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tenho sentido tantas coisas
quê,
às vezes,
[nem]
dá vontade de falar;
- falo -
mas não sei realmente por onde começar
ABC ou AEIOU
dói,
eu não tenho ar pra respirar,
e nem um tanque de oxigênio supre a necessidade de quem está em constante hiperventilação
- mesmo que suprisse -
não temos tanques, nem vacinas.
estamos vendendo a água e a amazônia.
como se já não bastassem a restinga, a mata atlântica, a caatinga, o cerrado e os pampas que há muito foram dados ao agronegócio e à especulação imobiliária
- urbana e rural -
temos um país em chamas muito antes do incêndio do museu nacional...
somos o constante reflexo de um presente sem previsão de futuro.
- futuro próspero ou próximo -
eu choro mais que rio há anos e,
me pergunto,
quando os dias se converteram em meses?
- porque eu não os vi passar -
estou novamente de costas pro mirante do masp e consequentemente pro da nove de julho,
- e julho me lembra você -
olhando de novo dentro dos olhos das pessoas e não pros rostos nos prédios.
me procuro de novo, nos nomes, sobrenomes, risos e estórias
pois já não me encontro no saco de lixo que carrego junto de mim.
mas sim no lixo que carrego em mim, no meu quarto, no meu corpo, mente, pele e alma, na minha casa
- e que talvez mereça sacos mais bonitos, que não posso oferecer agora -
na rua o grito ecoa
em casa também mas,
abafado,
se apaga.
queria muito algo que me desse a tal memória sensorial, pra ir embora de mim,
direto pro tempo em que você ainda estava aqui,
ao meu lado mas,
nada
[nem ninguém]
tem seu cheiro, seu gosto, seu jeito...
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fixo ainda que não esteja fixo
O mundo, pelo menos o meu, está desabando. E eu tô indo junto. Uma queda única, lenta e direta até o chão. É engraçado - chega a ser cômico, na verdade - ver como meus sentimentos têm picos tão opostos: em um momento estou bem, simplesmente lidando com as - procurei entre várias palavras e sentimentos e essa é a que mais se encaixa, embora saiba que não é isso exatamente - decepções, com um autocontrole atípico e nenhum sentimento igual, o sequer parecido, com tristeza. No outro, algumas horas depois, basta uma palavra fora de tom para que eu desabe. Some isso a um tombo e ansiedade; começo então a chorar, pois não há nada que eu possa ou consiga fazer pra mudar a realidade.
Decepções… decepções são resultado de expectativas erradas em pessoas erradas - e que expectativas estão sempre certas?! Somos decepcionados porque nos permitimos sê-lo, esperamos que os outros ajam de acordo com um padrão mental imposto por nós mesmos, mas nem sempre eles farão o que esperamos; pessoas, assim como as relações que temos com elas são imprevisíveis. Às vezes seremos decepcionados, às vezes traídos, ou até os dois ao mesmo tempo; somos surpreendidos e, para o bem ou para o mal, temos que saber lidar com essas situações.
(setembro de 2016 - ainda um texto atual)
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eu não escrevo poesia. eu escrevo em prosa...
a arte se conecta com a poesia por meio de performances e, portanto, visualidades. um filme mudo precisa de cartelas ou ao menos sinopses. uma colagem requer um - vários - recorte anterior. tudo precisa ser explicado e, sem a performance oral e física, as palavras são apenas códigos e sigilos...
incompreensíveis em uma grande torre de babel;
caída como a Torre - mal-projetada - de Pizza.
são ALGARISMOS - indo-arábicos -
- porque ainda não nos livramos de Roma?! -
são Parmênidicos quando deveriam se líquidos como Heráclito e dialéticos como Hegel...
mas também materialistas como Feuerbach.
não precisamos, agora, de mais neologismos,
devemos voltar-nos ao passado;
ao NOSSO passado.
- nosso modernismo de Mário de Andrade -
e também ao de Alberto Caiero - Fernando Pessoa, que seja!
aos Sonetos de Camões.
