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[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
A voz dela flutuava até ele como se viesse de muito longe, mas não da mesma forma que os delírios vinham. Era diferente. Nicholas tentava manter os olhos abertos, mas o corpo ainda pesava como se estivesse lutando contra a própria existência. Mas ela estava ali. Não como uma sombra de memórias ou um fantasma projetado pela febre. Ela tinha voltado. E com ela vinha o peso de tudo o que não disseram. De tudo o que ele fez — ou deixou de fazer. Ouviu quando mencionou Babette, quando falou da missão. Algo nele se encolheu. A constatação de que Olivia soube da sua situação 'há alguns dias' doeu mais do que ele esperava. Quantos dias, exatamente? Quantas vezes ela esteve ali enquanto ele nem conseguia abrir os olhos? Será que ouviu as coisas que ele dizia, sem saber que as dizia? Será que viu o pior dele? E o que teria sido apenas delírio? A constatação era um balde de água fria que ele não estava preparado para sentir.
O toque da mão dela sumiu por um instante, e a ausência foi imediata. Como uma corrente quente arrancada de repente. Ele sentiu o frio da cama com mais força. Mas logo depois, ela voltou — com um copo, com cuidado. O comentário sobre o veneno arrancou um canto de sorriso que nem chegou a se formar por completo. Estava fraco demais até pra fingir leveza, mas não era mentira: aquele senso de humor atravessado dela ainda era familiar. Tomou um gole pelo canudo, irritado que tinha que ser completamente cuidado — logo por ela de todas as pessoas no mundo. Foi a pergunta que veio depois que o desestabilizou por completo. Nicholas piscou devagar. Por um instante, o quarto inteiro pareceu girar. Ele não sabia o que responder. O orgulho, que sempre o guiou, ficou em silêncio. A raiva, que o protegia, estava longe demais. Tudo o que restava era um espaço cru dentro dele — e ela ali, parada, esperando por uma resposta que ele não tinha certeza de merecer dar. Ele não conseguia olhar diretamente para ela. Não ainda. Não era forte o bastante para pedir que ela ficasse. Mas era covarde demais para pedir que fosse embora. "Você tá bem?" Finalmente perguntou, esperando que tivesse distraído ela o suficiente da própria pergunta para que ele não tivesse que falar que queria que ela ficasse com todas as letras.
[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
Ela precisou partir. Mas voltou — e voltaria quantas vezes fosse preciso, até que ele dissesse, com todas as letras, que não a queria mais. Era o que havia prometido. Foi durante uma dessas visitas fora de hora, sentada ao lado dele, acariciando sua mão de leve, em silêncio e esperança, que a febre cedeu espaço a algo mais. Uma reação. Finalmente. O som da voz dele, mesmo fraca, foi como um raio atravessando o nevoeiro que pairava entre eles há anos. Percebeu que não estava tão pronta assim para ouvi-lo desperto, falando consigo. Ela já era mais "Liv", e o tom dele não era mais tão doce quanto antes. O coração dela vacilou e, por um segundo, quis fugir, deixar que o passado continuasse enterrado onde estava. Mas então ele perguntou o que ela estava fazendo ali, e Olivia se obrigou a respirar fundo, apesar da garganta apertada. Ela prometeu a si mesma que deixaria todas suas inseguranças de lado e teria aquela conversa. Mas iria com calma.
Seus dedos, ainda entrelaçados aos dele, apertaram com mais firmeza, como se pudesse ancorá-lo — ou talvez ancorar a si mesma. — Babette e eu viemos pra cá depois da nossa missão. E eu soube que você estava aqui... há alguns dias. — A resposta saiu mais suave do que ela imaginava, quase um sussurro, como quem pisa em chão trincado e teme que tudo desmorone. Não entrou em detalhes sobre suas visitas constantes, mas estava curiosa para saber o quanto ele lembrava das breves interações entre eles. Engoliu o incômodo junto com a saliva, quando, mesmo sem querer, afastou a mão dele e foi até a bancada buscar o copo d'água. — A enfermeira disse que você poderia acordar com a boca seca. — Sentou-se novamente, esticando o copo com canudo na direção dele. — Não envenenei. Prometo. — Escapou um riso sem muito humor, entregando todo o nervosismo que ela lutava em esconder. Tentou brincar, não porque havia alguma intimidade ou clima para tal, mas porque estava nervosa e, pela primeira vez em muitos anos, não tinha controle da situação. Estar ali custava muito. Mas perder Nicholas tinha custado mais ainda. Ela não sabia se ele a deixaria tentar de novo, nem sabia exatamente o que significava tentar, com todo o peso da mágoa entre eles. Mas estava ali. Com medo, sim. Com esperança, talvez. — Você quer que eu vá embora? — A pergunta escapou num tom mais vulnerável do que ela gostaria de admitir.
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kate's 365 days of male characters
day 55: richard "dick" grayson titans
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[ O DESPERTAR DA MALDIÇÃO | PRIMEIRA SEMANA DE AGOSTO DE 2025 ]
Ele ouviu primeiro a porta. Num instante, o corpo dele estava em alerta — músculos tensos, respiração presa, a mão firme ao redor do bastão de beisebol que já dormia ao lado do sofá nos últimos dias. A cidade tinha virado um inferno. Gente impedido-os de se encontrar na cara dura, puxando-os para lados diferentes na rua, sabotando as torres de celulares. Os reencarnados tinham deixado o mundo em frangalhos — e Nicholas sabia que era só uma questão de tempo até que o caos batesse na porta dele também. O trinco girou. Ele se ergueu de um salto, pés descalços no chão frio, e se posicionou atrás da poltrona da sala, o bastão levantado. A luz que entrava pela janela da cozinha projetava sombras longas pela sala escura. Ouviu passos. Uma respiração. E então, antes que a silhueta surgisse por completo, ele avançou. “Puta que pariu, Dilara!” ele gritou, interrompendo o próprio golpe no último segundo, os dedos escorregando no cabo do bastão enquanto ele o deixava cair no chão com um baque surdo. “Você ficou maluca? Entrar assim, no meio da madrugada? Eu achei que fosse um babaca tentando me matar, sei lá!”
o despertar da maldição, com : @nicholasaldridge, na casa do nick.
Durante toda a primeira semana de agosto, Lara havia tentado não surtar de vez. Todavia, nem mesmo trabalhar estava sendo possível sem acesso algum à internet na cidade, e precisou ir à Siena avisar sua supervisora na ONG que ficaria alguns dias sem acesso aos sistemas de processo eletrônico. E, tudo se havia desenrolado da pior forma ao final daqueles sete dias infernais — iniciado por uma ida trágica à Amici Fedeli. Queria um pacote de ração novo para suas gatas, e acabou batendo em um desaforado — seu motivo de orgulho —, sendo derrubada pela namorada inútil dele e recebendo um ovo na cabeça de uma idosa claramente ociosa, sem um grupo de costura para se ocupar e investir as suas energias, já que se dispunha a retirar um ovo de suas compras do mercado para acertar uma desconhecida. Já que a vida sempre dava um jeito de piorar quando as coisas estavam ruins, ainda recebeu uma pedra durante a noite em sua janela.
Agora, estava decidida a aproveitar a ideia de seu irmão e ir passar uns dias fora da cidade. Um amigo de Hakan, de Montepulcino, estava com o apartamento vago enquanto visitava os familiares em Nice, na França, e ela poderia ficar ali enquanto o caos estava se desenrolando na cidade. Não se sentia nada segura, pela segunda vez naquele ano, estava com com medo — de uma forma que sentira quando Nicholas foi hospitalizado. Só queria sair daquele caos de uma vez. Antes disso, queria tentar encontrar Nicholas, aproveitando de sua chave reserva. Estava esperançosa de que, saindo num horário tão anormal, poderia ser furtiva o suficiente para não ser vista por vigilantes sonolentos, que não veriam uma garota de boné escuro e coturnos se infiltrando onde o Aldridge vivia. Por algum milagre, havia dado certo, e lá estava ela, às três e vinte da manhã. Ao ir em direção ao quarto dele, a passos rápidos, bateu com tudo na quina de uma mesa. “Ai, mas que caralho! Caralho! Porra!” praticamente berrou, chutando a mesa de volta.
@khdpontos
#𝐅𝐈𝐋𝐋𝐄𝐃 𝐔𝐍𝐃𝐄𝐑 ➽ mirror.#with: dilara kaplan.#chapter: dilara 002.#with: a militante.#revoltadosmoradores#chapter: o despertar da maldição.
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[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
Nicholas não sabia se ainda sonhava. Tudo parecia esculpido em névoa — como se o mundo real estivesse escondido atrás de uma cortina de febre e silêncio. O ar do quarto era denso, difícil de respirar, e o cheiro de hospital grudava no fundo da garganta. A dor seguia presente, um zumbido surdo espalhado pelo corpo, mas ele já não tinha certeza se era física ou se vinha de outro lugar. Um lugar mais fundo. Às vezes, via rostos que não faziam mais parte da vida dele. Mas agora... agora havia algo diferente. Uma presença que não se encaixava nas repetições confusas dos delírios. Era como uma corrente morna atravessando a frieza daquela cama. Como se, por algum milagre, alguém tivesse conseguido atravessar o limiar entre sonho e vigília e estivesse ali, de verdade. O som era o primeiro indício. Uma voz — não a voz genérica dos médicos, nem os murmúrios que vinham da cabeça dele. Era uma doce. Familiar demais. Quente demais. Ele a conhecia no instante em que ouviu, como se uma parte esquecida dele tivesse despertado só pra reconhecê-la. Não queria confiar nisso. A mente já o enganara antes. Mas havia algo no tom — uma suavidade carregada de dor — que nenhuma febre saberia inventar.
