godrigues
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god ● rigues
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godrigues · 7 days ago
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heregias, suponho.
Estava a pensar porque é que me faz tanta confusão o conflito da ganância de dinheiro e poder e território, e as múltiplas facetas que o contornam, como fatores de risco de uma doença, e ponderei que tipo entranhas fui codificando em mim.
Desisti da fé há alguns anos. Da religião. Embora ache que a fé e a religião não são comadres obrigatórias e exclusivas. São poliamor. São do espetro. Mas desisti e, ao mesmo, não sei se alguma vez fiz parte dela. Ou ela de mim. Desde os seis anos que andei na catequese, cumprindo os onze dedicados, com maior ou menor assiduidade ou interesse, até ao culminar do último degrau que se faz sozinho, e sem intenções de ramificar no seu ensino posterior. Divago, como habitual. Antes dos seis anos não tenho memórias certas da influência que a religião da minha família teve em mim, mas terei algumas marcas, certamente. A partir dos seis tenho provas. Mas não sinto que tenha abandonado Deus, da mesma forma que não sinto que abandonei o amigo imaginário que tanto me esforcei para ter só porque outras crianças o tinham, e nos filmes, e nos desenhos animados. Para mim, só existiam porque eu os criava na minha mente. Dava-lhes forma consoante as suposições, e deixava-os de lado maior parte do tempo porque dava trabalho mantê-los. Mais do que um tamagotchi, mesmo que não o deixasse cair novamente na sopa. Mas não sinto que abandonei o meu amigo imaginário porque nunca o consegui ver como algo realmente que existisse ou fizesse sentido para mim. E apesar de 11 anos de constantes lições (e constantes faltas sobretudo no domingo em que os ramos tornavam o ar da igreja irrespirável para a minha asma), aconteceu o mesmo com a figura omnisciente com que me ameaçavam castigo se me portasse mal. Eramos todos pecadores, e eu até me portava bem. Não precisava de um olho omnipresente para aprender sobre empatia e aplicá-la ao meu melhor jeito. Não acreditava que uma mão omnipotente se importasse com o queijo que eu comia às escondidas, mais do que com a fome e a guerra do outro lado do mar. Ou se calhar já previa inconscientemente que a minha verdade não viria a ser compatível com a deles. Ou se calhar fui só do contra, como em tantos outros passos. Que culpem o meu signo.
Então talvez eu não tenha desistido da fé ou da religião. Talvez nunca a tive. Apenas sei que, tal como tantas outras relações que vamos colecionando e curando ao longo da linha, montando a nossa pequena bolha de existência fugaz para atravessar os dias incógnitos que nos faltam, esta não foi feita para mim.
20 | 06 | 2025 | espinho
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godrigues · 14 days ago
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Sobre um chão que construo coberto de areia, granulado, e mar perto, o vento acorda-me. Relembra-me que não sei voar sem chão. Junto a água num novo monte, respiro, refaço, reverto, e mantenho o passo. (já não sei o que faço) Incerto.
Não me largues a mão.
13 | 06 | 2025 | espinho
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godrigues · 21 days ago
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assim ou assado.
O balanço do mar não para, e a ferramenta para atingir um fim parece mais feita de carne do que metal. Como posso livrar-me do músculo sem o cortar? Talvez num amanhã diferente, numa linha de existir que segura a média mais acima. Mais alegre. Mais aberto ao ritmo de uma dança que continuo a aprender os passos. Ainda não sei ao certo o que faço com os limões que semeei, plantei e agora espremo sobre a vida como um tempero sem saber se disfarço o azedo da expiração ou embelezo o sabor da tentação. É-se preciso ser tentador para continuar a sonhar depois de certa idade. Sou tão novo a ver os números errados crescer. Sou tão verde a sentir o corpo florescer. Enraizar. Transformar-se com o jardim que reguei. Como poderia esperar tulipas se o que pus no chão foram pinhas?
Desagrada-me menos a mutação. A hibridização das células do que sou, enquanto aceito perder partes de mim. Partes do que fui. Um livro não termina se continuarmos a passar o dedo nas rugas da primeira página. Vai mais um salto. Já desisti de ser alto. Há outras formas de lá chegar. Quando cortar a meta delinearei com a caneta cada degrau custoso do plano falhado que funcionou.
Com o lápis não, que o tempo pode apagar.
06 | 06 | 2025 | espinho
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godrigues · 28 days ago
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há dois anos estava assim.
"Acho que estou deprimido.
