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Os dias pareciam curtos na companhia de alguém, mas as noites continuavam longas. Ele não conhecia Amélia além daqueles dois dias, além da sua situação de infecção, mas o que ele sabia era que precisava descansar e adormecia fácil quando a medicação fazia efeito, deixando Richard sozinho outra vez. Vê-la adormecer era ao mesmo tempo relaxante e irritante. Demonstrava alguma simplicidade no simples ato de fechar os olhos e dormir. Era irritante pois ele não conseguia fazer isso, levava horas para adormecer e nem sabia se realmente conseguia, já que qualquer barulho era capaz de despertá-lo, como o nome sendo chamado ao longe. Imaginou estar delirando, fazia poucos segundos que tinha aberto os olhos e visto-a ainda dormir. Ou será que a mente o traiu e não foram segundos, mas minutos atrás? Horas talvez? Ouviu o nome ser dito uma segunda vez, e relutantemente se virou na direção da mulher. Os olhos pesados, abriam com alguma dificuldade enquanto ele se esforçava para reagir de acordo, assimilando as informações que ela passava. “Se sente melhor? Digo, está realmente bem para isso?”, e com ‘isso’ ele não queria dizer ir embora, queria dizer voltar a ficar sozinha, como ele também ficaria. Forçou-se a sentar, alternando o olhar para o pedaço de carne estendido, e a mulher que o oferecia. Ele não tinha mais trocas para fazer, e ela mesma disse dias atrás que nada vinha de graça. “Não tenho nada para dar em troca, Amélia. E receio que vá fazer falta para você.”, constatou evitando pegar o pedaço de carne, e assentindo ao comando de pegar o que precisasse. Richard já tinha separado tudo que conseguira encontrar naquela casa, infelizmente os dois dias ali e os drones lá fora, provavam que ele não conseguiria fazer o mesmo nas outras, e não saber o que tinha dentro delas era agoniante.
Amelia não estava acostumada com pessoas se preocupando com ela — não que Richard tivesse, de fato. Sabia que era apenas uma pergunta dos antigos hábitos. Porém, o mero questionamento sobre se estava ‘realmente bem’ para aquilo, fez com que ela franzisse a sobrancelha. “Yeah, I’m fine”. Era estranho e, talvez pela fragilidade da infecção, fez com que ela se lembrasse dos irmãos, a cada segundo averiguando o bem estar dela antes de darem prosseguimento às coisas. Com agilidade, afastou a lembrança para o mais fundo de si, para evitar que a saudade e as dores lhe sufocassem. Ela precisava estar o mais concentrada possível para garantir que os dois sairiam dali em segurança. “Acho que a gente só precisa ser silencioso”, acrescentou. Ao ter a carne de coelho recusada, parte de Amelia se sentiu ofendida. Ela não costumava oferecer os mantimentos daquela forma — e não era de graça, apenas uma forma de agradecimento por ele não ter se aproveitado dela quando tivera várias oportunidades. Talvez fosse um gesto de gratidão. Internamente, revirou os olhos. A infecção tinha deixado Raven um pouco mais sentimental, mas não seria ela a insistir que ele pegasse a carne oferecida. Se abaixou com um pouco de raiva, e pegou o pacote de modo brusco, enfiando de qualquer jeito dentro da bolsa. Ele não precisava esfregar na cara dela quão ‘soft’ tinha sido com a oferta. “Bom, eu ofereci. Mas você que sabe”, disse irritada, já sem olhar para ele. Mexia na própria arma, como se averiguar o estado dela fosse a tarefa mais importante do mundo. "Te vejo lá embaixo em cinco minutos”. Acrescentou, saindo do quarto com passos firmes, desejando mais do que nunca poder bater a porta.
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Quando o sol terminou de nascer na manhã seguinte, Amelia já estava desperta. Ainda não tinha recuperado todas as forças, e sabia que precisaria diminuir o ritmo nos dias seguintes. Porém, comparado como estava ao se abrigar naquela casa, percebia que estar melhor o suficiente para matar alguns drones e conseguir escapar. “Richard...”, disse baixinho, a uma certa distância dele. Ao acordar e ver o padre ainda dormindo, chegou a considerar — talvez por uns dez ou quinze segundos — fugir dali sem ele. Sabia que não existia mais lealdade naquele mundo, e que ninguém respondia para ninguém. No entanto, ela sentia que devia algo a ele, principalmente por não ter sido abandonada quando estava no pior estado em que esteve em anos. “Richard...”, falou mais uma vez, apesar de acreditar que ele já estava acordado. “Acho que podemos tentar sair agora. Dei uma olhada pela janela do fundo e...parece estar bem vazio. Essa é nossa chance”. Estendeu um pouco de carne na direção dele, um dos últimos pedaços que tinha na bolsa, ciente de que conseguiria encontrar ao menos algum coelho ao sair dali para repor o próprio estoque. O inverno ainda não parecia ter chegado com força naquela região. “Coma um pouco, e pegue o que precisa pegar. Quero sair em até dez minutos”. @forgivemxfather
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Ele assentiu com um movimento de cabeça, ainda mantendo o sorriso largo nos lábios. Todos que encontrou no caminho, independente que de quem fosse, bom ou ruim, todos eles tinha aquele mesmo arrependimento quanto ao passado, deveriam ter aproveitado mais. E por mais feliz que Richard fosse com sua escolha de vida, existia sempre um momento ou outro em que se questionava o que teria acontecido se tomasse um rumo diferente. E se ele tivesse casado com a namoradinha do ginásio? E se ele tivesse seguido a carreira que os pais desenharam para ele? E se ele também estivesse no laboratório aquele dia, teria se transformado junto com eles? Ou os teria matado como fez quando correram sedentos em sua direção? A verdade era que todos viviam grandes e se, mas vivê-los não mudava a realidade em que se encontravam agora, então de nada valia mergulhar naqueles questionamentos. Nada de bom sairia dali. Suspirou, pigarreando o bolo seco que se formou em sua garganta antes de se colocar de pé. “Mas bem, como não podemos fazer nada sobre o passado, vamos focar no nosso futuro, uhn? Ainda pretendo sair vivo daqui”, comentou enquanto ia em direção a janela, o rosto encostado a madeira que a cobria e o olho esquerdo encaixado numa das frestas, tentava visualizar o perímetro. “Parece que ainda estamos bem.”. Constatou antes de voltar a cabeça na direção da Amélia. “Vou te dar uns minutos de privacidade para que aplique o resto da medicação”, informou já virando o corpo em direção a porta do cômodo, mas antes mesmo de sair, voltou um passo, olhando-a de lado “sei que vai saber prepara-la dessa vez, mas qualquer coisa me chame, ok?” e finalmente o corpo esquio sumiu pela porta.
Assentiu quando ele falou sobre o futuro, embora sentisse que ainda não tinha força suficiente para conseguir escapar com agilidade da casa. Precisaria ao menos de mais uma noite. “Você vai sair vivo. Nós vamos”, declarou. Amelia já havia passado por coisa pior, e só de perceber que o remédio estava fazendo efeito, ela ficava mais tranquila. Era como se pouco a pouco tivesse conseguindo reencontrar as rédeas da própria vida. Assentiu quando Richard disse lhe daria privacidade, e aproveitou o momento para dar uma olhada na própria ferida. Estava feia, mas não tanto quanto antes. “Certo”, murmurou e, antes que ele saísse completamente do cômodo, soltou baixinho: “Obrigada”. Se não fosse pela troca do remédio por comida, possivelmente não conseguiria sobreviver à infecção.