Horas se arrastaram e Nicholas entrou em um novo estado de suspensão, até seus sentidos começarem a ser recobrados novamente. Aos poucos, foi se forçando a emergir. Os olhos abriram-se devagar, ainda embaçados, e a luz feriu as pálpebras. O quarto se formava em pedaços diante dele: teto branco, linhas rígidas de persianas, sombras dançando no chão. Mas nada disso importava. Ele sentia a presença dela — quente, firme, pele contra pele. Não sabia se o corpo reagia. A mente ainda parecia flutuar em algo espesso. Mas a memória sensorial era forte demais. Aquele calor perto dele, o peso no colchão, o som de uma respiração que não era a sua — tudo isso formava uma verdade que ele precisava acreditar. Era impossível não lembrar. De quando ela foi embora. De como o silêncio dela queimou mais do que qualquer discussão. De como fingiu indiferença, vestiu sarcasmo como armadura, construiu muros com palavras afiadas só pra não admitir que doía. Ela tinha ido, e ele jurou que não olharia pra trás. Agora, com a febre arrancando suas defesas e o corpo falhando, restava apenas a verdade crua: a ausência dela era uma dor que ele continuava carregando, e pesava muito mais do que ele admitiria. "Olivia?" Ele perguntou, a voz rouca pela falta de uso, mas parecia um pouco mais atento do que horas antes. "O que você está fazendo aqui?" A língua deslizou sobre os lábios, tentando umedecer a boca seca, enquanto tentava fazer algum sentido do que estava acontecendo. Mas tudo dóia. Não tinha nenhuma parte do seu corpo que não dóia.
[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
Os olhos de Olivia se encheram d’água no instante em que ouviu seu apelido, quase imperceptível, escapando dos lábios dele como um segredo. A sensação de nostalgia ao ouvi-lo pronunciar o apelido era agridoce: confortava, mas feria. Era a primeira vez em tanto tempo que ele a chamava assim, não com desprezo, não como provocação, mas com a mesma ternura de quando se conheciam por inteiro. O som rasgado e febril que ele fez ao falar seu nome atravessou suas defesas, e ela sentiu o coração dar um salto doído dentro do peito. Ela se aproximou devagar, como se cada passo pudesse acordá-lo de um transe, e apesar da intenção de consertar as coisas, ela não sabia se estava pronta para encarar tudo aquilo. — Sim, eu ainda tô aqui. — Ela confirmou, num sussurro de quem tenta conter o choro. Sentou-se na beira da cama, como fez todos aqueles dias em que o visitou. Ele não a afastou, não a ofendeu, não pediu que se retirasse. Isso por si só já era como um milagre.
A mão dela encontrou a dele com uma delicadeza reverente, como se tocar Nicholas Aldridge fosse impensável, proibido — não por falta de desejo, mas por não ter permissão. Quando ele murmurou "Você ainda tá aqui...", Olivia prendeu a respiração, engolindo o nó que crescia na garganta. — Eu fico, é claro. Vou ficar por todo o tempo que me quiser aqui. — As palavras escaparam antes que ela pudesse filtrá-las, carregadas de uma sinceridade crua. Ela olhou para o rosto ferido, ainda tão bonito, e sentiu vontade de chorar, apertando suavemente a mão entrelaçada a dele. Quando ele disse que sentia a falta dela, algo dentro dela se quebrou de um jeito diferente. Era como um arrependimento de anos batendo à porta e ela não sabia lidar com toda a dor. Olivia fechou os olhos com força, as lágrimas deslizando silenciosas. — Eu também sinto sua falta, Nick. Só fica bom logo, por favor. — A voz era só um sopro, mas era a coisa mais verdadeira que havia dito em anos. Teve tanto medo de que as palavras dele estivessem saindo como uma despedida. Como se, no fundo, ele soubesse que iria morrer e queria ir em paz. Ela, por outro lado, não teria um dia de paz se soubesse que o perdeu dessa forma, completamente, sem chance de reconciliação. E ali, naquele instante frágil e impossível, Olivia Boscarino sentiu que talvez ainda houvesse tempo pra consertar o que eles quebraram.
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[ FEIRA DOS SENTIMENTOS | MAIO DE 2025 ]
“Bom, pelo menos estamos de acordo que nosso alinhamento espiritual é um fracasso aromático anunciado,” respondeu, com um canto do lábio erguido em um sorriso enviesado, antes de desviar os olhos de novo para o frasco no centro da mesa, como se ele pudesse responder por tudo aquilo. Quando ela sugeriu falar sobre o que o cheiro fazia sentir, ele ficou em silêncio por um momento mais longo do que o necessário. Não porque não soubesse o que dizer — mas porque dizer em voz alta dava um peso estranho às coisas. "Me lembrou... a sensação de estar voltando pra casa depois de muito tempo. Sabe? Quando tudo parece igual, mas você não consegue deixar de notar que alguma coisa ali já não te pertence." Sua voz saiu mais baixa, como se não tivesse planejado ser tão honesto. Soltou o ar pelo nariz, um tanto frustrado com ele mesmo, e balançou a cabeça. "Porque um monte de encontros com quase estranhos não é minha ideia de diversão," completou, como se quisesse cortar o fio de vulnerabilidade que tinha puxado sem querer. Quando ela disse que os encontros dela tinham sido estranhos, ele arqueou uma sobrancelha, curioso. “Defina estranhos em uma escala de um, ele pediu seu drink, até dez, você e ele foram um casal de sereias em Atlântida?” Fez uma careta leve, como se tivesse histórias para contar, mas decidisse poupá-las — por enquanto. "Mas se fui promovido a cobaia do dia, espero que pelo menos esteja sendo um teste interessante," disse, girando a caneta entre os dedos, "ou pelo menos fazer do seu dia mais interessante."
Desde o primeiro dia, era notável que de alguma forma, sempre tentavam juntar alguns reencarnados para aqueles "encontros", e a Aylin só estava se deixando levar... Não totalmente, claro, mas estava tentando não ver como algo ruim. Era uma oportunidade de se conhecerem melhor e de, quem sabe, terem no mínimo uma amizade. Acabou rindo e precisou concordar, se ele fosse muito bom, com toda certeza iriam colocar coisas muito diferentes ali. - Eu não teria "alinhamento espiritual aromático" com ninguém, se isso te consola. Meu nariz não é nada confiável. - Falou em um tom descontraído, deixando que ele analisasse o perfume primeiro. O máximo que sabia sobre esses aromas era se gostava ou não do cheiro, nunca parou para reparar no que poderia ter ali. Assim que ele colocou o frasco sobre a mesa, o pegou, tentando reparar naquelas coisas que ele havia dito. Concordava, mas não sabia exatamente o que tanto tinha. Precisavam ser mais específicos do que aquilo. - Acho que falar sobre o que sente ao sentir o cheiro pode ser mais fácil do que falar o que tem dentro disso ai. - Evitou ficar cheirando aquele perfume antes que lhe desse alguma reação alérgica, o devolvendo a mesa. - E por que seria azarado? - Pendeu a cabeça para o lado e o encarou, mesmo que devesse focar na folha e na caneta à sua frente. - Tive alguns também... Mas hoje, você que está sendo a cobaia. E acho que também sou azarada, meus encontros foram... Estranhos, até agora. - Os sentimentos conflituosos então, eram ainda mais esquisitos.
#𝐅𝐈𝐋𝐋𝐄𝐃 𝐔𝐍𝐃𝐄𝐑 ➽ threads.#with: aylin yilmaz.#chapter: aylin 001.#with: a filha do pastor.#chapter: a feira dos sentidos.
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[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
O quarto oscilava entre sombras densas e fachos de luz branca, como se o próprio tempo estivesse suspenso ali dentro. Em meio à febre e à confusão, Nicholas sentia uma pressão invisível sobre o peito — constante, sufocante. O som do monitor cardíaco, insistente e ritmado, lhe parecia distante, abafado, como vindo do fundo de um lago. Piscava devagar, tentando agarrar os poucos fios de realidade que escorriam pelos dedos. Às vezes, via sua mãe. Ou como achava que era sua mãe. Sabia que não era possível — ele não tinha lembranças dela, e ela não deveria nem lembrar da sua existência — mas, mesmo assim, ali estava ela. Os lábios dela se moviam, murmurando algo que ele mal conseguia entender. Quando tentou levantar a mão para tocá-la, o braço permaneceu inerte, colado à cama como se pesasse toneladas. A imagem se desfez, e o vazio voltou.
A dor era persistente, um incômodo surdo, mesmo com os sedativos. A lucidez vinha em lampejos curtos, intervalos entre sonhos e delírios. E, nesses momentos, Lara estava lá. Sempre estava. Ele sabia, mesmo sem ver. O olhar dela — preocupado, vigilante — era difícil de suportar. Não por ela, mas por ele. Pela culpa que fervia junto à febre, por não querer ser a fonte daquela preocupação silenciosa. Também tinham os médicos. Eles estavam lá, andando de um lado para o outro, calibrando suas máquinas e colocando mais medicações. Aqueles eram momentos de lucidez — sabia porque seus delírios não seria sobre médicos. Em algum ponto, seu pai também apareceu, entre um médico e outro, como se fizesse parte do cenário. Mas Nicholas sabia que não podia ser. Ele também não estava mais presente na sua vida.
