E na escrita eu achei a forma de viver minhas fantasias, narrar meus sonhos e aventuras.
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MEU IMORTAL
6 - O Morto Vivo.
Após a aula Cristian se dirigiu ao pátio do colégio para pegar sua bicicleta nova. Era ridículo pensar naquilo. Seu amigo voltou para lhe dar um presente caro. Ângela o acompanhava, enquanto Cesar, foi se despedir dos parceiros de time de atletas.
— Ganhou uma bicicleta nova? — Indagou Ângela.
— Ah, sim é.... meu pai me deu de presente. A outra estava meio enferrujada.
— A outra parecia inteirinha. — Assentiu ela.
— Por dentro... estava rangendo sabe?
De repente o ronco potente de um carro lhe chamou atenção no meio daquele pátio barulhento. Quando olhou para frente viu um Jaguar negro estacionado. Cristian estremeceu naquele momento. O que ele está fazendo aqui?
Muitos alunos observavam curiosos e claro que ele não seria despercebido, era um possante daqueles que não se via todos os dias. Cristian sentiu-se até constrangido, mesmo que ninguém ali soubesse de sua relação com o alguém naquele carro. Cesar parou junto com o grupo de atletas do time, os rapazes contemplavam o possante admirados.
E não havia outra maneira, Cristian não sabia o que aquilo significava, apenas que no dia seguinte todos estariam comentando sobre o fato dele ter entrado num carro importado e teria que inventar alguma desculpa para despistar e o mais difícil seria Ângela e Cesar. Podia imaginar a pressão que teria que aguentar.
Teve de ir até lá, esqueceu sua bicicleta e foi em direção ao carro importado. Ângela ficou observando-o sem compreender absolutamente nada e o chamou depressa.
— Ei Cris, o que está fazendo? Temos um trabalho para fazer!
Cristian hesitou e fechou os olhos. Só pode ser brincadeira!
— Éh... Eu preciso... Resolver uma coisa antes disso, mas eu te vejo na sua casa.
— Mas é na sua casa!
— Pode ser na sua? — disse Cristian por fim, e depois correu para dentro do Jaguar deixando Ângela e toda escola ali observando tudo.
Assim que chegou no veículo o vidro deslizou automaticamente para baixo e revelou o condutor. David vestia trajes negros modernos de alta moda com óculos escuros como se fosse um “MIB Homens de Preto”. Cristian ainda não havia se acostumado com aquela ideia de um amigo que volta dos mortos mais velho e com uma aparência diferente do que ele conhecerá, afinal não cresceram juntos. Era como se ele estivesse vendo aquele David pela primeira vez.
— Almofadinha eu vim buscá-lo.
— O que pensa que está fazendo? — disse Cristian entredentes para parecer discreto, mas queria berrar.
David estranhou sua reação.
— Pensei que iria gostar de me ver.
— Não aqui na frente do colégio todo, alguém pode te reconhecer.
David deu uma gargalhada, ele parecia um pouco menos sombrio que na noite anterior. Estava leve.
— Cris, essas pessoas estão preocupadas com outros assuntos adolescentes e eu preciso passar um tempo com meu único amigo. Agora vamos!
Cristian entrou no carro e eles partiram. Cristian nem precisou olhar em volta para saber que todos estavam assistindo aquilo como a final de copa do mundo ou o último capítulo de uma novela, mas sentiu uma certa euforia crescer dentro de si. Era algo diferente, mais radical e deixar aquele ponto de interrogação era animador.
David acelerava na pista e o ronco do motor era como música para os ouvidos de Cristian.
— Por que mandou aquele presente? — indagou Cristian.
— Presente? Que presente?
— Isso é ridículo. Não pode voltar como um "The Walking Dead" e me dar uma bicicleta nova.
— Primeiro: eu quase te atropelei; Segundo: a bicicleta estava danificada... Quer um motivo melhor? Você é meu melhor amigo.
— Obrigado. Eu só não consigo entender, onde arrumou tanto dinheiro para ter esse carro, essas roupas e para comprar uma bicicleta daquelas?
O carro parou de repente. David tirou seu sinto e se aproximou de Cristian o bastante para que eles pudessem ficar com os rostos colados. Cristian tentava entender aquela aproximação, mas não conseguia se concentrar com David o encarando incisivamente. O hálito frio de David era como uma brisa fria da manhã. Sem intensões David o encarava com critério.
— Escuta Cris, só o que precisa saber agora, é que estou vivo, estou aqui com você e não quero que entre numa paranoia com isso, entendeu?
Cristian consentiu com a cabeça sem encontrar palavras em sua mente. David girou a chave e deu a partida. Depois o Jaguar cruzava a pista em direção a rodovia que dava acesso a serra. Era um caminho familiar para ele, mas não queria se preocupar para onde estava sendo levado. Percebeu que David estava ali ao seu lado, vivo e isso o confortou. Ele escorregou pelo estofado, um sentimento de leveza, como se sua infância se misturasse com o presente. Ele olhou para o lado e fitou o misterioso David. Podia relaxar ao som de Of Monsters And Men. O ar ligado aquecendo seu corpo e a bela paisagem do serrado verde se estendendo no horizonte.
— Onde você está ficando a noite?
— Num hotel na Costa Leste. Não é um lugar muito bonito, mas o café da manhã é bom.
David pegou um cigarro com uma mão no bolso da Jaqueta de couro preta e lançou na boca ascendendo com um isqueiro preto com as mãos longe do volante. Sua expressão era imprudente. Ele tragou a fumaça e soltou aos poucos com os lábios quase colados e soltou um leve sorriso ao perceber que Cristian não despregava os olhos dele. Colocou as mãos no volante novamente tomando controle sobre o veículo.
— O que foi? — perguntou David provocando.
— Ele fuma também. — Cristian não escondeu a hostilidade no tom de voz.
— Isso me mantem calmo. — Ele olhou para o outro lado com certa resistência. — Deveria provar.
— Não obrigado! Estou bem.
— Não faça essa linha. — Exigiu.
Cristian olhou para ele consternado.
— Que linha? Você chega com um carro importado, roupas caras e presentes caras. Com essa cara de badboy mal encarado e pede para eu não fazer linha?
— Badboy? Sério? — Zombou ele com desdém. E acrescentou claramente depois. — Escuta, eu não sou mais aquele garoto “saco de pancada” que vivia no silencio chorando pelos cantos. Esse sou eu certo?
Cristian sentiu a tensão se formar. Balançou a cabeça ainda aborrecido.
— O David que eu conheci era uma pedra por fora, mas era gentil e bondoso por dentro. Por esse garoto que eu dediquei meus dias em tentar fazê-lo feliz.
David reprimiu um sorriso repuxando os lábios. Enquanto manobrava o possante, depois ficou sério de repente. Seu pensamento parecia distante, algo que o tirou de orbita. Parecia preocupado.
— Corta esse papinho. — Murmurou com ceticismo. — Estamos crescidos e não muda o fato do que aconteceu comigo. Eu olho para você e não vejo o mesmo Cristian que conheci. Parece que está no escuro tentando achar uma luz, mas também parece que prefere ficar no escuro.
Cristian estremeceu ao ouvir aquilo. Claramente ele sabia identificá-lo e entender o que estava passando. Ele o conhecia bem, mas não aquela nova versão de Cristian com tantos segredos e enfrentamentos diários de personalidade e identidade.
— E você está esquisito. — Murmurou Cristian para descontrair.
David o encarou com perplexidade.
— Esquisito? — disse ele aturdido. — Você não me viu sem roupa. — Seu tom era agudo.
Cristian olhou para o lado de fora imediatamente e tentou controlar a respiração. Não esperava que fosse ouvir aquilo. Percebeu que estava corado e não voltaria a encará-lo de novo pelos próximos minutos. Ficou constrangido com a piada, nunca imaginou ouvir isso do próprio amigo. Claro que ele estava morto, mas ainda era estranho.
— Sem essa, eu só mudei um pouquinho e vai ter que se acostumar com isso. — Determinou com voz aveludada.
Cristian engoliu a seco. O comentário anterior foi apenas uma brincadeira e ele tentou meditar isso.
David parou o carro e com os olhos brilhantes e deu um sorriso ameaçador e disse:
— Saia do carro, quero te mostrar uma coisa. — disse ele com certa autoridade.
Obediente Cristian saiu do carro reagindo de forma repulsiva a tom de autoridade daquele estranho. David o encarou do outro lado.
— Vai ficar aí parado? — Provocou com as sobrancelhas unidas fazendo uma cara de mal.
Cristian apenas o encarou com desaprovação de seu tom espreitando os olhos e se obrigou a segui-lo.
Os dois entraram na mata. Pela trilha de terra rodeada de arbustos e arvores gigantescas eles chegaram à casa da arvore. Cristian não havia notado de primeira, mas ao perceber ficou impactado. Estático ele contemplava a nova casa na arvore.
— David, você fez isso? — indagou boquiaberto.
— Sim amigo, me cortou o coração vê-la naquele estado, então eu a reformei durante a manhã inteira.
Os dois olhavam para a casa, reformada, com madeiras envernizadas, cortadas sob medida como se fosse um chalé, mas ainda trazia referencias da casa anterior. Tudo bem milimetricamente encaixado e pregado. Parecia com aquelas casas dos filmes americanos. Estava perfeita.
— Quero entrar para ver! — disse Cristian animado e correu para ver por dentro.
David o seguiu satisfeito vendo o amigo feliz.
Assim que David abriu a nova porta com uma maçaneta, ele ficou deslumbrado com o interior. David havia emoldurado seus desenhos e o pregou na parede como arte decorativa, as paredes pintadas de azul, o cheiro de tinta fresca era recente. A mesa torta foi substituída por um balcão de madeira com bancos e uma cama cumprida foi posta no lugar dos pufes e almofadas, onde eles sentavam para ler quadrinhos. Uma Teve foi posta num aparador estreito preso a parede e os gibis conservados numa prateleira alta, a janela não era mais torta e tinha persianas.
— Fez tudo isso sozinho?
— Não sou tão esquisito assim, está vendo?
De repente aquele David repugnante e irritante desapareceu.
— Ainda não acredito que fez isso? — disse Cristian encantado. — Mas como e com que dinheiro?
David pigarreou e olhando para os lados para dissuadi-lo.
— Vamos relembrar os velhos tempos? — disse ele num tom amigável.
— O que? — disse Cristian curioso.
David ergueu um DVD de filme de terror.
— Nem pensar. — Contestou Cristian balançando a cabeça e encarando os fatos. — Não vou fazer isso com você. Esquece. Não sei nem de onde tirou dinheiro para fazer isso, para me dar uma bicicleta, para pilotar um carro importado e tudo mais.
David respirou fundo irritado.
— Por que não esquece os problemas Cris e vamos curtir esse momento juntos. Por que é tão difícil você relaxar. Será que eu vou ter que fazer do modo mais difícil. — Disse ele reprimindo a raiva.
— Quero ver. — Desafiou Cristian de forma insolente.
David se aproximou dele rapidamente e o colocou contra a parede, suas faces estavam coladas, a respiração de David era ofegante e fria. Seus olhos eram como lança-chamas sobre os de Cristian que estava reprimindo um suspiro. Ligeiramente sua mente se transportou para os momentos íntimos que tinha com Cesar no banheiro em que ficava naquela posição e sentia seu corpo sendo pressionado contra o dele. Aquilo o deixou excitado, mas não por conta de David. Quando voltou a realidade sentiu medo ao vê-lo encará-lo daquela forma.
— Não está sendo fácil encarar tudo isso. Eu entendo você, mas precisa relaxar — Disse David entredentes e depois conclui imponente. — Sente-se.
Cristian o encarou fulminando o com os olhos, mas desviou e não conseguiu conter o riso. Parecia uma piada ele ter aparecido daquela forma e falar daquela maneira com Cristian.
— Você acha isso engraçado? — Questionou David, irritado.
— Não acredito que você se tornou essa pessoa mimada e impaciente.
— Posso forçá-lo a fazer o que eu quiser. — Disse com certo orgulho.
Cristian escorregou para o lado saindo da frente de David e passou para o outro lado.
— O fato é que todos nós sofremos e não virei um metido, presunçoso e insuportável.
David puxou Cristian pelo braço e o fez girar parando de costas com o braço nas costas e a outra mão de David imobilizou a outra mão de Cristian colada ao corpo num movimento célere sem previsão. Cristian estava com as costas coladas no peitoral forte de David sentindo o batimento de seu coração. David colocou seu rosto próximo a nuca de Cristian e sua respiração o fez arrepiar.
— Está vendo? Eu não sou mais aquele pivete que apanhava dos coleguinhas e que sempre era zoado por ser diferente. Eu mudei Cris.
De repente eles foram pegos de surpresa quando ouviram alguém gritar lá fora. Cristian não conseguiu assimilar a voz, mas entrou em estado de nervos. David o soltou e Cristian sentiu a articulação de seus braços doerem. David se manteve calmo, levou o indicador a boca e fez Shi! Para Cristian que parecia assustado.
Cristian respirou fundo e caminhou até a janela e viu um policial negro, alto e devidamente uniformizado. Ele olhava para a casa na arvore contra o sol. Cristian sabia quem ele era. Marcus Toledo, era o novo delegado do distrito de polícia da cidade e pai de sua melhor amiga, Ângela. Mas o que ele estava fazendo ali?
— Cristian! O que faz nessa área?
— Olá Marcos, eu... sempre vim aqui estudar. — Disse Cristian em nervos.
— Está tudo bem? — Marcus notou uma certa instabilidade em Cristian. — Não sabia que tinha construído outra casa na arvore depois do que aconteceu.
Cristian deixou o ar preso em seus pulmões saírem.
— Sim... eu gosto de vir aqui e lembrar dos tempos de infância. — Disse ele com um risinho forçado.
Agora ele foi mais convincente. Marcus deu de ombros. Olhou em volta vasculhando o local, e depois olhou para Cristian com certa compaixão.
— Está certo, não quero atrapalhar seu momento, mas sabe de quem é aquele carro parado na beira da estrada? É uma máquina.
— Eu não sei... do que está falando? — Cristian voltou a ficar nervoso. — Na verdade eu vim por outro caminho, acho que vi nada de estranho por aqui. — Completou por impulso.
— Vá para casa, não quero você aqui sozinho! Pode ser perigoso.
— Pode deixar Marcus!
Cristian o viu virar as costas e entrar na mata de novo. Esperou mais alguns segundos. E voltou para David.
— O que foi isso?
David que estava rijo, relaxou respirando fundo.
— Quem era?
— O pai de Ângela e delegado da cidade.
David ficou irritado de repente. Revirando os olhos e xingando algo que Cristian não pode ouvir.
— Ei o que foi?
— Realmente eles não superaram. — disse ele incrédulo.
— O que você esperava David? — Contestou Cristian. — A cidade ficou chocada com o assassinato de um menino de dez anos. Depois disso todos ficaram com medo deixar seus filhos saírem nas ruas com um suspeito que nunca foi pego. Obvio que ninguém superou.
— Agora vou ter que circular menos pelas ruas da cidade para não chamar atenção.
— Não era para menos, um possante desses parado na beira de uma estrada. Tem noção do que isso significa quando chegar nos ouvidos dos meus pais?
— Vamos dar um jeito nisso Cris. Fica tranquilo.
Cristian sentou na cama encarando a janela e pensando em toda aquela loucura.
— Não acredito que isso está acontecendo?
David colocou o filme para eles assistirem e depois foi para cama deitando espaçosamente e empurrando Cristian. Por um instante era como se toda aquela face sombria e preocupada tivesse desaparecido e desse lugar a um semblante tranquilo e calmo.
— Já disse para relaxar idiota. Vamos ver o filme.
Cristian viu a vinheta do que parecia ser um filme de terror antigo e não muito conhecido e depois olhou para o amigo ao lado.
— Pensei que odiasse filmes de terror?
— Eu aprendi a gostar, isso me fazia lembrar de você. — Assentiu David espontaneamente. — Por incrível que pareça isso me tranquilizava.
E aquilo tranquilizou Cristian, gostava da forma natural que o amigo agia quando estava com ele. Era satisfatório e empolgante.
O filme começou e David estava sentado no chão enquanto Cristian se acomodou na cama. Hora ou outra eles mudavam de posição. Um momento David cochilava e Cristian o contemplava imaginando como seus desejos não chegavam nem perto daquilo, da realidade. Depois Cristian cochilava e David trocava mensagens em seu celular.
— Naquele dia eu não pude me despedir e me senti culpado por uma porção de coisas. — Murmurou Cristian enquanto prestava atenção nos momentos finais do filme.
— Quando eu fui a Nápoles pela primeira vez, senti que eu queria viver ali. Os campos verdes eram verdadeiramente incríveis. Foi passageiro, mas sabia que em algum momento eu poderia voltar. Não se compara com a vez em que estive em Paris, onde foi incrível passear por aquelas ruas. Não foi fácil me despedir dos alpes Suíços. Estive em muitos lugares e aprendi muito nesses anos. Eu tenho problemas em me despedir. Tudo me lembra aquela noite. — Relatou David enquanto assistia ao filme com os pensamentos distantes. — Fui embora sem ter a chance de me despedir de você e todo o resto, mas no fundo eu sabia que eu poderia voltar, pois não houveram despedidas, ninguém disse adeus. Isso significa que a história não acabou.
Naquele momento Cristian encarou o amigo com admiração. David nunca deixou de ser forte e determinado. Cristian gostava disso nele, apesar de tudo o que sofreu ele enfrentou todos esses anos longe de casa e aproveitou cada momento e voltou para vê-lo de novo.
— Então você veio se despedir? — murmurou Cristian com convicção.
— Sim. — disse sem hesitar. — Eu não pertenço a este lugar Cris. — Seus olhos não desviavam da TV.
— E quanto a sua mãe Miriam, ela está na cidade merece saber que...
David piscou e franziu o cenho.
— Miriam... como ela está?
— Bem, outra mulher, mais renovada e alegre. Ela até abriu um bar.
David ergueu a sobrancelha grossa fingindo se importar.
— Acredito que é melhor assim, que ninguém saiba, além de você Cris. Para nossa segurança. Eu fui sequestrado e traficado no mercado negro Cris, encontraram um corpo que não era o meu e fui dado como morto. Precisamos evitar um escândalo. — David se levantou. — Agora precisamos ir, já está de noite.
Cristian não tinha se dado conta do horário, olhou para janela e o céu estava tomado pelo escuro da noite. Ele bateu na testa.
— Droga! O trabalho do colégio! — Cristian saiu correndo para fora da casa da arvore.
— O que foi? — Perguntou David seguindo-o.
Os dois estavam andando de volta para trilha.
— Eu tinha um trabalho para fazer hoje à tarde, mas aí você apareceu e eles devem estar putos comigo.
— Vocês podem fazer outro dia. — disse ele indiferente.
— Vamos entregar amanhã David não dá mais tempo.
— Eles devem ter feito Cris, não pira. — disse David como se não desse a mínima. — Da próxima vez irei buscá-lo naquele ponto onde nos encontramos a primeira vez. Assim não corremos nenhum risco. Depois ele puxou Cristian para si e lhe entregou seu celular.
— Anote seu número aí. — Ordenou.
Cristian o encarou com insolência, mas obediente colocou seu número de telefone e lhe entregou o celular de volta.
— Assim eu posso me comunicar antes com você.
Cristian revirou os olhos abandonando-o ali e seguindo de volta para o carro. David deu de ombros e o seguiu.
Eles pegaram a pista de carro e foram para o colégio. Cristian reparou no chaveiro pendurado da chave do carro que havia um mini cartão branco com o número 213. Será o número do quarto do hotel que ele está?
O Jaguar estacionou na frente da escola e Cristian tirou o sinto e abriu a porta. Não queria se despedir de David, estava irritado com a forma que ele o tratou naquele dia e também por tê-lo feito perder o trabalho com os amigos.
— Te encontro amanhã almofadinha. —Disse David num tom presunçoso.
Cristian ignorou e saiu correndo do carro e foi pegar a bicicleta. Precisava chegar em casa o mais rápido possível e pensar em algo para o trabalho do colégio.
David o observou partir pedalando pela pista até desaparecer na curva. De repente seu celular tocou e ele atendeu.
— Alô, já estou na cidade.... não se preocupe... o plano está quase completo e logo voltearei para lhe entregar a encomenda. Ninguém sabe que estou vivo, eu sei as consequências. — Ele ouviu mais alguns instantes e encerrou a chamada.
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MEU IMORTAL
5 - Não Passou de Um Sonho
Cristian? Cristian! — alguém o gritou depressa.
