blog privado, 1x1. call her isabel (partner: @bloominginpain)
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Seria inocência demais achar que ouviria outro tipo de resposta — e Isabel repreendeu a si mesma com uma falsa tosse. É claro, a escolha de sua pessoa não havia sido com base em sua aparência ou outras qualidades. Era política, ligações que poderiam ser duradouras e que beneficiavam ambos os lados com riqueza e proteção. Ainda assim, era estranho imaginar ter sido escolhida, principalmente por ter vindo de tão longe. Sua mente se enchia de perguntas, curiosidade impetuosa que a instigava mais. Vikram, por outro lado, tão suscetível e aberto de algum jeito, ainda não poderia dar todas as resoluções que buscava. Ela sentia isso, de algum jeito, mas sim. “Você me achou bonita?” A surpresa se fazia presente em seu tom de voz, fazendo com que sua atenção se voltasse completamente a ele. Os olhos levemente arregalados também contrastavam com o seu estado ao ouvir isso. De repente, o corpo foi tomado por breve arrepios, sentindo a palma que segurava a dele esquentar, involuntariamente oferecendo um aperto gentil, trazendo a mão dele para um pouco mais perto do próprio corpo. Aquele contato, de algum jeito, não parecia ser o suficiente. O inconsciente precisava de um pouco mais. “Quer dizer, bonita como distinta, certo? Você nunca havia visto outra mulher… como eu?” Rir não fazia parte de seus planos, mas o leve gargalhar escapou da imperatriz que usou da mão livre para cobrir a boca. “Não estou rindo de você, mas…” De certo modo, aquela fala era inocente e pouco se assemelhava ter vindo do homem imponente e que havia julgado como sem coração que havia conhecido antes. Ele também era diferente. E Isabel gostava daquilo. “Acho que você me entendeu. Porém, fico feliz em ouvir isso. De verdade. Quando armei aquelas prévias situações, tentando persuadi-lo de algum jeito… Foi por desespero. As pessoas falam demais, e eu ouço demais. Ser imperatriz-” Sussurrou ao notar a presença de pessoas que não combinavam com a política, vestes e hábitos dos outros que viviam dentro do palácio. Distraída com o que pensava e falava, Isabel só havia notado que o lugar que agora chamava de lar havia ficado alguns muitos passos para trás. “e não ter muitas funções fazem com que você tenha tempo para prestar atenção no que dizem por aí.”
A mão que ainda tinha pressionada a boca deslizou pelo lenço, prezando ainda mais pela discrição. Nada poderia afetar o agradável percurso que ela esperava daquele passeio. “O que iremos fazer a seguir… Vi… Vi?” Falar o nome inteiro de outrem poderia ser um perigo. De repente, mesmo coberta, Isabel conseguia atrair olhos curiosos. Um pouco nervosa, ela poderia dizer como se sentia. A ação alheia fez com que precisasse buscar refúgio no corpo do homem; a mão que segurava a dele subiu ao braço e instintivamente, prendendo-se ali, tão inocente quanto uma criança com medo. “Sobre o que vamos fazer. O que vem a seguir?” Sussurrando, sua dúvida era ambígua. Buscava resposta sobre tudo, afoita para entender o que seria por diante de sua vida como esposa de alguém que não estava inclinado, como havia atestado antes, a pôr em prática a vida esperada entre marido e mulher. Amigos, então. Entretanto, precisava encerrar as vozes em sua cabeça, por um fim naquele fio frágil de angústia que ainda a atormentava. Contudo, era imprescindível lembrar que nada, ou até mesmo ela, poderia estragar aquele momento. Mais uma vez, Isabel repreendeu a si mesma, balbuciando um xingamento. Um passo de cada vez. “O que vamos fazer hoje? Conhecer o centro? As lojas? Falar com algumas pessoas? Deixe-me lembrá-lo que sou horrível e pouco sei falar na língua do seu reino. Está sendo ótimo, mais que satisfatório na verdade, em tê-lo se comunicando em minha língua materna. Prometo que aprender a sua língua será meu maior objetivo quando voltarmos ao palácio.” Pela aproximação, era inevitável não sentir o cheiro da pele que tanto apetecia aos seus sentidos. Dessa vez, não havia ervas ou algo que remetesse a remédios e chás. Era melhor, mais fresco, doce e ainda assim viril, combinando com a sua pessoa. “Você cheira tão bem.” Deixou escapar. Por alguns instantes, quase se deixou ir pela vontade de encostar seu nariz e inspirar um pouco mais do aroma que começava a entorpecer os próprios sentidos. “Bem. Muito bem.” Evitando uma cena que poderia deixá-lo desconfortável, Isabel virou o rosto para o lado contrário, agradecendo a si mesma pelo lenço que cobria parte da face, impedindo que a vermelhidão estivesse tão notável aos olhos de qualquer um. E aos olhos dele.
Ver Isabel abrir um sorriso ao estarem na parte de fora e exalar o ar puro que a manhã trazia fez Vikram desejar que ele tivesse tido essa ideia antes. Naquele momento, sem a maquiagem pesada e os quilos de ouro enfeitando o corpo pequeno da esposa, Isabel parecia genuinamente de tirar o fôlego ─ só então o imperador percebeu o quanto gostava de vê-la feliz. Naquele momento, fez para si mesmo a promessa de que faria de tudo para que isso se repetisse, para que ela continuasse a sorrir e a rir; descobriria seus gostos, a levaria a passeios, traria de sua terra natal coisas que ela gostasse, o que fosse necessário para manter aquela expressão jovial de alegria no rosto. Aqueles sentimentos eram perigosos; nunca em sua vida havia sentido o desejo tão genuíno e completamente altruísta de fazer outra pessoa feliz. É claro que Isabel merecia, isso não era dúvida nenhuma ─ mas as distâncias que ele se descobria capaz de percorrer para tornar isso realidade era o que o assustavam e preocupavam. Talvez justamente por isso sentiu seu coração doer de maneira inimaginável quando a imperatriz relatou sua profunda infelicidade ao chegar em seu reino. É claro que ele sabia, racionalmente, que ela fora infeliz naquele momento; isso era óbvio para qualquer um. Mesmo assim, ouvi-la relatar aqueles momentos fez com que ele odiasse a forma com que a tratou, a distância, a indiferença e os insultos. Queria voltar ao passado e estapear a si mesmo, ou ainda mais, apagar tudo aquilo da existência. Ele sabia, porém, que isso era impossível; ele era apenas senhor do seu próprio presente e de suas ações futuras.
Parou para pensar nas perguntas dela, a ajudando a ajeitar o lenço sobre o rosto com cuidado. "Receio que também não tenha uma resposta que vá te satisfazer", ele disse enquanto voltavam a andar, pegando mais uma vez a mão da esposa na sua ─ parecia o certo a se fazer. "Escolher você foi uma decisão estratégica. Eu estava escolhendo a aliança do seu reino, afinal de contas, e não você como pessoa." Ele se lembrava de como havia sido feita a escolha, com a presença de inúmeros conselheiros, mapas e brasões. Por horas e horas deliberaram as vantagens e desvantagens das candidatas, sem por um milésimo de segundo considerar os sentimentos e sonhos das meninas a serem avaliadas. Vikram sentia nojo de si mesmo ao pensar naquilo. "Quando te conheci... você parecia assustada e com raiva. Perdida, também. Deslocada nas vestes do meu povo." Ele se lembrava daquele dia com uma clareza absurda, como se tivesse sido horas antes. "Mas também tão, tão corajosa", sorriu. "Me enfrentar daquela forma, dizer tudo o que me disse. Foi inevitável te admirar ao menos um pouco, apesar de tudo." O que ele não dizia era o quão linda a havia achado, o quão surpreso havia estado ao olhar naqueles olhos tão verdes pela primeira vez. "Você era bem diferente das mulheres do meu povo, eu nunca tinha conhecido uma mulher parecida com você antes. Achei que fosse achar esquisito ─ a pele clara, os cabelos, os olhos. Mas não era. Esquisito, quero dizer." Se atrapalhou um pouco; corou, pigarreou de leve, olhou para o lado. "Achei você muito bonita", acabou por confessar.