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#forgivemxfather#forgivemxfather002#amiga#encerrei porque não sabia mais por onde ir#mas vou abrir outro#mais novinho e dinâmico
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river caminhava pelos corredores acinzentados como quem o faria de olhos fechados. não somente devido ao fato de viver ali desde o início da pandemia, mas também porque o corenswet tinha um ótimo senso de direção. bem, se não tivesse, provavelmente não seria bom em nada realmente, então fazia questão de manter-se atualizado e focado nos estudos aos quais tinha acesso; incluindo, claro, a planta da tower. ele mantinha os olhos ocupados enquanto buscava equívocos nas provas de seus alunos mais novos, na faixa dos oito aos doze anos. era engraçado como “crianças” e “river” eram substantivos quase irrelacionáveis antes de começar a dar aulas pra eles e, hoje, passar um tempo com o pequeno grupo de certa forma era um dos momentos que mais lhe traziam diversão durante o dia. havia acabado de soltar um riso baixo e soprado ao ler uma resposta criativa na seção de história quando seus reflexos captaram uma movimentação a frente. os cabelos claros e avermelhados de amelia – apesar de consideravelmente comum dentre as mulheres na tower – nunca passavam desapercebidos pelos olhos castanhos do jovem, muito embora ele não figurasse bem o porquê. ela já vivia lá há meses, ele mesmo havia apresentado toda a comunidade a ela, e mesmo assim, a ruiva ainda permanecia sendo um ponto de interrogação gritante o qual o corenswet jamais poderia ignorar – e, apesar de frequentemente river detestar perguntas sem respostas, ele fielmente mantinha as sobre ela em sua mente. amelia nunca parecia deixar ninguém se aproximar. river estava começando a pensar que talvez fosse esse o motivo de querê-lo tanto. “amelia?” o tom fingia a dúvida somente em prol da cordialidade. o olhar curioso do moreno a acompanhava, encarando-a assim que a teve totalmente de frente para si. deu um pequeno sorriso fechado com a saudação, acompanhado de um leve acenar, para então aproximar-se aos poucos. “bem, por algum motivo, mentiram pra você.” o rapaz arqueou uma sobrancelha, parcialmente considerando engraçado e parcialmente criando curiosidade sobre o benefício de darem uma informação falsa para a mulher. “eu nem o vi ainda. meu pai deve estar mais ocupado que eu essa manhã, ele deve estar cumprindo uma agenda de aula com os adolescentes.” river revisitava a própria memória, seu pai até mesmo havia acordado e saído mais cedo que ele. “eu fiquei encarregado das crianças hoje.” ilustrou o equívoco na informação que a mais baixa recebera ao brevemente levantar as provas na canhota, sorrindo meio sem jeito. com amelia era um pouco assim. às vezes, ele precisava procurar as palavras certas pra usar e não transformar o assunto em um limbo de afirmações as quais ela não tinha interesse. sentia-se consideravelmente incomodado com isso. queria conversar com ela. “mas e você? o que está fazendo nesse andar? aqui é onde geralmente ocorre as aulas dos pré-adolescentes e a recreação. bem, o que era pra ser a recreação. acho que eles devem estar meio cansados de criar e contar histórias comigo.”
Amelia deu mais um suspiro ao ouvir o próprio nome, trocando o peso de uma perna para outra. Queria ter sido rápida o bastante para escapar, e uma irritação pela tentativa frustrada já encontrava espaço dentro dela. No entanto, por mais chateada que estivesse, racionalmente compreendia que River não era culpado por seu incômodo. Ele, inclusive, parecia uma das poucas pessoas que considerava interessante naquele lugar. Tinha visto a forma como o rapaz conversava com os amigos e outras pessoas que estavam na torre. De algum modo, Amelia sempre o colocou como alguém aparentemente — porque, enfim, poderia estar errada — gentil. “Ah sim, talvez mentiram”, murmurou, não se importando muito. Talvez ela só tivesse escutado errado também. “O que estou fazendo aqui?”, repetiu, ganhando tempo para uma resposta convincente. “Ah, estou só...”, deu de ombros, maneando a cabeça. “Explorando. Sabe como é...sempre importante conhecer o local que se vive. Para o caso de emergências”. Se fosse outra pessoa, talvez ela teria sido mais grosseira, respondido que não era da conta dela, ou feito qualquer gesto mais enfático para ser deixada em paz. Mas não se incomodava tanto com o River, e quase se divertia um pouco em elaborar respostas mais ridículas. Como aquela. “Ah, recreação?”, era interessante. “Que bacana...”. Coçou a cabeça, enquanto ouvia ele resmungar um pouco. “C’mon...duvido que eles estejam mesmo cansados de ti. Sempre escuto boas histórias envolvendo seu nome”. E era quase impressionante perceber que ainda existiam pessoas com a leveza de River.
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“É incrível, não é?”, perguntou retoricamente esboçando um largo sorriso. Foram tantas as vezes que Richard teve conversas daquele tipo antes, e mesmo assim não deixava de se admirar com a forma que as pessoas absorviam tudo aquilo. “Parece que é a única coisa com a qual a humanidade consegue concordar, não importa qual religião você siga, o que ela prega, mas é comum que existe um outro plano, um criador e todas as outras coisas. Justo e amoroso. Até mesmo os ateus tem que admitir a possibilidade da sua existência, para então desacreditá-lo.”. E aquele era um ponto que ele conhecia muito bem, Richard era o único fiel em uma família de ateus, e eles tentaram de todas as formas convencê-lo de que Deus não existia, e faziam isso sempre usando as passagens da bíblia para apontar absurdos, mal sabendo que todas elas o encantavam cada vez mais. Suspirou diante da lembrança que já não era mais amarga como no passado, tinha um quê de saudade e dor ali que ele não estava pronto para compartilhar com outra pessoa, e talvez jamais estivesse, então recebeu de bom grado a mudança de assunto. “É. Você tem razão, hoje me parece bem triste. Tantas coisas que eu não vivi, que eu não experimentei ou fiz. Não que eu me arrependa da minha escolha de vida, digo…”, uma parte dele se arrependia, uma parte dele se sentia triste por tudo que estava acontecendo agora e todas as respostas que não tinha. “se eu soubesse que tudo isso aconteceria, talvez tivesse ouvido músicas além dos corais da igreja, visto filmes além de comédias românticas quando jovem, teria conhecido mais lugares…”, teria continuado, mas ao perceber o que fazia ele acabou sorrindo de tudo aquilo. Todos deveriam pensar daquela forma, que deveriam ter aproveitado mais as pequenas e grandes coisas, pois agora elas não existiam mais e não passavam de lembranças, de saudade e arrependimentos.
Amelia maneou com a cabeça, assentindo para o que o Richard dizia. Ao perceber que ele concordava com a opinião dela sobre a tristeza que era viver sem música, sorriu um pouco. Minimamente. Um dos cantos do lábio levantado para demonstrar satisfação com aquilo. Às vezes sentia tanta falta da antiga vida...dos shows, das músicas, dos ensaios, das risadas, festas, bebidas, madrugadas viradas, letras rabiscadas em um caderninho a qualquer hora do dia, do suor, das lágrimas de felicidade, dos aplausos, do coro dos fãs cantando sua música, da emoção de escutar a canção pelo rádio pela primeira vez, do orgulho dos pais, e da empolgação para o futuro. Ela amava aquilo. Amava. E o peso de viver sem todos os sonhos que tinha alimentado desde a infância era tão grande, que às vezes parecia ser capaz de lhe sufocar. Era como se Amelia estivesse se afogando no seco. Então, não pensava, deixava para lá, jogava a saudade e as esperanças do começo da juventude para uma parte muito funda de si. Tão funda, que já não pudesse ver. A não ser, em momentos como aquele, que subitamente mergulhava no que se escondia nas sombras. “Eu não teria feito nada diferente...”, murmurou, já taciturna com o gosto amargo da memória. “Ou talvez tivesse...Teria feito mais. Aproveitado mais”. Deu de ombros. Quantas vezes já não tinha escutado esse discurso de si mesma e de outras pessoas? Tamborilou os dedos no chão, enquanto um silêncio incômodo surgia entre eles. Por não saber o que falar, voltou a comer. Era estranho ter contato de outra pessoa quanto há meses não passava mais de duas horas com companhia.