Cristian tentou disputar com meus olhos para saber quem era mais forte, mas ao terceiro grito o fez pular da cama. Sentiu uma forte pressão, como se algo esmagasse sua cabeça, depois virou os olhos para o relógio e se espantou.
— Droga — resmungou Cristian.
— Filho, levante ou vai se atrasar. — Disse sua mãe passando pelo corredor de sua porta que estava aberta. Ela abrira para chamá-lo da primeira vez.
Já passara das seis da manhã e ele estava atrasado, mas com essa dor de cabeça, não importaria muito se perdesse a aula. Com um impulso ele obrigou seu corpo a ir ao banheiro. Ele ligou o chuveiro se despiu entrando debaixo da água quente fazendo movimentos circulares com o pescoço e com a cabeça dizendo repetidas vezes “tudo foi um sonho”. Ele não se lembrava do que havia sonhado, eram fragmentos que se passavam pela mente como: uma tempestade, carro preto, e David... Ele está vivo!
Não sabia de seu paradeiro por oito anos e tudo desmoronou de repente em sua vida. David apareceu diferente, não pela idade avançada, muito menos pela sagacidade e temperamento egocêntrico. Suas roupas e o carro importado. Foi levado para uma vida de sofrimento longe de tudo e depois para uma vida de luxo. A frustração aumentou naquele instante de curiosidade e nenhuma resposta...
Após tomar banho Cristian se vestiu e foi para cozinha
Sentou-se no mesmo lugar de sempre e ficou olhando fixamente para a mesa fitando o vazio. Sua mãe se virou e se deparou com o jovem de aparência abatida e exausta, os cabelos desgrenhados.
— Bom dia, querido! O que houve com você? Pensei que não acordaria mais. — Disse ela com um sorriso delicado no rosto.
Cristian a encarou como se não soubesse disso. Seus olhos se espreitaram um pouco.
— Só estou com um pouco dor de cabeça. — De repente ele sentiu um vazio dentro si. Sua memória era vaga e silenciosa. — Você viu que horas eu cheguei ontem?
Tentou se lembrar, mas a única coisa que se passava em sua mente foi de estar dentro do carro de David e adormecer.
— Querido, deixei mensagens na sua caixa postal. Sai para jantar com seu pai ontem, quando chegamos em casa e você já estava dormindo feito um anjo.
Por falar nele.
— Onde está meu pai?
— Ele teve uma reunião mais cedo com os fornecedores. Agora somos tivemos uma nova integração no grupo da empresa e isso nos trará novos investimentos. Deveria ficar orgulhoso.
Mais um motivo para que seu pai o force a entrar na empresa. Não entendia de negócios e muito menos o interessavam.
— Estou super orgulho mãe, era o sonho dele. — Disse contragosto, mas fingindo alegria.
— É bom saber que está evoluindo Cris, seu pai terá muito orgulho de você quando entrar na faculdade e assumir os negócios da família. Ele passou a vida se dedicando a isso por nós.
Cristian lembrou que estava atrasado.
— Bem, agora é só você mãe. Tenho que ir, estou atrasado!
Cristian se levantou e pegou a bolsa para sair.
— Ah querido, chegou uma encomenda para você hoje cedo. Está na garagem. Pedi que avisasse quando solicitasse essas encomendas grandes pela internet. Não gosto de ser pega de surpresa.
Cristian a encarou confuso e pensou: Eu não comprei nada grande...
— Tudo bem mãe, desculpe, não pensei que fosse chegar tão cedo. — Mentiu, muito mal por sinal, mas não podia ignorar o fato de que tivesse algo a ver com David.
Ao entrar na garagem ele viu uma bicicleta prateada 2000 último lançamento. A mais nova e mais cara da temporada. Sua mente voltou ao vazio de novo. Se perguntava como aquilo tinha ido parar ali. Mas era óbvia a resposta. David... Ele ignorou e montou na bicicleta. Era como uma Ferrari, novas marchas sem contar a leveza e agilidade.
Ele saiu pela pista com sua bicicleta nova em direção ao centro de Selene. Enquanto seus pés faziam movimentos rápidos, ele só pensava na dor de cabeça que estava sentindo e em cada extremidade de seu corpo sensível por conta de uma febre interna. Pensou em voltar, tomar uns analgésicos e deitar até que aquilo parasse, mas seria pior ficar em casa com sua mãe tagarelando sobre qualquer coisa que ele não estava interessado naquele momento.
Cristian inclinou mais um pouco para ganhar velocidade na pista livre com alguns declives, mas abruptamente ele hesitou e freou bruscamente. O pneu da bicicleta derrapou e se fundiu com o grito da mulher que atravessava a rua cheia de sacolas. Uma das sacolas escapou e Cristian largou a bicicleta para correr e recolher. Pelo caminho ele recolhendo as latas, tentava controlar a respiração, ouvia os próprios batimentos cardíacos. Ao se aproximou da mulher que apenas o observava segurando o restante da compra.
— Obrigada. — disse ela com gentileza.
Cristian não tinha notado de primeira, mas quando a encarou fixamente, ficou consternado e surpreso ao mesmo tempo. Era a mãe de David, Miriam. Desde o funeral que ele não a via.
— Miriam!
A mulher espantada o esquadrinhou um instante e logo o reconheceu.
— Pivete, como você cresceu. O que está fazendo aqui?
Miriam mudou com o tempo, com quarenta e poucos anos, era vaidosa, vestia roupas modernas com bastante couro e jeans, seus cabelos eram ondulados e vermelhos e a maquiagem mais escura dava um ar mais sensual a sua personalidade sarcástica e sempre irônica. Uma versão melhorada daquela mulher desequilibrada que vivia uma vida totalmente disfuncional por conta da bebida e namorados estranhos.
— A senhora também está incrível. Estou indo para o colégio.
— Ei Guri, a senhora está no céu. Agora me dê isso vai. — Disse ela num tom ácido. Algo que não havia mudado. — Vai se formar esse não certo?
— Com certeza. — disse Cristian analisando como Miriam melhorou com o tempo.
— Boa sorte, e corre antes que perca a aula.
Miriam pegou as latas da mão de Cristian, lhe deu um beijo na bochecha e depois atravessou a rua em direção a um bar. Na placa estava escrito Hell’s & Grill. Ela tem um bar? Pensou Cristian sem acreditar que Miriam tinha achado um jeito de seguir em frente. Ela tinha um bar com uma faixada no estilo Pub com toldos verdes escuros sobre uma parte reservada para mesas ao ar livre. Miriam estava diferente e aparentemente segura de si.
— Foi bom vê-la novamente!
— Ah! Meu Grill vai inaugurar este domingo, venha jantar. Teremos coquetéis por conta da casa. Chame as caretas dos seus pais pivete. — gritou ela enquanto via Cristian pedalar de volta a pista.
— Está certo, pode deixar.
Quando chegou, foi como um tornado para sala de aula. A classe estava cheia e o professor virado para o quadro negro fazendo anotações. O ritmo da sala era agitado, enquanto o professor escrevia, todos aproveitavam para conversar.
Cristian entrou e seguiu para o fundo da sala onde haviam cadeiras vazias, ele sentou-se numa ao lado da janela. Começou a tirar o material da bolsa e pôs-se a copiar a lição. Notou algo estranho na sala, talvez com toda aquela bagunça ninguém tivera notado também. Havia um professor novo na sala. Era um homem que de costas parecia mais jovem do que o normal, cabelos negros bem curtos e Cristian prestava atenção nos traços de sua escrita. Estranhou que ele não teria se incomodado com a baderna na classe, muito menos pelo fato de ter chegado atrasado.
Uma bolinha de papel caiu bem no meio do seu caderno, ele encarou a bolinha e depois outras caíram sobre seu colo. Ele ergueu os olhos caçando quem teria jogado e viu Ângela que estava na fileira do lado sentada logo atrás dele.
— O que houve com você? Parece exausto. — Sibilou ela.
— Enxaqueca. — Sussurrou. — Quem é? — indagou Cristian apontando com a ponta do nariz para o professor de preto.
— Chegamos e ele já estava aí todos ficaram quietos e de repente aqui virou a bolsa de valores. Ele nem fez a chamada ainda.
— Ainda bem!
Todos se voltaram para o professor que começou a explicar a meteria de repente.
— A cadeia alimentar é formada por níveis tróficos, vamos falar sobre o segundo nível trófico que são os Consumidores e vamos esquecer o resto todo.
Todos na sala o encaravam tentando entender o que ele estava fazendo, mal se apresentou e já tinha começado a aula. Que tipo de professor faria isso? Cristian o encarou e teve a ligeira sensação já tê-lo visto, como um dèjá-vu. O homem aparentava ter uns trinta e poucos anos, seu rosto era quadrado, o corte do cabelo era bem curto e seu nariz era torto e uma beleza rustica. Encarava a sala como um técnico de time de futebol ansioso para ver o time reagir.
— Vocês sabem por que na cadeia alimentar o ser-humano está em primeiro lugar?
Ninguém respondeu. A aula estava interessante e Cristian e Ângela se entre olharam para ver quem responderia primeiro e Cristian teve a iniciativa.
— Por que não temos predadores?
— Isso é obvio idiota. — Soltou alguém lá no fundo da sala.
Todos riram e Cristian lançou um olhar fulminante para o fundo atrás do engraçadinho, mas o professor misterioso interrompeu.
— E assim chegamos ao tema da aula de hoje crianças. Vamos explorar a história humana e descobrir se os mitos são mentira ou se algum dia existiram predadores que assumiam o topo da cadeia alimentar acima de nós como famosos os vampiros, lobisomens e outras criaturas que desafiam essa tese. E antes que eu me esqueça, sou Daniel Paiva, professor de História, não confundam minha aula com Biologia ou Ciências por favor. Ele lançou um olhar sobre Cristian incisivo.
O sinal do intervalo tocou e todos saíram da sala num atino, Cristian arrastava seu corpo como se ele pesasse uma tonelada. Ângela estava ao seu lado impressionada.
— Eu juro que nunca tinha visto algo parecido com aquilo.
— Com o que?
— Como nunca tivemos aula com esse professor. Não pelo charme dele é claro. — Disse Ângela absolutamente encanta.
— Ele deve ser novo aqui, também nunca o vi na cidade? Confesso que nunca passei a gostar tanto de história. — Cristian com um sorriso irônico.
— Nem me fale, por um segundo eu comecei a acreditar que vampiros existem.
Os dois riram e seguiram para o refeitório.
Depois de pegarem suas bandeiras com o lanche, sentaram-se numa mesa isolada. Ângela sentou e começou a beliscar o sanduiche de atum com cenoura. Cristian mal tocou na comida, apenas bebia o suco de caixinha com lerdeza. Era a única coisa que conseguia digerir depois daquela noite.
— Está com um cara péssima e não quer me falar o que aconteceu?
— Já disse que foi uma noite ruim de sono, acho que vou ficar resfriado.
— Vou me convencer disso.
— O que aconteceu com Erick? — perguntou Cristian ao notar a ausência do amigo. Era uma forma de mudar o assunto.
Ângela encarou Cristian com intensidade.
— Ele não pode vir a aula hoje. Teve problemas na família misteriosa. — Aquele era o tom que ela se referia quando algo a incomodava. Ângela era péssima em esconder suas reações e sentimentos, era acida e ao mesmo tempo doce, mas sabia deixar tudo muito salgado a vezes.
— Acha que é algo grave? —indagou Cristian preocupado.
Ângela arfou com um risinho.
— Ele não me diria Cris, acho que ele é como aqueles jovens emancipados de famílias criminosas. Sempre tem problemas e não consegue me explicar, não me deixar ir na casa dele conhecer a família. Já estamos juntos a um ano e eu nem sei se ele tem mãe.
— Talvez ele tenha vergonha da família dele. Devem ser uma daquelas famílias estranhas e disfuncionais sei lá!
— Isso seria esquisito, mas não é um motivo para ele me manter afastada da vida dele. Parece que nosso relacionamento começou na escola e ele só fica aqui.
— Talvez ele guarde um segredo gatinha. — disse Cristian num tom de mistério com ironia. — Talvez ele tenha um quarto vermelho da dor no quarto dele.
Ângela deu um grito e assustada tapou a boca com mão reprimindo uma gargalhada.
— Não seja idiota, isso é utópico, Erick é um amor e sabe fazer bem, mas não se compara ao Senhor Gray. Aqui entre nós.
Os dois começaram rir.
Cesar passou pela mesa encarando Cristian e depois acenou com a mão. Cristian desfez a cara ficando sério e sem jeito.
Ângela parou de rir ao ver aquilo.
— Bom, parece que não sou a única com problemas aqui?
— O que quer dizer?
— Cesar. É o motivo de estar com essa cara?
— Eh... Eu não... Estou... — aguentou Cristian sem ter o que dizer. Nunca compartilhou nada sobre seu caso com Cesar. Tinha medo de represálias.
— Não precisa esconder de mim que você é gay. — disse Ângela com tranquilidade. Aquilo soou de forma estranha nos ouvidos de Cristian. — Se estiver confuso, pode conversar comigo Cris, mas saiba que vou adorar se você for gay para o resto da vida. — Ângela riu com graça.
Cristian estava boquiaberto com o que a amiga tinha acabado de revelar. Nunca tivera imaginado como seria se Ângela soubesse disso, para ele, ela era a melhor parte de seu dia, pois eles falavam sobre tudo, menos da sexualidade dele é claro. De certo Cristian nunca determinou qual era sua orientação sexual. Nunca se interessou por meninas e seu primeiro contato com um garoto era como força que o conduzia com emoção e adrenalina.
— Como... sabia? Quero dizer, por que diz isso? — disse Cristian com dificuldade, quase não conseguia processar uma frase inteira.
— Sempre no banheiro do corredor do meio, que para a sorte de vocês está sempre vazio e depois da aula na quadra. Cristian, sou sua amiga desde o sexto ano, sou bastante observadora e você nunca demonstrou atração por nenhuma garota e sempre conversou mais sobre garotos comigo com naturalidade e você é bastante sincero. Com certeza você é gay!
— Shi! Fale baixo... Não estou atualizando meu perfil no Facebook ainda.
— Ok... — Ângela riu novamente com empoulgação. — Só acho que deveria conversar com Cesar, não sei o que houve entre vocês, mas ele gosta de você. E não me leve a mal, ele é um gostoso. Já viu o Instagram dele? — Ângela revirou os olhos de desejo.
Cristian seguiu a linha de visão de Ângela e olhou para trás, no final do refeitório Cesar estava conversando com seus colegas de time, mas não parava de olhar para a mesa onde Cristian estava com a amiga. Os dois se entreolharam por um momento. Cristian se virou para Ângela e a encarou.
— Não há o que resolver entre nós. Ele quer algo sério, mas não liga para as consequências de assumir para o colégio todo. Tenho medo de tudo que nós podemos passar.
— Não vejo problema nisso. Não existem consequências Cristian, apenas você com medo do mundo. As pessoas não têm nada a ver com sua forma de amar. A única pessoa que pode fazer o melhor por você, é você mesmo. Não por Cesar, nem por sua família ou amigos. É simplesmente por você Cris. — Ela pegou em sua mão, seus olhos se conectaram de maneira incisiva. — Escute uma coisa, estamos em outro tempo. Em um tempo em que ninguém será colocado numa fogueira ou enforcado por ser quem realmente é, mas não quer dizer que você não será julgado. Você precisa ser forte todos os dias e lutar para que não tenha que viver escondido e poder ser feliz da maneira que é.
Cristian viu um brilho intenso nos olhos de Ângela como algo confiante e acolhedor. Como se aquele brilho iluminasse o abismo escuro e profundo dentro de seu peito. Ela o entendia como ninguém, tinha força em seus olhos e em suas palavras e uma coragem de enfrentar o mundo sozinha, sem medo de fraquejar. Ângela lutara sua vida inteira contra o preconceito e os olhares vorazes que condenam e odeiam livremente, sem razão ou necessidade. Ela era uma guerreira e ele a admirava por isso.
Durante a aula de Química o professor passava a matéria do primeiro trabalho do ano que valeria a maior nota do semestre. Seria bom se nas aulas o professor apenas falasse sobre um tema maluco ou apenas pedisse alguma tese de um livro qualquer, mas haviam suas exceções e eles estavam no final do colégio, nada seria tão fácil dali para frente.
— Aff, ninguém merece. — Resmungou Ângela baixinho. — Trabalho em grupo logo no começo do ano letivo.
— Pare de reclamar, é o último ano. Quem liga se terá um novo trabalho a mais ou não. O que importa é que vamos para faculdade. — Disse Cristian cheio de empolgação.
— Não quero ser estraga prazeres, mas lá sim nós teremos trabalho de verdade. — Completou Ângela arfando na cadeira.
— Montem os grupos Crianças e boa sorte. — Disse o professor, após colocar os critérios no quadro negro.
Era uma espécie de MasterChef Estudantil, onde os alunos teriam que levar alguma ciência da cozinha, uma receita e explicar quais fases levaram para chegar ao ponto final e apresentar no dia seguinte. Ângela e Cristian ficaram empolgados com o tema e ansiosos para começar o trabalho.
— Quer ir na minha casa hoje depois da aula? — Sugeriu Cristian. — Aproveitamos e assistimos a um filme.
— Claro, já que meu namorado está com problemas misteriosos com a família misteriosa dele. — disse ela terminando de copiar as regras na lousa.
— Não faço a mínima do que podemos trazer. — disse Cristian pensativo. Não havia intensão de mudar de assunto com relação a Erick, mas seria bom distrair um pouco.
— Precisa ser saboroso e fácil de fazer. — Completou Cesar que se inclinou para frente interrompendo a conversa dos dois.
Cristian olhou para trás com uma expressão carrancuda.
— Desculpem eu me intrometer, mas o professor definiu grupos de três. Poderia me juntar a vocês? — Perguntou ele num tom presunçoso.
— Claro! — Ângela respondeu antes que Cristian pudesse mover os lábios para dizer o que já havia projetado em sua mente. Um “Não!”
Cesar pegou a cadeira vaga ao lado e sentou discutindo com Ângela qual seria a receita. Ela ficou empolgada com as ideias dele.
— O que acha Cris? — indagou Ângela. — Bolo ou Pudim?
— Pode ser Bolo. — disse ele fora de contexto da conversa.
Também estava desgostoso pela intromissão, desde o verão estava disposto a evitar Cesar para que o envolvimento deles não se torna-se algo tão sério. Cesar estava querendo algo mais e Cristian não podia dar. Aquele sentimento o frustrava em saber que teria que escolher viver tranquilamente sua vida sem que o mundo descubra sua intimidade e ariscar ser o centro das atenções e alvo de comentários e represálias.
— Então na sua casa depois da aula? — questionou Cesar tirando Cristian de sua linha de pensamento.
Cristian o encarou meio perdido, apenas viu aquele sorriso estampado no rosto perfeito. Sabia que ele tinha más intenções e que sua presença não fazia pensar direito. Só lembrava dos beijos e das mãos de Cesar transitando por suas costas.
— Cl-claro. — Gaguejou confuso.
O sinal tocou e todos se levantaram correndo para se livrarem de outro dia cheio. A tarde estava quente e era possível aproveitar o resto do dia, no parque Linear em volta do lago Braga, na praça central em frente da Igreja e comer cachorro quente e Cristian não fazia ideia do que o esperava naquela tarde.
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MEU IMORTAL
4 - Olá, Velho Amigo.
Impossível...
— David... — Murmurou Cristian confuso no meio daquela escuridão.
Cristian estava estático tentando controlar sua respiração afoita, apenas sua mente entrava em colapso após aquela revelação aterradora. Arfava ao perceber que aquilo estava mais próximo da realidade que ele podia acreditar. Seu amigo estava vivo e estava bem na sua frente. Não podia crer naquilo, após oito anos, como seria possível? Tentava limpar a mente para se concentrar ali, mas mal conseguia ter controle sobre suas ações, começou a sentir náuseas e sentiu um arrepio deixar seu corpo gelar e tudo pareceu girar de repente. Sua vista escureceu, e então, desmaiou
— Cristian... Cristian...
Instantes depois Cristian abriu os olhos e tiritou sob o frio vento daquela noite. Confuso ele rodeou o ambiente com os olhos procurando por quem chamava por ele e delicadamente alguém pegou sua mão, o toque sensível o fez estremecer. Cristian lançou um olhar furtivo e de novo ele o viu. Conhecia aquele rosto, por mais que suas vistas estivessem turvas, ele pode sentir seu toque também, era como uma leve pinicada que lhe causou um arrepio na espinha dorsal. Ele era real, ele estava vivo de verdade. Seus olhos se conectaram de maneira intensa confundindo entre os tons de azuis intensos de Cristian com os castanhos rajados que nunca deixou de esquecer. Esse olhar... David...