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Novamente, havia algo diferente no ar. Isabel o observava atentamente, tentando compreender o que estava sentindo, sem tomar qualquer decisão descuidada, sem arruinar o que estava começando. A sós, ela pensava no que estava mudando e no que estava tornando-se confortável. Seus planos iniciais de fuga perderam força, e já acostumada, não se enxergava fora, pelo menos, até o momento do palácio. As diversas cartas que escrevia desesperada para os pais ou para qualquer um que pudesse ajudá-la foram queimadas, apagadas de vez da existência, não sendo mais um empecilho para aquela paz mútua que crescia entre os dois. Isabel poderia afirmar estar feliz. Ainda que seu coração pesasse para alguns assuntos, não existia mais espaço para as noites que acabavam em choro e a incerteza sobre sua posição no lugar. Não mais. A confiança que sentia já bastava para aplacar qualquer sinal negativo que pudesse levá-la a revisitar o estado de antes. Por todo o percurso pelo caminho que jamais acreditaria ter tão perto de si — seria usado em outro tempo quando sua única ambição era escapar — Isabel permaneceu em silêncio. O toque das mãos, de certo, repercutiu mais uma daquelas novas emoções, uma leve energia que ultrapassou todo o corpo, arrepiando a pele, fazendo com que acreditasse sentir frio. Ouvi-lo tão animado e relaxado, longe da sombra imponente que precisava ter como imperador, era energizante, quase capaz — ou realmente era — de fazer seu coração disparar como jamais havia acontecido, além de momentos de puro nervosismo; e ela não estava nervosa. Os dedos que tocavam o dorso da mão alheia apertaram-se um pouco mais, como se fosse necessário alertar o cérebro que aquilo era real. Se não se enganava, era a primeira vez, por livre e espontânea vontade, que ele tocava sem estar envolto da típica nuvem de pressão que outrora exalava sempre que precisavam estar juntos. Algo estava mudando e era quase uma questão de honra descobrir o que poderia acontecer em seguida. Era óbvio também; Isabel não era tão boba como aparentava. Ainda que considerasse seus novos sentimentos uma quase completa incógnita, em uma de suas reflexões, considerou o que jamais acreditou que um dia aconteceria. Não ali, não com ele e nem com mais ninguém — amor, estar apaixonada. Mas como isso acontecia? Bastou um momento vulnerável para enxergá-lo de uma forma diferente? Era tão fácil como nos livros proibidos que lhe eram emprestados?
Ao atingir o exterior, perdida nos pensamentos e na intensidade de como o observava, a imperatriz parou finalmente para admirar aquela parte que não tinha muita oportunidade de ver. Um pequeno sorriso cresceu em seus lábios e ainda de mãos dadas com ele, caminhou alguns passos sozinha para frente. Por um breve instante, ela fechou os olhos e inspirou o ar com força, expirando logo em seguida. Seus dedos voltaram a apertar a mão de outrem, trazendo ambas para perto do rosto, performando algo inesperado, até mesmo para si mesma; um breve mas caloroso beijo na mão do homem que agora apenas inspirava a si nada além de confiança em conforto. Será se aquilo eram indícios de que estava o enxergando de forma diferente? Não poderia estar acontecendo de forma tão rápida. Não depois do que disse a ele em outras ocasiões. “Não tive uma boa impressão.” Disse um pouco séria enquanto os traços do rosto voltavam à neutralidade, deixando com que a visão se perdesse em qualquer outro ponto, desde que não fosse ele. Parecia estar sendo difícil adereçar aquela particular informação a ele. “Quando fui informada que seria removida do meu retiro, da minha preparação para me tornar uma freira… eu o detestei, assim, como também a meus familiares, com força. Chegar aqui com o coração e a mente nesse mesmo ritmo também prejudicou a minha forma de enxergar o exterior. Então, a resposta para a sua pergunta é…” Suspirou, e um pouco desgostosa, desvencilhou-se do toque dele, praguejando baixinho por ter precisado fazer isso. “Apenas uma impressão amargurada. Odi-” Interrompendo a si mesma, Isabel levou uma mão até a boca, mais uma vez praguejando em repreensão a si mesma. Odiar era forte demais e ainda que desejasse falar isso, não era aquilo que sentia no momento de sua chegada. Talvez o desapontamento e uma tristeza que poderia corroê-la de dentro para fora se permitisse. Mas ódio? Não. “Não gostei nada do que vi. Se vi, na verdade. Do navio que me trouxe até aqui e até o palácio, não vi muita coisa. Estava chorando ou de olhos fechados…” Sua fala, assim como as palavras que desejavam escapar de sua boca, estavam afogadas em sinceridade. Mas diferente de outros momentos, ela se sentia confiante para expor aquilo. Não existia mais a necessidade de esconder. Para tentar remediar também, Isabel forçou um sorriso que se tornou natural aos poucos. Aproximando-se dele, ela estendeu a mão com a plena intenção de que a pegasse. Por um breve período de tempo, a necessidade de abraçá-lo quase tornou-se gritante, assim como beijá-lo. Sem as roupas com tecidos extravagantes, a maquiagem citada e todas as jóias e ouro que pudesse contar, Vikram atingia um outro patamar, estonteante na simplicidade, atraente aos olhos claros da mulher, arrancando pequenos suspiros, inebriando outros sentidos… Isabel mordiscou o lábio inferior, desviando a visão para o lado. Suas bochechas aparentavam queimar e sua boca, de alguma forma, parecia seca, apesar de não sentir sede. “De certo, acho que você mudará a minha visão com o nosso passeio. Esse é meu lar agora. Preciso conhecê-lo um pouquinho, com mais intenção e boa vontade… E me sinto assim agora. Me sinto confortável para tudo isso.” A outra mão livre foi ao lenço sobre os ombros, puxando-o para cobrir os cabelos e ajeitando-o sobre o rosto. Poderia não servir de muito, mas já era o bastante para esconder grande parte gritante de suas características físicas que iriam destoar com o resto das outras pessoas ao seu redor. “Qual foi sua impressão ao me escolher?” A pergunta saiu ligeira, fruto da curiosidade também atiçada pela pergunta feita por ele. “Qual foi a sua impressão ao me conhecer?”
Cheia de vida. Se havia um adjetivo que Vikram pudesse usar para definir a esposa, cheia de vida certamente era o escolhido. Abriu um sorriso divertido enquanto observava Isabel pegar a bolsa de tecido e descobria as roupas dentro dela, logo adivinhando o que fariam naquele dia. "Vamos sair do palácio", confirmou com um sorriso. "Ontem eu estava pensando em como você já está aqui há um tempo considerável, mas ainda não conheceu o reino de verdade. Então hoje eu pensei em apresentá-lo a você." É claro que poderia ter feito isso de uma maneira mais formal, com carruagens, guardas e oficiais, a levando para conhecer os pontos turísticos e os bairros mais nobres, mas aquilo não a faria conhecer o lugar de verdade; de certa forma, seria como uma espécie de mentira também. Se aquela era a forma mais orgânica de dar a ela um tour pelo lugar, então ele o faria, mesmo que aquilo fosse se tornar um escândalo caso descobrissem. Deu risada enquanto ela correu para se trocar, evitando olhar para ela em suas roupas de dormir por uma questão de respeito. "O sol ainda não nasceu. Sei que é cedo, mas qualquer hora mais tarde do que essa e não conseguiríamos escapar dos servos e de nossas obrigações. Essa foi a única forma que pensei que poderíamos fugir do palácio." Fugir, como se fossem dois prisioneiros daquelas paredes, e não os seus donos. Vikram, mesmo em toda a sua pompa e riqueza, às vezes se sentia exatamente assim: como um prisioneiro de seu lar e de sua maldição. Ele imaginava que Isabel sentisse o mesmo, e talvez em escala ainda maior do que ele. "Posso até fingir ter um rosto elegante quando ele está coberto de maquiagem e ouro, mas assim, com as cicatrizes expostas e barba por fazer, tenho certeza que posso me passar por um homem comum. Você é quem terá mais dificuldade em fazer isso, suponho." Era impossível disfarçar o fato de que Isabel era uma estrangeira, diferente das mulheres do país em absolutamente tudo, e justamente por isso ela teria que esconder o rosto. "Vai ser seguro porque você está comigo. Não precisamos de guardas, não vou te levar até nenhum lugar perigoso. Vamos ir e voltar em algumas horas, e ninguém terá coragem de me interrogar, ou a você. Será o nosso segredo." Uma vez que ela se aproximou dele, se levantou da cama e pegou o lenço sobre os ombros dela para cobrir os cabelos e o rosto com cuidado. O gesto foi feito de forma delicada, e os olhos se prenderam nos dela por um momento onde seu coração vacilou. Subitamente envergonhado, desviou dos olhos claros e se afastou. "Pronto. Venha comigo."