Acho que estou deprimido e nem sequer é de agora. Nem sequer é recente. Acho que sempre aceitei a tristeza profunda como algo natural do ciclo de existir, porque sempre tive medicado com as amizades e com a rede de suporte que construí à minha volta. Sempre tive muita consciência do que sentia, e do que achava sentir. E de o descrever. E de estar aware. E na verdade, acho que isso serviu quase como uma auto-psico-terapia caótica que me sobreviveu em pedaços. Em partes. Sou um puzzle de peças diferentes que não se juntam. São peças dispares que não se conseguem montar numa única imagem, pois sou várias. São tantas. Metades de imagens perdidas em formar um todo. E só quero dormir. Vejo-me cada vez a ir para a cama mais cedo, ou a querer ir, pelo simples facto de dar o dia como terminado. De sentir que já está. Já foi. Já passou. Mais um. Na ilusão de estar um dia mais próximo do objetivo. Dos planos que tenho. Das coisas que quero atingir e não sei como. Porque soluções só me aparecem da área onde estou. Da área que não quero. Não sou isto. Isto é uma ferramenta. O eu de agora é uma ferramenta para atingir um fim. Deixei o meu eu há tanto tempo que não sei por onde ficou. Em que rua dorme. Em que parede assina o nome, senão nos surtos que me custam voltar. Dói-me fisicamente começar a escrever porque entro num estado quase narcótico. Alterado. Falta-me a palavra. Mas drogado. É droga escrever. O bem que me faz, o bem que me sinto. A alegria que me vicia apenas para terminar nas tarefas de vida adulta. Existir para trabalhar. Trabalhar para existir.  Sinto que tenho andado a patinar num funil em espiral, sabendo que não consigo sair, e olhando para o meio. O buraco que me recebe. O buraco que me aguarda enquanto eu digo que estou bem, enquanto eu mantenho firme a resposta rápida e a alegria fácil da personagem que criei. Serei mais eu, esse, agora? Será a depressão o meu eu antigo a vingar-se do exilo? Deverei abandoná-lo? É esse o suposto de crescer? Mudar? Abandonar as ideias fúteis de mais novo, enquanto vejo os outros cumprir o meu sonho? Sempre me achei especial sem me sentir especial. E aí é que me trava. Como o amor. Aceitamos aquilo que achamos que merecemos. E cada vez mais longe de mim, sinto que o mereço cada vez menos.
Não quero existir, neste momento. Em nada se relaciona com morrer. Não quero morrer. Mas não quero existir. Só um pouco. Só uns dias. Meses. Só até saber o que vou fazer com a vida que arranjei para mim."
30 | 05 | 2025 | espinho [texto integral de 28.05.2023, computador]
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godrigues · 1 month ago
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cores.
Achas que se o crepúsculo tivesse as cores do meio-dia, e o meio-dia as cores da manhã, iriamos gostar de igual forma dos tons da hora dourada, ou seria banal ao nosso olhar as feições suaves que ela transforma? Achas que se o roxo e o azul pastel misturados no laranja quente que surge no verão perderia o calor no coração? Vivemos nas sensações que o espetro nos provoca ou é só de mim esta sinestesia de as ver nos números, e nos dias, e nos meses? Vejo cores em ti. O castanho do moreno acariciado pelos raios da Caparica que se mistura com a areia de Algarve. Vejo o vermelho das bochechas transmontanas que agrava com o brilho do olhar molhado. Vejo o verde fresco a aliviar a rinite que a todo o dia escolhe um lado diferente. Vejo o azul da serenidade do abraço que faz companhia ao vento calmo de um dia a chegar ao fim. Se o pôr-do-sol fosse de outra cor, achas que mudarias também no meu olhar? Provavelmente terá justificação científica. A intensidade. O comprimento de onda. A frequência. O ricochete do reflexo e que a lente apanha. O cristalino. Continuarei pela vista da câmara quando perder a minha? Certamente. Reconstruindo as cores que a máquina não garante fieldade, ou talvez com um programa de inteligência artificial qualquer. Será uma palavra para o terminar. Uma palavra em troca de cada traço da pintura que deixava em cada quadro. Em cada fotografia. Tenho usado pouco o meu primeiro amor, mas ainda o guardo nas suas cicatrizes. Nem sempre tenho cabeça para as pintar depois, não sei se por preguiça, se por tristeza de já não as conseguir igualar ao mar que me observa agora pela janela. Todos os dias. (já tinha saudades).