Seu cheiro era bom, lembrava o aroma da infância, do que eles passaram juntos. Nenhuma palavra foi trocada naquele momento. Cristian não conseguia processar nada, nenhuma bendita palavra. Estático ele encara o rapaz de traços levemente familiares que o remetiam ao passado misturando o suave e o cruel num rosto esculpido e perfeito.
— Olá, Almofadinha... — murmurou ele numa voz rouca e suave.
Não era mais aquela voz arredia do garoto mal-humorado que ele conhecera. Era quase um ruído grave e irreconhecível.
— Mas como você não está morto? — Cristian entrou em crise. Se levantou depressa e se afastou aturdido e assustado. — Não! Não é você... Eu... só posso estar sonhando. Isso é loucura, você morreu! — Cristian estava confuso e com medo. Ele correu para pegar a bicicleta, mas foi interceptado, puxado pelo braço e girou de volta para aquele garoto estranho. Não conseguia negar que aquele era o mesmo olhar do David, o mesmo nariz, os mesmos lábios e as sobrancelhas que se franziam quando estava nervoso.
— Olhe para mim. Sou eu. — disse o garoto com firmeza. — Olhe!
Cristian o encarava com mais atenção. Seu estado de negação o impedia de perceber com clareza.
— Não pode ser... — Murmurou aturdido e cheio de descrença, afinal era insano pensar que aquilo poderia ser verdade, o viu morto, enterrou seu caixão e viveu oitos anos tentando apagá-lo da memoria.
David havia mudado com o tempo, seu rosto parecia ter sido esculpido, o maxilar quadrado, lábios grossos e rosados, nariz fino e curto e sobrancelhas grossas sobre um olhar rajado. Seu cabelo era bem curto e castanho. Ele fitava Cristian que também havia mudado. O rosto perfeito e pálido como duas pedras azuis brilhantes. Olhos que ele nunca deixará de esquecer. Cristian suspirava ao perceber que o amigo estava tão bonito e forte, que ele havia crescido também e estava vivo! Usando roupas escuras e botas de couro e conduzindo um Jaguar negro como um tipo de homem das trevas ou algo tipo. Estava mais para um astro de futebol ou artista em ascensão que vivia na sombra de uma vida triste. O que era estranho.
— Não real! Você não é real. — disse a si mesmo balançando a cabeça negativamente. Estava entrando em crise novamente. — Isso não tem graça, se estiver brincando comigo pare!
— Cris, presta atenção sou eu, David. — Disse ele numa voz aveludada.
— Você morreu naquela noite David, a cidade chorou sua morte. Eu chorei sua morte isso não pode ser real. — Cristian não percebeu, mas estava chorando.
— Sofreu? — disse ele com certo ceticismo saindo de sua pose gentil e delicada.
Cristian o encarou com consternação, iria explicar, mas se limitou. Tudo aquilo era uma loucura. David morreu naquela noite e isso foi real. Todos esses anos sem sua presença acreditando naquilo. Oito anos de morte e todos se convenceram disso. Era verdade, ou apenas uma mentira doce? Apesar do desespero, ter a ligeira sensação de poder ver David outra vez, ali na sua frente, lhe trouxera uma certa satisfação por um momento. Um sentimento que há muito não sentia. Ele encarou David mais atentamente e pode perceber seus traços que traziam a lembrança do passado, afinal ele não era totalmente outra pessoa. Apenas tinha mudado, tinha crescido, tinha vivido.
— Como isso é possível. — Agora ele falava embargado sentindo uma forte emoção tomar conta de seu corpo. Era felicidade, mas colidia com seu medo. — Por que não voltou naquela noite hein?! Por que?!
David o segurou pelos braços para contê-lo, antes que desabasse. Cristian olhava para suas mãos tocando seu braço e aquilo ainda era inconsistente, não podia crer.
— Acalme-se Cris, está tudo bem. — Disse David fulminando Cristian com os olhos. — Eu estou aqui, vai ficar tudo bem. — Sua voz era acolhedora, como um som perfeito.
David desprendeu seus dedos que apertavam os braços de Cristian e deslizaram para suas costa e o puxou para si não abraço apertado, o abraço que Cristian precisava todos esses anos e aquilo foi o que serviu para Cristian perceber que não haviam respostas mais concretas que responderiam a confusão em sua cabeça. David estava ali com ele e isso era o que importava mais do que qualquer coisa.
— Não sabe o quanto eu sofri sem você. — Admitiu Cristian ao se confortar no abraço do amigo.
— Eu nunca quis isso. Nunca quis magoá-lo Cris. — Murmurou David com a voz apertada e controlada. — Mas tudo está bem agora. Vai ficar tudo bem.
Cristian podia sentir seu corpo estremecer com aquele abraço forte e quente, sentir aquele cheiro que a muito não se lembrava e logo a confusão na sua mente voltou, mas dessa vez era cheia de curiosidade, estava feliz por David estar vivo, mas como? Cristian se soltou dos braços de David e passou de um lado para o outro.
— Onde esteve todos esses anos?
Os lábios de David se moveram de forma lenta para falar, mas ele hesitou, mantendo o rosto rígido.
— Não é o momento ainda. — Assegurou ele com cuidado. — Tenha paciência que eu poderei contar tudo que precisa saber. — Os olhos de David esquadrinhavam o rosto de Cristian com satisfação. — Quero poder aproveitar esse momento com você Almofadinha.
Cristian anuiu encolhendo os ombros de frio e depois mordeu o lábio inferior tentando compreender o que acabara de acontecer.
— Tem noção de que quase me matou agora? — Disse Cristian fazendo cara de bravo. — E por que está dirigindo esse caso?
David deu um meio sorriso exibindo suas covinhas na bochecha. Era um sorriso diabólico e malicioso. Era a primeira vez que Cristian via aquele sorriso estampado no rosto do amigo. Na verdade, aquela uma nova versão dele. Como uma espécie de “Exterminador do futuro”.
— Eu não queria que fosse tão sério. Queria apenas te assustar um pouco. — Disse ele desfazendo o sorriso. Seus olhos estavam apertados encarando o Cristian.
Cristian riu de desespero e ceticismo.
— Assustar? Isso não teve graça? — Cristian deu um giro desviando do olhar daquele garoto que ele parecia nunca ter conhecido. — Quer saber? Você estava morto e agora voltou oito anos depois. Quer mais impacto que isso?
David correu os olhos pelo ambiente um pouco irritado.
—Está certo, eu morri e voltei. Podemos cortar para a parte em que você me leva para a Sala da Justiça para gente relembrar os velhos tempos?
Cristian riu forçadamente e virou para encarar David com clareza.
— Eu vou para minha casa, e esquecer que isso está acontecendo. Tudo o que eu preciso é ir para cama e quando eu acordar tudo não vai ter passado de um sonho.
David se aproximou novamente de Cristian encarando-o, ele parecia inquieto e nervoso.
— Entra no carro, antes quero poder ver a Sala da Justiça. — Ordenou ele.
— Acha que pode mandar em mim? — Disse Cristian debochando.
David pegou em seu braço com força e seus olhos eram fogo, o encarando fixamente. Cristian não reconhecia aquele e chegou e estremecer.
— Não me obrigue a levar você. — Disse ele entredentes e depois suavizou. — Por favor...
Cristian se desprendeu de sua mão pesada e dura concordando com aquilo.
— Tudo bem.
—Venha! — Ordenou ele de novo. Puxou Cristian para dentro de seu carro.
— Mas e a minha bicicleta?
— Ela está quebrada, deixe aí.
Cristian fechou a cara consternado.
— Você não vem? — disse David dentro do carro.
Cristian obrigou suas pernas a irem até lá, entrou no carro importado e fitou tudo a sua volta. Era um carro impressionante, todo sofisticado e arrojado, com painel de comando de ponta que ele nunca saberia como usar. Onde David aprendeu a dirigir? Pela lógica de tempo, nos ainda não completamos dezoito anos? Como David conseguiu esse carro? Onde ele esteve esse tempo todo? A mente de Cristian não parava de pensar, as perguntas surgiam e se multiplicavam bagunçando mais sua cabeça.
Pela estrada, seguindo para a reserva, David estava rijo com as mãos firmes no volante. Cristian o espiava de canto de olho, temia encará-lo de vez. Era estranho, não conseguia acreditar naquela situação, porem sabia que não era um sonho. Era real, tudo nele era real. Cristian olhou para fora e viu as arvores passarem por ele como borrões, fitou o céu negro com faíscas de raios brilhando cada segundo. E no reflexo do vidro viu o rosto duro e sombrio do amigo. Um jovem de roupas escuras e jaqueta de couro e uma expressão sombria nos olhos.
— Eu nunca quis isso Cris, aquela noite eu estava correndo e num dado momento tudo escureceu e o som da chuva ficou abafado, eu não vi mais nada... — a voz de David tinha um tom sombrio, seus olhos também ficaram mais sombrios e distantes, como se a lembrança o perturbasse. — Quando acordei a única coisa que eu queria encontrar era você, saber se você estava bem.
O rosto de Cristian mudou de feição, não conseguia imaginar o desespero do amigo quando acordou sozinho, com medo e longe de todos. Sentiu um aperto no coração, e sua respiração ficou dificultosa ao se colocar no lugar dele.
— Mas agora você está aqui certo? — Disse Cristian com incerteza.
David retorceu o rosto um pouco, como se estivesse sentindo alguma dor. Seus lábios repuxaram.
— É o que você queria não é mesmo?
Cristian deixou de encará-lo e passou a olhar pela janela. Sabia que era realmente aquilo que desejou naquele momento. Passou oitos anos lembrando do amigo e de como gostaria que ele pudesse participar de sua vida. Obviamente a resposta era sim.
— Onde esteve todos esses anos? — Perguntou Cristian com os olhos espreitados de curiosidade.
David fez uma careta e se mostrou inquieto de novo, como se aquelas perguntas o tirassem do sério. Cristian lembrou do temperamento exacerbado de alguém que odiava ser contrariado.
— Como você é teimoso! — Arquejou ele para si mesmo.
Cristian afundou no banco de couro emburrado e frustrado por não matar sua curiosidade.
O Jaguar negro estacionou na beira da estrada, num acostamento de terra. Os dois saíram do veículo e adentraram a mata escura numa trilha quase encoberta pela folhagem que crescera com o tempo. Era um caminho que apenas os dois conheciam.
— Isso me causa arrepios! — disse David rompendo o longo silêncio.
Cristian se manteve inerte com seus pensamentos fervilhando em sua mente confusa.
— O que aconteceu? O gato comeu sua linha?
— Eu que mais eu posso dizer! — Rangeu Cristian inconformado. — Está me deixando louco!
— Não seja impulsivo, vamos devagar... — disse David com cautela. — Além disso, não há por que surtar, eu estou vivo e isso é um fato. Vou te contar tudo que precisa saber assim que chegarmos na Sala da Justiça. — O tom de David era cômico, quase sarcástico. Nunca o viu falar daquela forma.
— Não! — Exclamou Cristian. — isso está errado. Não pode aparecer assim como se nada tivesse acontecido, e dizer “olá velho amigo” como se isso não significasse alguma coisa.
David parou de caminhar e virou para Cristian com os olhos de aço.
— Preciso que confie em mim, não há nada pior do que ficar longe de tudo o que você conhece e sentir um vazio imensurável te corromper. Sentir vontade de morrer era uma das coisas que eu mais queria todos esses anos, pois se eu tivesse essa opção, com certeza ela seria escolhida.
Cristian o encarou perplexo, abaixou a cabeça e arfou com pesar. Os dois continuaram pela caminhada e finalmente chegaram à casa não arvore.
David parou de andar e ficou ali observando, mesmo com tudo escuro e com a luz neblinada da lua, seus olhos se encheram de lagrimas. Cristian o fitou e pode ver o brilho nos olhos dele. Depois David abriu um sorriso perfeito e gracioso.
— Vamos! — disse ele.
Cristian pareceu ter ouvido a voz dele Criança. As imagens de outro tempo se confundiram naquele momento. Os dois chegaram perto da casa de madeira irregular. Para Cristian ainda era uma casa velha e mal-acabada de infância, mas para David era como se o melhor sentimento que ele carregasse estivesse naquela casa de madeira. Era sua melhor lembrança.
David não hesitou e correu para dentro da casa da arvore. Cristian foi logo atrás e ficou observando o rapaz a sua frente, de modos distintos, mais alto que ele e mais forte como um atleta do time de futebol. Uma imagem que ele não conseguiu em todos esses anos construir do amigo. David no colégio ainda seria recluso, mas seria descolado, o garoto barra pesada que todos teriam medo, mas fariam de tudo para ser ou andar como ele.
— O que houve depois que eu sumi? — indagou ele.
Cristian o encarou aturdido.
— Se passaram oito anos e muita coisa mudou David...
— Não sei por onde começar... — disse ele vasculhando as prateleiras ansioso para saber de tudo. O meio sorriso na boca dele era ligeiramente animado.
— Poderia começar me contando onde você foi parar naquela noite, o que acha? — Impôs Cristian.
David olhava cada Quadrinho que leu junto com Cristian quando era criança. Olhava para os desenhos que o amigo fez e no meio deles achou um com o rosto de um menino. Estava sorrindo graciosamente nos traços perfeitos de Cristian.
— Eu acordei num quarto fechado, numa jaula saber de nada eu fiquei ali por muito tempo. — Seus dedos passavam pelos desenhos enquanto falava. — Eu não consegui contar. Não sabia que dia era aquele em que acordei, apenas percebi que os dias se passavam e eu continuaria ali. Passei uma noite atrás da outra chorando e pedindo a Deus que levasse minha vida embora, desejando que aquilo acabasse. Eu ficava doente e com frio e ninguém sequer aparecia para ver como eu estava. Quer saber como eu me sentia Cris? — Disse ele embargado.
— Por favor, pare! — disse Cristian sentindo náuseas. — Eu já entendi, e não quero imaginar que esse tempo todo eu fiquei aqui acreditando que você esteve morto e eu não fiz nada para salvar você. — Cristian tentava conter o desespero. Era demais sequer imaginar.
David ignorou e continuou:
— Até que ele apareceu e me levou para casa dele. O quarto não era melhor que o outro onde eu estava, mas também não era escuro e fedido. Tinham outras crianças como eu, e todos nós fomos forçados a trabalhar naquela grande mansão para aqueles homens. Acredite Cris, não foram os melhores anos da minha vida, mas eles me mantiveram vivo até hoje.
— Quem é ele? Quem são esses homens? — indagou Cristian intrigado.
— Severo foi o homem que me comprou no mercado negro e me tirou daquele inferno em que eu fui jogado. Eu me juntei com outras crianças e nós trabalhávamos para ter o que comer e onde dormir e acredite foi o melhor que pude ter. Ele foi muito bom comigo nesse tempo todo. Me criou como um filho.
— Isso é crime David! Tudo isso que você sofreu é crime! Precisamos resolver isso!
— Acho melhor não mexer nessa história Cris.
— Mas você está aqui agora, todos pensaram que você. — De repente Cristian se conectou a um fato importante de toda aquela história. O corpo. — O resultado da autopsia, aquele era seu corpo David, nada disso faz sentindo. Aquela jovem de vinte anos foi morta naquela noite. David o que está acontecendo?
— Eu não faço a mínima ideia, como eu disse, passei todos esses anos sem poder me conectar ao mundo e agora estou aqui. Eu quero descobrir tanto quanto você eu juro. — Disse ele olhando para Cristian com cuidado.
Cristian foi se acalmando os ânimos e relaxando já que as respostas não estavam ao seu alcance.
— Você tem um talento notável para qualquer coisa não ser desenhar. — Murmurou David com um risinho bobo de zombaria.
— Sabia que você diria isso. — disse Cristian murchando e depois recolheu os desenhos irritados.
David percebeu seu desanimo.
— Ei, o que houve? Não são tão ruins assim. — Completou soltando uma gargalhada.
O ambiente ficou mais descontraído e Cristian conseguiu relaxar tensão nos músculos.
— Meu pai também pensa o mesmo sobre isso, mas eu não ligo. Quero ser um artista.
— Você pode ser o que quiser Cris, o mundo é grande demais e a vida muito curta para deixarmos de fazer aquilo que temos vontade.
— Como pode dizer isso? Está livre de seu dono?
— Sim... — disse ele com certa incerteza. Seus olhos ficaram apertados e depois ele repuxou um sorriso. — Eu estava brincando quando falei dos desenhos. Tem um talento incrível.
— Acha que tenho escolha, meu pai construiu aquilo pensando em mim e não posso desapontá-lo. Tenho enfrentado ele nos últimos anos, e não quero que isso abale minha relação com ele.
— Isso soa estranho não acha? Nós éramos crianças e não tinhas preocupações com nada e agora o futuro parece ser tão assustador.
— Assustador foi chegar aqui naquela noite e perceber que você não estava bem atrás de mim, e nunca mais voltou.
David se aproximou cuidadosamente de Cristian e os dois ficaram cara a cara. David era um pouco mais alto que Cristian, seus olhos sobrepunham o de Cristian com certa imponência. Cristian queria analisar seu rosto, mas só o que conseguia era encarar aqueles olhos castanhos rajados.
Os lábios de David se moveram lentamente.
— Não precisa mais ter medo, eu estou aqui com você. — David desprendeu seus olhos dos de Cristian e correu para sentar no chão sobre as almofadas velhas e empoeiradas. — Venha e me conte o que eu perdi.
Relutante Cristian se forçou a ir até lá e se sentou um pouco distante do amigo.
— Bem, meus pais ficaram super protetores e grudentos. — Disse ele contragosto, mas começou a ficar à vontade. — Se lembra da senhora Perez? Ela se mudou para outra rua, suas janelas estavam todas quebrada depois que brincamos de estilingue naquela semana. Erick entrou para o time de futebol e é meu amigo agora e namora a minha melhor amiga Ângela. Você teria adorado conhecê-la...
David ouviu Cristian lhe contar tudo atentamente e depois seus olhos se fixaram no vazio.
— Não acredito que perdi tudo isso. — disse ele achando aquilo engraçado. O sorriso no seu rosto era espontâneo. — É complicado eu te contar muitas coisas sobre agora, mas eu estive pelo mundo com Severo, conhecendo lugares. Tabanga é quente até mesmo no inverno e Paris é linda a noite, e os alpes Suíços são magníficos. Severo me tirou dá um inferno e me mostrou o mundo, lugares que eu sempre pensei que poderíamos conhecer juntos. Vou levá-lo para muitos outros lugares que conheci, Tóquio, Nova Iorque, Cork entre outros. Todos esses anos sonhei com esse dia Cris, e agora estamos nele. — Murmurou David cheio de satisfação.
— Parece que sente admiração por esse Severo? — Murmurou Cristian intrigado.
David desfez sua expressão vazia como se tivesse voltado para o presente e fitou Cristian com cuidado.
— Eu só devo a ele minha vida Cris, sem ele eu não teria me mantido firme todos esses anos. Sem ele eu teria perdido minha sanidade e teria esquecido meu passado. Teria esquecido você.
Cristian caiu em frustração de novo. A curiosidade era perturbadora, apesar de acreditar que também deveria agradecer esse tal de Severo pelo que proporcionou a David todos esses anos. Isso era confortante e satisfatório.
— Você ficou mais alto que eu, achei que não passaria do chão. — Disse Cristian com um risinho distraindo a conversa.
— Você era um fracote e não mudou nadinha. Não pense que eu me esqueci. Seus olhos azuis e o penteado maneiro só ajudaram um pouco. — David riu graciosamente.
Como Cristian sentiu saudade daquele sorriso.
— Esse visual Heavy Metal é para mostrar que você é barra pesada? Não funcionou, está parecendo um personagem vampiro de filme adolescente. — disse Cristian num tom visceral.
— Nenhuma garota reclamou até hoje. Elas até gostam. — Admitiu ele com certo orgulho. — E você com as garotas? Devem estar nos seus pés, eu aposto.
Cristian ficou sério de repente. Como o assunto parou nesse ponto mesmo?
— O que foi? — David indagou estranhando seu semblante rijo de repente.
— Nada, eu acho que já esta tarde e eu preciso ir.
— Fique mais um pouco. — Insistiu David. — Quero aproveitar o momento. Não temos muito tempo.
— Você vai embora?
Cristian o encarou aturdido, afinal aquilo não era um sonho, era realidade e ele não podia voltar assim como um morto vivo e seguir com a vida.
— Entenda que isso é complicado, mas que podemos nos ver sempre. Não vamos falar disso agora. Posso ver você amanhã? — Disse ele sem hesitar, seus olhos encarando Cristian incisivamente.