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“É bastante difícil”, permitiu-se confessar. Richard acreditava no fim dos tempos, na arrebatamento e todas as coisas. Acreditava que ter uma vida temente, seguir os mandamentos e honrar a Deus o colocaria em um plano mais elevado. Quando se deparou com aquele cenário, aquela realidade, a imagem dos pais como drones e todo o resto que se estendeu ao longo daqueles anos, ele precisou reconhecer que algo estava errado, ou era ele, ou nada daquilo existia. “Meus pais eram cientistas, e eles me disseram várias e várias vezes que a bíblia era apenas um bom livro, um best seller de alguém muito criativo. Hoje isso parece fazer muito sentido”, completou mesmo sem que ela tivesse feito qualquer questionamento sobre, era bom finalmente expressar uma opinião sobre aquilo em voz alta, sentia-se confortável para fazê-lo. Na tentativa de ficar mais confortável, Rick apoiou ambas as mãos no chão atrás do corpo, deixando-se inclinar para trás e sustentar o peso nelas por algum tempo. “Cantora? Uau! Eu nunca teria imaginado.”. Poderia pensar numa policial pela postura autoritária, ou algo mais simples como professora primária, até mesmo chutaria alguém no ramo imobiliário talvez. A ouviu falar sobre a carreira um tanto saudosa, e aquela era uma sensação que Richard não tinha. Gostava de ser padre? Sim. Mas depois de viver tudo aquilo, se o mundo voltasse ao normal, ele provavelmente escolheria outra coisa para ser. Sua fé tinha sido completamente abalada. Mas era interessante ver como ela falava, apaixonada e orgulhosa de quem foi. “É, eu não era seu público. O máximo de música que ouvia era o coral da igreja, chato não é? E depois disso tudo… bem, não é como se as pessoas cantassem por aí, e quando fazem, eu não conheço as músicas.”. Raros os momentos em que o grupo se sentia descontraído e feliz o suficiente para cantar, então Rick realmente não tinha muitas referencias musicais assim. “Você não está acabada, Amélia. Está machucada, sim. Mas acabada? Receio dizer que só acabamos quando morremos realmente.”
Virou a cabeça um pouco para o lado, ao ouvir o que os pais dele costumavam dizer sobre a bíblia. “Hum...”, o som saiu baixinho, enquanto terminava de mastigar um pedaço assado da carne de coelho. “Sabe uma coisa que eu sempre pensei? Eu não sou uma pessoa muito religiosa. Nunca fui, mas sempre me admirou a existência da bíblia porque...”, em um gesto rápido, afastou os fios de cabelo que voltaram a cair sobre o olho. “...querendo ou não, a bíblia é mais do que só um best seller. Toda a história de Jesus e o que ele representa...mesmo que ele não tenha existido, alguém ou um conjunto de ‘alguéns’ criaram a figura de Jesus, pensaram em tudo que ele acreditava e defendia, e escreveu isso de uma forma tão bonita, que pessoas escolheram acreditar e seguir os passos dele. Ainda que eu não seja uma fiel, ainda que eu não acredite, sempre me admirei com o fato da humanidade ter sido capaz, para começo de conversa, de criar essa história. E de escolher ele, entre tantos outros, como ideal para seguir. Entende o que quero dizer?”. Ela deu de ombros, sabendo que não importava tanto naquele momento, mas querendo compartilhar seu ponto de vista sobre aquilo mesmo assim. Provavelmente nunca mais se veriam depois que saíssem daquela casa. Que diferença faria divagar sobre religião ou não com Richard? Absolutamente nenhuma. Ela balançou a cabeça, percebendo que talvez tivesse se aprofundado demais. Voltou a comer, antes de erguer novamente o rosto ao escutar a surpresa na voz dele. “Sim, cantora”, assentiu com um pequeno sorriso. “Não...não é chato, só um pouco...triste, talvez? Limitante, acho. Eu não conseguiria viver sem música se tivesse a opção de escutar”. Novamente deu de ombros. Aquela era uma coisa sua. Cada um tinha um jeito, né? Precisava respeitar. Voltou a comer, apenas assentindo ao ouvir a frase seguinte.
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Lá estava outra vez, aquele orgulho o qual ele reconheceu no primeiro instante e que parecia ser parte grande de Amélia. Não importava o que ele dissesse, ela seguiria insistindo em retribuir, então Richard concordou com um movimento de cabeça. “No futuro, quem sabe. Mas agora não tem nada que eu precise, então não se preocupe com isso”, e era uma verdade, estava bem alimentado, o que ela lhe deu duraria mais dois dias, ele sabia dividir bem as porções para render. Tinha água, remédios, um lugar para ficar, que não era muito longe dali. Amélia não poderia lhe oferecer mais nada além. Observou a rapidez com a qual ela virou a lata e quando pensou em alertá-la para ir com calma, a mulher parecia ter pensado o mesmo, logo a colher foi puxada e ele não precisou dizer nada sobre isso. Felizmente, ou realmente teria soado patriarcal como ela o fez parecer instante depois. O revirar de olhos ao termo fora inevitável, assim como o riso debochado que se seguiu. “Fuck off”, resmungou de volta. O cenário atual tinha mudado algumas coisas em Rick, o vocabulário não era mais tão polido, ele bebia quando achava bebidas, fumava quando achava algo nessa categoria e matava quando não tinha outra opção. Continuava sendo um homem bom, mas não santo. “Não foi desrespeitoso. Eu sinceramente não sei no que crer hoje, o que fazer ou ser”, deu de ombros, mas não era um assunto qualquer, era algo que incomodava o interior de Rick, que o deixava em constante conflito, mas que ele não estava pronto para debater com outra pessoa. Mal conseguia debater consigo mesmo. “Ninguém espera que um padre sobreviva, eu entendo, não precisa se desculpar”, pensando pelo estereotipo, Rick não o servia muito bem, não era velho, não era fanático, não se apoiava em um grupo para protegê-lo. Na verdade, Richard era o completo oposto, talvez por isso fosse tão inesperado. Sorriu outra vez, meneando a cabeça para os lados. “Você vai sobreviver, não se preocupe com isso. E eu não sei se poderia, estou meio brigado com o cara lá de cima por tudo isso que estamos vivendo. Mas bem, e o que você fazia antes de tudo isso pegar fogo?”
Sorriu um pouco de lado quando ele soltou um palavrão. Aquilo era tão estranho para Amy. Quando pensava em padres e igrejas, a primeira imagem que vinha em mente era de um senhor velho conversando com sua mãe e insistindo para ela fazer a eucaristia. Mas nunca tinha tido interesse por religião, e aquilo só se intensificou após a pandemia de drones. Se existia um deus, ele não teria deixado a humanidade passar por aquilo. Mas, bom...não estava em seu papel questionar a religiosidade ou fé alheia. “Imagino que deve ser um pouco difícil mesmo dada as...”, olhou rapidamente ao redor, encarando a decadência em que eles se encontravam. “...circunstâncias”. De toda forma, gostou de saber daquilo. Era menos desconfortável estar na presença de um desconhecido que sabia manter distância, e o incômodo reduzia um pouco mais por descobrir que ele era padre. Por mais que soubesse da quantidade de crimes sexuais envolvendo padres da igreja católica, acreditava ser baixa a chance de ter se deparado justamente com algum desses inseridos na porcentagem. Não baixaria a guarda, claro, mas ao mesmo tempo evitaria assumir o pior de Richard. Até aquele momento, ele seguia não dando indícios de riscos para ela. “Eu sei que vou”, assentiu, com tranquilidade, ao ouvir que iria sobreviver. Se fosse para morrer por alguma coisa, não seria por um cortezinho como aquele. Ainda mais depois de ter aplicado o remédio na própria coxa. A lembrança do corte trouxe também a epifania de que precisava cuidar da ferida...Puxou um pouco o tecido da blusa, para ver como estava. “O que eu fazia antes...?”, repetiu baixinho, atenta ao ferimento. Talvez seria bom colocar um pouco de água. Abriu a bolsa, tirou uma das blusas menos sujas e umedeceu o pano com água da própria garrafa. “Eu era cantora”, respondeu, por fim, enquanto passava o tecido por cima da ferida. Sorriu um pouco, se lembrando da própria alegria quando descobriu que iria entrar em turnê. “Acho que você não era meu público alvo...padre. Mas, eu...é”, balançou a cabeça, assentindo com certo orgulho. “Eu tinha começado bem a minha carreira. Já tinha disco lançado e tudo. Raven Rhodes, era como me conheciam. Na época eu não era tão acabada como estou agora”.