Talvez ao apaixonar-me de novo pelas suas cores o gosto volte. E tu? Vês alguma cor em mim?
23 | 05 | 2025 | espinho
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godrigues · 1 month ago
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coffee, part I
One, Two, Three, Four, Someone’s waiting by the door. Listen.
Five, Six, Seven, Eight, Are you lonesome? You crave a mate?
Nine. Eleven. Ten. Don’t count the scars in my eyes. Have you searched the dictionary again?
Twenty-eight, Thirty-two, Eighty-nine. You don’t get the math. I still don’t like wine. My body melts in your breath. Do you want to be mine?
16 | 05 | 2025 | espinho
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godrigues · 2 months ago
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Sobre últimas coisas que acontecem sem sabermos que as perdemos.
Não que seja uma perda verdadeira, antes uma história que não se repete senão pela memória de um sonho guardado na gaveta. Um momento. Um jogo. Um jantar. Um abraço. Um beijo. Quando foi o último beijo da tua relação mais duradoura? Foi antes da quebra? Foi pouco depois num fogo de arrependimento pela saudade do corpo humano? Ou foi na separação? A palavra final. O discurso chorado. As certezas que parecem dúvidas. Soube ao mesmo a saliva? Tinham o mesmo sabor os lábios ou eram estranhos? Como um beijo que não pertence. Uma proximidade desconfortável por um beijo que não devia existir. Um beijo de pena. Um beijo que repetimos pelos romances que vemos nos filmes.
Não gosto da palavra beijo. Da mesma forma que não gosto da palavra kiss. Talvez pelo meu medo adolescente de o conseguir tarde de mais e não o saber fazer. Talvez pela simples construção fonética da palavra. Talvez me lembre de igreja, apesar de não se abraçar as mesmas letras. Ou talvez seja da competição injusta com a palavra queijo.
A primeira vez que o conceito das últimas coisas que perdemos surgiu em mim, pelas influências da internet quase no final do secundário, apercebi-me que já não jogava às escondidinhas desde o oitavo ano. O livre-arbítrio e a teimosia fizeram-me zerar o contómetro no mesmo momento, e hoje sorrio ao aperceber-me que o zerei de novo numa terra chamada Zebreira, no meio de cortinas, armários de cozinha e sacos do lixo, nem há 2 anos atrás, mais de uma década depois.
Uma grande parte das últimas coisas que nos acontecem fazem parte de crescer. Avançar. Moldar o mundo que queremos para nós, dentro das bolhas que conseguimos manter e esculpir.
Outras estão só à espera de serem lembradas para acontecer novamente.
09 | 05 | 2025 | espinho
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godrigues · 2 months ago
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apagão.
A água cai do céu como o meu autoclismo avariado. Desajustado será a melhor palavra, sendo que a válvula pareceu necessitar apenas de um aperto mais consentido. Um toque como um abraço de quem faz um bom trabalho e não tinha atenção debaixo da louça que o prendia e que nem eu estava certo como soltar. Ridículo como completar estas pequenas ações fazem a dopamina rejubilar pelo corpo, convencidos da nossa independência e inteligência de articular artigos de carpintaria e vídeos no Youtube. A verdade é que não só pelo gasto, fazia-me comichão o desperdício da água que não cessava. Talvez sensibilizado pela concomitância do apagão de segunda-feira em que descobri a dependência que a água tem da luz, pelo menos neste sexto andar com vista mar. Vista McDonalds que se desertou o dia todo. Vista continente, que se atolou com o início do pânico. Também eu o senti, isolado na torre, sem luz, gás ou água, e sobretudo sem informação. Somos dependentes da comunicação. Somos dependentes de saber, nem que seja só um pouco. Nem que seja ver ao longe da janela outras pessoas ainda a viver, confirmando que talvez não seja o fim do apocalipse. A mente solitária tem muita imaginação, e não precisou do escuro da noite, para esse precavi-me na comunidade. Paguei com gelados. Não foram só coisas más e vulnerabilidades expostas que o apagão trouxe, descansem as criaturas que mantiveram os serviços necessários a funcionar.
De tudo, apercebi-me que não tenho lanterna em casa, senão fósforos e velas, e que juntarei isso à lista de compras, tal como o rádio. O quanto que uma frequência de voz não nos faz à sanidade, mesmo que através de um aparelho.