Precisamos - com P maiúsculo - ver e reconhecer que grandes poetas malditos brasileiros, - como Lispector - nem nascidos aqui eram...
precisamos voltar a ser loucos e performáticos.
mas precisamos da ternura da poesia, do contrario seremos apenas mais um jovem Wherter ou um - velho - Maiakovski.
eu não escrevo prosa, eu escrevo poesia.
(texto de inscrição na Oficina da Rebellium Coletiva)
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eu acho que vou morrer hoje.
eu acho que vou morrer hoje porque não aguento mais viver.
ou seria porque ja estou morta?
nenhum médico foi uma virgem suicida aos treze, catorze, quinze, dezesseis e dezessete.
e eu queria muito ter irmãos.
mas não tenho.
então eu morro sozinha todo dia um pouquinho sem saber como
- e nem com quem -
compartilhar a dor.
compartilhar pra quê?
se ela é minha e ninguém quer ouvir?
um médico homem não foi uma menina suicida aos 13 anos porque provavelmente chegou aos trinta.
e ninguém quis, quer
- nem tem que -
entender porque aos 17 eu guardava antidepressivos dentro de caixas de cigarro e tomava pílula.
mas ninguém tem que julgar o meus porquês.
e eles são mais que 13.
porque ja tenho 21.
e não deveria ter lido nada disso aos treze.
também não deveria ter goethe como escritor favorito aos 13.
mas tive.
tive e sofri mais que werther.
mas se for pra morrer, que não seja agonizando na cama. que não seja na sujeira.
que seja limpo, claro e escuro ao mesmo tempo.
como maiakovski, em ideais.
mas como meu pai em limpeza.
sou laura e lylya, o louro e o lírio.
mas também maria.
sou lílitchka.
e a realidade não precisa de mim.
e maria parará chover.
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preciso te falar algumas coisas - espero tê-las dito enquanto conversávamos mas, por via das dúvidas, tentei anotar também. eu estou apaixonada por ti, e realmente não vejo minha vida sem você (ao menos não nesse momento), cê acabou virando uma das pessoas que mais confio e com quem sei que posso contar. sua compreensão, seu carinho e sua empatia têm sido únicos desde que saí de São Paulo. eu tô apaixonada por você, e eu não sei exatamente quando isso aconteceu - quando esse “gostar” transbordou de mim. não sei quando comecei a te olhar e sentir a necessidade da tua companhia, não sei quando comecei a sentir falta do teu cheiro, do teu gosto, da tua essência. não sei quando eu decorei as pintinhas do teu rosto, do teu pau e da tua nuca. eu não sei quando eu me apaixonei, mas eu sei como: a cada dia, a cada toque, a cada demonstração muda de cuidado e afeto.
eu sabia que essas viagens - a minha e a tua - e essas semanas distantes iam deixar mais claro como nos sentíamos e (talvez isso soe pretensioso), também pelas atitudes, eu imaginava que você pudesse gostar de mim, mas não sabia (não sei) o quanto. eu só não imaginava que ficaria triste quando você dissesse como se sentia. não sei, sempre achei que quando duas pessoas se gostavam e gostavam da companhia uma da outra, de estar junto, elas continuassem juntas - não necessariamente oficializando um relacionamento e pipipi pópópó. e, enfim, eu gosto de estar contigo, de falar e te ouvir, de foder contigo, de simplesmente te olhar. quando a gente conversou comecei a pensar em como cê se sentia e, sei lá meu, não quero de forma alguma te pressionar pra nada - inclusive tava bem feliz vendo nosso carinho um pelo outro da forma como era - mas fiquei com várias paradas na cabeça sobre o que cê disse de não ser bom pra nenhum dos dois continuar do jeito que tava. primeiro me perguntei se tava ruim pra você, mas achei que não fosse o caso, depois se você achava que podia me sobrecarregar com seus problemas ou que eu pudesse te sobrecarregar com os meus - duas coisas que também acho que não rolariam porque eu tô acostumada a lidar com cargas emocionais alheias há muito tempo, e jamais sumiria por isso; o contrário também acho que seria difícil porque eu tô em tratamento há muitos anos, então já lido de algumas coisas sozinha ou direto com os médicos. pr’além disso cê também já tava me ajudando bastante com essas questões, porque com a maior parte dos meus amigos do rio eu até sinto que posso falar sobre meus sentimentos mais “normais”, mas quando são coisas da cabeça parece que só tu entende sem me olhar como se eu tivesse delirando - e eu espero de verdade ter te ajudado de alguma forma com a depressão, ansiedade, e o que quer mais que cê tenha.