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Olhou intrigado para o saquinho que voltava em sua direção. “Uhnn, na verdade isto é seu”, apontou para os comprimidos, não os jogando de volta e tão pouco guardando na bolsa, apenas deixou ali. “E não precisava me pagar de volta. Eu sei que deveria ser mais cauteloso com as informações, mas estes não são tão difíceis de encontrar, não vão me fazer falta assim e se não usar todos, pode guardar para não ficar tão mal numa próxima vez”, completou por fim, permitindo-se esboçar um pequeno e sincero sorriso. Ele já havia percebido que Amélia era uma mulher orgulhosa, com alguns princípios que a tornavam diferente dos outros que encontrou antes. E por isso não se importava mais em manter uma aparência de homem reservado, distante e que só sobreviveu por ser durão. Bem, Rick era durão de alguma forma, mas não da que ela provavelmente imaginava. Assentiu quando ela concordou em comer e ficou contente em ver a lata ser empurrada em sua direção, o apetite era um bom sinal, ela provavelmente se recuperaria rápido. “Claro”, limitou-se, puxando logo a pequena faca pontiaguda que tinha na lateral da mochila para que servisse de abridor. Fez o primeiro furo com a ponta e o resto foi levantando aos poucos. A perguntaria se queria esquentar aquilo, mas o espaço fechado tornava inviável. A cabeça se ergueu no instante da pergunta e Rick se permitiu alguns segundos de silêncio. Todas as vezes em que respondeu aquilo antes foram um problema, fosse pelos fanáticos religiosos, ou seu extremo oposto, e naquele instante silencioso, ele julgava em qual dos dois polos colocar Amélia. Era inconclusivo. Suspirou, levantando-se para levar o feijão até ela, parando a dois passos de distância, sempre respeitando aquele limite que julgava deixa-la confortável. “Engenharia? Certeza que isso teria deixado meus pais mais felizes do que a realidade”, brincou. Estendia a lata, deixando-a na frente da outra antes de voltar alguns passos para sentar-se no chão a sua frente. “Eu… bem, eu era padre numa pequena paroquia em Lakewood. Algo bem diferente de engenharia, não é?”
Era definitivamente muito estranho interagir com Richard. Ao perceber que ele não iria pegar de volta os comprimidos, ela se inclinou para frente, chegando até a fazer um pouco de esforço, e puxou o saco de volta. “Right...thanks”, soltou, guardando em um dos compartimentos da bolsa. “Mas eu vou te pagar de volta”, reforçou, para deixar claro que aquilo não tinha saído de graça e que ela se considerava em dívida com ele. Olho por olho. Não era o que diziam? Ao ver a lata estendida na direção dela, voltou a agradecer e já virou parte na boca, sem nem um pouco da etiqueta que sua mãe passou a vida inteira lhe ensinando. A boa postura não adiantava nada naquele mundo. Porém, para não prejudicar o próprio estômago, decidiu pegar a colher que guardava para ir comendo de forma mais comedida. Como fazia muito tempo sem comer, não queria correr o risco de acabar vomitando por se alimentar rápido demais. E estava quase imersa naquilo quando escutou a resposta do outro. Um padre. Padre? “Oh, father...”, soltou sem se conter, no mesmo tom que usaria para dizer um ‘oh, mother’, um sorriso pequeno se espalhando pelos lábios. Está vendo? Era a isso que Amelia se referia quando ponderava que Richard era engraçado sem querer ser. Jamais. Repetindo, jamais chutaria naquela opção. “Sorry”, disse, colocando uma mão sobre a boca, para não parecer desrespeitosa. Aquilo seria um sacrilégio? “Não quis ser desrespeitosa, eu só...”, tentou se concentrar para recuperar sua expressão mais séria. “Não estava esperando. Desculpa”, repetiu. Aquilo era tão aleatório. Colocou a colher de volta na lata, pronta para comer mais um pouco, mas não se aguentou: “ao menos se eu não sobreviver a isso, você vai poder dar minha extrema unção”.
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“Entendo”, comentou um pouco desanimado. Claro que parte dele ficava contente por não ficar sozinho tão cedo, mas ainda assim era de se considerar que não desejava que a mulher continuasse em dor e sofrimento. Quando ela mencionou a dor de cabeça, ele puxou outra vez a mochila a frente do corpo, como fizera quando estavam na cozinha, procurando por algo que pudesse ajudar naquilo. Com certeza tinha algumas aspirinas que poderia ceder de bom grado, quatro ou cinco, seriam o suficiente para ajudá-la naquele momento. Separou o saquinho e jogou na direção da outra. “Acredito que conheça esses, mas são aspirinas, vão ajudar na dor de cabeça, Amélia.”, não precisava, mas fez questão de chamá-la pelo nome, deixando claro que havia entendido o recado ‘não pode me chamar de Amy’, e tudo bem quanto a isso. Ele preferia Rick, pois lhe parecia informal, não lembrava os pais que apenas o chamavam de Richard, tão pouco os fieis da igreja que ele ordenava, que sempre o chamavam de Padre Richard. Não, Rick era outra pessoa, alguém no meio termo entre o antes e o agora, era confortável e fazia mais sentido. “Da mesma forma que você não envenenou o coelho, que estava ótimo por sinal. Obrigado”, ele ainda considerou esperá-la para comerem juntos, considerou se deveria faze rum ensopado ou algo assim, pois ela certamente acordaria com fome. Mas ele não comia tinha alguns dias, o ronco da barriga foi mais forte do que ele e enquanto a outra dormia, ele acabou separando o alimento que foi trocado para que durasse mais alguns dias. O olhar desviou para a janela quando ouviu o questionamento, estava escuro, mas não como costuma ser a noite, então deveria estar em plena madrugada. “Ainda é cedo. Tome a aspirina, vai ajudar na dor de cabeça e na febre. E pode tentar comer alguma coisa também, seu corpo precisa dos nutrientes para combater a infecção”, completou, voltando o olhar para ela. “Pode aplicar o restante depois do amanhecer. Assim vai poder descansar pela manhã, e com sorte sairemos daqui no início da tarde.”. Assim teriam um tempo de luz para seguirem seus caminhos em busca de um novo abrigo, e ele não se sentiria tão mal por deixar uma pessoa vulnerável para trás.
Ao ver o pacote ser jogado na direção dela, Amy demorou alguns segundos antes de estender a mão para pegar. Era realmente aquilo que ela estava achando que era? A incredulidade de que ele estivesse oferecendo sem pedir nada em troca a fez ficar até um pouco sem saber como reagir. Foi só ao ouvir se tratar de aspirinas que ajudariam na dor de cabeça que voltou a se mexer. Ainda assim, com cautela. Olhou para o saco e depois novamente para ele, decidindo pegar apenas um comprimido antes de devolver. Colocou na boca e engoliu sem precisar de água. "Obrigada...Richard. I’ll pay you back”. Era uma promessa. Não gostava de ficar em dívida com ninguém. E, sinceramente, estava estranhando um pouco a simpatia dele. Após tanto tempo caminhando sozinha — encontrando apenas eventuais drones e saqueadores — tinha se desacostumado com a existência de pessoas que não fugiam quando tinham a oportunidade, ou saiam distribuindo mantimentos sem cobrar um preço por aquilo. E ele, querendo ou não, tivera a oportunidade perfeita para matá-la ou roubá-la enquanto ela estava dormindo. Se ainda seguia viva neste cenário, isso já dizia alguma coisa. Com a resposta dele sobre envenenamento, precisou morder a bochecha interna para não sorrir. O outro tinha respostas engraçadas, que se tornavam ainda melhores por não ser a intenção dele. No entanto, para garantir que Richard não visse seu divertimento, abaixou a cabeça, levando a mão à boca para manter a seriedade. Talvez aquilo fosse um efeito da febre, ponderou. “Yeah...right...I should eat something”, murmurou mais para si mesma, concordando com ele. Amelia se sentou um pouco mais reta, apoiando as costas na parede e logo puxou a bolsa. Assentiu ao escutar sobre a previsão para saírem dali, enquanto pegava uma lata de feijão e um dos panos com uma porção de carne de coelho. “Pode abrir pra mim?”, perguntou, já rolando o feijão na direção dele. Não ia fazer um esforço tremendo para abrir aquela lata apenas para não pedir ajuda. Richard já sabia que ela estava mal, seguramente não se incomodaria com aquele pedido. Ou se incomodaria? Amelia estudou a reação dele com extrema atenção, buscando sinais de incômodo, antes de, sem conseguir se conter, perguntar: “o que você fazia antes daqui?”. Tirou uma mecha ruiva da frente do rosto. “Antes de começar tudo isso”. Ele tinha cara de engenheiro, ou mecânico, alguma coisa na área de exatas. “Chuto que você fazia engenharia”.
