas do Sétimo Dia e mais.
Ressaltar que ainda no contexto colonial, o protestantismo em Moçambique era diversificado não só em questões denominacionais, mas também, em questões teológicas, estratégias de evangelização, visão política e social. Segundo Morier-Genoud (2002), estas diferenças permitem distinguir dois grupos protestantes em Moçambique no período colonial, nomeadamente: protestantes evangélicos e protestantes liberais.
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FACULDADE DE LETRAS E CIÊNCIAS SOCIAIS DEPARTAMENTO DE ARQUEOLOGIA E ANTROPOLOGIA LICENCIATURA EM ANTROPOLOGIA
Papel da Igreja Ministério de Arrependimento e Santidade de Moçambique na reconfiguração da vida quotidiana dos seus membros.
Autor: Etílio Simião Muchanga Supervisor: Jonas Alberto Mahumane
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A Participação das “Autoridades Tradicionais” na Gestão de Conflitos de Terras: Estudo de Caso Localidade de Gueguegue-Distrito de Boane
Das leituras feitas destaco as seguintes explicações e interpretações já existentes dos estudos feitos sobre as autoridades tradicionais e gestão de conflitos de terras. Florêncio (2005) em sua obra “ Ao encontro dos Mambos: Autoridades Tradicionais vaNdau e Estado em Moçambique”, faz uma análise desenvolvimentista num contexto de construção do Estado de direito em Moçambique através do estudo que ele fez na região centro do país que passava pela inclusão das autoridades tradicionais locais no novo modelo de governação com alicerces na democracia, pois para este autor estas instituições são a ponte entre o passado, presente e futuro das comunidades e elas devem ser usadas como intermediários do Estado junto das comunidades locais.
A atenção sobre as autoridades tradicionais surgiu um pouco com o corolário da procura deactores políticos locais como forma de concertar o falhanço em relação ao desenvolvimento equitativo e sustentável para o conjunto das populações que os Estados Africanos tiveram nos finais da década 70 e inicio dos anos 80, em que se procura realçar o papel de intermediários que as autoridades tradicionais têm desempenhado desde a época colonial entre o Estado e as populações. Este lugar privilegiado de intermediação deriva em grande medida do facto de as autoridades tradicionais ocuparem um lugar relevante enquanto elos de ligação entre o passado,presente e o futuro das comunidades locais africanas (Florêncio 2005).
Wemeir (1999:3) aponta Iraé Lundin e Francisco Machava como sendo os pioneiros a estudarem as autoridades tradicionais em Moçambique pós-independência que apresentam um retrato romantizado das autoridades tradicionais. Por seu turno Jocelyn Alexander (1994) neste debate de autoridades tradicionais, preocupa-se com forma que o debate estava acontecendo. De acordo com ela os envolvidos no debate tendem a descrever cultura tradicional e poder tradicional como historicamente estático, romântico dedicam-se a manter um jogo incontestado de normas sociais, e fortemente opostas à intrusão estrangeira de coisas modernas. Neste sentido Alexander (1994) discorda com esse avanço que criava uma imagem de harmonia e acordo em áreas rurais. Por exemplo, ela mostra que eles tendem a desvalorizar os conflitos e transformações dentro da sociedade rural e insinuar aquela cultura tradicional e podem ser reconstituídas instituições que de alguma maneira, podem ser reavivadas, ou simplesmente podem ser reconhecidas.
Por sua vez Trutz von Trotha (1996) citado por Florêncio (2005:47) afirma que para a actualidade o carácter de intermediário administrativo em que se transformou esta instituição de poder tradicional, primeiro por influência do Estado colonial e depois pelo Estado independente, constitui um risco para a continuidade desta instituição. Nesta óptica de abordagem nota-se que as autoridades tradicionais são olhadas como instituições em vias de extinção o que para o caso da realidade moçambicana não constitui a verdade porque o que se verifica é que estas instituições tendem a se adaptarem a nova realidade da modernidade. Uma ideia defendida por Florêncio (2005:47) que afirma as autoridades tradicionais são verdadeiros juízes e o tribunal destes é a instituição básica para a resolução de conflitos em torno de disputas de terras nos Estados africanos coloniais e pós-coloniais.
Por seu turno Carvalho (2004:38) argumenta que as autoridades tradicionais são designações locais dos herdeiros dos pequenos reinos pré-coloniais que haviam sido vulgarizados durante o período colonial para referir qualquer detentor do poder tradicional. O ressurgimento da instituição das autoridades tradicionais é actualmente um fenómeno alargado em África, possuindo novas funções e obedecendo a lógicas que devem ser entendidas contextualmente. A partir da década de 80 tem-se vindo a assistir a um significativo movimento de recuperação destas instituições sociais, cujo seu poder está incluído nas práticas de gestão colectiva enraizadas nos hábitos locais segundo regras autónomas em relação ao Estado (colonial ou independente).