A realidade vinha em fragmentos quebrados. Alguém falava sobre a saturação que seguia baixa demais, outro alguém pedia repouso. E então, sempre, Olivia. Persistente como um eco, ela voltava — às vezes rindo, às vezes só observando. Em um instante, estavam de novo na adolescência, antes da viagem que a afastou dele e de Lara. Mas ela fugia sempre. Ele nunca foi de pedir nada a ninguém, mas no limiar entre sonho e inconsciência, a palavra escapou sem filtro: “Fica.” E porque era sonho, ou delírio, ele se permitiu. Não precisava ter raiva naquele estado. Os dedos se fecharam devagar em torno da mão que segurava a sua, ainda que fracos demais para manter o toque. Talvez ela nem tivesse notado. Nada daquilo fosse real. Mas ele queria que fosse. Queria que ela ficasse. Só ali, naquele espaço fora do tempo, ele podia admitir isso.
Depois, em outra madrugada que se confundia com as anteriores, abriu os olhos e ela estava lá de novo. Mas algo estava errado. Olivia não era mais uma adolescente. O rosto dela... machucado, cortado de um jeito que não fazia sentido. Ele quis perguntar, mas duvidava da própria voz. Observou quando ela afastou uma mecha de cabelo do rosto dele, e seu rosto tombou instintivamente ao encontro do toque. Um gesto involuntário. Um quase suspiro. Ainda sem entender por que sua mente teria pintado aquela imagem dela ferida. Ele nunca desejaria isso. Nunca. Não de verdade
Nicholas piscou devagar, as pálpebras pesadas demais, como se cada piscada fosse um esforço. A fronteira entre sonho e realidade ainda estava borrada. A voz de Olivia parecia vir de dois lugares ao mesmo tempo — distante, como se falasse através da água, e próxima demais, como se tivesse se infiltrado no delírio que o prendia. Seu corpo estava quente, pesado, encharcado por uma letargia febril. Por um instante, teve certeza de que ainda estava sonhando. Seus dedos se moveram por reflexo, buscando os dela — e quando os encontrou, segurou sem pensar. O toque era real. Quente contra sua pele fria. E foi essa diferença que o fez vacilar. Sonhos não tinham temperatura. Demorou a reagir. Os olhos, ainda embaçados, se esforçavam para focá-la, como se precisasse confirmar que ela era mesmo Olivia — e não mais uma figura espectral projetada por sua mente. "Você ainda tá aqui…" murmurou, mais constatação sonolenta do que pergunta. A voz saiu rouca, arrastada, como se cada palavra custasse a atravessar a garganta.
Franziu o cenho, piscou de novo, tentando se manter acordado. "Achei que você já tivesse ido…" A frase morreu pela metade, como se seu inconsciente se recusasse a terminá-la. "Você tá sempre indo…" completou, por fim, com um toque de mágoa quase infantil, escondido sob camadas de cansaço. E por mais que quisesse fugir daquilo, fechar os olhos e escapar da dor, ele não podia. Aquele era seu sonho. E, se fosse mesmo um sonho, então Olivia não iria embora dessa vez.
O quarto era todo branco — branco demais, frio demais, com aquele cheiro metálico de hospital que grudava no fundo da garganta. A claridade que feria filtrava pelas persianas e pintava sombras estranhas no teto. Nicholas piscava devagar, os olhos pesados como se cada pálpebra estivesse feita de pedra. O mundo ao redor parecia distante, desfocado, mas alguma coisa era diferente naquela manhã. Tinha algo... ou alguém ali. A febre ainda o mantinha meio preso, oscilando entre delírios e lampejos de consciência. Às vezes ele achava que estava no passado — no jardim de alguma casa que não lembrava, ou correndo pelos corredores do orfanato. Outras vezes, acordava num pesadelo onde os rostos das pessoas que conhecia se misturavam com os de fantasmas que ele preferia esquecer. Mas agora, naquele instante, havia calor. Não dele — ele próprio estava gelado por dentro, febril por fora —, mas outro tipo de calor. Quente, próximo. Familiar. A respiração se aprofundou levemente. Não era uma melhora. Era reação.
Ele tentou mover a mão. Não conseguiu. Mas sentiu algo ali, perto. Um toque? Um sussurro de movimento? Era impossível saber. O corpo parecia flutuar em alguma densidade pesada, como se estivesse submerso. Ainda assim, a presença se infiltrava pelos sentidos entorpecidos — e com ela, veio um nome. "Liv?" A voz saiu como um fio de som, rouca, quase inexistente, mas carregada de algo bruto e antigo. Saudade, talvez. Ou arrependimento. Os olhos abriram por um segundo. Havia alguém mesmo ali ou era só a febre brincando com ele? O rosto borrado diante dele parecia tão certo quanto impossível. Ela não deveria estar ali. E ainda assim... "Você ainda tá aqui…" Era mais pensamento do que fala. Palavras soltas, engolidas pela própria incerteza. Ele tentou fixar o olhar, mas falhou. Os cílios pesaram de novo. "Não chama ninguém… só fica." A última frase se desfez no ar, carregada de algo mais profundo que a dor. Um pedido que jamais teria sido feito em voz alta, se ele estivesse plenamente desperto. Mas ali, entre os lençóis sufocantes e os ecos da própria mente, era a única verdade que conseguia sustentar. "Eu sinto sua falta quando você não está aqui."
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for @nicholasaldridge
[ PRIMEIRA SEMANA DE FEVEREIRO 2025 ]
O hospital possuía um cheiro característico, uma mistura de antisséptico e algo indescritível que a fazia se sentir ainda mais fora de lugar. Olivia despertou na poltrona da sala de observação, o corpo dolorido, protestando a cada movimento. O desconforto, no entanto, era insignificante comparado à inquietação que a consumia. Precisava sair dali, encontrar algo para comer e, acima de tudo, notícias de Babette. Ao chegar à recepção, a resposta da atendente foi curta, mas suficiente para provocar um aperto em seu peito: Babette ainda estava na cirurgia. Um alívio hesitante se misturou à ansiedade, e Olivia assentiu, preparando-se para esperar. Ela havia prometido estar ali quando ela acordasse, afinal. No entanto, antes que pudesse decidir seu próximo passo, ouviu fragmentos de uma conversa ao lado.
"Vou levar isso para o quarto do senhor Aldridge." murmurou uma enfermeira. O nome caiu sobre Olivia como um raio. Ela se arrepiou inteira, o coração perdeu um compasso. — Aldridge? — Sua voz saiu trêmula, mal reconhecível. Um sobrenome incomum na Itália. — O paciente se chama Nicholas Aldridge? — A enfermeira parou por um instante antes de assentir. Foi o suficiente para a garganta de Olivia se fechar, os pulmões recusando-se a funcionar corretamente. — O... O que aconteceu? — A pergunta saiu antes que pudesse pensar. "Parece que ele foi escalar um monte com uma amiga. O lugar era cheio de gelo, houve um derretimento e... uma queda quase o matou." A enfermeira continuou a falar, mas Olivia não ouviu mais nada.
O mundo ao seu redor pareceu encolher. O estômago revirou como se tivesse recebido um soco. A falta de ar apertou sua garganta, um choro engasgado querendo escapar. Doze anos. Havia doze anos que alimentava um ódio fervente por Nicholas Aldridge, que se recusava a sequer pensar nele sem sentir o gosto amargo da mágoa. Então, por que agora era como se o chão tivesse desaparecido sob seus pés? Como se a ideia de perdê-lo fosse algo insuportável? Ela já não o tinha há mais de uma década, que diferença faria se estivesse vivo? Era o que o seu racional queria pensar, mas o coração dizia diferente. O seu coração, que há poucas semanas quase se encheu de esperança com um beijo ardente no meio dos provadores, de que os dois poderiam retomar o que já tiveram um dia. — Onde ele está? Qual o número do quarto? — ela se agitou ao perguntar, quase desesperada. "Sinto muito, mas não podemos divulgar essa informação." A enfermeira foi firme antes de se afastar, deixando Olivia para trás, ofegante e desamparada. Se estivessem em Khadel, o problema seria fácil de solucionar. Todos lá a conheciam, muitos faziam tudo o que ela quisesse, jamais a negariam essa informação. Ela teria se perdido naquele mar de angústia se não fosse pela recepcionista, que, talvez por pena em ver o olhar vazio da garota, sussurrou o número do quarto. Sem pensar, Olivia agradeceu e seguiu em disparada.
Quando entrou, o impacto foi imediato. O peito subiu e desceu de forma descompassada ao vê-lo. Nicholas estava ali, imóvel, envolto em ataduras e ferimentos. O rosto, outrora tão familiar, parecia mais pálido do que deveria. Seu corpo repousava sobre a cama hospitalar, tão machucado que Olivia teve que cobrir a boca com as mãos para conter um soluço. Ela se manteve distante, incapaz de se aproximar, como se temesse que qualquer movimento pudesse quebrar algo já tão irreparável. Seu olhar marejado captou cada detalhe, cada respiração lenta e forçada. Então, a voz de uma enfermeira rompeu o silêncio. "A saturação dele ainda está baixa." Olivia estremeceu. Aproximou-se por instinto, os pés movendo-se sem que sua mente acompanhasse. — O que isso significa? — Sua voz falhou, com medo da resposta. — Saturação baixa significa o quê? — A enfermeira lançou-lhe um olhar avaliador antes de explicar: a saturação de oxigênio estava abaixo do ideal, o que podia ser perigoso caso não estabilizasse. Olivia ouviu cada palavra como se elas pesassem toneladas, mas não se afastou.