— Cl-claro. — Cristian gaguejou por um instante, mal conseguia processar as ideias em sua cabeça. Aquilo era um sonho. Tinha seu amigo de volta dos mortos e saber que poderia vê-lo fora dos sonhos era satisfatório. — Apenas me leve para casa... — completou Cristian exausto.
David anuiu e depois os dois saíram da Sala da Justiça e seguiram a trilha até o Jaguar Negro. Em poucos instantes eles estavam de volta a pista seguindo em direção a cidade. A neblina formou-se como um manto sobre a pista. David ligou o aquecedor e o som do carro. Cristian avistava a fora a floresta escura é a estrada com iluminação amarela. Logo seus olhos pesaram sentindo o cansaço dominar seu corpo e adormeceu.
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Cristian o encarava confuso e aturdido, seus instintos eram fortes e ele não conseguiu resistir, se aproximou um pouco mais de Cesar de maneira com que seu rosto ficasse colado com o dele e depois seus lábios se uniram num beijo intenso. As mãos de Cristian demoraram até se envolverem no corpo de Cesar que o puxou para si com suas mãos duras transitando por suas costas. Era profundo e impetuoso aquele ato, sentir a peso dos dois corpos, lábio com lábio, rosto com rosto. Cristian gostava daquilo, do beijo com emoção e calor, era fascinante sentir o coração acelerado, a respiração afoita e a endorfina se espelhando pelo corpo deixando sensível cada toque. Cesar desgrudou os lábios de Cristian, mas com os dentes ele mordeu seu lábio inferior levemente. Cristian sorriu entredentes e afagou os dedos no rosto duro de Cesar.
— Eu já estava com saudades disso sabia? — Murmurou Cesar ofegante.
— Gosto de estar aqui com você. — disse Cristian encarando Cesar. — Por mim, eu faria isso sempre e em todo lugar.
— Sabe que podemos, não sabe?
Cristian se mostrou restivo e se desfez dos braços dele passando para o outro lado.
— Sei... mas é complicado agora. Já conversamos sobre isso. — disse Cristian com hesitação. — Temos que ir com calma.
— Até quando? — Cesar riu com ceticismo. — Eu gosto do seu beijo, gosto da nossa sintonia e das nossas conversas sem sentido. Isso não significa nada para você?
— Eu também gosto desses momentos que tenho com você, é diferente de mostrar isso para todo mundo. Vai além dos nossos encontros, nossa privacidade será compartilhada com o mundo.
Cristian passou por Cesar, antes de sair, chegou em seu rosto e lhe beijou com ternura.
— Gostaria de poder olhar para você com desejo, pegar na sua mão e andar ao seu lado, mas seu medo do mundo é aterrador. — disse Cesar por fim e Cristian saiu sem dizer nada.
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É quente, quente pra caralho Inverno na cidade Alguma coisa nesse clima Fez esses meninos enlouquecerem

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𝕷𝖎𝖋𝖊 𝖎𝖘 𝖆 𝕿𝖗𝖆𝖕
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Eu me preenchi sob o sol da primavera Nem minha tristeza ou minha dor Poderiam me fazer Esfriar outra vez Perdi você e uns milhares de olhares Só para me ver queimar nesse sol Corpo suado, pé no asfalto E porra me sinto vivo agora...
𝑮𝒉𝒂𝒆
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"Não me importo com as piadas, não ligo para o que pensem de nós. Garotinhas, veadinhos, namoradinhos, esquisitos. Eles são uns idiotas de merda e aposto que não sabem o que é uma amizade como a nossa, como é jogar RPG e ler quadrinhos juntos, nadar na represa nas tardes quentes de verão e depois tomar chocolate quente assistindo filmes de terror sem medo por que temos um ao outro. Então não, não vou deixar de ser seu amigo pelo que pensam de nós, não vou deixar você se afundar na sua solidão idiota com seu drama familiar idiota. Vamos ser amigos para sempre!"
- Meu Imortal
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— Você ouviu isso? — Cristian estava apavorado. — Acho que ouvi alguem gritar. — Foi o que pareceu. Novamente um grito, dessa vez mais alto e estridente. A voz alarmada de uma mulher em apuros. Cristian e David estremeceram de medo, afinal não sabiam o que poderia ser. Alguém gritando daquela forma é por que estava fugindo de algo, sendo atacada ou já tinha sido pega. O que era mais cruel de se pensar? — Agora eu tenho certeza de que ouvi um grito David. — disse Cristian entredentes. — Pode crer que ouvi também. Vamos lá ver! — disse David despretensioso. — O que? Está louco? Não sabemos o que pode ser. E se for um assassino? David correu até a janela e com uma lanterna tentou iluminar o lado de fora afim de encontrar alguma coisa. A tempestade era forte e densa, o vento circulava com força movendo os jatos de chuva, os relâmpagos explodiam no céu iluminando em torno da arvore. Nenhum sinal de uma mulher em perigo. David virou-se devagar com a lanterna sob o rosto com uma expressão nublada e encarou Cristian. — Parece que tem alguém com medo aqui? — disse David com um meio sorriso. — E então o que você viu? — transbordando aflição. — O sugador de almas… — disse David com seriedade. — Pare de bobagens David, isso pode ser perigoso — disse Cristian confiante. — Olha só! Pensei que não tivesse medo? — disse David com ironia. — Claro que não. — Desconversou Cristian, e continuou num tom sombrio. — Agora e se for um vampiro? David estremeceu. De repente o grito ficou mais alto, não deu para identificarem direito, mas parecia ter sido um grito de socorro, foi estridente e abafado pela chuva forte e o vento que chicoteava as arvores. David encarou Cristian seriamente. — Precisamos ver o que está acontecendo. — disse David saindo da janela e indo para saída. — O que pensa que está fazendo? — disse Cristian alarmado. — Eu estou indo lá para fora, tem alguém precisando de ajuda. — E você vai me deixar sozinho? — Quem é que está com medo agora mesmo? Cristian bufou, revirando os olhos e seguiu o amigo e os dois saíram da casa na arvore enfrentando aquela tempestade em busca de quem estava gritando por ajuda.
Meu Imortal - Acompanhe essa incrível historia.
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MEU IMORTAL
3 - O Primeiro dia do último ano.
Ele não havia percebido, mas o despertador estava tocando há um tempo. Abruptamente ele desligou o aparelho berrante e virou-se para olhar o teto. Sentiu uma súbita sensação de estar sendo seguido enquanto dormia, como se estivesse fugindo de alguém ou de alguma coisa. Uma agonia embalada pelo medo de alguma coisa que não se sabe o que é, de que não tem certeza do que possa ser. Ele rodeou o quarto com os olhos e tudo parecia intacto, ou melhor, a bagunça parecia à mesma. — Tudo não passara de um sonho afinal. — disse Cristian a si mesmo enquanto fitava o teto marcado com as frestas de luz da manhã fria. Seu corpo transpirava como se tivesse queimado de febre. Tudo parecia intrigante e assustador ao mesmo tempo.
Era o verão mais frio dos últimos anos e também o primeiro dia de aula do esperado último ano no colégio. Cristian sentiu-se um pouco conformado com o fim. Com o fim da sua permanência no colégio — é claro que seria muito gratificante para os seus pais vê-lo entrar na faculdade, e para seus amigos que tanto sonharam com o fim das aulas. — Mas para Cristian, seria como o fim de uma fase, contudo o próximo passo seria a universidade e isso com certeza seria um momento delicado. Seu pai esperava que ele fosse seu sucessor nos negócios da família. Talvez os desenhos cheios de detalhe que Cristian criava tão minunciosamente com seu brilhante talento para arte contemporânea ficariam apenas como um hobby ou tudo seria desperdiçado.
— Por que desenha essas coisas filho? Ser um artista não pagará suas contas. — Dizia seu pai ao vê-lo pintar e rabiscar.
Aquilo se tornou um grande dom afinal, Cristian ocupava seu tempo copiando os desenhos dos quadrinhos que lia e logo começou a criar seus próprios traços e se tornará um talentoso desenhista, mas aos apresentar aos pais cada arte que fazia, era ignorado como se fosse apenas uma fase que toda criança tem.
Cristian arfou e pulou da cama e cambaleando até o banheiro, acendeu a luz e pôs-se a lavar o rosto e depois parou um instante para fitar sua aparência no espelho. Cristian era jovem de dezessete anos prestes a completar dezoito. Possuía uma beleza distinta, não tinha porte atlético, era magro, olhos azuis intensos e lábios rosados, nariz fino e cebelos curtos e encaracolado, sobre os sobrancelhas grossas que tornavam seu olhar marcante. Em seguida ele voltou para o quarto, diante do guarda roupa, Cristian pegou as primeiras peças de roupa que viu pela frente. Uma calça jeans preta e meio apertada e uma camiseta cinza e depois se enfiou num casaco de moletom azul quase tom pastel com capuz e cordões laranja, calçou o par de Vans velho, bagunçou os cabelos desgrenhados e negros com um pouco de água e estava pronto. Ele nunca se importou muito com a aparência.
E lá estava sua mãe preparando o café. Lívia se tornara uma mulher madura, ainda com uma beleza jovial e afável, com corte de seu cabelo um pouco mais curto em ondas perfeitas ainda se vestia como antes, vestido florido e sandálias Anabela.
— Bom dia, meu querido! — disse ela calorosamente.
— Bom dia! — Respondeu Cristian indiferente.
— Que dia é hoje? — indagou Lívia num tom sugestivo enquanto terminava de colocar a mesa do café.
Cristian beliscou um pão e começou a comer com uma expressão confusa.
— Hoje é o primeiro dia de aula? — Respondeu ele com incerteza.
— E não está orgulhoso de si mesmo?
Lívia sorriu e depois serviu uma xícara de café. Cristian encheu um copo adjacente com o suco que pelo cheiro era de laranja e bebeu até a metade, em seguida pegou a fatia do pão que beliscou e o encheu de geleia e começou a comer.
— Acho que sim... — disse indiferente e com a boca cheia.
Pedro, seu pai apareceu na cozinha carregando o jornal. Ele também havia mudado com os anos. Estava um homem maduro, com leves cabelos brancos aparentes, vestindo uma camisa xadrez e os óculos pareciam ser os mesmos de sempre.
— Fique tranquilo Cristian, sei que sua cabeça está mudando, mas não crie tantas expectativas como os outros jovens. Logo poderei treiná-lo para trabalhar comigo. Seu futuro está garantido. — Disse Pedro e mesmo num tom bondoso, havia uma certa exigência em sua voz.
— Não sei muito bem pai... — Cristian respirou fundo. — Acho que teria algumas oportunidades de bolsa para estudar artes em São Paulo.
Houve um momento de tensão na mesa. Seu pai lançou um longo olhar de censura para Lívia enquanto virava uma página do jornal.
— Nós já falamos sobre isso filho, nossa empresa precisa de alguém para tocá-la. Construí tudo isso pensando no seu futuro.
Novamente aquela conversa que nos últimos meses tem se intensificado e se tornou motivo de diversas discussões.
— Pai, eu realmente quero cursar artes em São Paulo antes de qualquer coisa.
— Cristian já é hora de você ir para o colégio, podemos conversar sobre isso depois! — Lívia interrompeu a conversa, antes os ânimos se exaltassem na mesa.
Cristian mudou em muitas coisas, mas uma coisa era certa, ele ainda era muito teimoso.
— Não Liv, deixe que eu termine com isso. — Disse Pedro, por fim. — Ele não tem escolha a não ser seguir os negócios da família. Não quero que ele vá para São Paulo fazer uma faculdade cara e não ter emprego, viver como vândalo ou algo do tipo.
Cristian cerrou os olhos e respirou fundo.
— Acho que isso não é de todo ruim, ser um vândalo ainda conseguiria expressar quem eu sou sem ser preso ao preconceito de ignorantes.
— Chega! — Vociferou Pedro irritado batendo na mesa.
Lívia deu um pulo de susto.
Cristian balançou a cabeça e se retirou da mesa num atino cheio de raiva. Sabia que o assunto sempre chegaria aquele ponto.
— Esse assunto não acabou, está me ouvindo?!
— Tome cuidado querido! — exclamou sua mãe e depois encarou Pedro com critério.
Pedro deu de ombros e voltou a ler seu jornal.
Seguindo pelo trajeto do colégio, Cristian pedalava em sua bicicleta rapidamente contornando esquinas com agilidade, precisava expelir a raiva contida dentro de si. Não conseguia entender por que seus pais ainda eram tão protetores e controladores com relação a sua vida.
Há duas ruas a frente ficava o colégio secundário de Selene. Um prédio respeitável, de dois andares, com um pátio na frente e estacionamento. O pátio estava apinhado de alunos polvorosos numa diversidade bem-proporcionada. Cristian sentiu frio na barriga de primeiro instante como todo primeiro dia, apesar da entrada do colégio estar repleta de pessoas que o conheciam. Cristian era inteligente e doce e todos o adoravam por ser amigável, seus dias de sofrimento com o bullying acabaram poucos anos atrás depois que muitas barreiras foram quebradas, mas ainda sim existem pessoas que sofriam com o assédio. Para Cristian seria o mesmo se não vivesse a sombra de uma popularidade invisível, todos os viam como o jovem doce e amigável Cristian, essa era a imagem que ele precisava passar para não sofrer. Não faziam ideia do sorriso que ele tinha que forçar para evitar questionamentos indesejáveis ou de quando sofria seus pesadelos adolescentes em silencio para não parecer fraco. Mas naquele ele sentiu uma vazio se abrir dentro de si, não pelo fato de que seria mais um ano cheio de falsidades com eventos regados a muita bebida e drogas e tolices da aventura adolescente pelo perigoso mundo da diversão. — Fútil — Mas por que havia um rosto faltando naquele meio de jovens agitados. Era o último ano e Cristian deseja passar cada instante dessa fase com seu amigo de verdade, com quem podia ser ele mesmo e não aquela figura inventada, David não queria que ele sofresse bullying na escola então ele resolveu ser uma pessoa diferente e descolada para não ser um alvo vulnerável.
Faziam oito anos que David se foi e Cristian ainda tinha o vazio que o amigo deixou dentro de si, um buraco que nunca se fechou. Cristian passou noites imaginando como seria se David estivesse vivo, como seria quando eles chegassem à formatura, como seria dividir seus medos e contar seus pesadelos ao amigo. Era algo que ele não conseguiu preencher com o passar dos anos, ninguém que ele conhecera não conseguira substituir seu amigo daquela forma.
Cristian levou a bicicleta até a grade e a prendeu com uma corrente e um cadeado.
— Feliz primeiro dia... Do último ano! — falou alguém com uma voz doce e entusiasmada atrás dele.
Era Ângela Toledo, sua melhor amiga. Uma jovem negra ativa de olhos castanhos e inteligentes, os cabelos eram castanhos com leves mechas douradas em volumosos cachos até a altura do colo. Ela vestia um suéter amarelo de gola alta e calça jeans larga com alguns rasgos e Vans. O olhar perfeccionista e ansioso era uma arma letal da jovem. Com muita sensatez e acidez nas atitudes, principalmente quando o assunto era militância pela posição da mulher negra na sociedade. Ângela era feminista com um espirito de justiça implacável e uma doçura encantadora. Os dois se tornaram melhores amigos quando Cristian entrou na turma de literatura e descobriu que Ângela escrevia lindos poemas. Ele se lembrou da história que um policial lhe contou na delegacia, assim que perdeu David. Ângela era uma menina de dez anos pouco popular e um senso crítico muito forte e inteligente que trouxe a mãe de volta com poemas. Sobre diversas coisas que eles tinham em comum a amizade se formou. E com o passar dos anos Ângela se tornou a aluna mais popular por conta de sua brilhante inteligência e e postura com relação ao bullying e preconceito dos outros alunos. Assumia seu cabelo afro e usava roupas cheias de identidade sem medo de ser quem era.
— São pouco mais de trezentos dias até a formatura e já quero que passe logo. — disse Cristian indiferente.
— Que horror Cris, nem parece que quer viver cada momento desse último ano, aproveitar a essência atraente e deliciosa de ser adolescente. Lembre-se que depois desses anos as responsabilidades serão uma droga.
— Vendo por esse lado, acho que podíamos para no tempo. Não quero imaginar meus dias num escritório ordinário com cheiro de café e pessoas nojentas.
Ângela riu daquilo com certa ironia e depois eles entraram no colégio. Passando pelo corredor eles cumprimentaram diversas pessoas, colegas que ao longo dos anos passaram por eles numa simples conversa ou até mesmo um “oi”.
— Não seja dramático Cris, eles só querem o seu bem.
— Meu pai disse que não teria escolha a não ser seguir os negócios da família.
— Então você deve pular fora. — Aconselhou Ângela. — Olha! Eu adoro seus pais, mas eles estão querendo controlar seu futuro e isso não é justo. Não estou falando para se rebelar, mas faça de tudo para conseguir o que você quer.
Cristian se sentiu mais aliviado com o conselho da amiga.
— Já disse que você deveria ser nomeada presidente?
Ângela riu e logo seu olhar foi ofuscado pelo garoto mais lindo e popular do colégio. O Capitão do time de futebol, Erick Moura. Aquele garoto degenerado e valentão que usava aparelho e atormentava todo mundo, fora do peso e com o rosto cheio de espinhas tinha se tornado o mais desejado garoto do colégio, logo após ser obrigado a entrar para o time de atletismo por seu pai com o passar dos anos e toda dedicação ele se tornou o capitão do time. Com uma performance incrível ele conquistou medalhas e a atenção das garotas. Erick perdeu peso e ganhou músculos no lugar, ficou mais alto como era esperado, com cabelos louros, olhos verdes desconcertantes e leves sardas no rosto era um colírio para os olhos de Ângela que o transformara, entretanto num rapaz gentil e amigável antes deles começarem a namorar.
Ângela entrou para o time de atletismo e jogou no time de vôlei e tênis de mesa, onde passava quase todas as tardes dividindo o mesmo espaço com Erick que se viu intrigado na garota que estava sempre sozinha com seus pensamentos, quando não estava escrevendo ou lendo. Ele passou a espiá-la de longe e ela nem sequer se dava conta da presença dele. Nas rodinhas de conversas ela não dirigia a palavra a ele, afinal o passado dele ainda era uma mancha e quando Ângela entrou no colégio por vezes foi atormentada por Erick e sua turma com piadinhas e xingamentos por conta de sua cor e seu cabelo.
Ângela ainda sofria muito preconceito das outras garotas do time, não só pelo fato de ser negra, mas por que seu corpo estava sofreno precocemente alterações da puberdade, algo que as outras garotas não tinham pela idade, isso fez com elas a excluíssem por ser diferente. Uma jovem negra de cabelo cacheado quase crespo, com um corpo de alguém quase adulto, era algo fora do normal para os outros alunos. Os garotos jogavam-lhe piadinhas sexuais que a faziam se sentir mal, suja e muitas fezes odiar a si mesma.
Certo dia, Erick sentou ao lado dela na aula de ciências e começou a puxar assunto.
— Tem uma letra muito bonita. — disse ele, sem ideia de como conversar com uma garota que não estava aos pés dele. Nunca tinha ficado tão inseguro.
— Caderno de caligrafia. Passei minha infância inteira escrevendo. — disse ela sem tirar o foco da lição que copiava do livro.
— E o que você escrevia? — disse Erick acreditando que era tremenda loucura uma criança escrever tanto.
— Poemas.
Ele a encarou incrédulo. Confirmou sua teoria de que era realmente uma loucura uma criança escrever poemas ao invés de brincar com bonecas ou desenhar. Mas não se importava muito com aquilo, já tinha um assunto formado com Ângela. Incomodava ele o fato de que havia apenas uma garota naquele colégio que não sentia atração e admiração por ele. Talvez aquilo foi a primeira vez que ele sentirá atração por alguém de verdade.
— E que tipo de poema costumava escrever.
Ângela respirou fundo, achava Erick fútil e completamente idiota. Em seguida ela deu um sorriso de conto de boca.
— Poemas épicos são mais puxados para narrativa e eu demorei para compreendê-los, talvez por serem centrados em figuras míticas, mas por outro lado os poemas dramáticos como uma opera eram tristes demais para mim. Já os sonetos que são poemas líricos que retratam os pensamentos e sentimentos do poeta, são mais vivos e intensos. Eu comecei por esses.
Erick tombou a cabeça sem fazer ideia do que tudo aquilo significava.
Ela o encarou com ceticismo.
— Como sei que você não faz a menor ideia do que isso significa, não tem por que puxar assunto comigo. — Ela sorriu e depois fechou a cara, voltando a lição.
O sinal tocou e Ângela recolheu o material e se retirou rapidamente balançando a cabeça.