Pegou a mão delicada da imperatriz na sua e, ao invés de ir para a porta, a direcionou ao quarto de vestir, onde tirou uma longa tapeçaria do lugar para revelar uma porta discreta. "Uma coisa que você deve saber sobre este lugar é que quase todos os cômodos possuem passagens secretas. Eu não recomendo que você as use sem mim, porém, ao menos não até se acostumar com elas. Esses corredores são verdadeiros labirintos." Pegou uma lamparina do lugar e a acendeu, voltando a segurar a mão de Isabel com a livre para levá-la pelos caminhos escuros e úmidos que se escondiam atrás das paredes do castelo, e após algum tempo andando, finalmente chegaram ao ar livre, saindo por uma parede nos fundos do palácio. Vikram sorriu com o aroma de orvalho da manhã, o céu escuro começando a clarear com os primeiros raios de sol, e se virou para Isabel com um sorriso animado no rosto. "Isso vai ser uma exploração para mim, também. Faz muito tempo que não saio do palácio para passear pela cidade, anos talvez." A guiou com cuidado até fora da propriedade real e passaram a andar, lado a lado, na pequena estrada que levava à cidade. Vikram percebeu então que as mãos dos dois ainda estavam unidas, mas naquele momento não sentiu vontade de soltá-la; só o faria se Isabel expressasse o desejo primeiro. "Qual foi a primeira impressão que teve da minha terra quando chegou aqui?" A pergunta era feita de forma amistosa e com genuína curiosidade.
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Com o passar dos dias, as aflições se dissiparam, assim como os pensamentos rebeldes. Isabel se sentia mais confortável, aceita pelo espaço, pelas pessoas e por Vikram. Sua presença lhe trazia ainda mais conforto, suas poucas palavras conseguiam causar algum impacto e tê-lo tão mais próximo de si, de certo, era diferente. Um diferente bom. Estar casada naqueles termos não parecia ser um fardo tão ruim a se carregar. Se não houvesse amor, haveria o respeito, uma amizade que, com certeza, teria como contar quando precisasse. Ele parecia fazer questão de demonstrar aquilo. Assim como aquela animosidade, Isabel acordava todos os dias na expectativa, à espera de mais um novo encontro, de mais uma nova particularidade que iria conhecer de novo e de novo. Vikram era um homem complexo com camadas interessantes e que esperava ansiosamente para desbravar. Mas claro, no devido tempo. Apressar algo que ainda estava nascendo era completamente algo fora de questão. Além disso, as pessoas começavam a enxergá-la de forma terna, ainda que estivessem à espera de um herdeiro. Uma pressão de cada vez, ela pensava. Seus sonhos, apesar dos bons dias, eram inundados de preocupações, como se a própria consciência fosse incapaz de se desligar para descanso. Teria ainda mais provações para passar, precisava pensar mais para se manter forte. Algo ali indicava que teria mais trabalho. Diante daqueles devaneios disfarçados de sonho, Isabel achou ouvir a voz do marido de longe, chamando-a, rouca e baixa, um convite para que abrisse os olhos. Aos poucos, ela se deu o vislumbre da presença alheia, muito mais próximo do que havia conseguido, desde aquele momento frágil que havia desencadeado tudo aquilo que agora viviam.
Calmamente, levantou-se, sentando sem fazer muitos movimentos bruscos, estudando-o atentamente, buscando suas reais intenções. A bolsa, que ele trazia consigo, tornou-se objeto de sua curiosidade. Apenas assentindo com um pequeno sorriso, Isabel, sem esperar qualquer comando por parte de outrem, puxou a bolsa para o próprio colo, tomando razão de que eram roupas, ainda parecidas com as que vestia diariamente, porém ainda mais simples que o normal. Seus olhos dançavam entre ele e as roupas, buscando a lógica para aquilo tudo, até começar a assimilar o pedido da noite anterior até o momento em que se encontravam. “Vamos…” Levou uma mão até a boca, desejando abafar ainda mais o som que produzisse. “Vamos sair do palácio?” Vikram conversava de forma orgulhosa de seu trabalho como imperador, e Isabel, esperava conhecer os seus feitos. Se era aquilo que ele havia planejado, então, não perderia tempo. Em um único impulso, Isabel jogou-se para fora da cama, correndo para o pequeno cômodo ao lado para trocar de roupas, sem se importar anteriormente em ser vista em vestes tão informais — a camisola de tecido tão fino e ainda mais branca que a própria pele. “Você sabe que horas são? Ainda está tão escuro…” Não que isso fosse um empecilho para toda a animação que estava sentido. A imperatriz sentia-se ainda mais energizada, pronta para qualquer coisa que a si fosse proposta. “Você vai me levar para conhecer a cidade?” Disse ao parar às pressas (uma cena cômica, já que corria na ponta dos pés com a única finalidade de não causar barulho). “E é seguro? Digo, as pessoas não irão reconhecê-lo? Seu rosto por si só já clama por luxo, realeza, palácios e é claro, o imperador.” Isabel gesticulava, movendo o corpo na mesma intensidade, excitada com os próprios planos que criava para si mesma na mente. Desejava conhecer as pessoas, os espaços. Desejava mais que tudo conhecer além dos limites que o palácio oferecia. Queria mais. “Vamos apenas nós dois? Sem mais ninguém? Sem guardas?” Sobre os ombros estava um longo lenço, que em sua concepção, seria usado para cobrir a cabeça, e talvez, o rosto também. “Vamos? Mas vamos onde? Por favor, conte tudo!”
THIS CAN BE OUR ADVENTURE.
Os dias se passaram e a recuperação de Vikram veio com altos e baixos, apenas se consolidando na semana sem transformações. Durante esse tempo, o imperador diminuiu suas obrigações para o mínimo, focando em descansar para se recuperar o máximo possível enquanto pudesse. De qualquer forma, após a ajuda de Isabel e o tempo em que descansou em seus braços, a fera pareceu significantemente mais calma nas noites em que se seguiram, sem novos ferimentos graves para piorar sua situação. Seu comportamento em relação a Isabel também mudou de forma considerável nos dias que se seguiram; ele fazia todas as refeições com a esposa e conversava com ela amigavelmente, interessado em saber sobre sua vida antes dali e sobre sua cultura. Havia levado a sério o compromisso de se tornarem amigos, tentando ao máximo ignorar os sobressaltos de seu coração quando ela estava por perto. Amigos era um lugar seguro; mais do que isso traria sofrimento demais a ambos, e quanto mais o tempo passava, mais ele queria que Isabel ficasse ilesa de qualquer sofrimento possível.