Ainda sob o efeito da apreensão, estendeu a mão e tocou a dele. O contato arrancou-lhe um arrepio. Nicholas estava quente, febril. Seu peito subiu em um ritmo vacilante, e o coração de Olivia acompanhou a incerteza daquele movimento. Ela não percebeu que ele despertava, nem imaginava que a linha entre o delírio e a realidade se desfazia para ele. Só sentiu a urgência do momento, o medo sufocante de que aquilo fosse um adeus. "Senhorita, é melhor se retirar." alertou a enfermeira. Os olhos de Olivia não desgrudaram da figura de Nicholas. — Me dá um minuto, por favor. Eu já vou. — A voz embargada, mal contida. A mão alcançou o rosto dele, num carinho sutil, mas sincero. O rosto tão bonito, tão frágil. Tirou a mão contra a sua vontade, prestes a seguir o que a enfermeira disse e se retirar do quarto. Mas então, antes que pudesse pensar, ouviu uma única palavra. "Fica." Seu coração parou. Olivia arregalou os olhos. O desejo de sorrir lutou contra as lágrimas. Por um segundo, tudo desapareceu — os anos de raiva, as feridas não cicatrizadas, o orgulho teimoso. Tudo cedeu àquele pedido. Uma única palavra lhe dava um vislumbre de tudo o que Nicholas já representou para ela: aquele nerd emburrado que parecia estar de mal com o mundo todo, mas sempre a recebia de braços abertos quando ela corria chorando até o orfanato para pedir abrigo em seus braços. Aquele que assistia os filmes favoritos dela mesmo detestando. Era esse Nicholas pedindo que ela ficasse. E ela atenderia ao pedido. Silenciosamente, ela assentiu. Olhou para a enfermeira, que hesitou, mas não impediu. E então, sentiu quando a mão de Nicholas apertou a sua, mesmo que com fragilidade, antes que ele voltasse ao sono. Olivia permaneceu ali, permitindo-se um instante de fraqueza, sem saber se ele poderia ouvi-la, e sussurrou: — Fica bem, por favor. Nós precisamos conversar.
As horas seguintes foram um borrão. Olivia saiu do quarto e comeu alguma coisa, mas recusou-se a ir para casa. Além da promessa para Babette de que estaria ali quando ela acordasse, agora tinha Nicholas que também havia pedido que ela ficasse, mesmo que durante um episódio de delírio pela febre. A garota recebeu notícias de Babette: a cirurgia fora um sucesso. Alugou um quarto num hostel próximo ao hospital — voltar para Khadel demoraria muito — tomou um banho, trocou por uma roupa que comprou numa loja ao lado, e dormiu pelos próximos dias. Visitou Nicholas todos os dias, esperando que ele acordasse. Olivia Boscarino dormindo num quarto minúsculo de um hostel qualquer, usando roupas que não eram de marca, preocupada com o estado de saúde de Nicholas... tudo estava de cabeça para baixo mesmo.
Ele ainda dormia quando ela entrou, a respiração mais estável. Olivia hesitou antes de se sentar na beirada da cama. Não deveria estar ali, sabia disso, mas a lógica já não importava. Seu olhar deslizou até as mãos dele com pequenos cortes visíveis. Com delicadeza, traçou o contorno dos curativos com os dedos, quase como se pudesse curá-lo com o toque. Então, sem pensar, subiu para seu rosto, afastando uma mecha de cabelo desalinhada. Foi um gesto simples, mas ele reagiu. Olivia sentiu o coração fraquejar. Os dois sempre foram carinhosos um com o outro, toque físico a linguagem do amor em comum — por mais que a tal maldição dissesse que eles não podiam sentir aquilo. Mas era estranho tocá-lo agora, depois de tanto tempo, e ela teve medo de que ele a afastasse dessa vez. Então, como se quisesse evitar ouvir alguma grosseria ou até aborrecê-lo num momento delicado, ela afastou a mão e se levantou, mas não foi embora. — Ei... você está bem? Está desperto? Consegue falar? Quer que chame a enfermeira?
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[ O DESPERTAR DA MALDIÇÃO | AGOSTO DE 2025 ]
Quando cruzou o portão, o olhar já percorria os arredores com atenção, mão firme no telefone, pronto pra acionar a polícia, mesmo que eles não fossem ter resposta. Acionaria a polícia da cidade vizinha se fosse necessário. Entrou com o código de acesso que só usava em último caso, mas não hesitou — não quando Helena soava daquele jeito ao telefone. A frieza habitual desapareceu na mesma hora em que encontrou a luz da sala acesa e nenhuma resposta imediata. "Lena?" chamou, firme, mas sem levantar a voz. Quando ela não respondeu de imedieto, ele pensou onde ela poderia estar que ele não a ouviria, e a encontrou dentro da sala de pânico, trêmula. Digitou a sequência sem titubear e, ao vê-la encolhida, o rosto manchado de choro e os olhos arregalados, apenas ajoelhou no chão ao lado dela. Não tentou tocá-la, nem invadiu o espaço. Só ficou ali, como presença sólida e confiável, até ela olhar de volta e lembrar que estava segura. "Já foi. Não entrou. Você tá segura," disse, baixo, mas firme. Ele havia checado as câmeras ainda no caminho, já sabia que o homem fugira quando o alarme disparou, mas não disse isso de cara — deixou para depois, com os ombros ainda entre a tensão e o controle. "Amanhã vou revisar cada centímetro desse sistema com você. Nada disso vai acontecer de novo." Foi direto, prático, como sempre, mas o olhar dizia mais.
o despertar da maldição, com : @nicholasaldridge, na casa da Helena.
Por mais que as coisas estivessem ruim em toda a cidade, eram alguns empurrões, alguns boatos, alguns olhares... Helena não acreditava que as coisas escalariam daquela forma. Seu sistema de alarme já tinha disparado algumas vezes desde o começo do mês, era gente tentando jogar coisa em seu terreno, pichando seu muro, mas quando um rapaz tentando invadir sua casa a mulher começou a chorar apertando o botão do seu celular freneticamente para que qualquer um que pudesse correr para lá. Não sabia se iria conseguir falar com ele, não sabia se as cercas iriam ser o suficiente para parar o invasões, não sabia nem se ele estava realmente invadir, mas a mente traumatizada da Sorrentino só conseguia lembrar da vez em que seu stalker tinha invadido sua privacidade e a encurralado. Por sorte tinha sido Nicholas que lhe atendeu e que nas primeiras duas palavras ele já tinha entendido a gravidade da situação, porque Helena estava tremendo encolhida na sua sala do pânico. A sua sorte era que ele era o responsável por tudo ali, então nada mais justo que tivesse algumas senhas de acesso e conseguisse entrar na casa se necessário.
@khdpontos
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[ PRIMEIRA SEMANA DE JANEIRO DE 2025 ]
Nicholas continuou secando um copo com o pano, mais por hábito do que necessidade, enquanto ouvia Dante com atenção fingidamente displicente — mas os olhos atentos desmentiam qualquer descaso. “Se é pra medir o caos pela Babette, então essa cidade tá mesmo em seus últimos dias de paz." A verdade é que ele também vinha percebendo os rumores sobre a tal quebra da maldição — e não sabia o que pensar disso. Já tinha se acostumado demais com a ideia de que ninguém em Khadel se apaixonava de verdade. Era quase confortável, previsível. Saber que talvez estivessem todos presos… e que agora alguns estavam escapando… era incômodo de um jeito que ele não queria entender. “E sobre compor com febre, ou pra ex, ou por desespero existencial… cada artista com seu inferno particular,” comentou, arrumando as garrafas na prateleira atrás do balcão. “Pessoal transforma dor em arte, ou pelo menos em streaming.” Seu olhar encontrou o de Dante, arqueando uma sobrancelha. “Mas você não tá fazendo isso, né? Escrevendo música pra alguém voltar?” perguntou, com aquele meio sorriso que misturava provocação com uma pitada de preocupação genuína que só saía com gente que ele respeitava. “Porque se começar a tocar música piegas, eu não vou sabotar só a mesa de som, vou sabotar sua reputação. E ainda deixo registrado no sistema do bar: ‘proibido pedidos cafonas’.”
ANTES DAS REVELAÇÕES DE JANEIRO
“Eu aceito a desculpa que me oferecerem.” deu de ombros, sorrindo com certo divertimento. “Uma cidade com muitas atividades, muito movimento… Não à toa que foi aquela Babette chegar que a cidade entrou em polvorosa.” o assunto da maldição de Khadel parecia ter retornado com tudo pela chegada da chamada garota problema, e os aparentes relatos de que alguns casais estavam podendo se apaixonar pela primeira vez. Dante ainda estava incerto se acreditava nisso ou não. Principalmente, se descobrisse que isso estava acontecendo de verdade, que a maldição de Rose poderia ser real, mas que ele simplesmente era azarado o suficiente de só continuar sendo atingido, sem alterações. “Ah, até aí eu também. Já conheci um cara que jurou de pés juntos que só conseguia compor quando ‘tava com febre, me deixou até meio preocupado. E outro que ficava escrevendo pra ver se a ex dele ia ouvir e querer voltar com ele.” nem precisava dizer que não havia dado certo. Deu uma risada com o comentário dele, negando com a cabeça de imediato. “Cara, na boa, eu saboto a mesa de som pra não ter que cantar isso daí. A não ser que você queira processar o gerente por ambiente de trabalho com poluição sonora, aí tá valendo.”
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[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Nicholas demorou dois segundos a mais para abrir os olhos. Ainda estava com o peito subindo e descendo num ritmo irregular, os sentidos confusos como se o mundo tivesse virado do avesso com aquele beijo. A voz da atendente soou como um balde de água fria — e ainda assim não foi suficiente para fazê-lo recuar imediatamente. Ele manteve uma das mãos no quadril dela por mais tempo do que deveria, os dedos ainda presos à memória do toque, como se não quisessem soltar. Mas o toque queimava, como quem sabia que tinha que se separar. Quando finalmente deu um passo para trás, foi devagar, como quem estava sendo arrancado de um sonho e jogado de volta para a realidade — aquela realidade onde ele e Olivia não eram um casal, não eram nada, e jamais deveriam ter sido algo. Onde ele lembrava que eles se odiavam.