No intervalo Erick a encarou por todo o período e enxergou nela o que não via nas outras garotas. Ângela não era fútil e sem conteúdo, era linda e inteligente, tinha leveza e um sorriso contagiante.
A partir daquele dia ele passou a estudar sobre poemas e grandes poetas. Entrou de cabeça na literatura. E para conquistá-la ele passou a copiar bilhetes com poemas famosos de poetas brasileiros e deixar em lugares por onde ela passava. No seu armário no vestiário quando ninguém pudesse ver, no seu caderno quando estava distraída e na bandeja do lanche no intervalo. Ela não precisou pensar muito para descobrir quem era, pois Erick não era muito discreto e isso era de um certo modo fofo, mas ela o colocou na parede certo dia depois da aula.
— Não entendo o que tudo isso significa? Por que está colocando esses poemas por todo lado?
— Isso o que? — disse Erick cheio de displicência.
— Não se faça de idiota. Posso dar uma queixa de perseguição. — Disse ela depois de se retirar. — Pare de me mandar essas coisas!
— Espere! — Disse Erick correndo e entrando na sua frente de novo. — Achei que iria gostar?
— Por que não me disse a verdade?
— Você é muito durona sabia? Eu só queria ser gentil.
Ângela o encarou por um instante sem entender nada. Não conseguia imaginá-lo como uma pessoa gentil ou até mesmo doce.
— Por que não esta indo atrás daquelas garotas que fariam de tudo por você?
— De todas as garotas desse colégio você foi a unica flor brita por quem me apaixonei Ângela, e consegui criar coragem de dizer isso por que li diversos poemas e acho que fiquei mais sensível. — Disse ele no final meio constrangido.
Ângela não conseguiu se conter e riu, achou fofo o jeito como ele se expressou de repente.
— Sensível? Está brincando comigo Capitão? Eu não era a "cabelo de palha de aço", eu não era "Chica da Silva", "Dona Benta"?
— Você acha que as pessoas não podem mudar? Todos os dias tenho que lidar com as besteiras do meu passado idiota. Eu era um imbecil e não tinha ideia do que àquilo causava nas pessoas. Eu realmente gosto de você e quero estar aqui para proteger você.
— Eu não sou uma princesa Erick, não preciso de um príncipe para me proteger com seu cavalo. Eu tive que me tornar o príncipe, o cavalo e a armadura para me manter e desconstruir a princesa indefesa dentro de mim. — Disse ela com firmeza.
— Me desculpa pelo que eu fiz, me desculpa se eu fui um trouxa, se eu te magoei e te deixei triste. Estou pagando por isso agora.
— Então é melhor parar de me perseguir. — Disse ela por fim.
Ela saiu pelo corredor enquanto ele a observava sem palavras, sem ação.
Nas semanas seguintes Erick e Ângela passaram se a sentar próximos nas aulas e no intervalo trocavam olhares furtivos de quando em quando e ele passou a fazer parte da turma de literatura, onde estudavam juntos. Nas peças em que ela se apresentava na plateia havia sempre alguém que a aplaudia de pé além de Cristian e seu pai. Erick Moura, o louro atraente e capitão do time de futebol estava lá com aqueles olhos de esmeraldas olhando para ela. Ela resolveu ceder e aceitou sair com ele. Os dois foram para a reserva e ele havia preparado um piquenique num campo cheio de flores e um gramado verde e macio, o dia ensolarado era propicio com torradas e geleias, bolos e sorvete. Eles passaram o dia conversando sobre coisas que nunca pensaram que compartilhariam com alguém e, de repente ele se aproximou dela, os olhos penetrados nos dela, fitando a como se fosse algo tão belo que jamais tivesse visto. Seus lábios se encontraram e ela não conseguiu evitar o charme do rapaz.
Formavam o casal perfeito e mais conhecido do colégio. Erick se aproximou com a mochila sobre um ombro se agarrou a Ângela pela cintura e lhe deu um beijo intenso e apaixonado, depois lançou uma piscadela para Cristian.
— Oi Cris!
— Eai Erick!
Erick não tinha se tornado gentil apenas, mas se tornara também mais próximo de Cristian. Eram amigos e tudo que aconteceu no passado parecia ter sido apagado.
— Parece que passamos muito tempo longe um do outro... — disse Erick para Ângela.
Cristian revirou os olhos. Arfou ao percebeu como os dois eram melosos.
— Então Cris, como foram suas férias de verão? — Erick quis saber.
— O de sempre Rick, visitei minha avó em Porto Alegre e me livrei um pouco do ar dessa cidadezinha no meio do nada por um momento. Depois passei o resto dos dias aqui.
— Consigo imagina o tédio cara, eu daria tudo para viajar nas férias, mas tive que ficar aqui, minha mãe estava doente.
— É verdade Cris, era a oportunidade perfeita para conhece-la, mas a gripe não ajudou nadinha. Quem sabe da próxima eu vá até sua casa conhecer sua mãe. — Completou Ângela.
— Vamos, precisamos achar nossa sala. — disse Erick saindo daquele assunto de repente.
Eles seguiram para entrada do colégio.
— Eu já sei qual é a nossa sala, falando nisso... — Ângela começou a tagarelar. — Será a mesma do ano passado. Temos ótimas lembranças do segundo ano, sem contar que percebi uma mudança significativa na lista de alunos. Vocês não acreditam quem está na nossa sala? Melissa Prado.
— Ouvi dizer que ela está em Londres estudando inglês. — disse Cristian.
— Com um pai rico eu iria para onde eu quisesse. — Assentiu Erick. — O que eu quero saber é das festas meu irmão, temos motivos esse ano para comemorar a porra da formatura! — exclamou Erick gesticulando uma dança sensual e engraçada.
Ângela riu cheia de entusiasmo.
— Tecnicamente, não podemos beber. — disse Cristian tentando parecer sensato.
— Tecnicamente, podemos sim. — Concluiu Ângela. — Pense nisso como uma cerimônia, estamos nos formando e iremos fazer dezoito, esse tem que ser o melhor anos de nossas vidas antes da faculdade. E eu ouvi dizer que lá é onde a magia acontece, portanto devemos chegar calibrados.
Cristian soltou um riso breve.
— Ei, espere um pouco. Nos anos anteriores tive piores porres da minha vida. Nunca mais vou beber. — Disse Cristian fazendo uma careta.
— Sai dessa Cris, esse fim de semana vai ser crucial. Se lembra da festa clandestina que teve ano passado, pois é vai acontecer de novo. — disse Erick num tom animador. — Você pode não querer beber, mas vai querer estar lá. Confie em mim!
Ângela parou na frente de Cristian com uma expressão de surpresa e fascinação.
— Você precisa ir nessa festa Cris, sem você não vai ser a mesma coisa e sem contar que será no dia da abertura do campeonato e o meu Rickzinho aqui vai arrasar e derrotar o time do Cruzeiro Verde, vai ser tipo... a melhor vibe das nossas vidas.
— Se o seu pai descobrir Angel, estaremos todos mortos. — Assentiu Cristian.
— Não tenha dúvidas. — Concordou Erick entusiasmado. — Ano passado foi suave e esse também será. Pode crer!
Ângela era filha do novo delegado do Departamento Distrital de Selene. Rígido e severo, Marcus não podia imaginar todas as travessuras que os jovens daquele colégio aprontavam quando nenhum adulto estava olhando.
Depois que entraram na sala de aula e se acomodaram em suas mesas, um homem baixo, careca de óculos, com roupas típicas de um professor de história de meia idade entrou na sala. O professor Douglas dava aulas naquele colégio há anos e iria ministrar as duas aulas naquele dia. Ele iniciou falando sobre mitologia grega.
As horas se arrastaram até o meio do período, boa parte estava entretida com a aula sobre os índios que construíram a comunidade que se tornou a cidade de Selene. O restante da sala estava distraído com outras coisas, inclusive Cristian que fitava o vazio devaneando com tudo que estava acontecendo em sua vida. Voltou a pensar na conversa que teve no café da manhã com os pais sobre a faculdade e seu futuro. Não importava o que ele quisesse para seu futuro, seus pais já tinham decidido que rumo ele tomaria. Sempre fora assim desde que ele se lembrava. Suas roupas, o que assistir, o que comer e o que fazer. Seus pais decidiam tudo por ele. Desde que David morreu seus pais se tornaram extremamente protetores e controladores. Ele passou a lembrar dos bons momentos da infância quando não tinha preocupações, quando apenas tinha alguém que o entendia e podia brincar. David era sua melhor lembrança.
O sinal do intervalo tocou tirando Cristian de seu devaneio momentâneo e todos os alunos se levantaram em sincronia e correram para fora. Cristian seguiu atrás de Ângela que tagarelava nos ouvidos de Erick. De repente no meio do corredor, alguém o puxou pelo braço e o jogou para dentro do banheiro masculino. Ele foi posto na parede e o garoto o encarava incisivamente. Aquele era Cesar Prado, o goleiro do time de futebol. Um garoto negro com um brilho próprio na pele morena, alto, porte atlético, de olhos castanhos apertados e cabeça rapada com o desenho do cabelo bem curto. Ele encarava Cristian que estava assustado pela maneira abrupta que Cesar o encarava, esquadrinhando-o como uma fera selvagem que encara sua presa.
— Pensei que fosse me ligar nas férias? — disse Cesar num tom de cobrança.
Cristian deu um risinho sem graça.
— Fiquei sem sinal um tempo. — Mentiu descaradamente. — Sabe em Porto Alegre é difícil pegar um sinal.
— Pare de mentir. Só não quis ligar não é mesmo?
— Não... não é isso.
— Senti sua falta, sabia? — disse Cesar.
Cristian o encarava confuso e aturdido, seus instintos eram fortes e ele não conseguiu resistir, se aproximou um pouco mais de Cesar de maneira com que seu corpo ficasse colado com o dele e depois o beijou intensamente. As mãos de Cristian demoraram até se envolverem no corpo de Cesar que o puxou para si e fez suas mãos transitarem por suas costas. Era profundo e arrebatador, nunca ninguém o pegou dessa forma, com tanto envolvimento e paixão. Cristian gostava daquilo, beijar com toda aquela emoção e sintonia, era fascinante. Sentir a língua do parceiro passear pelo céu de sua boca, o coração acelerado, a respiração afoita e a endorfina se espelhando pelo corpo deixando sensível cada toque. Cesar desgrudou os lábios de Cristian, mas com os dentes ele mordeu seu lábio inferior. Cristian sorriu entredentes e afagou os dedos no rosto duro de Cesar.
— Como é bom fazer isso com você. — Murmurou Cesar ofegante, com um sorriso lascivo no canto da boca.
— Por mim eu faria todos os dias, toda hora e em todo lugar. — disse Cristian confortado nos braços de Cesar.
— Sabe que podemos, não sabe?
Cristian se mostrou restivo e se desfez dos braços dele passando para o outro lado.
— Mas... é complicado Cesar. Já conversamos sobre isso. — disse Cristian. — Não me sinto à vontade assumindo isso para sociedade.
— Assumindo isso? — Cesar riu com ceticismo. — Eu gosto do seu beijo, gosto da nossa sintonia e das nossas conversas sem sentido. Isso não significa nada para você?
— Eu também gosto desses momentos que tenho com você, mas são apenas momentos de desejo intenso. É diferente de mostrar isso para todo mundo. Vai além do que qualquer coisa.
Cristian passou por Cesar, antes de sair chegou em seu rosto e lhe beijou com ternura e depois saiu deixando-o sozinho.
No refeitório, todos adolescentes barulhentos serviam-se do prato do dia, verduras variadas, bolo de carne e sucos naturais. Cristian pegou seu almoço e foi atrás de Ângela que já estava numa mesa no centro do refeitório com Erick. Na mesa estavam as pessoas mais populares do colégio. Max, o jovem alto, zagueiro do time, André da natação do outro lado estava Natalie a aluna nova, loura e fatalmente bonita. Cristian se sentou na mesa e começou a comer.
— Onde esteve todo esse tempo? — perguntou Ângela preocupada.
— Estava no banheiro, senti um pouco de náuseas.
Naquele instante, Cesar sentou à sua frente na mesa com sua badeja de almoço entrando no assunto que rodeava a mesa entre Max, André e Erick. Ele lançava alguns olhares para Cristian, mas nenhum lascivo ou provocante que pudesse entregar os dois, mas sabia que o provocaria, que tentava ignorar prestando atenção no assunto das meninas a sua volta, mas não conseguia se concentrar. Ele não podia se assumir. Sua mãe desmoronaria e não conseguia nem pensar em qual seria a reação de seu pai nessa situação. Era filho único e seus pais nunca aceitariam um filho gay, seria uma desgraça para a família. Toda a escola o recriminaria por isso e seus amigos se afastariam dele, seria alvo de piadinhas e xingamentos nos corredores. David nunca seria seu amigo se soubesse ou talvez seria o único a aceitá-lo. Tudo o que David queria é que Cristian não sofresse, mas não adianta a pensar em alguém que estava morto. Cristian cerrou os olhos e decidiu não pensar em mais nada ou iria desmoronar.
Já se passaram oito anos sem você amigo e tanta coisa mudou, não sei como devo fazer daqui para frente, eu não o que eu sou, quem sou eu? Você me diria para encarar tudo e seria mais fácil, mas não parece mais fácil, sem você tudo parece mais difícil...
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2 - O Dia Mais Escuro.
O sol brilhava intensamente no alto da serra altiva como uma gigantesca colina verde escuro que se unia a outras de tamanhos menores. A brisa fria da manhã era apenas um frescor do dia ligeiramente quente depois de uma tempestade devastadora. Era uma daquelas manhãs agradáveis, certamente as pessoas estariam saindo as ruas para fazer compras, haveriam crianças no parque central de Selene em frente à Igreja e jovens se preparando para brincadeiras de rua e alguns se arriscariam a ir nadar represa da cidade. Apesar de ser um dia belo e ensolarado que há muito não se via em Selene, seria para Cristian o dia mais escuro de sua vida.
O sol invadiu a tortuosa janela da Sala da Justiça. O cheiro de madeira e terra molhada eram apenas um rastro da noite passada. Cristian abriu os olhos lentamente e com a vista turva rondou o ambiente vazio, viu a TV portátil sobre os caixotes de feira empilhados, a estante de quadrinhos e as mochilas jogadas no chão e teve uma lampejo. David!
David não havia voltado desde que ele se lembrava. Desnorteado, se levantou e foi até a janela e mal podia acreditar que já havia amanhecido. Seus olhos se adaptaram a luz do dia e ele tentou procurar por algum sinal do amigo, mas apenas podia ver a devastação causada pela tempestade, algumas arvores quebradas, arbustos destruídos e toda a vegetação abalada sob um lindo dia. Onde é que você está? Questionou-se agoniado enquanto tentava recapitular os eventos da noite anterior em sua mente e se remeteu as fragmentos atormentadores do desespero que viveram. Algo como os trovões e relâmpagos, os paços firmes explodindo nas poças de água enquanto corriam desesperados desviando de arvores e arbustos para achar um lugar seguro e quando encontrou a casa na arvore, David não entrou com ele. Nem se quer olhou para trás e de repente estava ali naquele ponto perto da porta deitado no chão com os ouvidos tampados e os olhos cerrados de medo e David simplesmente não entrou pela porta. Então ele esperou até que não resistiu e adormeceu.
De repente ele ouviu cães latindo. O som saia do meio da mata. Logo ouviu os gritos com vozes familiares. Mãe! Pai! Ele não conseguiu assimilar direito pelo que clamavam por conta da confusão em sua cabeça, mas pareciam se chocar com os latidos de cães, até que ele viu um grupo de policiais se aproximar com seus cães treinados e logo atrás, seu pai e sua mãe saíram por entre as arvores caminhando apreensivos e perdidos. Por último Cristian viu a mãe de David vir mais afastada, estava com a expressão abalada, os olhos estatelados como se não conseguisse entender o que estava acontecendo e pelo que David dizia, ela nunca se preocupou com ele direito, talvez aquilo fosse preocupação em seu semblante. Todos os três estavam com aquele semblante de preocupação nas faces cansadas, gritavam por seu nome e pelo de David. Automaticamente Cristian desceu num atino da Sala da Justiça e correu na direção de seus pais, os abraçou tão fortemente que não queria mais soltar. Lívia, sua mãe era uma mulher aparentemente jovem de cabelos castanhos com alguns tons louros e rosto gentil, mas naquele momento estava aos prantos e Pedro, seu pai era um homem alto e distinto de cabelos castanhos e de olhar sempre sério e preocupado por trás dos óculos de armação fina e sofisticada. Ele tentava conter a emoção, manteve-se rígido e sério ao lado da esposa e filho, embora se sentisse aliviado por encontrá-lo.
— Onde esteve esse tempo todo? — perguntou seu Pedro numa voz branda. — Ficamos preocupados com você?
— Por que não nos disse que estaria aqui? — Lívia soluçava enquanto abraçava o filho e afagava os dedos em seu cabelo. — Meu filho, nunca mais nos dê um susto desses.
Miriam não viu nenhum sinal de David e começou a ficar inquieta. Não tinha mais unhas para roer, começou a notar a proporção da situação.
— Onde ele está? — Miriam perguntou, naquele momento estava começando a ficar nervosa.
Cristian se soltou dos braços da mãe e fitou Miriam que se mostrava apreensiva. Seus olhos se encheram de lagrima com o medo ainda estava estampado no rosto e na mente as imagens do terror que passou aquela noite pareciam perturbá-lo ainda mais. Cristian não tinha falado absolutamente uma palavra e Miriam conseguiu tirar as próprias conclusões. Sentiu uma tremenda onda de desespero lhe envolver. Balançou a cabeça agoniada, por mais que não tivesse confirmação alguma, sabia que não era possível. Ela conteve o desespero tentando se manter calma e correu para a casa na arvore gritando o nome do filho, acreditando que ele ainda estivesse lá dentro.
— David! David?
Miriam subiu as escadas, seu corpo mal passava pela porta, mas quando pós a cabeça dentro da casa da arvore apenas viu um ambiente vazio com a mochila velha do filho jogada no chão e sentiu o desespero consumi-la de vez. Ela desceu aturdida e correu em direção a mata e mais adiante ela gritava o nome de David mais alto. Os policiais que ali estavam apenas observavam contendo seus cães, assim como os pais de Cristian que a fitavam apreensivos. Ela parou e girou sentindo-se perdida. Ela mirou Cristian e andou fulminante em sua direção.
— Onde ele está?! — Ela não tinha se dado conta que estava gritando. Se aproximou de Cristian, o segurou pelos braços e começou a sacudi-lo. — Me diga onde ele está? Por favor!
Miriam caiu aos prantos, a angustia e o medo tomaram-lhe o controle. Pedro se aproximou dela e a conteve. Cristian estava em estado de choque, as lagrimas escorriam por seu rosto de forma constante. Ele se enfiou nos braços da mãe e abraçou fortemente.
Um dos policiais se aproximo de Miriam para tranquilizá-la.
— Senhora, fique calma, vamos encontrar seu filho.
— Por favor... Achem o meu filho! — Miriam soluçava.
— Vamos acha-lo senhora, não se preocupe.
Aquela era uma promessa que em muitos casos não se cumpriam. Apesar de todo o trabalho e esforço dos policiais existia uma grande possibilidade de 50% de chance de uma pessoa, seja criança, adolescente ou adulto ser encontrado, sem contar as probabilidades de morte, mas esse era o papel da autoridade manter a esperança viva e aquilo de alguma forma conseguiu acalmar Miriam por enquanto.
— Não vou embora enquanto não encontrarmos ele. — disse Cristian.
Lívia o virou para si.
— Escute, vai ficar tudo bem, eu vou levá-lo para o hospital, e os policiais vão tratar de achar David. Precisa estar forte quando ele vier vê-lo. — Assentiu ela com um brilho e o segurança no olhar.
Cristian sentiu na mãe o alivio e a segurança de novo. Podia confiar nela. Lívia foi conduzida por um policial até a viatura, Cristian segurava em sua mão fortemente, mas ainda olhava para trás na esperança de ver o amigo sair do meio das arvores são e salvo. Viu apenas seu pai tentando acalmar Miriam que estava em estado de choque.
— Escute, não deve ter acontecido nada com ele, só deve estar perdido na mata, vamos encontrá-lo. Vou dar a assistência que precisar. — disse Pedro num tom paternal.
— Ele só tem 10 anos, não pode estar nada bem! — Miriam estava aflita.
— Vai estar, confie em mim. Vou leva-la para a delegacia, vamos conversar com o delegado e pedir que mandem equipes de busca por toda a reserva, não vamos descansar até que o encontremos.