Agora que estava mais descansado e revigorado, Vikram queria colocar em prática o plano que havia preparado consigo mesmo em seus dias de recuperação. Saiu da cama antes do sol nascer e de seus criados acordarem e, em roupas comuns, se esgueirou até o quarto de Isabel. Havia recomendado à esposa que dormisse cedo no dia anterior pois teria uma surpresa para ela e, entrando no quarto alheio com cuidado, foi até a cama dela. Não conseguiu evitar um sorriso ao perceber como ela dormia de forma pacífica, o quão doce ela parecia naquele momento, e se sentou na beirada da cama, roubando alguns instantes simplesmente para admirá-la assim. Balançou a cabeça, ralhando consigo mesmo por agir tão tolamente, e tocou no braço dela com cuidado, em um carinho suave antes de chacoalhá-lo devagar. "Isabel? Acorde", chamou com a voz suave, temendo ser ouvido por qualquer outra pessoa. "Se não acordar logo, não conseguiremos sair antes que os servos venham nos arrumar." Preparado para tudo, ele trazia uma bolsa de pano com roupas comuns para ela também; aquela seria a pequena aventura dos dois.
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Não havia preocupações, por dizeres menores, angústia ou qualquer resquício de rancor. Isabel continuou presa a Vikram, os braços bem posicionados com o mais extremo cuidado, mas mantendo-o perto, assegurando a si mesma que aquilo, de certo, havia sido um erro, um evento não calculado e que ele logo estaria melhor. Mas por quê seu coração queria alertar ao contrário? Por quê ainda não parecia certo? Perguntas e dúvidas surgiam em profusão, tornando difícil pensar de forma mais clara e sensata. Apesar disso, insistir não era algo que ela deveria tentar. Não enquanto ele estivesse daquela maneira. Por alguns minutos, a imperatriz se manteve calada sem mais palavras, inspirando e expirando profundamente e em silêncio. Seu corpo, além da mecânica da respiração, se manteve imóvel. Tê-lo tão perto, outrora, era algo inadmissível. O que havia mudado então? Compaixão? Empatia? Pena? Isabel estava perdida em um mar de emoções e de sentimentos que não eram compreensíveis tão nitidamente. Naquele momento, a razão não se fazia presente, e era pouco requerida também. Estar ali, ainda que sem a prévia permissão alheia, parecia ter sido a coisa mais certa que havia feito desde que havia chegado em terras estrangeiras. Procurando mirá-lo nos olhos mais uma vez, ela se deparou com as lágrimas que antes havia tentado deixar passar despercebido. Sem perguntas, pensou antes. Contudo, vê-lo novamente daquele jeito instigou o ímpeto de ouvir mais uma vez que estava bem. Seu coração demandava aquilo. “Está doendo muito, certo? Tem certeza que não deseja que eu chame alguém que o ajude propriamente? Talvez… algumas ervas, um pouco de água morna… CHÁ! Um bom chá para fazê-lo dormir, acordar melhor, aplacar o que está sentindo e…” O coração pareceu dar uma pontada. Quem queria enganar? Ele não estava bem. Não ficaria bem tão rapidamente. E aquelas malditas lágrimas… Havia algo mais. Feridas poderiam derrubá-lo, mas havia algo mais comprometido em volta de sua aura. Tinha quase certeza. “Vikram…” Afastando o suficiente para tornar a tocá-lo no rosto, Isabel ergueu-se para beijá-lo mais uma vez, um beijo mais demorado, implicando outros significados que ficariam submetidos a revisitação para entendimento posterior. Desta vez, recuar aparentou ser uma tarefa difícil e por alguns segundos, ela cogitou beijá-lo mais uma vez. A textura da pele era convidativa, algo que seus lábios pareciam clamar por um bis.
“Acho melhor ir.” Disse por fim em um sussurro quase sofrido. “É melhor deixá-lo em paz. Você precisa deitar, descansar o corpo, a mente. Ficar forte para o próximo dia.” Aos poucos, Isabel desvencilhou-se, repreendendo a si mesma em pensamento. Se ele a convidasse para ficar mais um pouco, vigiá-lo durante o sono, uma afirmação a aquela pergunta seria quase certa. No entanto, tal proposta deveria partir dele. Sem exageros. Sem parecer que estava se aproveitando demais. “Amanhã quero vê-lo em suas roupas extravagantes, caminhando pelos corredores com seus vários ouros e pedras preciosas, encantando as moças por onde passa, roubando suspiros. Porquê você sabe disso, certo? Todas ficariam de joelhos por você.” Uma risada nervosa mas breve ocupou o espaço onde estavam. Já de pé, Isabel deu alguns meros passos para trás, tendo a visão completa de como ele estava, castigando um pouco mais o próprio coração que parecia se desmanchar com aquela imagem. “Agora que somos amigos, peço que siga o meu pedido. Deite um pouco, e por favor, não hesite em me chamar se precisar de algo. Amigos também são para isso. Posso cantarolar um pouco mais sempre que puder. Com sua permissão, é claro. Estarei aparecendo sempre que desejar.” Virando-se abruptamente e dando as costas, a imperatriz se encaminhou até a porta com certa pressa, tropeçando pelo caminho, murmurando algumas breves desculpas, não se esquecendo de reverenciá-lo durante todo o curto trajeto. Pensou em falar algo mais, expressar mais uma vez sua preocupação, reafirmando o que desejava e o que seria bom, mas Isabel apenas sorriu, balançando a mão delicadamente em um ligeiro aceno. As dúvidas ainda se faziam presentes, unidas à constante necessidade de vê-lo explicando melhor algo que não parecia certo. Talvez um outro dia, outra hora. Talvez. Talvez ele não agisse de forma estranha quando estivesse bem novamente. Sempre um talvez. Isabel saiu do cômodo também às pressas, sorrindo para os guardas ou qualquer outra pessoa que atravessasse seu caminho. Apesar da preocupação, algo novo havia acontecido. Novo e desconhecido — Isabel não via a hora de estar só e em paz para conhecer um pouco mais do que havia acabado de nascer.
Vikram sabia que Isabel estava certa em sua preocupação; o contato da roupa com seus ferimentos de fato causava uma ardência desagradável que só aumentava a sua agonia, mas não haveria nada no mundo capaz de convencê-lo a se desnudar perante a esposa daquela forma. Por mais que ela afirmasse que não se importaria com o que visse, ele sabia que a visão de seu torso sem roupa era repugnante e que também causaria toda uma série de perguntas que ele simplesmente não poderia responder. Por causa disso, apenas fez que não com a cabeça repetidamente, descartando os pedidos de Isabel para que ele a obedecesse nesse aspecto. Foi um grande alívio quando ela finalmente aquiesceu em deixá-lo vestido e ele, cansado, apoiou a testa no ombro dela, fechando os olhos por um momento e permitindo que o perfume doce da mulher fosse a única coisa a inundar seus sentidos. "Obrigado", sussurrou. Pelo que? Por estar ali? Por não ir embora? Por permitir que ele mantivesse vestido, apesar de acreditar não ser o melhor para ele? Vikram era incapaz de dizer. "Eu vou ficar bem, a roupa não incomoda tanto assim. Eu só preciso... descansar, creio." Precisava de muito mais do que isso. Precisava se livrar daquela aflição, precisava de seus pais vivos novamente, precisava voltar no tempo e reverter toda a tragédia que havia causado com seu egoísmo e narcisismo. Era irônico como, sendo capaz de ter tudo o que quisesse, só queria o que era totalmente inalcançável.