O comentário da vendedora caiu como uma bigorna em sua cabeça. Nicholas franziu a testa, o maxilar contraído, mas não disse nada de imediato. Olivia falou. Observou Olivia falar antes, se afastar com aquele riso sem graça e uma resposta que parecia querer reforçar uma barreira que eles tinham acabado de arrebentar juntos. "Absolutamente nada a ver." Claro. Uma parte dele até esperava por isso. Outra parte — aquela que a beijou como se a vida dependesse disso — ficou imóvel, sentindo o gosto amargo das palavras dela mais do que o gosto do beijo que ainda queimava nos lábios. Ele soltou um riso nasal, seco, quase inaudível. Passou uma das mãos pelo cabelo, tentando reorganizar a bagunça interna, mas o estrago já estava feito. Não por causa da vendedora, nem do mal-entendido. Mas porque, por um momento, Nicholas tinha acreditado que talvez... não fosse tão absurdo assim. "Pode imaginar uma Boscarino com o barman do The loft?" Ele zombou, tentando não soar tão irritado quanto realmente se sentia. Ou pior, ferido. Ele olhou para a atendente com um arquejo de ironia nos lábios, mas o olhar estava distante. "A gente só combinou na falta de noção, aparentemente." respondeu, num tom seco, quase automático. Era mais fácil fingir indiferença do que admitir qualquer coisa enquanto o coração ainda disparava.
Depois, voltou os olhos para Olivia, apenas por um segundo. Ela tinha feito um ótimo trabalho reerguendo uma barreira que por um segundo ele achava que tinham quebrado e, agora, até mesmo doía olhar para ela. "Boa sorte com o seu verdadeiro par, Fuentes, não que você precise de mais que alguém que fique perfeito na foto do Instagram," disse, agora mais baixo, com um tom difícil de decifrar. Passou por ela no corredor apertado, roçando sem querer o ombro no dela. Não se virou. Só deixou para trás o gosto de um beijo que não deveria ter acontecido. E a certeza incômoda de que nada entre eles estava realmente resolvido.
the end.
@khdpontos
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[ PRIMEIRA SEMANA DE JANEIRO DE 2025 ]
Nicholas soltou um suspiro dramático, como se estivesse mesmo prestes a escrever um manifesto sobre o uso indevido de senhas compartilhadas. "Cinquenta por cento? Você tem noção que isso é uma chantagem emocional disfarçada de amizade, né?" retrucou, mesmo que soubesse que ela tinha, sim, direito adquirido — não só pela conta da Netflix, mas por ser quem ela sempre foi pra ele. "Se algum dia a plataforma bloquear o perfil da Netinha, você que vai ter que explicar pra ela por que a gente não tá vendo mais as temporadas novas de ‘You’." O sorriso veio fácil, como sempre vinha com ela, mesmo quando estava cansado demais para sorrir. "E para sua informação, o meu algoritmo é sofisticado. Só porque o seu recomenda filmes feministas com assassinas vingativas não significa que o meu tá quebrado." Enquanto caminhavam para a fila, ele olhou de canto pra ela e deu um riso contido com o comentário do balde personalizado. "Vai sonhando, Kaplan," rebateu, clicando a língua no céu da boca. "Combo com refri grande só se você admitir publicamente que a última escolha de filme sua foi uma tragédia." Ele a empurrou de volta com o ombro, numa devolutiva silenciosa ao tapa anterior. A naturalidade com que implicavam um com o outro era tão automática quanto respirar. Era o tipo de amizade que sobrevivia até ao pior dos dias — e Nicholas tinha vários deles. “Eu tenho orgulho da minha personalidade insuportável. Ela me mantém afastado de pessoas insuportáveis,” como Olivia Boscarino, mas ele não precisava dizer aquilo em voz alta. Ele ergueu uma sobrancelha. “Aliás, você deveria agradecer. Se não fosse minha cara emburrada e meu humor de cemitério, você teria virado minha princesa há anos.” Fez uma pausa, o sorriso sacana no rosto. “E todo mundo sabe que você só gosta de homem feio, mal humorado e potencialmente emocionalmente indisponível. No fundo, você sempre foi uma fã dos Nicholas Aldridge da vida.”
ANTES DAS REVELAÇÕES DE JANEIRO
“Eu tenho, no mínimo, 50% da custódia da sua conta só pelo apoio moral que eu te dou todos os dias, Nicholas. Esse é o pagamento que você me deve. A Netinha é tão sua quanto minha.” deu de ombros, perfeitamente contente com o compartilhamento de senhas entre os dois, e que acabava com a economia de alguns euros que não fariam diferença em sua conta bancária, mas certamente fariam em seu orgulho. “Além de quê, o meu algoritmo é muito melhor que o seu. Não faço as regras.” ao se conhecer uma pessoa desde os oito anos de idade, era extremamente natural já estar com a implicância intrínseca em sua relação. “E as palavras de sabedoria tão onde, que eu até hoje não ouvi?” devolveu, abrindo um sorrisinho irônico. Não existia nada mais divertido no mundo que esculachar alguém que retornaria na mesma medida, e continuaria falando em total normalidade mesmo que se tratassem dessa forma. A reverência do outro ocasionou um revirar de olhos de Lara, que deu um tapa no antebraço dele. “Então se prepara, revolucionário, vou querer o combo com refrigerante grande. Só dispenso o balde personalizado porque me deixou orgulhosa de ver finalmente um homem contribuindo de forma relevante pro fim do patriarcado.” piscou para ele, sorrindo em divertimento enquanto continuavam a sua caminhada até a fila. O filme que veriam era um dos precursores do gênero slasher, junto de Halloween, e Lara tinha um apreço enorme por ele pelos temas tão a frente de seu tempo. “Aí já estamos chovendo no molhado, mas até gostei de ver que não seguiu o caminho mais fácil e culpou a Rose pela sua personalidade.” teve de rir, o empurrando de leve. Se outros em Khadel fizessem isso… “E quem aguenta gente que fica sorrindo o tempo inteiro? É coisa de psicopata, cara! Prefiro jogar ele da torre que aguentar alguém querendo me chamar de minha princesa.”
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[ FEIRA DOS SENTIMENTOS | MAIO DE 2025 ]
"Ah, não. Na próxima rodada é a sua vez, Devereaux," retrucou com um sorriso enviesado, daqueles que soavam como desafio. Havia algo mais ali, uma nota silenciosa de que ele estava, de algum jeito, prestando atenção nela — mais do que admitiria. Scarlet sempre foi uma pessoa que ele manteve longe de si. Ele tinha ouvido Olivia chorar um dia e descoberto sobre o bullying de Scarlet, mas Nicholas não era do tipo que lutava com punhos, ainda mais uma garota. Tentou por dias hackear o email dela, mas por fim só assinou ela para diversas listas de spam e sites indevidos. Depois que ele e Olivia tiveram seus próprios problemas, ele se manteve longe dela, sem se importar muito com o que ela fazia com seu tempo. Naquele momento, ele se pegou pensando se tinha tomado a melhor decisão.
Quando ela comentou sobre o destino, Nicholas soltou uma risada baixa. "Não sabia que Scarlet Devereaux se importava com o que o destino quer," repetiu, como quem cutuca só para ver a reação. "Eu acho que é natural ter uma preferência," continuou, dando de ombros como quem quer parecer despreocupado, mesmo que o olhar estivesse mais atento do que antes. "Por exemplo, eu não ia dar certo como alma gêmea do Matteo." Fez uma pausa, só para o efeito cômico. "Já pensou? O nerd e o bodybuilder? Parece um filme de comédia romântica sem graça. Eu já posso ver a trilha sonora ruim tocando no fundo." Sorriu de lado. "Mas você tem razão. Fechar uma porta antes de ver o que tem atrás dela talvez seja burrice. Ou instinto de sobrevivência. Nunca sei." Ao toque dela no seu ombro, Nicholas instintivamente baixou o olhar, mesmo que não pudesse ver o que ela lhe oferecia. Hesitou por um instante, antes de abrir a boca e morder o que fosse. "Mas eu ainda prefiro ser o cara que escolhe… do que o cara que espera ser escolhido." Foi a primeira coisa que disse sem sarcasmo — simples, crua, como um pensamento que escapou sem filtro.
Pendeu a cabeça para o lado, até podia-se ver um riso se formando em seus lábios, mesmo que estivesse se segurando para tal não escapar. - Touché. - Encarou o rosto com um pouco mais de atenção, pela primeira vez, porque nunca tinha reparado de fato em Nicholas. - Irei tentar não lhe matar na próxima, serei mais delicada. - Podia fazer isso, mesmo que parecesse estranho ter aquele nível de contato com alguém. Sequer faria isso para pessoas próximas, quem dirá para alguém que mal conversava e não tinha uma opinião totalmente formada sobre. Olhou para a mesa assim que ele colocou a venda novamente, escolhendo com atenção as coisas sobre essa. - Então somos dois, acho que eu não aceitaria estar na sua posição agora. - A quantidade de pessoas que gostariam de a envenenar era um tanto grande, poderia até fazer uma lista, além de confiança nunca ter sido muito o seu forte.