Miriam tentou respirar fundo, mas um nó se fez em sua garganta e dificultou um pouco sua respiração. Era difícil processar tudo aquilo, não conseguia acreditar, não queria acredita. Pedro a envolveu com o braço esquerdo e a guiou até seu carro na beira da estrada.
A Distrito de Polícia de Selene, era um prédio comum no centro da cidade, com uma recepção ordinária e a mesma rotina diária de sempre. Numa cidade onde nada de bizarro acontecia, os casos eram os mesmos, reclamações de barulho, confusões em bares, batidas de carro e assaltos em mercearias e postos de gasolina. Tudo estava tranquilo naquela manhã, mas o caso de desaparecimento de uma criança de 10 anos iria colocar o departamento de cabeça para baixo.
Miriam, Lívia e Pedro estavam sentados diante do Delegado contando o que aconteceu e Cristian estava na sala de espera do lado de fora, mas conseguia ver a forma dos pais através da cortina da sala. Um policial estava ao seu lado aguardando até a hora que o chamariam. Era Marcus Toledo, um guarda simpático que fazia companhia a Cristian. Marcus era negro e tinha traços finos e o cabelo crespo e preto num corte redondo em torno da cabeça, tinha um porte atlético e um sorriso sempre contagiante.
Cristian tentava reviver em sua mente tudo o que aconteceu na noite passada, mas o medo o embalava primeiro e as cenas repicadas cortavam sua mente, por mais que tudo tinha acontecido rápido demais, haviam pequenos detalhes que ele não conseguia processar, tudo era estranho e assustador. Tentava lembrar de cada instante, mas a falta do amigo quando chegou a Sala da Justiça não saia de sua mente. Num momento de ansiedade, seus dedos tamborilavam no acento de madeira. O policial parado na porta que estava o observando, notou sua inquietude.
— Quantos anos você tem garoto? — perguntou o policial Marcus.
Cristian saiu de seu transe e fitou o guarda, seus olhos ainda distantes tentavam encontrar a situação atual. Meu amigo não voltou...
— Tenho 10 anos...
— Minha filha tem sua idade sabia? O nome dela é Ângela e ela gosta de escrever poemas. Nessa idade crianças não criam vontade de escrever poemas.
Cristian não entendeu o motivo do policial ter dito aquilo, mas se mostrou interessado.
— Por que acha que sua filha não deveria escrever poemas?
— Poemas são profundos demais para uma criança. São o reflexo da alma, mas um dia parei para ler e descobri que eram sobre a mãe dela.
— O que houve com a mãe dela?
— Lucia nos deixou. — Aquilo fez Cristian estremecer. O policial prosseguiu. — Um dia eu peguei um poema que Ângela escreveu e mandei pelo correio para o endereço da mãe dela. Fiz isso durante meses e pouco tempo depois Lucia estava de volta em nossas vidas, preparando o jantar, escolhendo nossos programas de fim de semana, assistindo os filmes favoritos dela e colocando-a para dormir. Minha esposa voltou para casa por que Ângela não podia ficar sem a mãe e seus poemas a trouxeram de volta. Seu amigo vai voltar, ele tem a você e isso é o que importa.
Naquele momento Cristian sentiu um aperto no coração. Sabia que aquela história do policial o deixava mais triste por saber que seu amigo tinha desaparecido, mas de alguma forma, ele tinha como trazer o amigo de volta. David não tinha uma família completa e perfeita, mas tinha a ele. O sentimento de esperança se mostrou forte e latente. Cristian não sentia mais medo e desespero, sabia que o amigo voltaria para ele e tudo seria normal de novo, fazendo as coisas juntos como sempre.
A porta da sala se abriu e seus pais saíram junto com Miriam que estava com o rosto inchado de tanto chorar. Seus pais estavam com um semblante abatido. Cristian olhou de um para o outro com expectativa.
O delegado Eduardo Silva apareceu na porta. Era um homem gordo, baixo e calvo que usava um uniforme comum de policial, camisa cinza de manga curta com um broche pendurado no peito de um brasão da polícia da cidade e calças pretas. Na cintura o coldre com a arma e um rádio comunicador.
— Cristian. — disse Eduardo numa voz rouca e cômica. — Podemos conversar um pouco.
Cristian se levantou num atino e foi para dentro da sala. Eduardo fechou a porta e seguiu para sua cadeira. A sala tinha uma decoração simples, duas estantes em lados opostos da sala, a mesa central estava repleta papeis e um computador de mesa com um monitor grande.
— Sente-se garoto. — Assentiu Eduardo.
Cristian se jogou na cadeira e ficou encarando a mesa.
— Você parece um garoto muito bom Cristian. — disse Eduardo colocando as mãos sobre a mesa e trançando os dedos. — Sei que tudo parece um pouco confuso na sua cabeça, mas quero que entenda que tudo o que conseguir me dizer, ira nos ajudar a encontrar seu amigo.
Cristian consentiu com a cabeça.
— Certo, pode me descrever o início do seu dia de ontem?
— Eu acordei, minha mãe tinha preparado minhas torradas, eu tomei o meu café e fui para o colégio...
— E David estava lá?
— Sim, ele estava me esperando do outro lado da rua como sempre. Era nosso ponto de encontro sabe?
— E o que aconteceu depois que se encontraram?
— Eu levei um presente para ele, era uma revista em quadrinho do Batman, a nova edição. Ele gosta dos quadrinhos do Batman e eu queria fazer uma surpresa.
— Você entregou a ele?
— Sim, e depois nos abraçamos, mas todos no pátio riram de nós... — Cristian hesitou, achou que não era necessário contar aquela parte da história.
— Por que seus colegas riram de vocês? — disse Eduardo interessado.
Cristian ficou em silencio por um instante.
— Cristian, lembre-se que é muito importante que não deixe passar nada.
— Riram de nós, por que nos abraçamos, zombaram e fizeram piadinhas disso.
Eduardo se sentiu desconfortável por um instante. Limpou a garganta antes de falar:
— E o que aconteceu depois disso?
— Eu ignorei todos eles e entrei no colégio, mas David não entrou. Ele não estava na aula. Quando sai do colégio fui direto para nossa casa na arvore na reserva. Ele estava lá com certeza.
— Ele ficou mal depois de terem zombado de vocês?
— Quando entrei na escola, David não tinha amigos e sempre foi zombado por ser diferente e pobre, os outros alunos abusavam dele. Eu sou o melhor amigo dele. — assentiu Cristian com um certo orgulho.
Eduardo pegou um dos papeis sobre a mesa e fez uma anotação.
— Bem quero que pule para a parte onde tudo aconteceu.
— Eu disse para David que ia pegar a tevê portátil do meu pai para assistirmos um filme de terror. A tempestade começou e um relâmpago caiu perto da Sala... da casa na arvore e a tevê pifou, ouvimos gritos de uma mulher, achamos ser coisa da nossa imaginação, por causa do filme. — Assentiu Cristian. — Mas os gritos continuaram, David quis saber o que estava acontecendo, pegamos a lanterna e saímos no meio da tempestade. Andamos à beça, mas nada daquela mulher.
— Vocês encontram a mulher? — Eduardo se inclinou sobre a mesa, estava intrigado com aquela declaração.
— Sim, a lanterna parou de funcionar, um relâmpago iluminou tudo e vimos a mulher coberta de sangue. Um homem de preto a matou. Ficamos com muito medo, voltamos correndo para a casa na arvore, mas quando olhei para trás David não estava lá. Ele não tinha voltado. — Naquele momento Cristian conseguiu se lembrar de cada detalhe.
— E agora você está aqui certo? — disse Eduardo com uma expressão tranquila e gentil. — Bem Cristian, seu depoimento é o mais importante e é peça fundamental para termos pistas de onde encontrar David, vamos averiguar tudo isso que me contou sobre a mulher coberta de sangue, o homem de preto e assim que tivermos notícias comunicaremos seus pais.
— Eu quero ajudar nas buscas! — exclamou Cristian. — Conheço aquela reserva como a palma da minha mão.
Eduardo recostou na cadeira com uma expressão séria.
— Entendo que queira encontrar seu amigo o mais depressa possível, mas sua presença pode atrapalhar a investigação. Temos um suspeito pelo que descreveu, isso pode ser perigoso de acordo com a circunstancias. Mas ainda assim você será muito útil se caso lembrar de mais alguma coisa. Peça aos seus pais para me ligarem que eu lhe farei uma visita.
Cristian fechou a cara. Eduardo se levantou e foi em direção a porta, abriu e Lívia apareceu.
— Venha Cris, vamos para casa, vou preparar algo para você comer.
Cristian se levantou e foi com a mãe emburrado. Eduardo fez um aceno com a cabeça para Pedro que aguardava lá fora. Os dois entraram e sentaram um de frente para o outro.
— O que ele disse? — perguntou Pedro cheio de preocupação.
— Bem, seu filho me contou sobre o que aconteceu na reserva, porem tem alguns pontos que preciso avaliar mais de perto com a mãe de David para entender a relação dele em casa e na escola, mas seu filho me disse que na noite de ontem, quando estavam na casa da arvore ouviram gritos de uma mulher e quando saíram a procura testemunharam um crime, mais precisamente um assassinato.
Pedro ficou aterrorizado.
— Não pode ser!
— Vou pedir que traga seu filho aqui novamente para que ele nos descreva o máximo que conseguir das características desse suspeito. Vou mandar uma equipe de buscas pela reserva. Sr. Piestro, temos uma suspeita de assassinato e um desaparecimento. É um assunto delicado e vamos precisar de toda ajuda possível.
— Sim, claro... Eu vou fazer o possível. — Pedro se levantou aturdido e se retirou.
Miriam foi chamada mais uma vez para dar seu depoimento, mas o delegado Eduardo não queria saber sobre o que aconteceu na noite passada. Ele tinha perguntas diferentes sobre David, perguntas que auxiliariam de alguma forma na solução do caso.
Miriam se sentou na cadeira de estofado azul diante de Eduardo que a encarava incisivamente. Miriam estava estática olhando o vazio.
— Bem, Srta. Alesco, eu a chamei por que tenho mais algumas perguntas pertinentes ao seu filho, não é nada sobre o fato ocorrido ontem. Quero que me diga como é seu relacionamento com David?
Miriam encarou Eduardo subitamente.
— O que isso tem a ver com o desaparecimento do meu filho. Ele não fugiu de casa, o que aquele merdinha do Cristian disse a você hein? — ela estava alterada, não gritava, mas sua voz era de total desequilíbrio.
Eduardo a encarou com uma sobrancelha erguida.
— Cristian contou que estavam na casa da arvore juntos, ouviram um barulho e depois que saíram para verificar o que aconteceu, David não voltou. — Eduardo se inclinou sobre a mesa cruzando os dedos das mãos. — Srta. Alesco, não quero especular nada por enquanto, mas eu preciso do máximo de informações para localizar o seu filho o mais rápido possível.
— David, não tem uma vida perfeita. — disse Miriam com a voz embargada. — Cresci numa casa cheia de irmãos, desde cedo ajudava em casa e quando me apaixonei pelo único homem que achei que poderia me dar uma vida incrível, ele se foi e me deixou gravida. Meu pai não ligava para mim, apenas pelo serviço que eu prestava em casa. Tive que me virar cedo, passei noites na rua até achar um lugar para dormir. Trabalhei em bares e vive as piores noites da minha vida para encontrar um lar para David. Não sou um exemplo de mãe, mas ele é meu filho e sempre tive medo perde-lo também. — As lagrimas voltaram a correr pelo seu rosto constantemente. Miriam embargava entre soluços.
— Srta. Alesco, como detetive desta investigação preciso do máximo de informações sobre o caso. Detesto a ideia de que ele tenha sido sequestrado.
A verdade passou como uma navalha pelo estomago de Miriam.
— Como assim sequestrado?
— Segundo Cristian eles presenciaram a cena de um crime e até que isso seja verdade, preciso de outras razões para que eu não vá em busca apenas do relato de um garoto. Não quero que fique apavorada, só preciso de ajuda para entender as circunstancias da situação.
Miriam ficou aturdida com a notícia.
— Então por que não está falando com Cristian para ir atrás de quem quer que tenha pegou meu filho! E por que esta parado olhando para mim, enquanto deveria estar procurando ele!
— Fique calma, preciso que mantenha o equilíbrio, sua ajuda nas buscas sera crucial.
Miriam fez que sim com a cabeça de maneira rápida e agitada e se levantou, não havia mais o que fazer. Eduardo correu para abrir a porta.
— Agora vamos que vou lhe pagar um cafe no caminho para reserva. — disse Eduardo para Miriam.
Os dois saíram da sala.
O dia se arrastou e Cristian estava de pijama enrolado numa manta no safa de sua sala bem arejada com paredes brancas e cortinas amarelas. Na tevê passava um seriado de comedia, mas Cristian não prestava atenção, então mudou de canal e caiu no noticiário da tarde. As imagens mostravam o trabalho da polícia no desaparecimento de David. Ele assistia apreensivo aguardando notícias de seu pai que estava acompanhando as buscas da polícia na reserva. Atrás dele o ambiente se estendia para uma ampla cozinha no estilho americano, com uma ilha de centro e armários de ponta a ponta. Sua mãe preparava o jantar preferido dele, carne assada com purê de batatas. O cheiro embrulhou seu estomago, não iria comer até que David fosse encontrado.
— Cristian, o jantar está pronto! — anunciou sua mãe.
Cristian estava inerte no sofá, não ouviu sua mãe falar. Lívia caminhou até o meio da sala, pegou o controle da tevê e a desligou. Cristian a encarou de repente.
— Se lembra do que combinamos? — disse Lívia num tom suave. — Precisa comer, precisa estar forte quando acharmos seu amigo.
— Não estou com fome!
— Cris...
Ela iria insistir, mas o telefone tocou. O barulho estridente ecoou pelo ambiente que congelou por um instante. Cristian se livrou do cobertor e das almofadas e correu para o corredor da escada para atender o aparelho que era preso na parede. Cristian deu um salto para pegar o aparelho berrante e o levou ao ouvido.
— Alô! Pai, onde está David?
— Filho, preciso conversar com sua mãe. — disse seu pai secamente pelo telefone.
Cristian não entendeu direito.
— Espere aí, o que está acontecendo? Me diga se o encontraram? Estive pensando num lugar onde sempre íamos na reserva, é distante e isolado, ninguém nunca vai saber se eu não mostrar...
— Cristian! Sua mãe, dê o telefone a ela. — A voz de seu pai era de aço.
Cristian fitando a parede de marfim, apenas sentiu o aparelho deslizar da sua mão. Lívia pegou o telefone e o enfiou na cara virando para a parede, mais um pouco Cristian não conseguia ouvir sua voz. Ela passou boa parte do tempo ouvindo e o restante respondia coisas tipo: Sim... Ahã... Ok... Está certo...
Depois disso ela desligou o telefone colocando-o de volta no gancho da parede. Ela se limitou a olhar nos olhos de Cristian. Seguiu para a cozinha começou a servir o jantar. Serviu primeiro o seu prato e depois o prato de Cristian. Ela se sentou na mesa e começou a comer. Seus olhos eram firmes, mas dava a impressão de que iria desmoronar a qualquer momento. Cristian se aproximou dela observando a forma como ela agia. Passou de uma mãe gentil e preocupada para um poço de nervosismo e aflição. Cristian tirou o garfo da mão dela. Lívia não notou que ele estava ao seu lado. Seus olhos vazios encaram o filho por um instante e sem dizer absolutamente nada ela puxou Cristian para si e o abraçou fortemente. Lívia desmoronou em lagrimas. Sem entender nada, Cristian largou dos braços da mãe e correu para fora de casa. Ele seguiu até a garagem montou em sua bicicleta e avançou para rua em pedaladas rápidas e precisas. Lívia correu atrás dele, mas foi difícil alcança-lo ele estava rápido demais pela rua abaixo.
— Espere! Cristian volte aqui! — Gritou Lívia.
Cristian pedalou 7km até a reserva, no pé da serra alta, bem no início da estrada que saia da cidade. Ele saiu da pista e entrou numa trilha de terra que dava num túnel entre as arvores e arbustos da floresta. Ele saiu numa área aberta, com poucas arvores e arbustos. Tudo estava escuro suficiente para que ele não pudesse andar facilmente. Com tato ele percorreu todo o vale até a pinheiros altivos e quando atravessou aquele labirinto negro enxergou o clarão dos holofotes da polícia. Viaturas e jipes estavam no local, uma ambulância com uma equipe de paramédicos e o corpo de bombeiros beirando a margem da represa um imenso lago negro. Cristian sentiu um arrepio repentino lhe subir a espinha. Cristian pulou da bicicleta e correu em direção a operação de busca.
No meio de todos aqueles policiais e bombeiros andando de um lado para o outro, Cristian tentava achar seu pai, Miriam ou até mesmo David, mas não havia nenhum sinal deles até que ele foi interceptado pelo Delegado Eduardo que o encarou surpreso.
— O que faz aqui garoto? Não deveria estar aqui...
— O que está acontecendo?
Eduardo espreitou o olhar.
— Como assim?
— Sim ele ligou para minha mãe e depois ela chorou, o que aconteceu?
Um policial se aproximou de Eduardo.
— Senhor, os corpos já estão sendo levados para a perícia como o senhor pediu, vamos evacuar a área...
Eduardo fechou os olhos sentindo um grande peso sobre seu corpo. Cristian encarava os dois sem reação. Corpos? Aquilo lhe deu a impressão que ele se referia a corpos de pessoas mortas, cadáveres como nas séries de televisão.
— Cristian!?
O grito soou familiar nos ouvidos de Cristian. Era seu pai, assustado e surpreso por encontra-lo.
— Pai! — gritou Cristian que pulou no colo dele.
— Por que não ficou com sua mãe? — a voz de Pedro era cheia de incerteza e medo.
— Não podia, eu quero saber o que está acontecendo? Por que mamãe estava chorando?
— Filho, vamos conversar com calma, depois e...
— Sabe que pode confiar em mim, sou seu filho.
Cristian o encarava no olhos..
— Filho... é complicado dizer isso aqui e agora para você, mas eu quero que entenda.
Um bombeiro falando ao telefone passou ao lado dos dois e foi inevitável para Cristian não prestar atenção.
— Sim, registrando o corpo de uma mulher com idade aproximada de 20 anos e um corpo de um garoto de 10 anos. Pela descrição ambos foram mortos afogados. Sim... pode registar...
Cristian olhou para o pai espantado. Suas mãos viraram gelo e ele não se dera conta de que estava tremendo. Seu pai o abraçou, mas Cristian não conseguiu se mover, nem falar, nem pensar. Ele repousou a cabeça sobre o ombro do pai e deixou que as lagrimas caíssem num fluxo incontrolável.
David estava morto pelo que tudo indicava, e isso era o mais próximo de uma notícia depois de um dia sendo privado de qualquer informação. Aquilo era a única certeza do paradeiro de seu amigo. Ele estava morto. E por mais esquisito que isso soasse na mente de Cristian, ele não rejeitava a ideia. Havia um assassino naquela noite, matou uma jovem e um garoto que presenciou o crime. Não havia outra realidade que conseguia se igualar aquela. David se foi.
Alguns dias depois o dia amanheceu cinza e silencioso. Não havia nenhuma certeza de que os dias seriam azuis e intensos de novo. A cidade amanheceu em luto pelo assassinato de David Alesco e a jovem Elisa Lemos. Na escola os alunos se reuniram no ginásio, pais e professores comovidos com a tragédia. A diretoria do colégio cedeu o espaço para o velório do jovem David. Naquele dia as atividades do colégio foram suspensas. Alguns membros da polícia, corpo de bombeiros e médicos estavam no local para prestar sentimentos. Cristian foi o primeiro a chegar, viu quando os professores começaram a organizar o ginásio, viu quando o caixão chegou e quando os alunos com seus pais começaram a chegar. Cristian estava ao lado do amigo. O padre da cidade iniciou uma missa para David, todos fizeram um momento de silencio em nome do jovem e depois cada aluno colocou uma rosa branca sobre o caixão de tabaco onde David descansava em paz. Tudo saiu como deveria, mas estava faltando uma coisa. Faltava uma pessoa. Cristian saiu de seu lugar caminhou até a porta azul de saída do ginásio e ainda dera algumas olhadas para ver se estava certo de que faltava alguém naquela cerimonia.