Um sorriso discreto aparecia entre suas lágrimas que insistiam em continuar a cair, mas assentiu com a cabeça. "Deitar seria bom, sim. Não creio que dias serão necessários, eu tenho uma excelente resistência a dor. Só preciso descansar um pouco, foi uma noite longa." Isso era o máximo que podia falar; era o mais longe que podia chegar ao citar suas aflições para a estrangeira. Com cuidado se ajeitou na cama, deitando a cabeça sobre os travesseiros macios, e enxugou o rosto com as mãos com cuidado, limpando as lágrimas. Aos poucos, começava a se acalmar, o que não significava que seu embaraço não estava presente. As palavras seguintes saíram com certa hesitação, como se não soubesse se era mesmo o certo a dizer. Ele sabia, racionalmente, que deveria se manter longe dela; mas, naquele momento, simplesmente não era capaz. "Você pode se deitar comigo? Apenas para me fazer companhia, eu..." Acabou por fazer que não com a cabeça; se sentia ridículo pedindo aquilo. "Você não precisa. Já está fazendo muito ao ficar aqui, eu sei que não me suporta, eu sei que já estou sendo um fardo só por tomar seu tempo..." Como ele era capaz de pedir algo assim dela? Por que não se limitava a aceitar o que ela já estava oferecendo? Todos os seus pensamentos conflituosos se dissolveram, porém, com o beijo casto depositado em sua bochecha. De alguma forma, com aquele simples gesto, seu coração ficou mais calmo. Ouviu as palavras alheias e fechou os olhos, incapaz de encará-la. Depois daquele momento, considerava totalmente impossível mantê-la a uma distância fria como havia planejado, principalmente com ela sendo tão solícita e solidária, tão preocupada consigo. Ainda tinha seus temores, mas ele não podia ser assim tão cruel. "Amigos... sim. Acho que isso seria uma boa ideia, Isabel." Fechou os olhos ao sentir o abraço e a trouxe para mais perto na cama, com todo o cuidado para não se machucar mais. Engoliu em seco com a doce melodia, as lágrimas que tinha certeza de terem acabado voltando a escorrer por seu rosto.
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Isabel ergueu a cabeça em espanto. Os olhos arregalados e os lábios entreabertos denunciavam a reação de espanto após ouvir algo que parecia surreal demais para ser verdade. Em um salto, a imperatriz levantou de onde estava, sentando-se ao lado do marido. As mãos voltaram ao rosto de Vikram em um novo afago, segurando-o de forma mais precisa, como se deixá-lo ir mais uma vez não fosse uma opção. Vê-lo daquela maneira, ao contrário do que já havia imaginado em momentos de puro desgosto, a afetava de forma inexplicável. Seus pensamentos eram todos voltados à necessidade de cuidar, zelar por aquele que não possuía nada além de descontentamento, mas que agir da mesma forma, para ela, parecia e era errado. Com a autorização para sua permanência ali, Isabel sentia o que não conseguia explicar em uma amplitude nova, como se transbordasse, sentindo todo o corpo esquentar, deixando-a suscetível demais para qualquer coisa que partisse dele. Entretanto, naquela situação que viviam juntos naquele curto espaço de tempo, ela se sentia no ímpeto de agir diferente, mais solícita, carinhosa, como se ele realmente importasse. Como se estivesse em seu coração. “Se não cuidarmos do que eu tenho certeza que têm por baixo da sua veste superior… Pode piorar, Vikram. Por Deus, juro que não irei e nem criticaria em nada… Posso ter dado a impressão de ser esse tipo de pessoa, mas não, eu não sou assim…” Insistir, talvez, pudesse acabar com aquela fina e delicada paz que viviam temporariamente. Nos próprios pensamentos, Isabel repreendia a si mesma por não dar um descanso, por não seguir as ordens alheias, deixando que tudo acontecesse no tempo certo. Diante daquilo, sem esboçar mais nenhuma palavra que pudesse se relacionar ao que queria de verdade — tratar as feridas que tanto causavam dor ao imperador — ela suspirou, fechando os olhos por alguns segundos, tornando a abrí-los para focá-los exclusivamente aos escuros dele. “Porém entendo a sua decisão. Não quero forçá-lo a nada… Mas avise se precisar de ajuda quanto a isso. É terrível vê-lo assim! Tão… tão…” Poderia ser empatia, pensou. Poderia estar se enganando, deixando-se levar pelo fluxo intenso de emoções. Sim, poderia ser aquilo.
“O que quer que eu faça agora, majestade? Quer se deitar? Talvez seja melhor manter-se imóvel, relaxar o corpo um pouco, dar um tempo. O império pode esperar por você por um dia… ou dias. Enquanto sentir dor, não posso deixá-lo sair daqui… dessa forma.” As palavras eram autônomas, ganhando a realidade e tornando-se objeto de estudo logo depois. Se ele achava inconcebível suas razões de antes, será que poderia levar ao pé da letra mais um pedido que também a envolvia? Inconscientemente, Isabel balançou a cabeça ligeiramente para os lados em negação, deixando que a aflição tomasse conta dos traços que já sugeriam a sua preocupação. “Se o senhor desejar, posso ficar até que pegue no sono. Posso observá-lo… ficar aqui até se sentir… seguro para ficar sozinho de novo.” E ela torcia para que ele negasse, para que insistisse em sua estadia, que pela primeira vez fosse o homem que por meio segundo imaginou existir no meio de todas aquelas camadas; pacífico e que pudesse entendê-la de algum jeito. Absorta nos próprios pensamentos, além de perdida nos grandes olhos de outrem, Isabel, mais uma vez tomada pelos atos da inconsciência, inclinou-se para frente, deixando que as mãos caíssem nas laterais do corpo alheio, abraçando-o, mas procurando manter o cuidado para não agravar ainda mais as dores que já sentia. Sua cabeça deitou-se perfeitamente no ombro, sem qualquer empecilho, sem pedir permissão ou preocupada com alguma repreenda. De olhos fechados, começou a cantarolar uma cantiga simples e infantil, melodia que havia feito parte de sua infância, quando as babás e amas de leite eram sua única família. Uma das mãos atravessou caminho pelo corpo dele, apoiando-se nas costas e em movimentos leves e pequenos, Isabel esfregava a palma e os dedos em um carinho que pudesse transmitir conforto. De repente, lágrimas começaram a se juntar em seus olhos e com muito esforço, ela não permitiu que escapassem. Não queria transformar aquele momento ainda mais dramático do que já era. “Eu sei que esse momento pode ser oportuno demais, principalmente diante do estado em que se encontra mas…” Segura que não choraria na frente dele, Isabel distanciou-se minimamente, inclinando-se um pouco mais para alcançar o rosto de outrem com os lábios, deixando um delicado beijo na bochecha. “Por favor, vamos tornar o que temos aqui o mais aceitável possível. Sei que não me vê como esposa, assim como não o vejo como marido. Mas podemos ser amigos. Podemos nos ajustar! Pode confiar em mim, Vikram. Pode me ter como amiga. Não precisa se confessar ou depositar seus maiores segredos mas…” Um soluço, reação teimosa ao que estava sentido de forma tão avassaladora, escapou em uma fração de segundos a obrigando manter o silêncio. Desistindo de continuar, ela voltou a abraçá-lo, cantarolando a melodia sem letras, preenchendo o silêncio daquela imensidão luxuosa, torcendo para que o pouco que fazia pudesse surtir algum efeito, e que pela primeira vez, Vikram pudesse ouvi-la, entendendo-a de algum jeito.