Demorou um pouco para responder a pergunta, e por fim, pegou uma colherada de um bolo. Pelo visto, estava boazinha ao ponto de ainda não escolher nada que o pudesse deixar arrependido. - Na verdade... Eu quero só ver onde isso vai dar. Até porque se não fluir com a pessoa, não tem muito o que fazer. O destino já escolheu alguém para nós de qualquer maneira. - Mas ao menos, se permitiria tentar dependendo de quem fosse. Tinham algumas opções que para si, além de não fazerem sentido, preferia se recusar, mas outras não eram tão ruins a ponto de negar. - Acho. E imagino que já ter uma preferência possa ser decepcionante... - Virou-se para ele, se aproximando e deixando um leve toque sobre o ombro do rapaz, como se aquilo fosse a pergunta se ele aceitaria ou não o que tinha em mãos. - Se você já escolheu alguém, então está se fechando as outras possibilidades... E se sua alma gêmea não for quem você quer, vai ser muito mais difícil de criar algum vínculo.
#𝐅𝐈𝐋𝐋𝐄𝐃 𝐔𝐍𝐃𝐄𝐑 ➽ threads.#with: scarlet devereaux.#chapter: scarlet 001.#with: a menina malvada.#chapter: a feira dos sentidos.
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[ O DESPERTAR DA MALDIÇÃO | AGOSTO DE 2025 ]
A cidade estava louca. Nicholas sempre teve pouca tolerância para besteira. Desde que a história dos reencarnados havia começado, ele achava idiota o quanto a cidade parecia idolatrar um grupo que não tinha nada em comum além de — supostamente — uma maldição secular. E, se ele achou que não tinha como piorar antes, com as coisas viradas ao avesso, não pareciam que elas iriam melhorar em nenhum momento em breve. Ao contrário de tentar lutar contra tudo e todos, Nick decidiu apenas... existir. Trancado em sua casa, fazendo exatamente o que queriam dele, sem entrar em contato com ninguém. Havia sido demitido do The Loft porque as pessoas não queriam frequentar se ele estivesse lá. O dono tinha sido até bastante educado, levando em consideração tudo que estava acontecendo. Talvez ainda não tivesse completamente sugado pelo restante dos moradores. E, além disso, as coisas estavam ficando agressivas demais e Nicholas não queria que ninguém se machucasse por sua culpa como o que tinha acontecido com Lara na primeira missão. "—precisa desse barulho todo para entrar aqui?" Perguntou rabugento, sem esperar a companhia. "Você tá bem?" Era a única coisa que o preocupava com aquela idiotice que ela havia feito. Ela não deveria ter se arriscado para ir atrás dele. "Se tiver... Não adianta me chamar para tentar resolver esse problema. Eu já tava de saco cheio da cidade tratando como se a gente fosse alguma espécie de Deus. Agora eu não quero mais nada com eles," falou, se jogando no sofá e cruzando or braços sob o peito e as pernas na sob a mesa de centro.
𝙽𝚊 𝚌𝚊𝚜𝚊 𝚍𝚎 𝙽𝚒𝚌𝚔. @nicholasaldridge @khdpontos

Todo o alvoroço na cidade já começava a irritar. Se antes a tratavam como uma princesa por ser uma reencarnada, agora mais parecia que era um animal peçonhento. Para a má sorte de alguns, Babette não se importava em revidar. E o pior de tudo: estavam tentando a impedir de ver os outros. Não conseguia contato com ninguém, encontrou resistência quando tentou ir até a casa de Helena, Alek e Scarlet, não conseguia ligar para Matteo e Olivia... nada. Nenhum respondia o telefone. Cansou-se de ficar parada e sendo hostilizada, então pegou a moto e dirigiu até a casa de Nick, praguejando que passaria por cima de qualquer um que entrasse na sua frente. E foi só descer da moto, que um homem apareceu, praticamente das sombras, gritando que ela deveria ir embora. Babette o ignorou, caminhando até a porta, até sentir a mão calejada agarrar seu braço com força. Virou o capacete, o acertando no rosto, e aproveitou para correr até a porta. A abriu enquanto gritava por Nick, e trancou rapidamente. "Nicholas Aldridge, é melhor você estar em casa! Eu acabei de quebrar um nariz pra entrar aqui!"
#𝐅𝐈𝐋𝐋𝐄𝐃 𝐔𝐍𝐃𝐄𝐑 ➽ threads.#with: babette kramer.#chapter: babette 001.#with: a garota problema.#chapter: o despertar da maldição.#revoltadosmoradores
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[ PRIMEIRA SEMANA DE JANEIRO DE 2025 ]
Nicholas soltou um resmungo baixo com a menção aos ingleses, mas tinha o canto dos lábios curvados em um sorriso. "Ótimo, então podemos culpar o imperialismo pelo seu fígado decadente." O Dante que falava com ele agora parecia estar no eixo, mas Nicholas já conhecia o suficiente da figura pra saber que ele ficava filosófico demais sobre o próprio processo criativo. "Fiamma e The Loft. Que diversidade de opções noturnas." Revirou os olhos. Mas prestou atenção no que Dante disse sobre escrever — sobre expurgar. Aquilo ficou ecoando em silêncio por alguns segundos, até Nicholas assentir, quase imperceptivelmente. "Escrever pra se libertar," repetiu num tom mais baixo. "Já ouvi coisa pior." Fez uma pausa, arqueou a sobrancelha. "Mas você ousar tocar Radioactive aqui dentro, eu vou sabotar a mesa de som com as minhas próprias mãos." E deu um meio sorriso, daquele tipo que ficava escondido nos cantos do rosto, mas não chegava a suavizar o olhar.
Uma risada escapou com facilidade com os comentários de Nicholas, e Dante deu de ombros. “Talvez, mas vou culpar os meses convivendo com eles pra justificar meus hábitos.” riu, e deu um gole na cerveja. “Agora, convenhamos, não tem muito mais o que fazer nessa cidade de noite. Ou é aqui, ou a Fiamma.” gostava de arrumar formas de se distrair, e estava precisando com o susto que sua avó o havia dado. “É mais… Expurgar tudo o que tem em mim sobre alguma coisa, e aí colocar numa música pra me libertar disso.” um jeito mais poético de dizer que utilizava a música e a arte como a sua válvula de escape favorita da vida. “Mas eu não escrevo só sobre mim, tá bom? O mundo tem muito mais de interessante que só a minha vida amorosa.” nunca conseguiria escrever músicas sobre amor se baseando somente em suas experiências, quando nunca havia se apaixonado perdidamente por ninguém. Ou Dante não tinha encontrado a pessoa certa, ou a maldição era verdade; não era por falta de tentativa. “Acho que ainda tão na vibe do ano novo… E, não, no sábado. Talvez eu comece sextas ou domingos depois, só não quero me comprometer por enquanto.” não sabia por quanto tempo continuaria na cidade, nem como estaria com os ânimos. “Algum pedido de música? Só não vem com nenhum Imagine Dragons, juro que levanto e vou embora.”
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[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Nicholas demorou dois segundos a mais para abrir os olhos. Ainda estava com o peito subindo e descendo num ritmo irregular, os sentidos confusos como se o mundo tivesse virado do avesso com aquele beijo. A voz da atendente soou como um balde de água fria — e ainda assim não foi suficiente para fazê-lo recuar imediatamente. Ele manteve uma das mãos no quadril dela por mais tempo do que deveria, os dedos ainda presos à memória do toque, como se não quisessem soltar. Mas o toque queimava, como quem sabia que tinha que se separar. Quando finalmente deu um passo para trás, foi devagar, como quem estava sendo arrancado de um sonho e jogado de volta para a realidade — aquela realidade onde ele e Olivia não eram um casal, não eram nada, e jamais deveriam ter sido algo. Onde ele lembrava que eles se odiavam.
O comentário da vendedora caiu como uma bigorna em sua cabeça. Nicholas franziu a testa, o maxilar contraído, mas não disse nada de imediato. Olivia falou. Observou Olivia falar antes, se afastar com aquele riso sem graça e uma resposta que parecia querer reforçar uma barreira que eles tinham acabado de arrebentar juntos. "Absolutamente nada a ver." Claro. Uma parte dele até esperava por isso. Outra parte — aquela que a beijou como se a vida dependesse disso — ficou imóvel, sentindo o gosto amargo das palavras dela mais do que o gosto do beijo que ainda queimava nos lábios. Ele soltou um riso nasal, seco, quase inaudível. Passou uma das mãos pelo cabelo, tentando reorganizar a bagunça interna, mas o estrago já estava feito. Não por causa da vendedora, nem do mal-entendido. Mas porque, por um momento, Nicholas tinha acreditado que talvez... não fosse tão absurdo assim. "Pode imaginar uma Boscarino com o barman do The loft?" Ele zombou, tentando não soar tão irritado quanto realmente se sentia. Ou pior, ferido. Ele olhou para a atendente com um arquejo de ironia nos lábios, mas o olhar estava distante. "A gente só combinou na falta de noção, aparentemente." respondeu, num tom seco, quase automático. Era mais fácil fingir indiferença do que admitir qualquer coisa enquanto o coração ainda disparava.
Depois, voltou os olhos para Olivia, apenas por um segundo. Ela tinha feito um ótimo trabalho reerguendo uma barreira que por um segundo ele achava que tinham quebrado e, agora, até mesmo doía olhar para ela. "Boa sorte com o seu verdadeiro par, Fuentes, não que você precise de mais que alguém que fique perfeito na foto do Instagram," disse, agora mais baixo, com um tom difícil de decifrar. Passou por ela no corredor apertado, roçando sem querer o ombro no dela. Não se virou. Só deixou para trás o gosto de um beijo que não deveria ter acontecido. E a certeza incômoda de que nada entre eles estava realmente resolvido.