Ele caminhou pelo corredor do colégio e sentiu um cheiro peculiar, não era comum, mas era algo que o fazia lembrar de David. O cheiro em sua roupa de manhã ao chegar no colégio. Ele caminhou um pouco mais e o cheiro se tornou mais forte. Parecia ter vindo do banheiro feminino. Ele chegou mais perto, hesitou em abrir a porta, mas sentiu a presença de alguém ali dentro. Quando ele empurrou a porta, viu Miriam, mãe de David apoiada na pia diante do espelho. Ela fumava seu cigarro e soltava a fumaça direto em seu reflexo no espelho, na outra mão estava com uma garrafinha de metal com uísque. Ele usava um vestido preto curto e decotado, com uma sandália preta com uma faixa subindo o tornozelo. Ela tinha feito o cabelo e se maquiado, mas estava arrasada aparentemente como se tivesse bebido a noite inteira. Ela notou Cristian na porta.
— Sabe garoto, quando eu era mais jovem sempre me encaixei no grupo dos desajustados. Me reunia com as garotas mais barra pesada do colégio e acendíamos um cigarro e nos sentíamos donas do mundo. — Miriam estava lenta e sua voz era embriagada. — Você fuma? Certamente que não. Ele fumava? Também acho que não. Ele era muito certinho para essas coisas.
Miriam deu um risinho medíocre e se desequilibrou do salto da sandália. Cristian num senso de alerta ia segura-la.
— Não, não... não chegue perto de mim. Eu estraguei tudo... eu deveria ser uma mãe de verdade, ter dado a atenção e o carinho que ele merecia. A única coisa que dei a ele foi uma mãe alcoólatra e desequilibrada. — Miriam cambaleou até a porta do banheiro. Seus olhos se encheram de lagrimas. — Eu não dei a ele nem um beijo de boa noite sequer. — disse ela aos prantos.
Cristian sentiu uma imensa tristeza crescer dentro de si. Ele chegou mais perto de Miriam a abraçou fortemente. Miriam se sentiu confortável no abraço do garoto, era como ser abraçada pelo filho.
— David não deixa de querer uma mãe perfeita, ele ainda está em nossos corações e devemos fazer com que ele se orgulhe nós. — disse Cristian com a voz fraca e suave.
Miriam parou de chorar por um momento e encarou Cristian pensativa.
Depois disso eles foram para o cemitério da cidade perto de centro comercial, atrás da igreja. Era um campo cheio de arvores e grama verde. Os jazigos estavam espalhados por toda a porte, havia uma trilha de pedra por onde o funeral de David percorreu até o local onde ele seria enterrado. Todos estavam diante da cova aberta no chão. Miriam estava abatida, o rosto lavado quase sóbria. O padre deu sua última benção e o caixão começou a descer pelas cordas. Algumas pessoas jogavam rosas, outros um punhado de terra. Cristian se aproximou e jogou uma revista em quadrinhos envolvida com plástico, era a última que ele não tinha acabado de ler. Ali Cristian sabia que era a última vez que o veria, que agora só teria o amigo em sonhos e lembranças. As lagrimas começara a escorrer pelo seu rosto novamente. — Adeus meu amigo...
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MEU IMORTAL 1 - Quem Tem Medo Agora?
Ele abriu os olhos subitamente, a frustração lhe consumiu no instante em que seu sono foi interrompido pelos berros de sua mãe. Para um garoto de dez anos, não era comum acordar com discussões e brigas, mas para David Alesco sempre fora assim, desde que se lembrava. Ele ficou ali deitado em sua cama fitando o teto enquanto ouvia sua mãe gritar com o locador da casa onde moravam. O assunto era o mesmo que das outras vezes: Falta de dinheiro para pagar o aluguel.
O silencio se estabeleceu por um instante depois que ele ouviu um barulho de uma porta bater. No momento seguinte a porta de seu quarto abriu e ela apareceu. Uma mulher jovem na idade, mas a vida dura e difícil lhe deu uma aparência mais velha e abatida, tinha rugas, o cabelo era opaco num tom castanho com aparentes fios brancos precoces e tinha olheiras profundas. Seu rosto era fino e tinha uma expressão abatida de quem estava o tempo todo alcoolizado.
Miriam perdeu muitas oportunidades na vida, criada numa casa com três irmãos, tinha que ajudar nos afazeres do lar. Aos dezessete conheceu Derek Gonçalves, um garoto mais velho e ex-aluno no colégio onde ela estudava. Famoso por ser atacante no time, teve todo o brilho do sucesso do colegial ofuscado pelo fato de sua família ter baixa renda, não existia incentivo de patrocínio estudantil em escolas públicas e todo o talento e esforço foram por água abaixo quando começou a trabalhar como atendente numa lanchonete. E foi assim que Miriam o conheceu pessoalmente. No começo ela rasgava elogios pelas performances e troféus que tivera conquistado com o time e depois ela puxava assuntos aleatórios. Derek começou a pedir para que Miriam viesse vê-lo no final do expediente, os dois fumavam um cigarro e bebiam cerveja ao conversarem sobre muitas coisas que o aborreciam e suas mentes migravam para outras realidades, sonhos que eles queriam fazer quando tivessem muito dinheiro. Derek viu em Miriam uma parceira espetacular, que poderia ganhar o mundo junto com ele. Apaixonados, eles fizeram planos para o futuro, mas nenhum deles incluía um bebê. Quando descobriu que estava engravida, após dois testes de farmácia apontarem positivo Miriam viu todos os seus sonhos escorrerem pelo ralo. No primeiro instante Miriam teve um acesso de nervosismo e depois que injetou metanfetamina direto no braço para acabar com toda bagunça em sua mente, acordou três horas depois e saiu de casa disposta a contar a Derek e dividir aquele terror com ele. Terror que não poderia lidar sozinha, afinal tinha dezesseis anos e única filha mulher com um pai rigoroso e irmãos mais velhos
Miriam não tinha aconselhamentos em casa e sim ameaças de seu pai tirano de que ela nunca deveria abrir as pernas para homem nenhum antes do casamento ou seria expulsa de casa, além de seus irmãos aconselharem ela a ficar longe de “macho”. Claro que não foi possível resistir, ela estava namorando o astro do futebol dos anos passados. O abraço dele enquanto se beijavam, o calor das extremidades a fez sentir algo que ela nunca imaginou que sentiria. A excitação de dois jovens apaixonados.
Estava com aquele teste na bolsa que não tinha mudado o resultado. Ficou na frente da lanchonete até que as luzes se apagaram e Derek saiu com um sorriso no rosto de quem iria aproveitar o resto da noite para fazer “Aquilo de novo”, mas a expressão de Miriam não estava nada encorajada. Ela mostrou o palito e ele sabia o que significava aquilo, não era idiota. Quando criança viu uma porção deles no lixo de sua casa. Sua mãe e suas irmãs usaram também.
Logo seu rosto escureceu e sua expressão se fechou. Não podia acreditar que aquilo estava acontecendo com ele. Sua mãe tivera sete filhos e viviam com subsídio do governo e a aposentadoria do pai, suas irmãs tiveram filhos e os maridos não tinham um emprego fixo, nem uma profissão. Todos moravam no mesmo terreno com casas irregulares, puxadinhos mal-acabados numa miséria infinda. Naquele momento viu um filme se passar por sua cabeça de que teria aquele mesmo destino. Teria que construir dois cômodos para ele e sua recém esposa Miriam para criar o filho. Cada vez mais se frustrava acreditando que seu destino era sempre afundar mais e mais. O brilho do jogador de sucesso e milionário desapareceu. Então ele pediu a Miriam um tempo para processar e ela concordou, afinal era um terror aquilo para eles.
Vamos dar um jeito nisso!
Miriam passou a noite em claro tentando achar uma solução e decidiu que faria um aborto e logo eles poderiam sonhar novamente com aquele futuro brilhante.
Na manhã seguinte Miriam voltou a lanchonete para procurar por Derek, mas as luzes se apagaram no fim do expediente e apenas saiu seu colega de turno.
— Oi Leo! Derek está por aí?
— Ele não veio! Pensei que soubesse o motivo dele não vir?
— Ele não me disse nada. — disse ela intrigada.
Miriam foi até a casa dele e uma de suas irmãs carregando um bebe de colo e um garotinho de cerca de três anos de idade ao lado estava com roupas sujas de terra. Miriam se frustrou ao ver aquela cena.
— Estou procurando por Derek. — disse ela no portão de entrada.
— Ele saiu hoje bem cedo, levou uma mochila e não voltou até agora, é importante? Posso deixar recado.
— Não é nada...
Miriam voltou no outro dia na lanchonete e nenhum sinal de Derek, ela foi até sua casa e ninguém sabia lhe dizer o que estava acontecendo, mas ela sabia exatamente o que aconteceu. Chocada, Miriam sabia que ele havia fugido, justo ele. O homem que lhe prometeu a lua e as estrelas, que compartilhava as angustias do mundo que viviam e que agora se fora para sempre. Perdida, Miriam não tinha outra escolha a não ser fugir também. Seu pai a mataria. Então ela pegou dinheiro escondido de seu pai, juntou uma muda de roupas numa mochila e desapareceu daquela cidade.
Passou a morar em albergues com o dinheiro que ganhava como garçonete em lanchonetes, passou a trabalhar em casas noturnas para juntar dinheiro e logo depois pegou um ônibus e se mudou para Selene, onde seria a oportunidade mudar de vida. Conseguiu alugar a casa onde moravam, claro que não era a melhor casa que conseguira, haviam muitos defeitos, mas era um lar para ela e seu filho recém-nascido.
Miriam não tinha ideais ou religiões, acreditava que nenhum homem a fizesse feliz novamente, afinal o homem que ela amou desapareceu e a deixou com uma criança, seu próprio pai era monstro e seus irmãos a enxergavam com uma empregada e acreditava que deus não estava mais ao lado dela. Quando David nasceu, ela teve medo de que ele também a abandonasse, começou a beber quase todos os dias, não conseguir se firmar em nenhum emprego por conta de seus surtos compulsivos e sempre agredia seus patrões. Por vezes David a recebia em casa escoltada pela polícia.
— Vamos levante, ou vai se atrasar. — Resmungou ela da porta num tom firme e desapareceu.
David apenas fitou a porta por um instante e desejou que naquela manhã tudo pudesse ser diferente. Que quando acordasse em seu quarto não fosse um cubículo escuro com paredes cinzentas e umidade no teto, com cortinas empoeiradas e cheirando a mofo. Ele queria que fosse um quarto azul, com nuvens desenhadas na parede, uma estante de brinquedos e livros de literatura, janelas com cortinas brancas e abajur com formas que refletiam no teto a noite. Ele desejava que sua mãe entrasse naquele quarto e o acordasse com um beijo de “bom dia”, que afagasse sua cabeça e preparasse seu café da manhã. Desejava que ela fosse uma mulher empenhada, que trabalhasse num supermercado ou como recepcionista numa clínica medica, que trajasse roupas elegantes e usasse maquiagem e que a cada dia estivesse com um penteado diferente. Ele sentiu uma profunda tristeza fluir dentro de si. As lagrimas corriam em seu rosto de forma constante, pois sabia que aquilo era uma realidade muito distante do que desejava. Era uma fantasia de sua cabeça.
Após limpar o rosto se levantou para vestir o uniforme da escola, escovou os dentes e com um pouco de água nas mãos ele passou sobre os cabelos negros desgrenhados. Antes de sair do quarto ele parou diante de espelho e fitou sua aparência. Era magro, olhos fundos e castanhos, seu nariz era levemente empinado, lábios vermelhos e as maçãs do rosto eram coradas. Ao sair do quarto e passar pela sala, viu sua mãe deitada no sofá com uma garrafa de cerveja na mão. Ela estava com os olhos pregados na tevê. Assistia aqueles canais de leilão de joias. Era a única coisa que ele sabia que sua mãe gostava, Joias.
David começou a fazer sua refeição matinal. Enquanto comia ele fitava sua mãe.
— Algum problema? — Resmungou ela sem desprender os olhos da TV.
— Não vai comer? — Perguntou ele.
Miriam ergueu a garrafa de cerveja e deu uma leve sacudida.
— Aqui está meu café da manhã.
David balançou a cabeça e continuou comendo. Assim que terminou pegou sua mochila e se dirigia a porta, mas sua mãe lhe chamou antes que pudesse se libertar daquele terror.
— David Alesco, não vai sair sem me dar um beijo. — Miriam era uma negação e mesmo assim acreditava que poderia mudar as coisas.
David hesitou, revirou os olhos e se virou. Ela estava no batente da porta, estava com uma expressão abatida. Ele aproximou dela e a beijou na bochecha. o cheiro do álcool era comum.
— Vou até o centro ver um emprego novo, eu prometo que dessa vez será diferente.
David a olhava nos olhos pesando em como queria que aquilo fosse verdade. Sua mãe nunca tivera sorte com empregos, sempre arrumando brigas com clientes, ofendendo os chefes e até mesmo chegou a roubar dos caixas de supermercados e restaurantes que trabalhou. Teve a sorte de nunca terem aberto queixa na polícia.
— Boa sorte mãe. — Murmurou David e depois saiu.
O céu estava escuro, as épocas de chuva eram constantes na pequena cidade de Selene, envolta por serras altivas e montanhas com paisagens deslumbrantes no verão e na primavera. David adorava o clima e a vista da cidade, enquanto pedalava em sua bicicleta de segunda mão, ele deixava o vento bater em seu rosto e sua mente viajava pela paisagem imaginando o mundo a fora e nas belezas que ele prometera a si mesmo que iria explorar um dia.
O Colégio Municipal de Selene ficava apenas há duas quadras de sua casa. Era uma escola tradicional da cidade, mas não era melhor que as outras. Ali frequentavam alunos dos bairros vizinhos. Por ser uma área de classe social baixa, a região norte era considerada como um subúrbio e a escola não era modelo diante das demais das regiões do centro e próximas a reserva. Aquele era o segundo inferno de David. Ele parou do outro lado da rua para observar de longe. Era um prédio de adobe de dois andares com janelas cumpridas de vidro. Em volta havia um jardim e mais atrás um campo aberto para atividades físicas.
O pátio estava repleto de crianças e adolescentes que iam do quarto ano ao ensino médio. As risadas e as conversas empolgadas sobre as férias de verão eram situações estranhas para David. Nunca teve amigos, nunca conseguiu se enturmar, apenas era notado como o centro das atenções sendo alvo de piadas e deboches dos valentões. Apelidavam-no de estranho, magricela, esquisito, mulherzinha e veadinho. Por vezes passou o recreio na cabine do banheiro sozinho chorando, enquanto comia seu lanche. Ao lembrar disso, ele respirou pesadamente, mas alivio o veio logo em seguida e seu dia ficou mais colorido e suave ao ver Cristian, seu melhor amigo.
Cristian Piastre, era um garoto com a mesma estatura de David, de cabelos negros desgrenhados e olhos azuis intensos e com um sorriso estampado no rosto corado. Não importava o que chateasse David, Cristian era sua ancora emocional, que o deixava alegre e feliz, que o fazia enxergar a vida com mais leveza e cor. Nunca pensou que pudesse ter um amigo, fazer coisas de amigos do mesmo jeito que os outros alunos do colégio faziam. parecia que ele nunca pertencera aquela realidade, mas Cristian não o fazia se sentir assim. Era um jovem bondoso, generoso e alegre que gostava de animá-lo e fazê-lo rir. Adoravam se divertir juntos.
— Ei David, olha só o que eu tenho aqui! — disse Cristian cheio de entusiasmo.
David arregalou os olhos ao ver na mão dele a última edição do HQ do Batman, seu personagem favorito.
— Uau! É a nova do Batman!
— Isso mesmo irmão e eu já li tudinho, agora é sua vez de ler. Tecnicamente é um presente.
Os olhos de David brilharam.
— Que irado Cris! Muito obrigado amigo! — disse David pegando a revista em quadrinho e folheando as páginas maravilhado.
Os dois se abraçaram e de repente as piadinhas começaram para provocá-los. Na verdade, as piadinhas vinham do único valentão mais indesejável do colégio. Erick Moura, era um jovem alto e fora do peso, com cabelos louros e espinhas por todo o rosto, mais parecia um adolescente na puberdade precoce, no entanto tinha apenas 10 anos. Ele estava com outros dois, Victor e Paulinho que mais pareciam bebês da mamãe. Eles faziam gestos ofensivos para todos a sua volta insinuando coisas sobre David e Cristian e todos que estavam em volta riam daquilo como se fosse engraçado.
— Como eu te amo David... Cristian somos feitos um para o outro. — Zombou Erick fazendo uma voz afeminada. E todos os alunos que estavam a sua volta e em torno de David e Cristian começaram a rir.
Cristian ficou constrangido, mas ignorou e seguiu para a escola.
— Vamos David, deixe eles dizerem o que quiserem.
David estava estático, o ódio e a repulsa o consumiam. Podia ouvir baixinho rumorejarem em torno deles.
Olhem só os veadinhos.
Essas bichas deviam ser banidas do colégio.
Nunca deveriam existir.
Malditos! devem ter assumido de vez.
E nada poderia ser feito para se defender ou proteger o amigo do assedio e do vexame que passavam quase todo o santo dia. Ninguém se importava no colégio.
David estava farto daquilo, queria viver em paz e queria que Cristian também tivesse paz, mas no fundo David sabia que isso era por sua causa. Sentiu como se fosse uma sombra impura que acompanharia Cristian pelo resto dos dias, era pobre e não se encaixava em qualquer outra realidade a não ser aquela. Talvez fosse mesmo uma aberração. Tomado por uma tristeza profunda ele correu dali se afastando da escola. Cristian continuou pisando fundo irritado, quando se deu conta de que David não estava mais atrás dele. Onde será que ele se meteu? Pensou ele.
David pegou sua bicicleta velha e pedalou pelas ruas da cidade até chegar nas pistas da rodovia e entrou a direita numa estradinha que dava direto para reserva florestal de Selene. A reserva era uma grande área florestal de preservação ambiental aberta para pesquisas devido sua grande variedade de fauna e flora com cerca de 200 hectares e diversas espécies de animais e vegetação. A população também aproveitava a reserva para se aventurar nas trilhas que davam em nascentes e cachoeiras com paisagens incríveis e dava acesso a represa da cidade que recebia banhistas todos os raros dias quentes de verão.
David atravessou um caminho de terra entre arvores altivas que s multiplicavam em volta até chegar até um campina aberta, com gramado verde alto e flores coloridas espalhadas pelo chão. Lá no meio havia um tronco de uma arvore tortuosa de galhos finos e pouca folhagem, e em sua base havia uma tortuosa estrutura de madeiras velhas que formavam uma grande caixa que David e Cristian construíram para ser uma casa na arvore, estava longe de ser, mas era ali onde passavam a maior parte do tempo. E ali David passou o dia pensando nos momentos incríveis que viveu desde que conheceu Cristian.
Depois que Cristian se mudou para cidade de Selene e começou a estudar no Colégio Municipal de Selene, alguém novo num lugar onde todo mundo se conhecia, menos David, era a oportunidade perfeita para se fazer amizade, mas David não sabia se enturmar, e muito menos tinha notado a presença de um novo aluno no colégio. Estava sempre isolado lendo os livros que eram seus verdadeiros companheiros.
Certo dia, um esbarrão no corredor fizeram os livros de Cristian caírem no chão, o brutamontes de Erick Moura, fez de propósito para implicar com o novato. Cristian não era de brigas, sabia que era uma provocação, então ignorou e abaixou para pegar o material, mas por pouco ele não levou um chute direto no estômago. David correu e entrou na frente e chutou entre as pernas do valentão. Todos no corredor que estavam assistindo começaram a rir e zombar de Erick que se contorcia de dores no chão. David e Cristian por sua vez correram para o ginásio. Ninguém os acharia embaixo da arquibancada até que o sinal tocasse.
— Sou Cristian, eu não pensei que os alunos daqui fossem tão hostis.
David o fitou da cabeça aos pés. Cristian parecia ter sido vestido pela mãe, e os cabelos penteados pelo pai. Os sapatos eram novos e sua mochila também. Estava na cara que Cristian se não se encaixava naquele cenário. Um jovem de classe média alta num colégio do subúrbio. Com o passar do tempo David passou a chamá-lo de Almofadinha.
— Está no lugar errado, deveria ter ido para a reserva, os colégios de lá são melhores. — Estava prestes a se retirar e voltar a sua aula.
— Ei! Você não me disse seu nome...
— Não precisa saber, não somos amigos. — David saiu andando pelo ginásio em direção a porta.
— Mesmo assim, muito obrigado!
Não houve resposta.