No meio dos momentos de incógnita pensei egoisticamente sobre o meu livro, e em como perderia todo o esforço colocado nele no acaso de um apocalipse. Egoísta, sei, mas comecei-o há 18 anos. Já é maior de idade e ainda nem saiu de casa, só sobre supervisão. Este ano vai visitar mais três casas a ver se lhe gostam da cor, caso contrário deixá-lo-ei voar em breve com as asas que tiver. Espero pelos vinte para ser um número redondo?
A idade não faz diferença à chuva.
02 | 05 | 2025 | espinho
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godrigues · 2 months ago
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metáforas ad aeternum.
Curioso como desde que cheguei ainda não fui ter com ele. Como uma relação que se distanciou e agora tem vergonha de atear. Não sei se é do frio, da solidão ou do desconforto que ainda não equilibrei neste novo lar. Neste novo ar. Mas os dias continuam e eu também. Existo. Persisto. Tudo o que não ainda cumpri não vence ao todo resto que já atingi. A tudo o que me parecia num futuro distante e incerto e fugaz. Não há caminhos sem tropeços nem praias sem pedra, seja o pedregulho do esporão ou o mais pequeno vidro do grão. Passo a passo enche a galinha o papo e coleciono as penas para construir as asas, mesmo que no final não voe. Decidi isso. Que não importa também se só são vistas na cidade ou pelo mundo fora, desde que eu esteja satisfeito com o formato delas. Cada ponto no seu lugar, que se torna certo pela minha orientação. A nortada é demasiado forte para seguirmos os outros.
Talvez amanhã vá ter com ele. Talvez amanhã molhe os pés no mar.
25 | 04 | 2025 | espinho
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godrigues · 2 months ago
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não há duas sem três.
Às vezes não sei se voltarei a ter certezas na minha vida. Noutras vezes continuo igual, mas não penso nisso. Para uma mente que analisa e organiza, o excesso de informação complica o processador que não se atualiza com a troca da peça. Não sou SSD e pergunto-me por quantos anos isto fará sentido ou se será como os DVD, CD, e as disquetes com que cresci. O clipart que usava para explorar a criatividade que o paint não me deixava nos intervalos de despir imagens de mulheres num jogo que ainda hoje não sei nomear. (fui procurar e era “gals panic”, e perdi-me na nostalgia).
Dei mais um passo ontem. Três, na verdade, para aproveitar o lanço da corrida, o lanço do desenho de ontem e da coragem que amanhã posso não ter. É essa a parte mais importante, não? Avançar mesmo com medo? Avançar mesmo desconfortável com o chão que abana e eu que não me habituei ao balanço do barco.
Mas está iniciado. A pedra atirada ao lago, e agora espero que as ondas do embate cheguem de novo a mim.
Enviei, convencendo-me que o plano de escape vai amortecer os golpes de cada não. Custarão menos por serem de uma vez?
18 | 04 | 2025 | espinho
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godrigues · 3 months ago
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F5
Carrego na atualização da página como um dedo aflito no elevador. Não o faz chegar mais rápido, tal e qual o F5 não brota o e-mail que tanto aguardo. Não sei quando é que fiquei tão apegado a esta tensão que desflora o buraco e o escava, como vento a esculpir as pedras. Esculturas tentei uma em sabão, com 13 anos. Não o voltei a repetir. Só às palavras. Como o resto, quando mais as uso e sei sobre elas, mais sei que não as sei. Mais descubro todas as que não conheço e as que fazem falta. As que não foram criadas ainda, e não têm real necessidade de existir senão pelo meu formato particular de inventar sentidos na ordem. Controlo a ordem, enquanto tento aceitar a desordem que não controlo em tanto resto. Sou um resto do que foi sobrevivendo, ou sou o produto que foi ao forno? Sou o plano da receita, ou o redom que se mistura com maionese? Se calhar sou tudo. E o dedo que chama o elevador para aliviar a bexiga. E o dedo que carrega no F5 para aliviar a mente.
11 | 04 | 2025 | espinho
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godrigues · 3 months ago
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Tenho um buraco no peito.
Não sei quando surgiu, se de repente ao acordar, se gradualmente pela pressão acumulada e sem jeito. Só sei que existe e está feito. Distraio-me dele tapando-o com luzes como decoração de natal. Preencho com comida, tanto saudável como a que faz mal. Não fica mais leve o peso do aperto da saúde mental.
Tenho um buraco no peito e não descoro a idade. Sinto-me um velho e um novo no mesmo bolo de saudade. Nostalgia e algum, admito, receio da responsabilidade. Mas mantenho-me sem maldade.