Naquele momento Vikram se mostrava completamente incapaz de relutar, a exaustão imensa e a dor latejante por todo o corpo o colocando à mercê das vontades alheias. O Imperador, a fachada que havia criado para a própria proteção, era uma lembrança distante para aquele que, naquele momento, era apenas um homem em agonia. Deixou que Isabel o levasse até a cama e se sentou, obediente e passivo como ela nunca havia visto antes. Ouviu em silêncio, penitente, enquanto ela ralhava consigo, sabendo que qualquer argumento que usasse para invalidá-la colocaria seu segredo em risco. "Me desculpe", disse apenas, evitando o olhar alheio. "Tudo aconteceu muito rapidamente. Não tive tempo de reagir." Era isso o que podia dizer no momento; aceitar uma culpa que não possuía sobre o estado atual. O pedido da outra para que ele se deixasse ser ajudado acabou causando uma onda de comoção naquele que já estava tão sensível e vulnerável e, quando Isabel segurou seu rosto entre as mãos de maneira tão terna, não conseguiu evitar que mais lágrimas escorressem por seu rosto. Desde que seus pais faleceram, Vikram não tinha um ato de afeto e carinho para consigo; era respeitado por seus súditos e tinha pessoas próximas a si, mas ninguém mais havia lhe tocado de maneira tão delicada, com tanto cuidado. Quase se sentia uma criança novamente, o que lhe deixava um tanto envergonhado, mas não conseguia evitar. "E-eu..." Não conseguiu completar a frase, um soluço lhe acometendo, o rosto se contorcendo em dor.
A princípio, quando ela ordenou que Vikram tirasse a camisa, ele arregalou os olhos e fez que não com a cabeça de forma enfática, abraçando o próprio corpo como em forma de proteção. Se Isabel tirasse sua blusa, não veria apenas os ferimentos novos, mas também todas as cicatrizes que marcavam seu corpo desfigurado. Ele não tinha como explicar a existência delas, e também não suportaria o olhar enojado da mulher quando o visse, não em um estado tão frágil. "Não, não tire", ordenou, mas a ordem veio em uma voz fraca, mais desesperada do que autoritária. Não queria que ela visse o horror que se escondia por baixo dos tecidos caros e finos, o monstro que o imperador realmente era. Com os argumentos dela, porém, o mais próximo de uma verdade saiu pela primeira vez dos lábios de Vikram: "Eu... eu não quero que você me veja. Aconteceram coisas, eu... eu tenho marcas... não me faça tirar a blusa. Por favor." Nunca havia se humilhado dessa forma, a voz fraca e rouca pelas lágrimas implorando por misericórdia da mulher estrangeira que era sua esposa. Quando ela sugeriu chamar outra pessoa, porém, o desespero o acometeu novamente. Agora que tinha recebido aquele mínimo gesto de afeto, a possibilidade de ficar sem aquilo enquanto estava tão frágil era desesperadora. "Não, não vá. Fique. Por favor." Aquelas duas palavras novamente: por favor. Ele não era acostumado a dizê-las.
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A necessidade desconhecida, até então, de abraçá-lo tornou-se quase urgente. Isabel o segurava atentamente, com as mãos muito bem alocadas no corpo do homem. Deixá-lo cair não era uma opção. Esgueirando os olhos por todo o espaço, dar alguns passos para trás e ir até a cama parecia ser a decisão mais sensata para ser tomada. Com cuidado, aproveitando que ele não estava em posição para teimar ou ir contra aquela decisão, ela o empurrou, delicada e gentil, indicando apenas com um breve movimento de cabeça para onde desejava ir. Ele não poderia ir contra, não naquele momento. Enquanto isso, em seus pensamentos, imaginar uma caça e o estrago que aquilo tinha causado a ele causava dores na barriga e um aperto no peito quase também indescritível. Se fosse pior, se algo extremo tivesse acontecido… Isabel não gostaria nem de pensar, criar imagem daquilo que colocaria tudo em risco, inclusive sua estadia no lugar. “Você é imprudente, irresponsável e muito teimoso. Não pode se arriscar tanto assim. Você possui uma nação nas mãos, pessoas que precisam de você…” Tendo-o da forma como desejava, pelo menos sentado, ela o encarou, parando logo a sua frente, controlando os primeiros instintos em desejar tocá-lo no rosto, analisar melhor aquela nova ferida, além da cicatriz um tanto peculiar e antiga que também “enfeitava” o rosto de outrem. Diante da situação, poderia usar daquela vantagem única para insistir em novamente algo que poderia, pelo menos enfim, se tornar uma realidade. Vikram não estava em seu melhor momento, mais suscetível a dizer sim apenas para se livrar do mesmo discurso sofrido e batido por parte da esposa. Era tentar ou largar… “Você cheira bem então… deve ter passado pelas mãos dos curandeiros a pouco tempo… Ainda assim, não o deixarei assim… Eu-E-eu…” Ainda assim, aquela simples tarefa tornava-se complicada e pressioná-lo da forma como planejava tempos antes de entrar no quarto se dissiparam, alocando-se em qualquer outro canto da mente para uso posterior. Não agora. Definitivamente, não poderia fazer nada agora. Seria um pecado, uma traição contra os próprios preceitos e respeito que ainda tinha por ele. “Me deixe ajudá-lo! E antes que peça para que eu saia ou berre para seus servos, não, não, Vikram, eu não sairei desse quarto até ter certeza que esteja sentindo o mínimo ou nenhuma dor. Sei que não temos uma boa relação mas você precisa acreditar em mim quando digo que me importo com qualquer situação que esteja acontecendo no momento.” As mãos foram ao rosto do homem, segurando-o em forma de concha. Os polegares roçaram a pele e pequenos movimentos circulares foram feitos, um breve gesto carinhoso, uma piedade que parecia querer ultrapassar limites apenas para… não vê-lo daquela forma novamente.
Inclinando-se um pouco para frente, Isabel observava o recém ferimento. Se houvesse mais em suas mãos, qualquer pequeno produto, um simples e pequeno mas macio tecido, ela tentaria dar um jeito, limpar, ter a certeza que nada daquilo se tornaria algo pior. Do rosto, seus olhos desceram para o dorso, calculadamente procurando por algo que pudesse também chamar sua atenção. O cheiro forte de ervas indicava que mais ferimentos estavam espalhados, escondidos debaixo da bufante veste que cobria costas e abdômem. E que de alguma forma, eram as causadoras de toda aquela agonia. E que de algum jeito, Isabel também precisava cuidar também. “Tire a camisa. Ou me deixe ajudá-lo tirar.” Não sabia com que coragem, porém um pouco autoritária, as mãos que outrora seguravam o rosto do imperador foram até os ombros. Ela se pôs de joelhos, quase encaixada na abertura mediana das pernas dele, próxima o suficiente para voltar a analisá-lo, buscando por mais. “Você está em pura dor, não deveria estar usando nada por cima. Vamos, Vossa Majestade, não pode continuar sendo tão turrão quando sabe que estou dizendo a verdade. Pode não gostar de mim, mas sabe que estou certa. Nada mais, além disso.” A proximidade também podia revelar outros aspectos. Além da cicatriz, lágrimas ganhavam caminho por toda a face daquele que um dia ela julgou não ter um coração. Isabel não julgaria a si mesma com pena — pena do homem que em toda a sua glória estava no seu pior momento. Havia algo mais, a quase necessidade que vinha com mais força, abraçá-lo, tomá-lo em seus braços em um afago apertado, mostrar que poderia estar ali por e para qualquer coisa que precisasse. Porém a memória, ou melhor “Eu só não gosto de você”, a atormentava como um fantasma impiedoso que não tinha previsão alguma em deixá-la em paz. Isabel suspirou pesarosamente, cortando o contato físico, sentando-se sobre as próprias pernas e deixando a própria cabeça cair para frente, um sinal de derrota e cansaço que só remeteram ao que havia ouvido. “Posso chamar outra pessoa se quiser.” Disse baixinho, à espera de uma nova repreensão, quando seria convidada a se retirar do espaço que pertencia só a ele. “Não quero prejudicá-lo, não quero piorar a sua situação… Mesmo que custe para acreditar em mim.”
