guns-out

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Imperatriz, 12 de março de 2022

Há muito tempo não me reconheço. Talvez por isso não tenha espelhos em casa, para não precisar olhar esse rosto estranho que me olha de volta. Apenas um pequeno para arrumar o cabelo antes de ir para o trabalho, o mínimo para ficar apresentável ao mundo. Às vezes, nem isso.

Há muito tempo não faço algo que gosto. Ou gostava. A músicas no fone me lembram de coisas que eu queria esquecer. As fotos no porta-retrato me prendem a um passado menos infeliz. Eu estava feliz nessas fotos? Não me lembro...

Há muito tempo carrego um peso maior que o meus ombros. Pelo menos, é o que eu sinto. Me arrasto da segunda até a sexta, fazendo o básico para não parecer apática. Às vezes, não dá certo e sou chamada de chata por que pretendo agradar.

Há muito tempo não tenho planos. E, pra mim, a vida se tornou uma contagem até o dia 15 e depois até o dia 30. Não porque o orçamento esteja apertado ou algo do tipo, mas porque na ausência dos planos tudo o que eu faço é controlar a respiração ansiosa até o próximo nascer do sol e guardar dinheiro para planos que ainda não existem. Será que um dia vão existir? Eu não sei...

Há muito tempo me sinto sozinha. Tenho reaprendido a gostar da minha própria companhia, de fazer as coisas por mim mesma, assim como eu adorava fazer quando era criança. Hoje, o mais simples convite para sair dispara o coração, deixa a boca seca e o pensamento acelerado. Esses pensamentos que mais parecem um chiado de uma TV que não consegue sintonizar. E, às vezes, o barulho é alto demais.

Há muito tempo não me cuido. Lembro de parar na frente das vitrines de comida ou de roupas, o estômago embrulhado e o pensamento fixo “eu não mereço isso”. Às vezes, me pego deitada olhando para o teto, sem perceber que a vida é o que acontece enquanto fazemos planos. Mas... que planos?