o que achei em seguida foi que talvez cê simplesmente não sentisse mais atração por mim e não quisesse mais ficar comigo ou que cê tivesse pensado que eu ia te pressionar pra algum relacionamento - a segunda opção para parecia muito fora de mão porque eu nunca me sentiria bem forçando a barra pra estar com alguém que não quer estar comigo, e a primeira também já que cê falou que a gente poderia ficar de novo. então só consegui pensar se cê tinha medo de que nos envolvêssemos mais e eventualmente perdêssemos nossa amizade - porque, João, eu não sou um amigo que você não tem, eu sou sua amiga, e cê pode contar comigo pro que for - o que, pelo menos pra mim, não faz sentido. primeiro porque a gente só ia estar fugindo e reprimindo um sentimento que é (ou pode ser) positivo pros dois, segundo: a possibilidade da gente ficar é bem alta e aí como a gente vai se tratar nessas vezes? com medo? se controlando pra não sentir ou não tocar de alguma forma específica?
enfim (juro que esse é realmente o último, chegando a uma conclusão), eu tô repetindo isso o tempo todo não quero te pressionar fazer nada: só queria te entender e que cê soubesse como eu me sinto sobre tudo isso. a gente não precisa continuar junto, nem voltar a ficar depois de um tempo, se for que você quer; eu posso tentar ser só sua amiga, porque prefiro isso a sair da sua vida e não te ter na minha. mas eu sei que vai doer não poder te olhar do mesmo jeito, te olhar sem saber se te toco o recuo. podemos fazer isso.
mas eu realmente tô disposta a tentar fazer as coisas funcionarem. só pensa sobre.
(desculpa ter dito o tempo todo que eu era transparente e escondido como me sentia por tanto tempo)

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É que eu te amei. E foi de primeira. Te amei com todas as forças do meu corpo fraco, até desfalecer em pranto. Te amei, e as vespas que socavam as paredes do meu estômago saíram pela boca em gritos de desespero. Quase como uma droga, quando as crises de abstinência vinham meu corpo saía de controle - as lágrimas caíam, mesmo tentando não chorar. Ficava estagnada, incapaz de fazer o que quer que fosse. Não que em algum momento eu tenha tido algum controle sobre mim - sempre de coração e pernas abertas para que você voltasse quando bem entendesse. Agora paro e olho o estrago: cada pedaço bonito teu em mim - até esses estão em cacos. Mas aos poucos o peito se acalma, e ja chorei tanto por ti que quando vêm as lágrimas não duram mais que o tempo de um choro vazio - tornaram-se tão banais que nem a dor crônica é intensa como antes: no lugar do machucado em carne viva há apenas um arranhar suave. E se a dor não faz com que se aprenda ela pelo menos caleja.
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Augusto disse que nosso amor andava fraco, sem sal. Eu respondi que isso era ótimo, porque sal faz mal pro coração; ele logo revirou os olhos. "Quero apimentar as coisas", ele disse. E naquela noite, quando transamos, Augusto realizou todas as suas fantasias reprimidas em 12 anos de um casamento cristão com sua primeira namorada. Despiu-me como se quisesse arrancar minha pele, beijou-me como um leão ataca sua presa, puxou meus cabelos como se fossem crinas de um cavalo e ele um cavaleiro selvagem.
Augusto disse que nosso relacionamento estava sem sal, mas que talvez, tal como molho de tomate, fosse o caso de adoçá-lo. Começou então a mandar-me flores e chocolates no trabalho.