Os últimos dias haviam se passado em total agonia, tanto física quanto emocional. Desde o fatídico jantar, não havia trocado uma palavra com sua esposa ou tampouco a visto, e parecia que em questão de dias todos haviam ficado sabendo da discussão que ocorrera naquela sala. Os gritos de Isabel haviam sido altos, e os servos deveriam ter compartilhado o que ouviram com outros, pois Vikram era capaz de identificar olhares de soslaio em sua direção; era claro que sua atitude estava sendo duramente criticada. Ele mesmo se arrependia das palavras que havia proferido; "Eu só não gosto de você." Parecia que, quanto mais tentava, mais sua boca o traía e dizia coisas condenáveis a alguém que não merecia. Havia pensado em ir até ela, talvez se desculpar, mas não conseguia ver como aquilo seria produtivo para qualquer um dos dois. Como consequência, o animal dentro de si ficava mais violento e feroz quando tomava controle do corpo compartilhado, e sem ninguém à vista para ferir, se voltava contra si. Incapaz de se recuperar, a cada noite a fera o dilacerava mais e mais, ao ponto que Vikram se sentia incapaz de suportar por muito tempo mais.
Naquela manhã em específico, havia precisado de dois servos a mais para vesti-lo, de tão ferido que estava. Dois cortes profundos em suas costelas tiveram seus pontos rompidos na noite anterior, e por isso tiveram de ser refeitos. Um rasgo fresco cortava seu peito, quase chegando à garganta, o que forçava Vikram a usar golas particularmente altas naquele dia. Seu rosto havia também sofrido ataque; agora um ferimento repousava em sua bochecha, em contraste com a cicatriz que cortava o olho do outro lado do rosto. Acabou por dispensar os servos, que foram embora preocupados, relutantes, mas sempre obedientes. Vikram foi com cuidado até o espelho de corpo inteiro do quarto, encarando o rosto cansado e ferido, sem a maquiagem de sempre para disfarçar a cicatriz e as olheiras. O Imperador parecia estar mais longe de si do que nunca; em seu lugar, uma figura digna de pena se apresentava. Colocou a mão sobre o peito, o que provocou o ferimento, causando um gemido alto de dor da parte do homem. O corpo se encurvou e até mesmo isso doía, o rosto transfigurado pela agonia, e mal pôde expressar a surpresa ao ouvir a voz de Isabel ali, em seu quarto. Mesmo contra a própria vontade racional, Vikram se apoiou contra o corpo dela, e aquele afago suave, algo que não recebia há tantos anos, o fez ter vontade de chorar. Virou o rosto para que ela não visse as lágrimas escorrendo pelo rosto e murmurou, fraco: "Foi um... acidente de caça. Fui atacado por uma fera." Aquilo não era, afinal, uma mentira completa; ela só não precisava saber que a fera era ele mesmo.
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DON'T WORRY. JUST TRUST ME.
Por tudo que estava passando, Isabel imaginou jamais sentir… saudades. Os últimos dias geraram um misto de sentimentos que ela jamais conseguiria compreender. Vikram havia sido categórico, expondo uma opinião que parecia irrevogável, algo que martelava nos próprios pensamentos em uma sinfonia que que conseguia reverberar por todos os cantos, lembrando-a de como não era bem-vinda ali. “Eu só não gosto de você.” A imagem tão vívida antes de assistí-lo sair da sala era constante e causava arrepios, como também eram causa certa para encher os próprios olhos de lágrimas. Por quê chorar por algo que ela acreditava também ser mútuo? Também não o enxergava com bons olhos, o detestava. O odiava — ou pelo menos buscava acreditar tão ferrenhamente na única certeza que tinha como sua ali. Porém, ainda assim, não poderia desistir tão facilmente. Ou teriam algo para dar ao povo do império ou então ela seria mandada embora, trocada por outra que servisse tão bem ao papel de imperatriz; quieta, culta e à espreita e à espera de ordens. Tantos dias depois, Isabel sentiu-se no ímpeto de agir novamente, contudo, em passos mais lentos, com cuidado, sofrida e disposta a se pôr de joelhos diante dele, implorar para que a relutância alheia fosse deixada de lado e que seguissem com o plano real que aos dois havia sido delegado. Vencê-lo por meio do cansaço, imaginou. Uma hora, ela conseguiria atingir o seu limite e ele se entregaria pela simples chance de obter paz. Enquanto pensava nos próximos planos, Isabel deparou-se com a estonteante porta, enfeitada com fios exagerados de ouro, a barreira maciça que escondia o dono de todo aquele poder. Como havia chegado ali tão facilmente? Chantagear alguns empregados e manipular outros pareceu ser um sucesso, apesar de não ter orgulho nenhum em ter feito aquilo.
Antes que pudesse pensar em bater na porta, um intrigante ruído, ou melhor, gemido chegou aos próprios ouvidos, fazendo com que instintivamente se encostasse contra, buscando ouvir novamente mais daquilo que parecia sofrido, como um animal ferido que precisava de atenção. De repente, a jovem imperatriz sentiu o coração pulsar mais forte, pulando algumas batidas. Nervosa, ela admitiria depois. Preocupada também. O que estava acontecendo ali dentro? Alguém estava machucando o imperador? Em um único impulso, acabou por conseguir abrir passagem, o suficiente para atravessar sem ser percebida tão rapidamente. Seus passos eram curtos mas ligeiros, alcançando-o ainda de costas e tendo a visão de algo que jamais achou ou acreditou ver um dia. Vikram estava destruído e a forma como se movia, tão minimamente como se sentisse a pior das dores, eram evidência mais plena de seu estado, sem necessitar de palavras ou qualquer outro tipo de afirmação. “Majestade!” Disse por um fio. “Você está bem?” Sem precisar de uma resposta, Isabel lançou-se para frente, apoiando as mãos contra o corpo do homem, fornecendo apoio e suporte. Vê-lo tão de perto não causava a mesma sensação de antes. Nada além de angústia e a incessante necessidade de ajudá-lo no quer que estivesse passando. “Alguém fez isso com… você? Ainda está aqui? Por favor, me deixe ajudá-lo, não posso deixá-lo assim… Precisamos chamar os guardas, avisar que há alguém por aqui e que…” Isabel calou-se por alguns segundos, olhando-o com olhos tristes até as íris escuras, porém opacas, de Vikram. “Está ferido?” Uma das mãos esfregou-se inconscientemente por todo o peito do homem, à procura de algo que ela tinha certeza existir ali, ainda que suas vestes caras não denunciassem nada ainda. “Precisamos chamar médicos mas não posso deixá-lo assim…”
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Vikram esperava muitos tipos de reação da parte de Isabel; talvez ela fosse insistir em seus avanços, algo que o imperador não tinha certeza se seria capaz de resistir por muito tempo, ou talvez ficasse envergonhada, se fechasse, talvez até triste e chorasse. E, a princípio, foi exatamente isso que aconteceu. Sentiu um nó se formar na garganta enquanto observava as lágrimas descerem pelo rosto de Isabel e ouvia as palavras sentidas saírem de seus lábios, e é óbvio que entendia a sua posição; Vikram tinha a consciência de que, enquanto Isabel não lhe desse um herdeiro, sua posição na corte era uma coisa frágil. Podia imaginar como aquilo lhe fazia sentir desprotegida e sem importância. É claro que sabia de tudo isso. Só esperava que um dia ela entendesse...
Se sobressaltou com a mudança abrupta de humor de Isabel ─ seria mesmo abrupta? Não era comum que a tristeza se tornasse indignação? ─ e arregalou os olhos enquanto a ouvia esbravejar, talvez a primeira expressão facial completamente sincera de Vikram naquela conversa. Por um momento se lembrou do primeiro encontro dos dois, até semelhante com o momento que acontecia agora, mas Isabel estava ainda mais indignada e, por consequência, sem filtro. Queria respondê-la, mas toda vez que abria sua boca para falar algo, mais uma enxurrada de palavras saía dos lábios de Isabel, todas elas furiosas e destinadas a feri-lo. Não se sentia ferido, porém; contra sua própria vontade, seu peito começava a se encher de uma certa admiração pela coragem daquela mulher, sozinha em um país estrangeiro, casada com um homem que a rejeitava, e ainda assim tinha forças de gritar na cara daquele homem, um imperador, toda a dor que estava sentindo. Vikram sabia que não tinha nem a metade da coragem daquela mulher; sabia que, no fundo, era um grande covarde.