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Sentado a porta do quarto como um segurança, Rick fazia sua prece diária. O terço entre as mãos e olhar baixo, finalmente desvencilhava da figura feminina que ele vigiou com atenção nas últimas horas, apenas para se assegurar de que ainda respirava e que estava bem. Murmurava algo quando ouviu a voz baixa e fraca da outra despertando-o daquele momento tão particular. “Você acordou”, comentou com um breve e contido sorriso. Parte dele estava realmente feliz por ela demonstrar algum sinal de consciência depois de tantas horas ausente, a outra parte lamentava pois aquele era o único contato humano que ele tinha em meses e logo acabaria. “Bem, eu disse que ficaria aqui até você acordar e dizer que estava bem. Então, como se sente?”, perguntou, tomando a liberdade de levantar-se para sentar ao centro do quarto, não tão perto, mas também não tão longe dela como estava antes. “Richard, mas pode me chamar de Rick se preferir. E o seu é?”, devolveu a pergunta com uma curiosidade que não conseguia esconder. Desde o encontro desastroso que segurava para não perguntar seu nome, algumas pessoas não trabalhavam bem com isso, preferiam não contar, mentiam, inventavam algo novo, ou sei lá. Tantas as desculpas que cruzaram o caminho do homem, que ele começou a aprender a amar as perguntas e guardá-las para si. “Da última vez que olhei, umas duas horas atrás, sim. Mas consegui tirar as tábuas do banheiro, a lateral da casa parece limpa. Acho que é possível sair e correr por lá em direção a floresta. Depois disso é um mistério, mas estou otimista.”.
Por mais que ele tivesse dito aquilo, Amelia realmente não esperava que o homem fosse ficar. Naquele novo mundo, era cada um por si, e ela não era ingênua ao ponto de ter esperança do contrário. No entanto, vez por outra uma parte dela se alegrava com gestos que iam contra a correnteza geral. “Hm...”, ponderou, tentando analisar como realmente se sentia. “Ainda estou bem mal”. Levou a mão para a própria testa, desejando voltar a dormir. “Estou com dor de cabeça e talvez ainda um pouco com febre...mas menos do que antes”. Ainda deitada, virou o corpo na direção dele, erguendo um dos braços apenas para ajeitar a bolsa atrás da sua cabeça. Assentiu ao ouvir o nome alheio, tomando uns segundos de silêncio para decidir se realmente contaria o seu. Suspirou, por fim. “Amelia. Amelia Raven. E você não pode me chamar de Amy”. O apelido parecia íntimo demais na visão dela. Com cuidado, criou forças para voltar a se levantar, escutando com atenção o que ele havia dito sobre o perímetro. “Good...good...” Saber que a lateral da casa parecia limpa ao menos era uma saída. Já sentada, pegou a garrafa de água alheia — deixada para ela beber antes de quase desmaiar de exaustão — e deu um gole. “Estou assumindo que você não envenenou a própria água...”, disse em tom de leveza, em um meio alerta, para evitar trazer o assunto da diplomacia de novo. Porém, talvez tivesse pesado de novo. Devido ao fato dele ter permanecido, Amelia quase sentiu um pouco de constrangimento pela grosseria. Quase. “Hm...”, levou a mão até o local que aplicou a primeira dose e tamborilou os dedos. “Eu já tomo mais um pouco ou...?”, apontou para a bolsa, que guardava o medicamento. “Quanto tempo demora pra fazer efeito?”. Ela queria sair logo dali.
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Amelia acordou um pouco tonta, ainda sentindo dor no corpo inteiro. Com um esforço tremendo, conseguiu erguer o tronco, apoiando o peso nos próprios cotovelos. Após a mente recapitular os últimos acontecimentos que a levaram até ali, voltou a se deitar de costas, sem conter um gemido de dor e frustração por tudo que havia acontecido. Aquilo não podia, jamais, voltar a se repetir. Lentamente, virou a cabeça para o lado, abrindo apenas um olho enquanto se acostumava com a luz — por mais que luminosidade fosse pequena. Para sua surpresa, o homem continuava ali, observando ela como se estivesse diante de uma criatura estrangeira. “Oh, God...”, disse baixinho e, logo em seguida: “Are you still here?”. A voz saiu como um resmungo. Apesar do mal humor, no entanto, ela gostou de saber que ele não havia ido embora mesmo depois dela ter dito que podia. Ao menos não tinha ficado tão desprotegida. Por mais que ele não fosse sinônimo de proteção. Era louca, complexa, um pouco contraditória toda aquela situação. “What’s your name, anyway?”. Percebeu que ainda não sabia. Até aquele ponto, não havia sido importante para ela. Passou uma mão pelo rosto, tentando despertar melhor para conseguir avaliar quanto tempo tinha passado. Não fazia a menor ideia. “Os drones ainda estão do lado de fora?” @forgivemxfather
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A parte de cima da casa estava melhor do que o cômodo da cozinha onde estavam antes, parecia até ter sido desocupada por mais tempo, e a bagunça lá em baixo deveria ser de alguns andarilhos ao longo dos anos. O primeira porta parecia ser apenas um banheiro, Rick abriu rápido, punhal erguido e olhos atentos, tudo tão limpo. O costume de coletar coisas ainda presente, não teve como evitar abrir algumas gavetas, poderia achar remédios, objetos de higiene ou sei lá, mas para seu imenso azar era um montante de gavetas vazias. Fechou a porta e foi na direção da segunda, quando estava para abri-la escutou o ranger um pouco ao longe, inevitável não virar o corpo na direção e cruzar o olhar com o da outra. Teria lhe dito algo, mas pela distância preferiu voltar sua atenção ao combinado e os comandos que tinha recebido. Abriu a segunda porta e era um quarto de criança, muitos brinquedos e decoração rosa, já encardida e empoeirada. Aquilo pegou Richard num ponto muito particular, odiava pensar que poderia ter uma criança passando por isso, virando um drone ou morrendo cedo demais. Suspirou, saindo do quarto limpo e indo em rumo a última porta. Não conseguiria dizer o que aquele cômodo era antes, estava mais vazio que os anteriores, sem qualquer traço característico, mas felizmente também vazio, algo que o fez respirar aliviado, apenas para que tomasse um susto pouco depois. O corpo pulou diante da pergunta da mulher, a mão com o punhal apontou em sua direção por puro instinto, mas quando a reconheceu ele abaixou. “não deveria chegar assim, pelo amor de Deus”, repreendeu fraco e ofegante. “Sim, tá tudo bem, os outros dois são um quarto e um banheiro. Acho que dá pra tirar umas dessas tábuas pra ver melhor lá fora. O que acha? Seria arriscado?”, perguntava com honestidade, pois se conhecendo como conhecia, Rick apenas sentaria no canto daquele quarto e esperaria tempo o suficiente para que os drones sumissem.