Barnes (1996) citada por Carvalho (2004:40) afirma que as autoridades tradicionais embora destituídos de poder político no quadro da nova organização administrativa, os chefes titulares tradicionais possuem um património simbólico derivado tanto do prestígio do seu estatuto como dos rituais pelos quais são responsáveis, ou dos quais são sujeitos, o qual é utilizado para aumentar o seu poder efectivo, tornando-se os representantes das aspirações da população local, bem como os principais intermediários entre estas e o aparelho político nacional. A escolha é sancionada a posteriori em termos de direitos de sucessão, pelo que os conflitos potenciais em torno dos candidatos se traduzem habitualmente no questionamento da sua legitimidade genealógica.
No contexto da Africa Ocidental afirma Carvalho (2004) a instituição das autoridades tradicionais, foi mantida apesar da manipulação exercida pelas autoridades coloniais, da destituição do poder político dos seus dignitários reconhecidos oficialmente e do seu reduzido património económico, graças ao capital simbólico de que continuam a usufruir, tanto junto da população local como do Estado nacional. A sua posição permite-lhes servirem de intermediários junto do Estado ou de outras organizações, sendo legitimada pela referência a valores ditos tradicionais embora considerando que o processo de estabelecer as autoridades tradicionais não era uma tentativa para recriar o passado, mas usar formas passadas para propósitos do presente.
No entanto estas instituições sociais continuam buscando a legitimidade nas suas raízes locais: elas defendem a cultura local e ordem social como também estão no centro da vida política local. Ainda continuam estando sujeito às pressões do Estado. Apesar de todas estas pressões e várias tentativas Van Nieuwaal, e Ray (1996) discutem a probabilidade que as autoridades tradicionais têm de fazer parte do processo de renovação democrática de Estados africanos. Estes autores advogam que nem as autoridades tradicionais, nem o Estado vão desaparecer no futuro próximo, mas eles precisam ser transformados caminhando junto.
Van Nieuwaal e Ray (1996:9) asseveram que as autoridades tradicionais não só têm que ser os guardiães da tradição, mas elas também devem ser agentes activos do presente e futuro promovendo o bem-estar da comunidade. Agora, se discute o tipo de competências que as autoridades tradicionais têm que ter: lidar com as exigências de desafios e tarefas económicas, administrativos e políticos modernos. Quando as autoridades tradicionais falam de representar as comunidades, elas não querem dizer que as representam no senso de cada indivíduo pode representar outro, mas sim recorrem a representação como a incorporação de tradições sagradas da comunidade.
As autoridades tradicionais se tornam agentes que podem debater assuntos gerais que podem ser solucionados e podem ser articulados com interesses locais, e são defensores de interesses locais em discussões com o governo central. Novamente como na situação legal, as autoridades tradicionais devem ser livres de controlo do governo central, mas sujeitos a controle dos princípios da comunidade local, embora que as autoridades tradicionais não podem representar a ordem local adequadamente sem ser constitucionalmente integrado ao nível do Estado central (Van Nieuwaal e Ray 1996).
Assim, como Van Nieuwaal e Ray, Skalník vê autoridades tradicionais como instituições que estão em co-existência, se não sempre em co-existência pacífica, com as políticas do Estado póscolonial. Skalnik citado por Van Nieuwaal e Ray (1996:11) argumenta que as autoridades tradicionais africanas são genuinamente democráticas, mas não necessariamente em conformidade às concepções da democracia representativa da Europa. Neste argumento o autor defende que as autoridades tradicionais têm uma democracia que só se pode compreender dentro do seu contexto.
Neste contexto Florêncio (2005:44) afirma que, o estudo das autoridades tradicionais africanas e do seu lugar nos processos de formação dos Estados independentes, constitui um fenómeno relativamente recente nos estudos políticos em África, estes surgem sub a influência de teorias de modernização e do desenvolvimento que oferecem o Estado o papel de actor central do desenvolvimento. Na mesma perspectiva Zamponi (2008) argumenta que nas últimas décadas as análises neoliberais do desenvolvimento, que consideram os governos africanos como sendo os únicos responsáveis pela falta de desenvolvimento, estes encorajam a retomada das autoridades tradicionais como alternativa não estatal legítima que pode promover e cuidar de segurança na gestão de conflitos e acesso à terra, para todas as comunidades rurais.