Naquele mesmo dia quando voltava para casa, David foi perseguido pelo valentão Erick, que o espancou para descontar o chute que receberá mais cedo. Erick não aceitava tal tipo de humilhação, ver as pessoas rindo na cara dele, apontando-lhe e zombando o tempo todo, por isso se aproveitava de sua altura e força para impor respeito. No dia seguinte quando chegou ao colégio cheio de hematomas, David não se importou com os burburinhos pelo que tinha acontecido. Ele apanhou e isso era um fato, nem mesmo sua mãe demonstrou interesse, disse que ligaria no colégio e chamaria a os pais de Erick para resolver aquilo. Seria perfeito, mas momentos depois ela estava deitada no sofá embriagada e dormindo, então não havia com que se incomodar, o que o incomodou mesmo foi novamente ver aquele garoto com um sorriso simpático lhe esperando com um caixa de sapato no pátio.
— Ei amigo, eu trouxe um presente...
David passou por Cristian com se ele não estivesse ali. O ignorou completamente sua existência, afinal sabia que tinha sido uma tolice ajuda-lo, tinha sofrido as consequências por seu ato amigável, mas não se culpava por isso. David odiava confusão e injustiça e no momento que viu Erick daquele tamanho encarando Cristian que era um graveto sentiu a fúria crescer dentro de si. Foi natural defendê-lo.
Cristian passou o dia atrás de David, no refeitório, na educação física e na hora da saída, mas David o evitava o máximo possível. Outra qualidade de Cristian era ser persistente, que para David era um grande defeito. No pátio Cristian tentou alcançar David de uma vez.
— Ei espere! Se não quer falar comigo eu vou entender. Não é de fazer amigos né? Tudo bem, mas quero agradecê-lo pelo que fez ontem. Você não tinha nada a ver com aquilo e...
David parou, deu a meia volta e disse:
— Está vendo isso aqui? — disse ele apontando para seu rosto com a marca roxa do soco que levou. — Foi o que eu ganhei por ter ajudado você. Nessa escola é cada um por si e você precisa dar o fora daqui!
Cristian sorriu graciosamente.
— É por isso que lhe trouxe este presente. — Cristian estendeu a caixa de sapato. — Com relação a surra que levou do idiota do Erick, não posso voltar no tempo, mas aceite esse presente. Eu já li todos e não os quero mais.
Cristian abaixou e deixou a caixa de sapato no meio do pátio. David observou Cristian se afastar e sumir no meio da multidão de jovens. Por um momento ele hesitou em pegar a caixa, mas como não sabia o que havia dentro pegou e correu dali antes que Erick aparecesse.
Quando chegou em casa se trancou no quarto e abriu a caixa para ver o que Cristian não queria mais. Seu rosto se iluminou ao ver uma coleção de revistas em quadrinhos variadas, personagens que ele amava e outros que passaria a amar. David ficara tão feliz com o presente que passou a noite em claro folheando as páginas de cada exemplar. David ganhara poucos presentes na vida. Aquele fora o que ele mais havia gostado.
Quando chegou ao colégio no dia seguinte, Cristian o encontrou no banheiro lendo uma das HQs que ele lhe dera.
— Então você pegou meu presente?
David fitou Cristian com os olhos sobressaltados.
— Não podia deixar esse tesouro para quem quisesse levar. Você mesmo disse que o presente era meu.
Cristian tentou enxergar o título do HQ que David estava lendo abaixando-se um pouco, mas David era irredutível, manuseou a revistinha no ar para que Cristian não pudesse ver.
— Qual é? Deixe-me ver isso ai! — Cristian se aproximou de David e de relance viu parte do nome e deduziu o restante. — Ah! Batman: Ano Um. Nada como um bom começo. — disse Cristian. — Por que está lendo esse primeiro?
— Gosto dele, sombrio e solitário.
— Batman não é solitário para sempre, ele tem o Robin.
— Mas isso não conta, falo do jeito dele, sombrio e sempre na escuridão. Robin só atrapalha. — disse num tom irônico.
— Espere aí, vai me dizer que não é divertido ver o Robin servindo de isca para os bandidos! — Cristian riu como se aquilo fosse uma grande piada.
David sorriu sem perceber, sua pose de durão estava se desfazendo e sua muralha não estava mais tão alta diante de Cristian. Cristian falava com ele como se fosse qualquer outra pessoa, sem ligar para suas roupas, seu cabelo, seu material precário ou pelo que os outros diziam. Sentiu pela primeira vez seu mundo mudar de cor.
— No refeitório eu te conto um pouco mais sobre o Batman. — disse David com um pouco de indiferença. Não queria demonstrar muito afeto. Era estranho fazer amizade, estranho ter alguém para conversar.
— Sério! Vou precisar entender mesmo, esses quadrinhos eram do meu pai, gosto mesmo dos X-Men e Liga da Justiça, o trabalho em grupo é menos triste não acha?
David o encarou com ceticismo.
A ano passou e a amizade dos dois se tornou mais forte. Os dois se tornaram bem próximos, quase que irmãos. Sempre depois do colégio, iam até a reserva nadar na represa e passar as tardes estudando e lendo quadrinhos. Os dois até construíram uma casa na arvore com restos de madeira de paletes e moveis usados que estavam quase apodrecendo no quintal de David. Depois de pronta eles fitaram a casa torta de madeiras irregulares nos tamanhos e nas cores, mas que formavam uma fortaleza para aqueles dois garotos que ficou conhecida como a Sala da Justiça. Ali eles colocaram em prateleiras todas as HQs que tinham juntos. A Sala da Justiça se tornou o refúgio dos dois amigos, onde podiam ser eles mesmos, brincando de jogos de RPG, bonecos e criavam suas próprias histórias com personagens inventados.
David sabia que aquilo que estava vivendo era um sonho, tinha um amigo e seus dias eram coloridos e não eram tão escuros como antes, mas aquela amizade era um fardo para Cristian carregar. Nunca o deixariam em paz, acreditava ele. Não se importava com o próprio fato de ser zoado no colégio, mas não queria isso para o amigo, a pessoa mais gentil e bondosa que ele já conhecerá. Teria que dar um fim nisso, era insuportável pensar em sua vida sem o amigo, mas tinha que fazer.
Naquele dia após a aula, Cristian foi até a reserva de bicicleta e percorreu a pequena estrada que subia a serra para chegar à reserva. O cheiro úmido de mato e da terra era o contato preferido de Cristian. Gostava de estar na reserva, tudo relacionado a natureza e a vida o agradava.
Chegando a casa na arvore baixa de tronco largo e escuro. Ele abriu a porta e passou pelo buraco no chão e viu David sentado no meio das almofadas e travesseiros no canto da casa. Havia um tapete e uma cadeira velha de alumínio. Na outra parede, ficavam as prateleiras com todos os quadrinhos e livros que eles costumavam ler. E uma mesa improvisada com caixotes. A casa era grande e espaçosa. Os dois construíram pensando no quanto cresceriam até o ensino médio.
Cristian percebeu que David estava diferente, nem mesmo havia notado que o amigo teria chegado instantes atrás.
— Você perdeu uma atividade hoje. — Disse Cristian. — Tivemos aula de história também, a sua predileta. Teve almondegas hoje e sei que você adora...
— Não podemos mais ser amigos. — Interrompeu David.
— Do que está falando? — Disse Cristian sem processar o que o amigo havia acabado de dizer.
— Que não podemos mais ser amigos, os outros na escola vão zombar você até o ensino médio por ser meu amigo. Isso nunca vai acabar entende! — Assentiu David.
— Não me importo com as piadas David, não ligo para o que pensem de nós. Garotinhas, veadinhos, namoradinhos, esquisitos. Eles são uns idiotas de merda. Aposto que não sabem o que é uma amizade como a nossa, o que é jogar Nintendo e ler quadrinhos juntos, nadar na represa a tarde toda e depois tomar chocolate quente ou assistir filmes de terror sem medo por que temos um ao outro. Então não David, não vou deixar de ser seu amigo, não vou deixar você se afundar na sua solidão idiota com seu drama familiar e sua situação de vida. Não quero perder sua amizade.
David ficou encarando Cristian imóvel, não conseguia reverter o argumento dele, era como se ele tivesse levado uma rasteira. Cristian de uma expressão furiosa em seu rosto passou a um suave e gentil sorriso. Aquele sorriso contagiando que David adorava
— Meu pai ia jogar a tevê portátil dele fora, então eu a tirei do latão de lixo e escondi no meu quarto, tecnicamente debaixo da minha cama. Esta noite vai passar o filme do Drácula, e nós vamos assistir. Fechado! — Cristian pegou a mochila e foi para a escada, estava de saída. — Eu vou pegar a tevê e roubar algumas coisas para nosso jantar. Te encontro esta noite.
David anuiu, sentia uma grande euforia crescendo dentro de si. Era uma emoção forte. Cristian era a única pessoa que sabia compreende-lo e que nunca o abandonaria.
A noite David pedalou até a reserva com sua bicicleta usada. — Antiga bicicleta de Cristian, no seu último aniversario Cristian apareceu em sua casa com a bicicleta e lhe entregou. David conseguiu conter as lagrimas até a hora de dormir, onde chorou por ter recebido algo tão precioso como aquilo, um amigo de verdade. Cristian pediu uma nova para seu pai para poder dar a antiga para David, assim os dois poderiam sair juntos e apostar corria.
David entrou na Sala da Justiça e encontrou Cristian tentando achar o sinal para a Televisão portátil. Tinha sua própria antena, mas Cristian não conseguiu sintonizar nenhum sequer.
— Como conseguiu ligar isso Almofadinha?
— Isso é uma tevê portátil, e eu peguei o gerador do meu pai emprestado, mas o problema é o sinal.
— Acho que se você levantar a antena vai conseguir pegar sinal.
Cristian olhou atrás do aparelho de dezessete polegadas e encontrou uma pequena antena presa no suporte, ele a ergueu e a tevê parou de chiar e imagem apareceu. Ele colocou sobre a mesa e correu para o canto das almofadas, ele abriu um pacote de batatas e começou a comer enquanto assistia atentamente ao filme.
— Você não vem?
— Filme de vampiro? — David fez uma careta.
— Você tem medo?
— Não é isso, acho ridículas essas histórias de monstros que bebem sangue.
— Você gosta de zumbis que comem cérebro, não faz sentido. Você tem medo sim. — Insinuou.
— É claro que não, eu não tenho medo do Batman.
— É ele humano e não bebe sangue.
— Mas é um homem morcego.
— Tanto faz, vamos assistir logo, afinal de contas nada disso existe.
Um relâmpago explodiu no céu e David se assustou correndo para o canto das almofadas. Cristian deu uma gargalhada alta.
— Você tem medo! Eu sabia.
— Eu não tenho medo. — Rebateu David.
— Então vamos assistir.
David foi relutante e ficou ao lado de Cristian. Os dois permaneceram ali assistindo enquanto uma tempestade caia lá fora. No decorrer do filme David sentiu o cansaço consumir seu corpo. Seus olhos estavam pesados, sonolentos, se fechando lentamente. Outro relâmpago e ele despertou, olhou para o lado e Cristian estava concentrado no filme. David olhou para janela e a chuva ainda caia com força.
— Que horas esse filme vai acabar? — perguntou David.
— Shi! — Cristian ignorou tentando prestar atenção na cena de tensão que passava.
— Está ficando tarde, e depois não vamos conseguir atravessar a pista se ela estiver alagada.
— Então vamos dormir aqui. — disse Cristian sem desgrudar os olhos da tevê. — Você disse a sua mãe que ia dormir em casa e eu disse a minha mãe que dormiria na sua casa. Não vejo problema.
David consentiu, odiando a ideia de ter que dormir ali no meio daquela tempestade. O filme era tão forte que ele tinha impressões esquisitas de que um vampiro invadiria a Sala da Justiça e beberia seu sangue ou que Cristian se tornaria um vampiro e beberia seu sangue. Ele fechou olhos para afastar aquelas ideias e tentou se concentrar no filme, apesar do medo que realmente sentia, tentou se conformar que não havia nada com que se preocupar.
De repente um raio caiu perto da casa na arvore fazendo um estrondo ensurdecedor. O raio causou um curto que queimou o gerador com a tevê. Tudo ficou escuro e os dois estavam imóveis, assustados com o barulho. David foi até a mesa e pegou uma lanterna e ligou. Iluminou o amigo no canto assustado.
— O que aconteceu? — perguntou Cristian.
— Eu não sei, você está bem?
— Estou bem.
Subitamente alguém gritou lá de fora. Era um grito estridente de uma mulher e em seguida outra trovejada explodiu no céu. Os dois amigos se entreolharam intrigados.
— E agora o que foi isso? — Cristian estava apavorado.
— Acho que foi uma mulher gritando, mas não tenho certeza, houve um trovão também.
O grito soou novamente, dessa vez mais alto e estridente. A voz alarmada de uma mulher em apuros. Cristian e David estremeceram de medo, afinal não sabiam o que poderia ser. Alguém gritando daquela forma é por que estava fugindo de algo, sendo atacada ou já tinha sido pega. O que era mais cruel de se pensar?
— Agora eu tenho certeza de que ouvi um grito David. — disse Cristian entredentes.
— Caramba, o que será que pode ser?
— Eu não faço ideia, só sei que vamos ficar aqui agora.
— Precisamos saber o que está acontecendo. — disse David aflito.
— O que? Está maluco? Não podemos ver o que é. E se for um assassino?
David correu até a janela e com a lanterna e tentou iluminar o lado de fora afim de encontrar alguma coisa. A tempestade era forte e o vento circulava com força e os relâmpagos explodiam no céu iluminando em torno da arvore. Nenhum sinal de uma mulher em perigo. David se virou e encarou Cristian.
— Parece que tem alguém com medo aqui? — disse David com sarcasmo.
— E então o que você viu?
— O sugador de almas... — disse David com a voz rouca e fantasmagórica.
— Pare de bobagens David, vamos logo ver o que está acontecendo. — disse Cristian confiante.
— Olha só! Pensei que estava com medinho. — disse David com ironia.
— Claro que não. — Desconversou Cristian, e continuou num tom sombrio. — Agora e se for um vampiro?
David o encarou sem resposta.
— Quem tem medo agora? — Cristian riu.
De repente o grito ficou mais alto, não deu para identificarem direito, mas parecia ter sido um grito de socorro, foi estridente e abafado pela chuva forte e o vento que chicoteava as arvores. Cristian encarou David seriamente.
— Deve mesmo ter sido nossa imaginação — disse Cristian com sarcasmo.
David estava com uma expressão em alerta, como se estivesse preocupado.
— Precisamos ver o que está acontecendo. — disse David saindo da janela e indo em direção a saída, ele pegou uma lanterna vermelha que estava pendurada na parede bateu nela para acender e depois voltou a luz para Cristian que cobriu os olhos com incandescência.
— O que pensa que está fazendo?
— Eu estou indo lá para fora, tem alguém precisando de ajuda.
— E você vai me deixar sozinho?
— Quem é que está com medo agora mesmo?
Cristian bufou, revirando os olhos e seguiu o amigo.
Os dois desceram as escadas, a chuva forte cuia cortante como navalha, impossibilitando a visão, mas de alguma forma David sabia que estava acontecendo alguma coisa e por mais que o medo lhe consumisse, ele sabia que era perigoso. Cristian grudou no braço de David que o fez soltar dando uma sacudida brusca, mas Cristian insistiu e grudou novamente. David revirou os olhos respirou fundo e os dois seguiram em frente em direção a mata. David era guiado apenas pela lanterna que iluminava com dificuldade e Cristian seguia acuado e com medo de todo aquele aguaceiro e os trovões.
De repente os gritos histéricos de uma mulher ficaram mais fortes.
Socorro! Socorro!
— Isso não pode estar acontecendo. — Murmurou Cristian.
— Deve ser alguma garota perdida nessa tempestade.
— E se não for?
— Vamos descobrir...
Os dois estavam andando na direção em que os gritos vieram. A mata estava completamente escura e ali no meio eles continuaram até ouvirem o gemido de uma mulher: gemido de alguém que se machucou ou que sente uma dor muito forte. Eles se entre olharam e depois seguiram na direção que veio o som.
— Estamos chegando perto. — disse David.
— Acho melhor voltarmos, não sabemos o que pode ser. — insistiu Cristian.
— E se for alguém precisando de ajuda. — disse David, sua valentia vencia seu medo e Cristian admirava isso nele.
— Pode ser perigoso também. — Murmurou Cristian para si mesmo.
David não respondeu, apenas continuou caminhando. Então a lanterna começou a falhar e a luz que pouco ajudava começou a ficar fraca. As pilhas estavam perdendo força. David parou abruptamente e começou a sacudir a lanterna. A luz se extinguiu e eles ficaram na completa escuridão. O silencio era terrivelmente assustador, apenas o som da chuva em contato com a terra molhada e o vento assoviando no céu, os trovões reclamando entre as nuvens negras.
— E agora? — sussurrou Cristian, sua voz era tremula, a chuva fria fez seu corpo perder a temperatura.
— Os gritos, não consigo mais ouvi-los... ela deve estar morta. — As palavras saíram com dificuldade da boca de David.
— Vamos voltar, agora definitivamente eu estou com medo. — Determinou Cristian completamente assustado.
Um grito estridente e horripilante soou subitamente e um raio explodiu no céu iluminando tudo em volta deles. O som do grito parecia ter saído dali, bem diante deles. David estava paralisado, não conseguia se mover, uma onda de terror lhe envolveu. Cristian já estava voltando quando percebeu que o amigo estava parado, estático.
— Ei, o que houve? — Cristian murmurou, era quase um sibilo.
Cristian se aproximou do amigo, analisou seu estado de choque e seguiu a mesma linha de visão que ele. A dois metros de distante um homem de mais ou menos dois metros de altura, com um sobretudo preto encharcado e cabelos cumpridos molhados, segurava em seus braços uma mulher de vestido branco. O homem estava de costas, não deu para ver seu rosto, mas a mulher estava inconsciente e ele a segurava frente ao peito e sua cabeça estava enterrada em seu ombro. De repente a cabeça da mulher tombou para o lado e balançou de forma fantasmagórica e sem vida. Cristian arquejou de medo e deu passo para trás, ele pisou num graveto que se partiu. Aquele som era o anuncio de suas mortes. O homem ouviu o barulho e se virou para olhar. Seu rosto era sombrio e cheio de maldade. Vampiro! A mente de David deu um alerta, não conseguia pensar em mais nada, apenas em correr e fugir. O homem largou o corpo da mulher sem vida e começou a caminhar na mata a procura de quem quer que fosse. Ele rondou a mata a sua volta e os dois garotos ao lado de uma arvore grande não foram notados. Cristian pegou na mão de David e disse baixinho:
—Vamos sair daqui, por favor... vamos David... — Estava suplicando.
Cristian puxou David pela mão. O estado de choque ainda o segurava ali. Mais uma vez, Cristian o puxou com força e David voltou ao normal, ele olhou para o amigo com os olhos arregalados e vibrantes, não conseguia conter o medo. Naquele momento Cristian percebeu que tinha sido uma péssima ideia ter saído da Sala da Justiça, saído para dormir fora de casa, estar ali tinha se tornado uma péssima ideia...
Os dois saíram cautelosamente da linha de visão do homem de preto. E quando passaram os arbustos começaram a apertar o passo e quando se deram conta, estavam correndo pela mata o mais rápido que podiam. Àquela altura seus passos ligeiros já tinham sido percebidos pelo homem na mata.
Ligeiros e desesperados cortando as poças lamacentas no meio da chuva intensa eles estavam sendo perseguidos pelo homem de preto. Os trovões começaram de novo e os relâmpagos distantes iluminavam o caminho. David podia sentir os passos pesados do homem de preto se aproximarem devagar, mais e mais próximos.
Cristian correu na frente, o medo o fazia se mover mais depressa. Desejava não estar ali, desejava que aquilo fosse um sonho ruim. Quando viu a arvore larga e o telhado da Sala da Justiça, sentiu-se mais aliviado. Acreditou que nada poderia lhe acontecer ali, que ninguém pudesse lhe fazer algum mal.
Quando chegou na escada subiu rapidamente e abriu a porta, ao entrar se jogou no chão afoito e sem folego. Ele aguardou o amigo entrar logo atrás dele em segurança. Ele tampou os ouvidos e ficou ali e David não entrou, estava logo atrás dele. Cristian se aproximou da janela engatinhando pelo chão e deu uma espiadela. Tudo era turvo e escuro, mas nenhum sinal do amigo até onde conseguiu enxergar. Depois olhou para a porta de baú velho no chão esperando que a qualquer momento seu amigo passaria por ali são e salvo.
Apenas acreditava que David ainda passaria por aquela porta, aguardou sentado no canto com os ouvidos tampados cheio medo do barulho dos relâmpagos. Cerrou os olhos e tentou se focar apenas em coisas divertidas, nos momentos felizes que viveu com o amigo e como iriam vir aos montes com tudo aquilo que viveram naquela noite.
Cristian abriu os olhos e David ainda não havia voltado.
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