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[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Ela não teve tempo de pensar. O beijo veio como uma tempestade sem aviso, que ela se deixou afogar rapidamente. As mãos que antes estavam imóveis em seu peito agora agarravam a camisa dele com força, puxando como se quisesse rasgar o tempo e o silêncio que existiu entre os dois por anos. Beijava como quem exigia, como quem cobrava. Como quem queria devolver, com a língua, cada ano de ausência. Definitivamente, de todos os cenários que imaginou quando entrou naquela loja, quando decidiu se aproximar de falar com ele, aquele era o único em que ela jamais poderia imaginar. Nem em seus devaneios quando ficava tempo demais pensando em como queria ser desejada por ele. E, ali, finalmente tendo sua resposta, ela só conseguia pensar em como o sabor dele era ainda melhor do que imaginara. Sentia cada pelo do seu corpo se arrepiando, a espinha queimava com uma sensação gostosa. A raiva pulsava em sua boca junto com o desejo que se acumulava há anos e que, até então, ela fingia não sentir. Não havia controle, nem jogo, nem charme, só o instinto cru e feroz de alguém que passou tempo demais tentando negar o óbvio. O corpo dela respondeu sem hesitar. O quadril colado ao dele, a respiração entrecortada, as unhas marcando o pequeno pedaço exposto do peito dele como se quisesse deixá-lo lembrar. Era um beijo que doía. Havia um desespero, uma esperança torta, um grito abafado na forma como seus lábios buscavam os dele. Se aquilo fosse redenção, era uma que ardia. Se fosse vingança, era doce. Olivia beijava como quem queria machucar e curar ao mesmo tempo. E, mesmo sem saber o que viria depois, naquele instante, só conseguia pensar em uma coisa: finalmente.
O beijo foi interrompido por uma voz hesitante e educada, como quem pisa num terreno sagrado. — Liv, você precisa de ajud... — A atendente apareceu no corredor dos provadores, onde antes estavam sozinhos, percebendo que havia interrompido algo. Sorriu, sem jeito. — Desculpem interromper… é que vocês dois ficaram incríveis com essas peças. Podiam combinar as cores para ir ao encontro, ia ficar lindo! — Olivia piscou devagar, ainda ofegante, os lábios levemente inchados e as mãos ainda agarradas à camisa dele, quase como se fosse incapaz de se afastar, agora que estava tão perto. — Encontro? — Foi só o que conseguiu dizer, quando finalmente desviou o olhar dele para a vendedora, afastando-se um pouco, mas não completamente. — É, vocês são do grupo dos reencarnados. Todo mundo está falando sobre o encontro do Il Giardino. Vocês são uma das duplas, certo? — Olivia pareceu entender a confusão. Realmente, vê-la aos beijos naquela intensidade, no meio do provador de uma loja, faria qualquer um pensar que o par dela para o encontro era ele. Soltou uma risada breve, baixa, meio rouca. — Nós em um encontro? Absolutamente nada a ver. — O tom soou como desdém, mas pela primeira vez em anos, não era essa a sua intenção. Era só o pensamento insistente e doloroso de que ela e Nicholas jamais funcionariam como algo assim. Eles haviam se beijado com muita voracidade, mas ainda se odiavam. Ainda não estavam em bons termos. A vendedora era uma desinformada por não saber da briga entre eles — e seria difícil acreditar vendo aquele beijo. Nicholas e Olivia tinham muitas coisas engasgadas, muita mágoa cobrindo qualquer sentimento bom. E ninguém leva isso pra um jantar à luz de velas.
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[ PRIMEIRA SEMANA DE JANEIRO DE 2025 ]
Nicholas balançou a cabeça, com aquele sorriso enviesado de quem já aceitou o destino de ser explorado emocional e economicamente por Dilara desde os oito anos de idade. "Você tá literalmente invadindo a minha conta como um parasita digital e ainda quer sair como vítima da história," acusou ela. "Se a Netflix tivesse um setor antifraude, você já tava bloqueada no sistema." Ele cutucou o ombro dela de volta, revidando com a mesma precisão meticulosa de sempre. Não importava quantos anos se passassem, Dilara sempre saberia como provocá-lo, e ele, claro, sempre morderia a isca. "E outra, se for pra fazer marketing, eu já devia estar ganhando comissão com base em horas de terapia evitadas por causa das minhas palavras de sabedoria." O sarcasmo saiu automático, carregado de afeto não declarado — como todas as conversas deles. Era assim que funcionavam. Nicholas ergueu as sobrancelhas quando ela mencionou "a luta", e fez uma falsa reverência exagerada. "Se pagar a sua pipoca vai ajudar na destruição do patriarcado, então me passa logo a conta, que eu tô doido pra ver o mundo ruir." Seguiu atrás dela até a fila, os passos calmos, mãos nos bolsos, e a expressão carregada daquela neutralidade que só Dilara sabia decifrar. "Rose não mandou nada. Não preciso de maldição nenhuma pra ser um babaca. Já nasci com esse dom." Ele lançou um olhar de canto para ela. Deu um leve empurrão de ombro, cúmplice, "ah, para vai, nem príncipe você quer. Ia enjoar em três dias e jogar o cara pela janela do castelo porque ele 'sorri demais' ou porque ���usa blazer demais com camiseta branca’."
Durante os vinte e nove anos de sua vida, uma das maiores constâncias sempre havia sido Nicholas. O melhor amigo estava ao seu lado nos primeiros anos escolares, na rebeldia da adolescência, a mudança para Roma, e o distanciamento definitivo de um pai que somente a fazia mal. “Se tem alguém roubando alguém aqui, é a Netflix com você. Eu apenas justifico o seu gasto.” retrucou, tão certa de seu argumento quanto poderia. Poderiam chamá-la de pão dura, ou até de exagerada, mas Lara se recusava a pagar por um serviço que estava somente explorando o consumidor das maneiras mais estapafúrdias. Preferia muito mais criar um perfil na conta do melhor amigo e torcer que nunca a bloqueassem de utilizá-la. “Advogada hot shot? Tá fazendo meu marketing pessoal, é? Não venha começar a me cobrar salário, não assinei nenhum contrato de prestação de serviços.” apontou para Nicholas com o indicador, o cutucando em sequência, na altura do ombro. A troca de implicâncias era clássica de uma amizade de uma vida toda, e nunca deixaria de achar graça nisso. “É, talvez. Você tem o cavalheirismo de uma pedra, sem ofensas. Ainda não desculpei ter me deixado carregando sozinha os meus livros enquanto tinha dois braços perfeitamente livres.” tudo bem, se ele tivesse oferecido, na hora teria afirmado que conseguia se virar sozinha. Mas era hipócrita quando lhe convinha. E, naquele dia, deveria ter pedido de uma vez, ao invés de passar trabalho com seus seis livros novos que havia arrumado na livraria local. Revirou os olhos com o argumento seguinte, e ergueu o dedo do meio. “Mas os homens tem muito o que reparar nas suas atitudes, e você pagar a minha conta é a sua forma de contribuir com a minha luta.” voltou a andar, na direção da fila da pipoca. “Aposto que você só é chato assim porque a Rose mandou. Sem a maldição, seria o nosso príncipe encantado.”
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[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Ela mordeu o lábio e Nicholas sentiu o impacto como um soco invisível. Aquilo não era mais um jogo, embora tudo nela ainda parecesse cuidadosamente coreografado. Ele a encurralara contra a parede sem pensar — o corpo agindo antes que a mente pudesse barrar a impulsividade. Agora, diante dela, sentia a proximidade como uma maldição elétrica: o perfume dela, a pele quente, os olhos brilhando com uma mistura de desafio e expectativa. Linda, sim — claro que era. Sempre foi. Mas agora, ela era linda como uma armadilha bem montada e feita perfeitamente para ele, e ele estava cansado de ser o homem racional que vira as costas para tudo que desejava. Doze anos, e o sangue dele ainda fervia com a mesma intensidade do dia em que ela foi embora. A Olivia que ele conhecia tinha partido — mas aquela diante dele agora era uma colisão perfeita entre a memória e o desejo, e algo que nem ele sabia nomear. E talvez, por mais que ele tivesse tentado se iludir que Olivia não tinha nenhum impacto sob ele, nunca deixou de ser alguém esperando essa colisão acontecer.
Quando ela disse que ele a olhava como se fosse um pecado, ele quase riu. Não porque não fosse verdade — mas porque não havia pecado maior do que desejar justamente aquilo que o feriu. Nicholas estava cansado de fingir que não doía. Que não sentia. Que a mágoa não se misturava com o impulso de tocá-la. Talvez Olivia nunca tivesse percebido o quanto ele a desejou, o quanto doeu a ausência dela em cada esquina da cidade onde cresceu. Onde cresceram. Juntos, e separados. O quanto se sentiu substituível, esquecido, apagado. Mas ali, com ela inclinando a cabeça, os olhos abertos, oferecendo o rosto como se oferecesse uma chance — não um pedido de perdão, mas um espaço — ele não conseguiu sustentar a raiva. Não inteira. Ela estava ali. De verdade. Sem filtros, sem plateia. O olhar que ele devolveu foi de quem também não sabia como se proteger daquele momento. E por um instante — curto, perigoso — Nicholas pensou que talvez, só talvez, eles tivessem mesmo esperado tempo demais.
Então talvez fosse pecado, mas ele se tornaria um pecador.