No mesmo diapasão Amaral (1990:133) refere que as autoridades tradicionais ocupam um lugar de destaque no seio das comunidades moçambicanas, pois estes participam na resolução de pequenos diferendos que surgir no seio dos habitantes da povoação, à autorização e a presidência de festividades e distribuição da terra para o cultivo e habitação dos novos membros da comunidade.
Do mesmo modo, Katiavala (2004) enfatiza que as autoridades tradicionais continuam ainda a desempenharem um papel de relevo, nomeadamente no que toca a preservação do direito de acesso a terra pelos membros das comunidades, facilitação de negociações de cedência da terra à agentes externos, a resolução de conflitos e, em alguns casos a gestão dos espaços florestais. E associando a esta ideia sobre as autoridades tradicionais está Feliciano (1998:03) que sustenta existe uma relevância das autoridades tradicionais nas comunidades, pois estas preocupam-se mais no que diz respeito aos limites de suas terras, direitos sobre terras de cultura da comunidade local.
No entanto, para Florêncio (2005:59) as autoridades tradicionais têm uma qualidade de representantes das suas sociedades locais e de guardiões da tradição, a que deriva da qualidade de funcionários locais do Estado, e que estão imbuídas em dois universos sociológicos diferentes, das sociedades tradicionais e do universo moderno, diz portanto que estas instituições têm uma representação ambígua por conflitos de interesses entre estes dois universos. Seguindo o mesmo diapasão Van Nieuwaal (1999) afirma que as autoridades tradicionais possuem uma dupla base de poder, por um lado o que lhes advém do seu envolvimento em projectos de desenvolvimento ou de implantação de políticas estatais e, por outro, o que decorre da sua legitimação num enquadramento sociocultural local - direito costumeiro. A sua actuação é controlada pela legislação e meios estatais, conquanto o Estado procura obter a sua legitimação através das autoridades tradicionais. No entanto, a análise deste autor é limitada porque não desenvolve a problemática da legitimação local das autoridades tradicionais e a sua explicação sobre o processo de revitalização da tradição, enquanto um meio de suplantar as deficiências do regime democrático.
Na mesma vertente, Artur (1999:90) afirma que as autoridades tradicionais têm a sua existência factual como autoridade comunitária. Embora muitas das vezes parece ser representada por um indivíduo, as autoridades tradicionais são instituições complexas da esfera sócio-política, pois elas são constituídas por diferentes actores com funções diversas mas interdependentes.
Partindo de uma posição diferente de argumentos dos autores supra citados, Hoehne (2008) fazendo uso das palavras de Lutz e Linder afirma que onde as autoridades tradicionais são mais legítimas que o governo, é uma ilusão pensar que é possível construir um Estado funcional sem cooperação íntima com as autoridades tradicionais. Em tais casos, autoridades tradicionais são um factor decisivo para governação local próspera e desenvolvimento. Autoridades tradicionais dispõem de uma grande capacidade de mobilização ao nível local, elas alcançam onde o Estado não alcança.
Para Hoehne (2008:3) as autoridades tradicionais são estruturas contingentes, porque elas existem em relações complexas, entre as suas comunidades locais e poderes externos. Por um lado, autoridades tradicionais frequentemente estão perto das suas comunidades e assim podem ajudar com a provisão de serviços básicos e a melhoria das condições sociais e económicas ao nível local. Do outro lado, elas sempre estiveram a prestar contas como responsáveis das suas comunidades e simultaneamente para os representantes do Estado.
Enquanto, para Van Nieuwaal e Ray (1996:28) a relação entre as autoridades tradicionais e as autoridades do governo moderno está baseada em duas características: competição e dependência mútua. Os dois actores estão interessados em ampliar o poder, e isto sempre está às custas um do outro actor, de forma que eles estejam em competição. Mas eles também precisam um do outro para exercitar o seu poder, e nisto eles são mutuamente dependentes. Aqui enfatiza-se a necessidade de haver uma relação de reciprocidade entre estas duas instituições, pois uma depende da outra para afirmar-se e fortificar o poder e autoridade perante a comunidade.
Ainda no que diz respeito as autoridades tradicionais, West e Myers (1992) chamam atenção da necessidade de dar direitos à população local de identificar seus representantes em assuntos de administração de terra. As autoridades tradicionais deveriam ser sujeitadas a um processo de confirmação pela população local para ganhar o mandato para administrar terras. Estes autores afirmam que a tradição e legitimidade política das autoridades tradicionais são historicamente e culturalmente construídas, isso é, sujeito a refazer continuamente.