Augusto havia dito que nosso relacionamento estava sem sal mas, aos poucos, os novos tapas e sufocamentos de nossas noites passaram a vigorar também durante os dias, e o excesso de pimenta estragou o tempero todo.
Hoje Augusto disse novamente que nosso relacionamento estava sem sal. Desta vez, limpando o sangue que escorria de minha boca, eu nada disse, apenas pensei: bem, meu querido, eu te disse, sal faz mal pro coração.
(meio/fim de 2018)
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Acordou com o sol que entrava pela fresta da varanda e percebeu que não estava em casa. Levantou na ponta dos pés, com cuidado para não chutar nenhum taco solto e acordar alguém no pequeno apartamento no centro de São Paulo. Fora do prédio olhou o relógio de pulso e correu, já atrasada, para o metrô.
Chegou ainda ofegante ao Villa Lobos, o parque estava vazio. Sentou-se no chão, o sol da manhã de dezembro batendo quente em suas costas. Tentou lembrar-se da noite anterior, de qualquer coisa que fosse. Abriu a bolsa e jogou tudo no chão. Um caderno manchado de café caiu junto a uma caneta, uma cartela de pílula do dia seguinte sem nada, cigarros soltos - a maior parte quebrados - e dois maços, um vazio e outro guardando os antidepressivos e documentos. Tentou, mas foi tudo em vão, sua mente estava turva, como se ainda estivesse entorpecida.
Algo sobre as virgens suicidas lhe veio a cabeça ao ver aquela bagunça no chão. Não soube o porquê. Queria morrer? Queria sumir? Queria... Mas queria agora?
Uma sensação de déjà vu chegava quando chamaram por seu nome. Era Chiara, acabando com seus devaneios. Aprumou-se, tacou tudo de volta na bolsa, e foi se pendurar entre os brinquedos infantis. Como se o dia anterior não importasse; ou simplesmente não tivesse acontecido.
(meio/fim de 2018)
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Chegou no hall escuro do apartamento e quase teve um ataque cardíaco com a escultura de gesso de um lhasa ou um shitzu que a vizinha colocara ao lado da porta. Levou a mão trêmula à maçaneta e entrou no quarto e sala. Fechou a porta atrás de si, largou a mochila em cima da mesa e sentou-se no chão. O gato veio sem miar - sabia quando estava assim - e alojou-se ao seu lado. Ficaram meia hora paralisados, olhando para as velhas fotografias coladas na parede em frente. Sentiu um arrepio na nuca, percebeu que estava tremendo. Talvez fosse frio, talvez - provavelmente - fosse resultado daquela madrugada. Merda. Levantou, tirou as roupas, soltou os cabelos e entrou debaixo da água quente. Esfregou-se como se fosse possível arrancar a pele, lavar toda a droga de seu corpo e todo o sentimento de impotência, de ter fodido com tudo. A casa estava limpa, da caixa de areia à pia da cozinha mas, ainda assim, pôs-se a organizar coisa por coisa, como se o pequeno apartamento no prédio de 15 andares fosse sua vida, e como se simplesmente o organizasse em uma tarde tudo voltaria para o lugar. Não voltava. Descongelou o último bife do freezer, picou e jogou na panela com os legumes velhos. Abriu um sachê pro gato, vestiu o pijama de bolinhas e enrolou-se nas cobertas esperando que tudo passasse e o dia seguinte normalizasse sua vida.
(meio/fim de 2018)
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AS COINCIDÊNCIAS
Coincidências existem? Ou nós inventamo-nas apenas para nos confortar? Existe algo maior? Um destino?
Eu particularmente sou completamente contra a ideia de que não estamos no controle de nossas vidas. Nossas decisões são nossas, e são elas que nos levam a cada situação. Penso que se não tivesse agido no calor do momento e tomado uma decisão tão imprudente e burra as coisas seriam normais, como sempre foram. Mas penso isso sempre, pois explodo, e o normal é o agora, resultado de minhas ações - boas ou más - seria isso o destino? Pois não existe o "e se", mas as coincidências ajudam a manter-me firme em minhas decisões, por mais estúpidas que sejam. Funcionam como uma aprovação divina, e eu sequer acredito em Deus.