Tudo é relativo senão quem queremos ser. É uma prioridade.
04 | 04 | 2025 | espinho
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godrigues · 3 months ago
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silenzio bruno.
Quando era mais novo planeei um conceito para o meu livro (uma pequeníssima parte dele) que se constituía numa casa do silêncio. Uma casa de tal forma silenciosa que se tornava ensurdecedora. Talvez inspirado pelo murmúrio basal dos eletrodomésticos que se fazem ouvir quando nos calamos, talvez inspirado por um episódio do Muzzy, que por alguma razão pareço associar causa-efeito sem ao certo conseguir delinear mais pormenores do acoplamento. Mas era uma casa do silêncio. Um espaço de meditação e purgatório, se era não apenas um castigo mas uma limpeza para o visitante. O conceito perdeu-se, mas em mim evoluiu-se. Quando ganhei eu medo ao silêncio? Desde que entrei na faculdade que preencho o ar com o rádio ou a televisão, ou a televisão a dar rádio (omitamos que agora já nem é rádio, mas o spotify). Antes mesmo, no secundário, já recorria à companhia da música em variados momentos, mas como batalha em terreno aberto contra o vazio do som apenas veio mais tarde. Fugia do silêncio, ou fugia daquilo que ganhava voz quando me calava? Como os eletrodomésticos a murmurar, também os meus pensamentos cresciam. Ideias. Preocupações. Em grande parte foi combustível para as criações e os hobbies que exploro, noutra as incertezas de cada passo que dou fora do plano. Noutro, as incessantes preocupações de tudo o que devia ser diferente, e de toda a máscara que se apresenta e que pesa com cada camada que lhe pinto. Descobrirão algum dia a pele que se mostra por baixo, ou é já irrelevante o que se esconde na crosta? Onde está a linha do que termina de ser eu, como o barco a que se vai trocando as tábuas de madeira?
Não tenho conclusão para a reflexão senão o medo. Crescer trouxe-me este medo pelo silêncio. Seja o vento nas folhas, as gaivotas no telhado ou as ondas do mar, a minha mente precisa de alguma coisa para não se afogar.
28 | 03 | 2025 | espinho desliguei a música para escrever este
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godrigues · 3 months ago
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sobre quantidades.
Quando é que os grãos de areia que colecionamos no balde deixaram de ser muitos? Perdemos as contas nos restos das pedras do que foram, num número finito que nos impossibilitamos de contar, e mesmo assim defendemos ser pouco, em quantidade ou qualidade, em comparação com toda a praia que se estende. Toda a praia que nos recebe como casa. Porque os grãos do balde não servem para ser lar.
Falta-me o ar. De um lado o malabarismo de um puzzle no calendário, de outro as nuvens que atenuam o azul do mar. E continua-me a faltar o ar. As mãos crescem e os olhos não apagam a visão periférica de todos os grãos que não juntamos. Todos os que caíram quando os tentamos aglomerar com o balde. Todos os que desapareceram com a nortada de um mar gelo. E ficam poucos. Poucos que continuo sem conseguir contar.
É uma carruagem que não nos apercebemos pisar. Um caminho que acelera exponencialmente até dobrar a realidade e nos transcender ao ponto de partida que nos trouxe até aqui. Até esta praia. Até à espuma que me alenta a dor dos ossos para os deixar de sentir. Deixar de ver que se levar o balde para casa, onde nenhuma outra areia o rodeia, ele passa a estar cheio de muito, e com pouco de nada, mesmo que continue sem os conseguir numerar.
Falta-me o ar. Não sei em que praia deixei o meu lar.
21 | 03 | 2025 | espinho
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godrigues · 3 months ago
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“Os melhores tempos da tua vida são agora”.
É assustador o número de vezes que já vi ou ouvi alguma versão desta ideia. Desde a falta de responsabilidades no ensino básico à liberdade da juventude na faculdade, lembro-me do meu pensamento cair sempre no “espero que não”. E não era ingratidão. Claro que havia sempre um certo grau de insatisfação pelo lugar que ocupava ou o caminho que tinha escolhido para os meus pés, mas sobrepor a nostalgia como um sentimento irrepetível? Objetivamente consigo compreender o conceito e trago memórias saudosas de todos esses tempos. O tempo livre. A adrenalina da competição desportiva. Os amigos que me moldaram. A vizinhança universitária como uma vila e as rendas baratas. Consigo não lhes tirar valor ao afirmar que esperava, e continuo a esperar que não sejam o auge da minha existência. Quero sempre acreditar que o futuro que me espera e que construo me fará sentir ainda melhor, ou vivem todos no rescaldo da montanha-russa mesmo antes dela terminar?