Os lábios dela tocaram os dele por um milésimo de segundo, e aquilo foi o suficiente para o mundo parar. Um toque leve, silencioso, mas explosivo como uma faísca em gasolina. Nicholas sentiu o coração dar um salto no peito, a tensão nas mãos, no maxilar, no tempo todo que passou se negando esse desejo. E então, sem pensar — ou talvez finalmente pensando com o corpo inteiro — ele a puxou com uma das mãos firmes em sua cintura, a outra subindo pela lateral do pescoço até alcançar a base da nuca. Não foi um beijo gentil. Foi necessidade. Foi anos de raiva, mágoa, desejo e confusão acumulados num gesto só. Os lábios colidiram com intensidade, e Nicholas não hesitou. Beijou Olivia como quem queria puni-la por tudo que não pôde dizer. Como quem queria lembrá-la de tudo que eles poderiam ter sido — se ela não tivesse ido embora. As bocas se buscaram com pressa, quase brutalidade, como se estivessem desesperados para apagar a distância entre passado e presente. E, por um segundo, não havia dor, nem história, nem promessas quebradas — só o gosto dela. O corpo dela. E o som abafado da rendição entre dois orgulhos que, pela primeira vez em anos, pararam de lutar.
[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Os olhos de Olivia brilharam com um orgulho teimoso quando ele respondeu. Ela não esperava que ele fosse mesmo dizer algo, mas precisou se esforçar para não parecer baqueada ao ouvi-lo se referir a ela como linda. Olivia sabia que era, apesar de seus tropeços com autoestima, mas ouvir dele tinha uma sonoridade diferente, quase especial. — Linda, é? É um bom elogio... pra começar. — Mordeu o próprio lábio como se quisesse conter um sorriso cheio de provocação. Precisou segurar a pose um pouco mais quando ele a obrigou a dar passos para trás, e a forçou contra a parede. Dessa vez, foi mais difícil não parecer totalmente afetada. Segurou a respiração por uns segundos, completamente pega de surpresa. Havia sim curiosidade de sua parte com o corpo dele, o cheiro dele, o toque dele. Havia desejo também, que ela se esforçava para esconder e negar. Pensou como seria beijá-lo, como seria realizar a fantasia que ela só notou desejar poucos meses antes de partir para fora de Khadel. Passou três anos idealizando o que faria quando voltasse, como falaria com ele sobre seu súbito novo interesse em evoluir a amizade dos dois. Nunca teve essa oportunidade, no entanto. Ali, agora, era como descobrir o que havia fantasiado em sua adolescência, e deixado adormecido dentro de si nos últimos doze anos.
Já havia sentido sobre si diversos olhares de Nicholas. O de carinho, amizade, admiração, cuidado. O de ódio, mágoa, desprezo. Mas aquele, agora, era diferente. Se ele já a havia olhado assim, ela nunca reparou. Ela sussurrou: — Você está me olhando como se eu fosse um pecado. — E, no fundo, ela gostava disso. E queria ver até onde ele estava disposto a ir. Inclinou a cabeça levemente de lado, como se desse espaço para que o rosto dele se encaixasse no seu. O coração batia forte, ela não sabia se era todo o desejo reprimido ou o receio de que ele fosse rejeitá-la. Certamente ativaria o seu modo autodefesa e os dois brigariam, mais uma vez. Apesar de provocação ser a única linguagem que ela conhecia com ele nos últimos anos, Olivia estava gostando do rumo que aquela interação estava levando. Prometeu à Dilara que conversaria com ele, mas não esperava que a conversa tomaria aquela direção. Bem, desde que acertassem, sabia que a amiga ficaria feliz. E, mesmo sem admitir antes, a musa também queria ficar bem com ele.
E então, movida por um impulso mais sincero do que qualquer jogada, ela se ergueu sutilmente nas pontas dos pés e encostou o nariz ao dele. Os olhos continuaram abertos, fitando-o como quem tenta analisar os detalhes de suas expressões e reações. As mãos continuaram espalmadas no peito dele. Os lábios se tocaram por um milésimo de segundo. Não foi um beijo, só um toque delicado. Um toque de quem buscava coragem pra seguir. Um toque de quem pedia permissão. Um toque de quem esperava por uma resposta: ele queria que ela continuasse? Ele iria retribuir? Era assim que resolveriam todos os seus problemas, com um beijo? Se ela não desse o primeiro passo, ele daria? A cabeça borbulhava de perguntas, ansiedades e inseguranças, mas o corpo pulsava um desejo quase palpável no ar.
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[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Nicholas soltou o ar pelo nariz — um som seco, quase rindo, quase cansado. Era a resposta automática a tudo o que Olivia fazia. Ela chegava, como sempre, envolta em charme, sarcasmo e Chanel n.5 (ele viu no Instagram), e desmontava as defesas dele como se fossem frágeis dobraduras de papel. Mas ele se recusava a deixar isso transparecer. Ela o tocou — um gesto sutil, lento, dedo escorregando entre os botões da camisa como se tivesse todo o direito do mundo de estar ali. Não era o tipo de toque que se revida com raiva. Era pior. Era o tipo que faz o corpo responder antes da mente conseguir se proteger.
"Ao contrário de você, Olivia," ele murmurou, aproximando-se, forçando-a a recuar com ele, sem nem perceberem que estavam se movendo juntos. "Eu não faço meus elogios casados com um insulto." O tom era calmo, mas havia algo mais por trás. Denso. Os olhos dele estavam fixos nos dela, como se tentasse decifrá-la. "Se você quiser um elogio, Fuentes..." Ele baixou o olhar para a boca dela por um segundo, milimétrico, imperceptível quase. "...vai ter que se comportar muito melhor que isso."
Mas ele não se afastou. "Você sabe exatamente o que está fazendo," disse em um tom mais baixo, como se confessasse algo que ele próprio não queria ouvir. Fechou os olhos por um segundo, como se aquilo fosse suficiente para afastar o que sentia. Não foi. "Você está linda, sim," admitiu, agora com a voz falhando levemente entre o sarcasmo e algo mais verdadeiro. "Linda de um jeito que seus minions vão banquetear." Ainda segurava o pulso dela — mas não para afastá-la. Só para sentir. Confirmar que aquilo estava mesmo acontecendo.
A tensão entre eles se tornou insuportável no instante seguinte. O silêncio era tão espesso que poderia ser cortado. Ele a encarava como se não soubesse mais onde estava. Como se estivesse em guerra dentro da própria pele. A respiração dele acelerou quase imperceptivelmente, e então, finalmente, ele cedeu meio passo. Só meio. O rosto dele chegou tão perto que o nariz quase tocava o dela. A respiração quente se encontrou, misturou-se. A mão dele deslizou até soltar o pulso, descendo pelo braço dela devagar, como se não quisesse soltar. Ele fechou os olhos, expirou com força. Ele a olhou como se estivesse à beira de cometer o erro mais delicioso da década.
[ TERCEIRA SEMANA DE JANEIRO 2025 ]
Olivia riu baixo, balançando a cabeça como se ele fosse uma criança difícil de lidar. Era isso que eles faziam: ela se aproximava com pedras na mão, e ele transformava toda a conversa num campo minado. Mas ela não recuaria. Nunca fazia. Seus dedos deslizaram com precisão pela gola da camisa dele, deixando o indicador tocar sutilmente a pele dele. Nunca teve essa aproximação com Nicholas, em nenhuma das fases de sua relação. Quando havia começado a enxergá-lo com olhos diferentes, ela não sabia exatamente dizer, mas já não era a primeira vez que se pegava pensando na textura de sua pele, se de tão perto ele era ainda mais cheiroso, ou como estava o seu corpo agora depois de tantos anos. O seu olhar subitamente mudou. O sorriso ganhou um vislumbre mais provocativo, mas não o tipo de quem estava pronta para feri-lo com palavras. Era aquele sorriso que se preparava para soltar os flertes desde os mais sutis até os mais descarados. — Talvez eu tente mesmo. Te provocar é muito divertido. — Agora, propositalmente, deixou o dedo deslizar um pouco mais na fenda dos dois botões recém abertos.
Ela não esperava que ele segurasse seus pulsos, mas também não recuou, não reagiu. Apenas inclinou um pouco a cabeça, os olhos fixos nos dele, o ar entre eles ficando pesado demais para ser ignorado. O coração dela bateu mais rápido; e ela odiava isso, odiava o quanto ele ainda tinha esse poder. — Eu posso ser um pouco malvada com você. Mas às vezes você merece. — A fala, que em qualquer circunstância soaria como alfinetada, tinha um tom mais doce, risonho. Quase como se não estivesse sempre carregada de tanta mágoa por ele. — Mas sim, é você que só enxerga maldade. Pela primeira vez em anos estou tentando ser legal com você e não estou tendo valor. Que tal você ceder um pouquinho também? Pode começar elogiando o meu vestido. Acha que estou bem para um encontro? — Ela aproximou o rosto um pouco mais para sussurrar a última parte. — Quer que eu dê uma voltinha pra você analisar melhor? — E, de repente, a provocação mudou de tom. Ela não queria irritá-lo, ferir seu coração ou ego. Queria testar, descobrir. Ela sabia bem o efeito que causava nas pessoas, mas se pegou curiosa pensando se ele agiria da mesma forma sob seu toque, sob sua fala sussurrada. As mãos espalmaram no peito dele com lentidão, pensando como ele poderia, todos aqueles anos, nunca tê-la desejado, notado ela como algo além de uma ex-amiga fria e sem coração que o abandonou? Como, em todos aqueles anos, ele nunca deixou escapar um olhar, um queixo caído? Era sempre ódio, ódio, ódio. Não conseguia acreditar que só ela sentia algo além, um desejo que não deveria e tentava reprimir. Não conseguia acreditar que só ela percebia que alguma coisa acontecia ali, com aquela aproximação exagerada e as respirações quase se misturando.
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