Quando percebeu que a casa estava segura internamente, Amelia abaixou a arma como se o objeto pesasse centenas de quilos. Exausta. Era a melhor palavra para descrevê-la naquele momento. Com cuidado, deixou a besta apoiada na parede do cômodo e colocou a mochila no chão. “Não sei”, disse com sinceridade. Não estava mais conseguindo pensar com tanta clareza. “Tem que ver se a madeira vai fazer barulho”, murmurou, percebendo que não se importava tanto com aquilo naquele instante. A prioridade era o remédio. Por isso, logo tratou de começar a desafivelar o cinto da calça que era um pouco mais larga do que ela. Amelia, que já tinha tendência a ser magra por conta da família, havia perdido ainda mais quilos por conta da pandemia. A má alimentação, somada aos exercícios constantes impedia que ela ganhasse muito peso. Abaixou a calça até o joelho, e apoiou as costas na parede, para conseguir deslizar até o chão, sem cair. Não havia pudor de ficar exposta quando a questão era sobrevivência. Contanto que ele ficasse longe, ela não se importava. Parte de si, no entanto, estava ciente do quão estranho toda a cena podia estar parecendo para o homem e, apenas por isso, explicou o que acontecia, tentando colocar humor na voz. “Newsflash: there’s no injured friend”. Falhou na tentativa, apesar do meio sorriso que expôs. Já com a seringa em mão, aplicou o remédio de uma vez, esquecendo que deveria medir a velocidade para não doer tanto. Fechou os olhos pelo incômodo, mas logo tornou a abrir. Em silêncio, guardou a seringa de volta na bolsa, ergueu o quadril para subir a calça novamente e voltou a segurar o punhal. Precisava descansar. “Eu preciso descansar”, externalizou. Com uma mão, puxou a gola da camiseta azul opaco para o lado, sentindo o tecido se despregar da ferida infeccionada. Mostrou o corte paralelo ao osso da clavícula. “Se eu estivesse bem, a gente já teria saído daqui, mas com isso...”, conteve as palavras, irritada de saber que não conseguiria. “Se você quiser sair e tentar a sorte, não tem problema, peço só para não deixar a porta aberta”, avisou, começando a afofar a própria bolsa para usar de travesseiro. Exausta. Precisava dormir. E não apenas pelo efeito do remédio — que ainda demoraria alguns minutos para correr pelo corpo — mas depois de tanta tensão, o corpo não aguentava mais. “E nem pense em se aproximar de mim ou das minhas coisas enquanto eu estiver dormindo”. Acrescentou, olhando bem para ele antes de virar o rosto. “Lembra do que falei sobre diplomacia”.
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Seu desespero era notório, mesmo que não conseguisse ver o próprio reflexo Richard poderia jurar que estava com aquela expressão de pavor e literalmente esperando por ordens, tão diferente de instantes atrás onde só esperava permanecer vivo e odiava completamente tudo que a mulher a sua frente lhe dissera, os braços, os cinco minutos, a voz firme e ameaçadora de repente se tornou exatamente o que ele precisava e queria ouvir naquele momento. Mas então veio o primeiro momento de duvida e incerteza, e ele teria ficado surpreso se não estivesse tão imerso no próprio desespero. “Ok”, foi o máximo que conseguiu emitir. Nem ele julgava uma boa ideia sair dali, a vila pareceu tão suja de inicio que com certeza tropeçariam em algo e fariam algum barulho. Ele olhou envolta tentando achar algo útil quando ela começou a explicar o plano, chamando e prendendo sua atenção de volta a sua feição e palavras. A medida em que avançava na explicação, Rick assentia com um movimento de cabeça apenas para demonstrar que estava presente. Logo sentiu a arma no peito, e a mão um tanto tremula segurou-a pelo cabo, mas sem conseguir evitar o contato com a pele da mulher que estava um pouco mais quente que o normal, úmida até. Estranhou, mas não expressou nada. “certo, esquerda, olho, silêncio, perímetro… consigo fazer isso”, dizia mais como uma forma de convencer a si mesmo do que a outra. Os olhos desviaram por alguns segundos para o punhal na própria mão e flash’s lhe atingiram a mente. Poucas vezes precisou fazer aquilo, era verdade, mas todas elas ficaram gravadas na memória. Respirou fundo, fechando os olhos por alguns segundos em uma pequena prece que pedia por forças naquele momento. Era extremamente contraditório o homem que por vezes parecia não acreditar mais em Deus, acabava sempre recorrendo a ele em horas de desespero. Velhos hábitos jamais morreriam. “Vamos resolver logo isso pra você poder salvar seu amigo”, disse mais firme e seguro, completamente diferente do tom que tinha anteriormente, quase como se tivesse mudado de personalidade. Tomou a frente, um passo de cada vez e com a maior cautela que conseguia. Esquerda, primeira porta e lá estava ele, concentrando-se para o desconhecido.
Amelia costumava tomar um cuidado extremo para não tocar na pele de pessoas desconhecidas. Não gostava de toques em seu corpo quando não tinha intimidade, por mais mínimos que fossem. Em meio ao momento de tensão e urgência, não conseguiu evitar que sua mão esbarrasse na dele, mas isso não impediu que ela recolhesse o próprio braço quase como se tivesse sido queimada. Urgh. Sentiu um arrepio correr pela espinha enquanto evitava ao máximo balançar a mão, como que para se limpar do toque. “Certo, vamos lá”, disse, propositalmente ignorando o comentário sobre o ‘amigo’ dela para se focar na missão. Guardou a seringa rapidamente na bolsa, assim como colocou o punhal de volta no suspensório do quadril. Pegando a besta em um movimento repetido incontáveis vezes, subiu as escadas com a arma erguida, tentando ser o mais ágil possível. Não estava no seu melhor, então concentrava toda a sua força naquela atividade. Virou a direita, caminhando em um corredor deserto para abrir a primeira porta. Vazia. Suspirou de alívio. Era um quarto, com a janela fechada com diversas tábuas e uma mesa de escritório. Foi em direção à porta seguinte. Pegou na fechadura com cuidado, mas ao empurrar, o rangido logo a fez parar. “Shhh”, disse. Não sabia se para o objeto ou para si mesma. Virou a cabeça para trás, vendo que o homem tinha se virado em sua direção, do outro lado do corredor. Quase murmurou um pedido de desculpas, mas não tinha tempo a perder. Com ainda mais cuidado, terminou de abrir a porta. Era um quarto, com um armário vazio, um colchão no chão e uma segunda porta. Era uma suíte. Estava vazia, assim como o banheiro em anexo. A vista da janela, no entanto, dava para o quintal. Ao perceber que a área estava limpa, caminhou rápido em direção ao homem. “Tudo certo por aqui?”, perguntou, ao vê-lo inclinado contra uma janela que também estava fechada com tábuas, tendo apenas alguns feixes de luz livres. Mesmo se não tivesse, ela não tinha muito tempo. Precisava aplicar o remédio.