West e Mayers (1992), argumentam que as eleições democráticas dos Estados modernos também poderiam ser seguradas ao nível local ao longo do país e que fossem permitidas que as comunidades elejam os seus líderes ao nível local, de modo que autoridades tradicionais sejam consideradas legítimas pelas populações locais, seguindo os princípios democráticos como forma de quebrar a divisão que existe entre as autoridades tradicionais e modernas. Estes autores olham as autoridades tradicionais como instituições não legítimas, porque para eles a legitimidade deveria ser feita através de eleições e não por escolha ou sucessão dentro da família reinante.
Ntsebeza (2002:371) advoga que o reconhecimento da instituição de liderança tradicional foi largamente influenciado em geral por considerações políticos e de reconciliação, em lugar de ser influenciado por apoio popular. O reconhecimento da instituição era parte da arena altamente politica de escolher e consolidar alianças entre elites, para a exclusão de comunidades rurais, e ignorando realidades vivenciadas in loco.
Ntsebeza (2002:372) considera que a ambivalência de governo relativo ao papel de autoridades tradicionais em uma governação democrática lança dúvidas sérias sobre os prospectos de democracia e cidadania nas zonas rurais. O argumento do autor indica quão é complexo conciliar os princípios democráticos com os princípios que regem as autoridades tradicionais que em algum momento entram em choque de interesses, pois as autoridades tradicionais vêm os seus poderes diminuídos com a implementação dos princípios que norteiam a democracia baseada nas eleições e a democracia se vê minada com inclusão das autoridades tradicionais dentro do seu sistema, por que têm a sua base de legitimidade na família e princípios de sucessão.
Enquanto Amaral (1990) em sua obra “O povo Yao: subsídios para o Estudo de um povo Nordeste de Moçambique” faz uma reflexão sobre as autoridades tradicionais e locais de modo a valorizar as autoridades tradicionais, pois estas constituem o juiz comunitário das populações locais e que as autoridades do Estado deveriam trabalhar em sintonia constante com estas instituições pois elas são as que têm o conhecimento detalhado da cultura local, tradição, crenças e costumes da população.
Do mesmo modo, Katiavala (2004) em “O Papel das Autoridades Tradicionais na Gestão de Terra” chama atenção em relação ao papel preponderante que estas instituições têm na distribuição de terras, facilitação na resolução de conflitos de terras que envolvem as comunidades locais e agentes externos por estas possuírem um conhecimento sobre as comunidades.
Numa perspectiva diferente, Pacheco (2002) afirma que as autoridades tradicionais foram perdendo o poder e importância de forma progressiva no condicionamento da vida económica e social dos respectivos povos devido a agentes externos como o Estado colonial, Estado independente, a presença das Igrejas, ONGs, o aparecimento de pessoas letradas a nível das comunidades. Sustenta ainda que os poderes destas instituições estão instaladas nas sociedades linhageiras cuja organização social é fundada no parentesco e cujo substrato filosófico religioso se baseia no culto dos antepassados que constitui suporte do poder. Há autoridades reconhecidas pelo Estado, mas sem qualquer aceitação por parte da população e outras que sendo aceites, não são reconhecidas pelo Estado por razões de ordem política.
E para o presente trabalho adopto as abordagens defendidas por Zamponi (2008), Amaral (1990:133), Katiavala (2004), Artur (1999), Florêncio (2005), e Hoehne 2008 pois estes olham para as autoridades tradicionais como instituições políticas complexas e dinâmicas e não só como os guardiões da tradição, mas sim como instituições sócias com uma existência de facto que ao longo da história tiveram mudanças, embora preservando o seu lado tradicional e de respeito as crenças locais mesmo com o contacto que estas instituições têm e tiveram ao longo da história com instituições externas e têm como base de legitimação, a família, a tradição e a cultura local e hoje estão a par das mudanças sociais e politicas para assegurarem a sua existência no seio das comunidades.
Extracted from: A Participação das “Autoridades Tradicionais” na Gestão de Conflitos de Terras: Estudo de Caso Localidade de Gueguegue-Distrito de Boane
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PLANO INTEGRADO DA COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA
Ministerio da Industria e Comercio
Estudos Gerais Apesar de haver um aumento significativo de volumes de produção interna de alguns produtos agrícolas, como é o caso de milho e oleaginosas, tal aumento ainda se mostra insuficiente para abastecer a indústria nacional. As grandes indústrias de agro-processamento continuam a importar o milho, trigo e oleaginosas para o seu aprovisionamento. Por outro lado, foram construídas três fábricas, respectivamente de processamento de milho e ração em Ulónguè (Tete), com capacidade total de 100 ton/dia, de arroz em Namacurra (Zambézia), com a capacidade de 150 ton/dia e de algodão em Guro (Manica), com a capacidade de 100 ton/dia.
Extracto : PLANO INTEGRADO DA COMERCIALIZAÇÃO AGRÍCOLA - 2013
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