Não houve coincidências nas novas amizades: vez ou outra alguém novo lembra um amigo, mas nunca tempo o suficiente para que seja considerado como tal. Algumas gírias se conservam, mas o boldo pra eles é a paranga e pra mim é a banda.
Os prédios e ruas não têm nada a ver, mas quando sigo a Avenida Atlântica até a Vieira Souto, fechadas com crianças e suas famílias, não consigo deixar de lembrar da Paulista no domingo. Não consigo ouvir "hoje eu quero sair só" sem que, numa analogia idiota, já que Lenine é de Recife, minha cabeça me remeta a "trem das onze".
Na verdade o meu problema é esse: não esquecer. Vim pro Rio numa idealização, de que finalmente seria feliz, mas lembro com clareza da voz dela me dizendo que fizesse o que fosse melhor, e que apenas se preocupava por não ter ninguém pra me cuidar aqui. Eu, que achava que não precisava de cuidados. Mas eles pularam o muro da minha vizinha, me seguraram no viaduto da Rebouças e viraram a noite me consolando na sacada do 24. Se fechar os olhos ainda ouço a poesia de Drummond tocando na vitrola, o som da guitarra, do carrão, do pandeiro e do violão. Sinto o cheiro dos cigarros e charutos na neblina, e o gosto do bolo de leite ninho e das pizzas de dez reais da Roosevelt e da Augusta. Ainda me lembro do balde d'água em cima da cama, dos pincéis largados no chão e da escrita tremida sobre a constância das mudanças. Lembro dos "eu te amo's" ditos menos vezes do que deveriam sê-lo, mas muito demonstrados; das vibrações sinceras nas conquistas uns dos outros e das despedidas na Maria Borba, cantando Tim Maia e quebrando copos.
Lembro e sinto tanta saudade que não consigo ter certeza se fiz o certo, mesmo com minhas "coincidências divinas". Estamos todos a uma ligação de distância, e nada enfraquece os laços daqueles que cresceram juntos em tantos aspectos, mas fica um buraco, o da presença, aquela que não pode ser dada no momento.
Penso se estou perdendo um pedaço da minha vida, criando lembranças vazias, sem vínculos profundos impulsionados pelo amadurecimento intelectual, político, afetivo e sexual por nós compartilhado.
Talvez seja como o Irineu disse, naquela primeira aula de geografia: nenhum laço será tão forte quanto esses; talvez as coincidências não bastem para me consolar ou sei lá, talvez eu só esteja ficando velha mesmo.
(primeiro semestre de 2018)
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Quero chorar, Thiago. Sei que soa infantil dizer-te isso logo agora, mas eu quero chorar. Percebi olhando no espelho do banheiro enquanto o delineado se desfazia, escorrendo em minhas bochechas, os cabelos já desgrenhados e a roupa elegante ainda cheirando a amaciante que voltaria ao cabide, direto pro armário. Chorar é meu único objetivo de vida, quero chorar nos dias úteis em horário comercial e também fazer horas extra, nos dias que não de segunda a sexta, inúteis - pobres coitados. Quero chorar como um bebê, com ranho amarelado no nariz que a mãe de primeira viagem se esqueceu de trocar a fralda. Quero chorar e ouvir a voz da minha avó dizendo que choro é pra quando alguém morre ou pra quando nos machucamos. Quero chorar na calçada da rua, na areia da praia, em Salvador, Paris, Tokyo e Berlim. Quero chorar até meu rosto inchar e ficar redondo como um biscoito trakinas e vermelho como uma amora. Quero chorar toda a água que bebi e o vinho também, quero chorar; até explodir.