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Seria muito fácil se ela simplesmente fosse e as coisas ficassem por isso mesmo. Rick quase esquecera todo o momento de tensão inicial, os batimentos acelerados ao ouvir sua voz pela primeira vez, os braços erguidos, o suor nervoso que escorria pela testa. Esquecera de completamente tudo, mas então veio aquele tom de novo, ‘cinco minutos’ que não precisavam ser desenhados, mas ainda assim quase foram, ele riu e concordou com um movimento de cabeça, deixando ambas as mãos a amostra sobre a mesa, como quem dizia que não ia mover um musculo dali. “não vai precisar se preocupar com isso, mas obrigado pelo aviso.”. Acompanhou com os olhos até perder a imagem dela de vista, pela meia parede que divida os cômodos e nesse instante começou a contar. Um mississipi, dois mississipi, três mississipi… já devia estar em dez ou vinte quando a ouviu voltar, interrompendo a contagem. Os olhos claros arregalados se voltaram para ela, “não não não…”, repetiu sem o menor controle enquanto balançava a cabeça para os lados. Ser descuidado com outros seres humanos era uma coisa, pessoas se escondiam, faziam emboscadas e essas coisas, mas o descuido com drones? Qual é Rick, já fomos melhores. Ele pensava. Em um impulso, levantou-se rapidamente e foi na direção da porta, não que duvidasse dela, mas tinha algo na necessidade de ver para crer, que ele sinceramente não conseguia explicar. O olho que se aproximou do olho magico, apenas para ver do outro lado da porta o drone a farejar o ar. Recuou no susto e por sorte não derrubou nada, mantendo o pouco silêncio da casa. Voltou-se então para a mulher, o olhar ainda era apreensivo e perdido. “e-eu… eu tenho uma faca, mas nada além disso, raramente preciso matá-los”, ou gostava de fazer, tantos anos e era difícil acreditar nisso, mas Rick ainda tinha problemas em matar aqueles que um dia foram pessoas. “você consegue correr? geralmente funciona pra mim, se for muito rápido… ou”, os olhos foram em direção as escadas, não tinha chegado a ver o primeiro andar da casa, se era seguro, se aquelas paredes aguentariam alguma coisa, mas buscava por opções. “olha, eu não sou o cara do combate, só se for realmente necessário. Do contrário eu travo, não sei explicar, mas poucas vezes consegui ser útil contra essas coisas”, seu tom tinha uma sinceridade exagerada e até mesmo um apelo, ‘faça o que for não abra aquela porta’, poderia pedir para não ficar sozinho, mas conseguia lidar com isso.
Quando ouviu ele sugerir a possibilidade dela correr, Amelia já começou a balançar a cabeça. Não, aquilo não ia funcionar com ela. Talvez em um outro momento, sem a febre e o machucado, mas sabia ser incapaz de fugir correndo naquelas condições. “Eu...”, não era de ficar sem palavras, só que tudo naquele cenário parecia deslocado. Engoliu em seco. “Não. Não agora”. Precisou admitir, com certa amargura, abaixando a cabeça em frustração consigo mesma. Estava começando a perder as contas dos erros que havia cometido nos últimos dias. Ao ouvi-lo dizer que travava em situações como aquela, ergueu o olhar de novo, mas nem considerou julgá-lo por aquilo — em outro cenário, teria se questionado sobre como o homem conseguiu sobreviver por tanto tempo — apenas recebeu a informação e tentou pensar rápido, recalculando a rota para a opção mais segura. Em meio a tudo isso, ainda tinha a seringa, que precisava ser aplicada em menos de dez minutos. “Okay, so here’s what we’re gonna do...”, respirou fundo, na busca de acalmar o coração acelerado. “A gente vai subir as escadas o mais silenciosamente possível e você vai me ajudar a checar os cômodos, tudo bem? Eu pego os da direita, você o da esquerda. Atenção nos degraus, nas rachaduras e em qualquer coisa que possa fazer barulho”. Podia estar esquecendo alguma outra recomendação, mas ele ia se virar. “Aqui”, entregou um punhal que carregava da reserva dentro da bota, batendo a arma contra o peito dele sobre a blusa. “Hold this”. Eles não tinham tempo para ele procurar a faca dentro da própria bolsa. Amelia tinha um remédio para aplicar. “Mira no olho, é o jeito mais fácil de garantir que o drone morreu”. Ela fez um movimento com o próprio punhal, para que ele visse a rapidez a ser aplicada. “Sem gritos, sem barulho”. Reforçou, rezando à Deus ou ao universo para a casa estar limpa. “E quem chegar no quarto com vista para a rua primeiro, avalia o perímetro. Enquanto a gente estiver aqui dentro, sem que eles saibam da nossa presença, estamos seguros”. Tentava acalmá-lo, mas principalmente garantir a si mesma que a situação estava sob controle. Antes de tudo, ela precisaria aplicar o remédio, mas depois, só poderia encontrar uma outra saída viável se soubesse com o quê estava lidando.
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Então era isso, o que começou como um infortúnio, gerando xingamentos internos e até mesmo um pouco de adrenalina positiva, estava prestes a acabar. Bem, Richard era essa inconstância, por vezes queria estar o mais distante possível, em outras sentia falta da conversa com outra pessoa, por mais arisca que fosse. Suspirou e concordou ao ouvir o comando, retomando a postura ereta na cadeira, puxou de volta para si o frasco e a seringa, tirando a segunda da embalagem, removeu o lacre do vidro e só então a tampa da agulha. “Você vai querer agitar o vidro um pouco, se precisar conte até cinco”, informou enquanto agitava o frasco e depois o inclinava para furar o lacre interno com a agulha. “depois deixe um pouco inclinado e puxe até o um pouco depois do dez”, e sim ele se lembrava de ter dito nada mais e nada menos antes, mas logo explicaria. Removeu a agulha e deixou o frasco pela metade sobe a mesa, indicador e polegar contrários deram três petelecos na seringa, “e então você empurra um pouco pra tirar esse ar que fica e ele vai pro dez”, completou por fim colocando a tampa na agulha e empurrando tudo de volta na direção da mulher. “tente marcar as vinte e quatro horas para aplicar o restante. Seu colega deve ficar novo em dois ou três dias, mas lembre que também vai causar muito sono, então seria bom deixar um pouco de água para manter a hidratação nos momentos em que ele despertar”, voltou a se recostar, mas antes de que esquecesse completou “e lembre de limpar a ferida com um pouco de soro, deixar sempre limpo ajuda a não contrair mais nada”. Agora sim havia terminado, sua atenção fixa a mulher apenas a espera de sua partida. “foi ótimo fazer negócios com você”, disse com sinceridade apesar de tudo. Se ela não virasse e o matasse, teria sido um ótimo negócio mesmo.
Amelia acompanhou os movimentos dele com uma atenção extrema, gravando a ordem dos passos na mente para depois poder reproduzir da mesma maneira e diminuir o risco de errar. Assim, logo que ele acabou, estendeu a mão para pegar a seringa e o frasco, tomando um cuidado imenso de não tocar na pele dele nesse processo. Em sua mente, já sentia o relógio correndo contra o tempo. Não queria que o remédio perdesse o efeito. Mecanicamente, respondeu: “o prazer foi todo meu”. Reorganizou as próprias coisas, colocando a mochila contra as costas, já sem conseguir esconder tanto o incômodo pelo esforço, e se levantou. No fim, aquilo não ia importar muito porque ela fugiria da vista dele em poucos instantes. Com o punhal em uma mão e a seringa na outra, se virou na direção do homem, que a observava. “Você”. Fez uma pausa, sentindo a exaustão tomar conta do próprio corpo, “Você espera aqui ao menos cinco minutos”, outra pausa. Ergueu a mão com o punhal e reforçou a informação com os dedos da melhor forma possível. Cinco minutos. “E se eu perceber que está me seguindo...”, virou a cabeça um pouco para o lado, como se imaginasse a cena. Seria decepcionante, mas nada surpreendente. “Bom, garanto não ser diplomática da próxima vez que a gente se cruzar”. Deu um breve sorriso, talvez um pouco hostil, antes de caminhar em direção à saída, focada na seringa que levava na mão. Precisaria agir rápido. Entrar na próxima casa, checar o perímetro — dessa vez, e criar um tipo de refúgio para permanecer até se sentir mais fortalecida. Não tinha como seguir tentando se esconder em campos ou florestas. No entanto, ao fazer o habitual movimento de checar a rua antes de abrir a porta, o coração pulou uma batida. Porque do lado de fora, havia não um, mas três drones. De onde eles haviam surgido? Ela não era de ficar desesperada por pouca coisa, mas naquelas condições, mal tinha forças para matar um, quanto mais três. Tentou pensar com a razão, montar uma estratégia. Ela teria que ser rápida, talvez usar logo o punhal — torcendo para o arremesso ser certeiro — e usar a besta para matar os outros dois. Suspirou. Já tinha passado por coisa pior, aquilo não era tão difícil para ela em situações normais. Porém, quando estava prestes a se preparar, conseguiu ver mais outros dois drones pelo olho mágico da porta. Aquilo mudava tudo. Três era difícil, mas talvez conseguisse se fosse rápida, agora cinco, nas condições que ela estava, era impossível. Foi por isso que se viu retornando para a cozinha, de forma mais silenciosa possível. “Hey, you”, falou em um sussurro, chamando a atenção dele. “Está armado? Acho que a gente está cercado. Eu vi pelo menos uns cinco drones do lado de fora. Você chegou a ver algum quando estava no vilarejo?”. O que ela estava tentando entender era: de onde eles tinham saído?