Consigo prever coisas melhores no passo adiante, mas também vejo grande parte das pedras que tenho de partir pelo caminho e a lama para atravessar. E estou cansado, ao ponto de ponderar a balança de ficar nesta estância a aproveitar a mudança de estação com a bebida fresca e a botija nos pés. E nesses momentos o pensamento leva a melhor. Já terão passado nestes últimos meses os melhores momentos em que os únicos números que me preocupavam eram os das páginas que tanto vinguei?
Mas se calhar é só o medo a falar.
14 | 03 | 2025 | espinho
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godrigues · 4 months ago
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fruta no supermercado.
Estou a ficar com as gavetas cheias. Já comprei mais duas estantes para os livros que me esqueci ter, mas não é nelas que escondo as minhas preocupações. Adio-as. Afunilo-as. Filtro-as para lidar com uma de cada vez, mas em quanto tempo refratário? Sou como a luz em reflexão na fotossíntese da marquise enquanto decoro as curvas do mar. Não o prevejo tão perto no meu futuro, mas esse quadro está também na gaveta. Do onde, do como e do porquê fico-me com o agora. E o agora é pesado. O agora exige de mim aquilo que sempre adiei por não ser tempo. Por ser lado. Por não ser prioridade. Colocar o foco sobre ele aterroriza-me a procrastinação do corpo não obedecer ao ego. Nunca os estudei, só o meu. Só pela avaliação enviesada das gavetas que escolhi abrir.
Estar mais perto de casa faz-me encontrar outras gavetas que me esqueci de arrumar. A casa está ao contrário. O quarto principal é guarda-fatos, o meu ficou com o papel, e o do sol convida as visitas. E as tralhas em gavetas. Se eu as compactar o suficiente, transformar-se-ão em argila? Argilamentos, como pensamentos de tal forma abandonados que se colapsaram, como os bifes que não se consegue separar por se terem abraçado no congelamento. Sinto-me assim, por vezes. Congelado, embora não tenha frio pelo poncho que me aquece o coração mordido. Esse fica de fora. Acalma-me o sangue enquanto aguardo que pare de borbulhar.
Estou a ficar com as gavetas cheias e receio que o medo me leve a desistir por um caminho mais confortável. Será errado? Desisto de plantar a pereira por já ter as peras prontas à colheita do outro lado? Não faltam peras nos supermercados. E eu nem gosto de peras.
07 | 03 | 2025 | espinho
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godrigues · 4 months ago
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the flower - part I
There’s a flower on the top of the hill And she just smiles. No rain nor storm will make her perish No wind can take her for a thousand miles.
She’s red as an orange A piece of sunny delight Freckles all around her eyes Everything is where everything should be She makes no sound; she tells no lies.
She was green that day The sun brightening her body, Her soul. Her arms waving through fresh air Dancing as if she was whole.
She told me she didn’t know what’s the meaning? What was life for? She couldn’t make her mind If it was the music bringing the happiness If it was me, or something more.
I just stood there, staring as she smiled back in silence. Her arms still above. There was something in that flower that moved me, And as I stared, I thought about love.
It made me happy to watch her dance Without actually moving out of place. I took a step forward followed by a deep breath And my heart started to race.
I asked if I could go any closer She had never seen one like me before “You need to wait” she said, worried, “I’m not ready to leave the floor”.
“Why so scared”, I tried. She was still dancing, still smiling, still looking at me. “Nobody waits long enough” she sighed, “I am alone, as you see”.
So I sat there Under the warm and welcoming sun At first, both shy and quiet But then we talked. I thought we were having fun.
Several weeks have passed, Give it or take it a day. Two years for the best of my count. It doesn’t quite matter anyway.
She doesn’t dance anymore Just stares and tries to look away. “How much more time do I have to wait?” “Just a bit more, just one more day”.
I regret the question. Our story was supposed to be different, wasn’t it? Two years are gone Two years watching you dance And for that I don’t regret any bit.
“I love you” I whispered, and then again but out loud. I fell in love with a flower. A red orange freckled dancing lone soul with a smiling power.
She resumed her dancing, pretending no words came out of my mouth. I went back to stack my hopes in piles. There’s a flower on the top of the hill And she just smiles. And she just smiles.
28 | 02 | 2025 | espinho [original de 03.11.2013, caderno verde]
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