(janeiro de 2018)
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Me pergunto quem foi o idiota que resolveu romantizar a paixão. A frase ficou estranha, né? Mas é isso mesmo que você leu, quem caralhas teve a brilhante ideia de romantizar essa merda? Paixão não é boa, não é legal. Nunca foi. Tampouco é o romantismo. Ou você nunca viu nenhuma imbecilidade sendo cometida por um herói romântico ou um apaixonado? Claro que viu, porque é só o que há. A paixão em si não é boa; a ideia de borboletas no estômago, taí outra bela duma babaquice. Estão mais para vespas parasitárias que ao deixarem o hospedeiro que involuntariamente as nutriu e protegeu, matam-no. Mas, mesmo que fossem borboletas, que ser em sã consciência gostaria de ter lagartas grandes e gordas crescendo em suas entranhas, para depois eclodirem casulos com borboletas agressivas, batendo as asas violentamente contra as paredes de seu estômago? A mente é provavelmente a mais prejudicada, incapaz de realizar uma simples sinapse, tornam-se bêbados-sóbrios de andar trôpego e olhar anuviado... Definitivamente é a doença do amor. Incrível é como idolatramos essa ideia de jerico.
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Às margens da cidade o vento canta, como se uivasse, te vejo então, cabelos soltos balançando na marginalidade. A cidade, tal como floresta, organismo-vivo, te devora, e tu te deixas engolir.
Digere-te a metrópole em seco e sem tempero, buscando teu sabor como quem toma café sem açúcar. Em cada milímetro teu gosto é um - posso senti-lo ao respirar - doce, como as árvores do Jaraguá a Parelheiros; amargo, como a miséria residente dos bairros ricos e salgados centrais, da Paulista a Higienópolis. Apimentado, como as noites de atos vitoriosos, dispersados por bombas de efeito moral e gás de pimenta.
Tu te incorporas cada vez mais à cidade, e parece que daí quem comanda é a comida, e não o corpo alimentado: te vejo agora, do topo do Edifício Martinelli, em todos os lugares.
(algum momento no primeiro semestre de 2018)
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Faz um ano que comecei a escrever esse texto e um ano que desisti de terminá-lo enquanto pensava em postá-lo com a foto da pantalona indiana, em uma mão um cigarro, na outra a lata de cerveja, em frente ao C.A. Faz um ano também que meu avô morreu, e tudo isso foi um dia depois daquela discussão psicodélica sobre o começo do fim de nossa amizade. Tinha chovido naquela sexta-feira nove de dezembro, e nós dançávamos descalços nas poças formadas no Ibirapuera à noite, quando comecei a chorar e dizer que você iria me esquecer; que eu já não era tão importante. Então você segurou minha mão e disse que não era isso, não havia preferências, havia diferenças. No ônibus, sentamos juntos e, de novo, você me disse que seria enquanto fosse pra ser. E foi. No dia seguinte meu avô morreu e eu achei que nunca fosse superar, mas sei que, toda vez que acendo um cigarro, encho a cara e tomo altas doses de remédio pensando em morrer, estou esquecendo ele, estou deixando de me importar. As pessoas passam, e é bom o tempo que elas ficam, na mesma sintonia. Quem mais passaria o carnaval comigo naquele momento se não você? Mas não estamos mais em 2016, nem em fevereiro de 2017 e nossa amizade mudou, o famoso clichê “nós mudamos”, é triste a morte de uma amizade, mas nosso fio vermelho chinês ainda brilha, escarlate. E esse texto é pra você - você bem que sabe -, mas poderia ser pra qualquer outra amizade, escrito num novo contexto, e é só pra dizer como sinto saudades.
(10 de dezembro de 2017)
eu ainda lembro de tudo, e você?
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Hoje bebi. Bebi e virei d’uma vez o último frasco de coragem, aquele que, dentro da velha geladeira, quase mofara. Com ele foi embora a última dose de vontade, que se misturava às teias do armário empenado.
Bebi os dois. Primeiro gole: o gosto amargo-agridoce esterilizou-me os lábios, uma lágrima caiu. Segundo. Terceiro ou vigésimo... já não sei contar, já não canto mais.
Quinquagésimo primeiro: a vontade de permanência se esvai. Resta-me a embriaguez da coragem.
(agosto de 2017)
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