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Rick sorriu diante da resposta um pouco irritadiça e assentiu. Realmente era diferente ter outra pessoa para conversar, temperamental, mas não tão chata quanto ele mesmo quando cisma em conversar sozinho. “Sim, trocando. Mas ainda nas trocas existem alguns limites… de qualquer forma, obrigado por ser justa.”, pois ele sabia que era muito mais simples matar e pegar, do que se preocupar em oferecer algo de volta, do que ainda gastar alguns minutos ali com ele, papeando sobre os insumos de cada um, quando ela tinha um colega com uma infecção gravíssima a cuidar, ao menos foi isso que lhe disse e ainda assim, não demonstrava pressa alguma. “Nada nunca foi de graça, não era antes, seria ainda menos agora. Mas entendo o que quis dizer”, completou por fim permitindo-se relaxar completamente na cadeira, pernas esticadas a frente, postura um tanto curvada, a coluna não chegava a encostar na madeira e ele respirou aliviado pela primeira vez durante aqueles poucos minutos em que estavam juntos. Ao menos o fez antes que ela falasse sobe ‘santos’, algo que ainda era difícil de engolir e que o colocava em conflito interno. Mas ela não o sabia, não tinha como saber. Ou tinha? Chegou a levar impulsivamente a mão ao peito, apenas para ter certeza que a cruz que tinha envolta do pescoço não estava a amostra. Algumas coisas eram mais difíceis de se desapegar do que outras, e felizmente não havia utilidade para ouro ou prata no apocalipse, ninguém jamais o atacou por isso. “Claro, lembrarei de agradecer nas minhas orações, como se ainda tivesse alguém ouvindo do outro lado”, brincou mais consigo mesmo do que com ela. O riso debochado e menear de cabeça apenas apontavam sua descrença e frustração, muitos problemas internos para um homem só. “Bom, eu posso preparar para você, mas vai precisar aplicar rápido, terá aproximadamente dez minutos antes do líquido mesmo endurecer no plástico.”. Sem considerar a margem de erro, jamais viu os pais fazerem aquilo e as vezes que presenciou foi quando ele mesmo precisou ir para uma emergência tomar. Nos anos apocalípticos também teve sorte de não se demorar, então era difícil saber se ia durar ou não.
Revirou os olhos quando ele agradeceu por ela ser justa, sem conseguir se conter. Em outra situação, poderia até ter grunhido com tal agradecimento. Por algum motivo que não conseguia entender ou explicar, Amelia se irritava com pessoas que agradeciam pelas mínimas coisas. Era como se ela quisesse pular de uma vez aquela parte de formalidade e simpatia forçada, por não acreditar que a outra pessoa estivesse genuinamente grata. Sempre ponderava que a simpatia se devia por medo, ou interesse ou...qualquer outro motivo do que a gratidão por si. Era complexo, porque ela mesma, por vezes, se tornava no tipo de pessoa que agradecia. E ficava revirando os olhos internamente para si mesma, completou mentalmente. Bom, o ponto foi que, passado o agradecimento e o baixo resmungo sobre as orações, ela logo assentiu ao ouvir o alerta dele. “Sem problema”, ela pegaria a seringa com a dose correta, escaparia dali o mais rápido possível — talvez entrasse em uma das outras casas da vizinhança — e aplicaria da forma recomendada. “Pode preparar”.
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Curiosos que ele fez a pergunta, mesmo sabendo que não teria o material para oferecer. Sorriu sem jeito, levando uma das mãos até a nuca, os dedos enroscaram entre os cabelos, coçando a região. “É, eu não teria. Mas vamos torcer para que não precise então.”, comentou com sinceridade antes de ouvir a oferta ser aumentada. “está dispondo tanto assim para sair distribuindo dessa forma? Não que seja distribuir, mas enfim, é estranho”, deu de ombros ao final, talvez ele que fosse desconfiado demais, ou algumas pessoas ainda tinham salvação, não tinha como saber, para isso precisava abrir espaço, deixar que o outro entrasse e todas as vezes em que fez isso, se desapontou profundamente. O olhar por mais que não direcionado a ela, ainda conseguia acompanhar alguns movimentos calculados, tudo nela parecia muito bem calculado, como quem tinha algo a esconder, mas quem ali não tinha? Suspirou, deixando que um pequeno riso escapasse diante do comentário feito pela mulher e ele teve que concordar, ele foi impulsivo ao compartilhar aquela informação. “acho que por um instante esqueci a realidade na qual vivemos hoje, as coisas ainda se confundem mesmo depois de tanto tempo”, sem contar também que era tão raro interagir com outra pessoa, que se tornava fácil deixar levar, conversar sobre coisas como se fossem amenidades e realmente como se tudo fosse simples. “vou considerar que tive sorte dessa vez por encontrar alguém diplomático”, finalizou, resolvendo sentar-se em frente a ela naquela mesa, talvez pudesse ser mal interpretado, ameaçado outra vez e ter uma arma em sua direção, ou pior uma flecha no meio da testa. Os olhos agora mais confortáveis com a figura, se permitiam vagar curiosos pela imagem e postura dela, o corpo ainda parecia um tanto curvado, tinha alguns fios de cabelo grudados a testa, talvez estivesse quente ou correu demais para chegar até ali, parecia tão cansada. “intramuscular, as pessoas costumavam aplicar nas nádegas ou coxa, então vai ser onde seu colega se sentir confortável. Só lembre de manter a constância, não vai querer que a agulha acabe entupindo, ou apertar muito rápido pois causa algum desconforto.”.
“Não estou distribuindo, estou trocando”, corrigiu com certa irritação, muito mais pela frustração dele não ter os insumos do que pelo comentário em si. “Claro que não tenho tanto assim”, apesar de que caçar um animal era mais fácil do que conseguir remédios, mesmo com a aproximação do outono. E que, na realidade, ela tinha garantido uma boa reserva de comida. “Só não iria pegar sem oferecer nada em troca, porque não imagino que agulhas e linhas sejam de graça”. Tamborilou os dedos na mesa, sem perceber, enquanto voltava a estudar as feições alheias. Mesmo com a diferença de altura entre eles, e o fato de que o homem seguramente seria capaz de lhe erguer ou empurrar em uma eventual luta corporal, Amelia não o considerava tão ameaçador. Podia ser só uma fachada, podia ser um personagem que ele assumia para aparentar fraqueza e atacar quando as barreiras da outra pessoa estivessem mais baixas. Não iria descartar aquela possibilidade. No entanto, ao mesmo tempo, era como se ele tivesse deslocado de alguma forma, um pouco inseguro de como agir — e essa percepção dela não se devia ao fato de que estava armada. Ele não sustentava o olhar por muitos segundos, abaixava a cabeça vez ou outra, ponderava as próprias ações. Ao ouvir o comentário dele sobre ter sorte dela ser diplomática, foi preciso um certo esforço para conter um sorriso. Havia um humor não intencional ali. Chegou a ser engraçado. “Sim...”, concordou sem saber muito o que dizer. “Agradeça aos santos pela sorte”, comentou, inconscientemente repetindo a frase que o pai costumava falar. Já ao ouvir as orientações sobre a aplicação da insulina, assentiu com a cabeça, mas temia que aquilo não fosse o suficiente. Ainda optando pela diplomacia, pediu: “poderia colocar uma dose na injeção para eu ver como faz?”. Porque até mexer no frasco e colocar a quantidade correta parecia uma tarefa difícil.
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