Soltou um suspiro longo com as perguntas de Isabel e, uma vez que ela havia parado de falar, se levantou e foi até ela, ficando frente a frente. "Não estou doente, e se eu morrer, meu Império não irá para você ou para o seu país. Para que isso acontecesse, você teria que ter um herdeiro meu, o que ambos sabemos que não é o caso." Talvez aquilo fosse um tanto cruel, mas a esse ponto, ele também tinha que atuar a sua parte naquela história. Por mais que visse agora que Isabel era muito mais corajosa do que ele jamais seria, Vikram ainda não podia se mostrar fraco na frente dela. "Também não tenho filhos bastardos. Sempre fui muito cuidadoso nesse aspecto." Ela não precisava saber que já faziam quase 15 anos que ele não se deitava com ninguém, nenhuma mulher depois da bruxa que lhe amaldiçoou. Riu fraco quando ela perguntou sobre qual segredo ele guardaria, e não ficou surpreso de que nenhuma de suas insinuações chegassem perto da verdade. Ok, talvez fosse um assassino, mas não por livre e espontânea vontade. "Não sou um assassino. Não machuco mulheres. Gosto de mulheres, sim." As respostas saíam de maneira quase automática. Respirou fundo antes de mandar o golpe fatal para acabar com aquela conversa: "Eu só não gosto de você." E, com isso, se afastou de Isabel, saindo da sala antes que pudesse revelar algo que expusesse a sua mentira.
ENCERRADO.
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Se o chão abrisse abaixo de seus pés, Isabel agradeceria. Com o comando sútil, a imperatriz levantou as pressas, batendo-se contra a mesa antes de tomar uma distância que pudesse assegurar algum tipo de segurança — não que ela imaginasse que ele pudesse fazer algo que fosse além das palavras, é claro. Estava envergonhada, sentindo-se inferior, ferindo aos próprios princípios em surto acalorado que julgou errado achando dar certo. Seus olhos não conseguiam focar na figura masculina, mantendo-se presos ao chão, aos pequenos detalhes do tapete vermelho tão bem ornamentado com fios de ouro. Pensou em correr, fugir para algum canto do vasto palhaço, perdesse entre aquelas paredes porém se mantendo distante de alguém que não tinha coragem de encarar no momento. Se acreditava que ele não gostava de sua presença, aquilo era o testemunho que, infelizmente, estava certo. Daquele casamento, nada aconteceria. Viveria, envelheceria e padeceria daquele jeito; a não ser que tomasse uma atitude ainda mais drástica e arriscada, escalar os muros ou se esconder em alguma carroça de lixo em direção a cidade, e por fim até os portões que delimitavam a capital do resto do mundo. Mas não agora, é claro. Sua energia tanto física quanto mental haviam sido drenadas naquele fracasso. Precisava se recolher, juntar os próprios cacos e reerguer-se de algum jeito. “Tentei ser sua esposa. E- eu- eu…” Isabel lutou contras as lágrimas mas os olhos falharam em sua função. Gotas cristalinas e salgadas desciam pelo rosto, banhando todo o rosto. Os dedos contorciam-se contra o tecido macio do vestido, enquanto pensava no que falar primeiro, decidindo-se entre tantas palavras sem acabar ainda mais com aquela noite. O jantar já havia se dado por encerrado. Ele jamais aceitaria um convite como aquele, nem o mais amigável, um pedido de desculpas talvez, novamente. “Perdão por isso, senhor. Mas acredito que deve imaginar a minha situação. Sou só imperatriz porque sou sua esposa. Enquanto não nascer um herdeiro, um menino, jamais me respeitarão por aqui.” Não deveria ser diferente, ela pensava. Mulheres só conquistavam seu valor em uma corte quando davam a luz a um menino, o próximo na linha de sucessão. Enquanto isso, ela seria só mais uma, salva por carregar um anel luxuoso no dedo, um título ganhado por um contrato e uma assinatura no papel. “Não é justo. Se me trouxe aqui… Tenho um papel para desempenhar. Não sou…”
Isabel suspirou, sentindo as pernas fraquejarem por meio segundo. O que era tristeza, tornou-se irritação. As palavras que se baseavam outrora em desculpas vinham aos montes em tom agressivo, com a exclusiva intenção, e verdadeira, de feri-lo. Poderia não encará-lo ainda, mas sentia-se no direito de falar. De esbravejar mais uma vez o que incomodava. Mais uma vez criando uma nova discussão. “Não sou nenhuma bonequinha de luxo para ser vista de longe e apreciada. Você não pode roubar o meu futuro para me pôr em outro, acomodada em sua montanha de prata, jóias e ouro. NÃO!” Gritar? Talvez. Mas reagir com um forte bater de pés no chão? Inédito. A respiração acelerada e irregular contrastavam com o espírito que tinha para aquela situação. Ainda assim, mantinha a cabeça baixa, os olhos não prontos ainda para revê-lo em toda a sua elegância exagerada. “Você poderia escolher outra- outra que se sentisse à vontade para se subjugar a esse joguinho doente que acabou me incluindo sem qualquer misericórdia. As pessoas falam. Falam de mim. Falam de você. De tudo! Fiz isso pensando que eu pudesse... que houvesse uma chance mesmo que mínima para… Para enfim dar um ponto final no meu pesadelo. Você poderia se ver livre de mim logo após isso. Um menino em seus braços! Um filho! O seu herdeiro! Não pensa nisso, Vikram?” As mãos colidiram contra as laterais do corpo criando um som agudo mas curto que se espalhava pela sala que acomodava apenas os dois. Provavelmente, já deviam ouvir o exagero criado. Porém, Isabel não se importava. Não sabia quando teria uma outra chance como aquela de novo. “Vamos, fale logo de uma vez. Por que me trouxe para cá senão espera se deitar comigo? Hm? Pareço estar desesperada para isso… mas não se engane. Tê-lo em cima de mim é a última coisa que desejo em minha vida.” Finalmente, tomada por uma ímpeto novo, ela o encarou furiosa, encurtando o espaço que dividia os dois novamente.
Contudo, muito diferente da primeira vez, a imperatriz sentia a atmosfera ao seu redor mudar com a simples aproximação. Seu coração, já acelerado, agora assumia um ritmo regular, perfeito demais, como se ele conseguisse manipulá-la, orquestrando algo tão perfeito, sem falhas. O beijo, que começou com estranheza, tornou-se uma imagem viva em seus pensamentos. De repente, só um pouquinho, repetir o ato não pareceu algo tão ruim. Os lábios de Vikram eram macios e o leve roçar de sua barba contra a pele havia causado reações que ela considerava impróprias para alguém que almejava a pureza antes de tudo e qualquer coisa. Suas mãos… Ah, suas mãos… “Me fale logo de uma vez! É doente? Está para morrer e pretende jogar o seu reino no colo de uma estrangeira? Tem filhos bastardos que serão assumidos quando necessário e se casou comigo por fachada apenas? Como já falei, não sou um objeto de coleção. Você me roubou da igreja, do meu futuro como esposa de Deus. Não o seu Deus ou deuses, mas o Deus que aprendi a conhecer desde de muito pequena. Me tirou de uma vida bonita e pura para- para…” Mais alguns passos para frente e logo então, Isabel o encarava, erguendo a cabeça para visualizá-lo da melhor maneira possível devido a gritante diferença de altura. “Saiba que não o deixarei em paz até que me dê uma explicação que faça sentido. Ou então, se livre de mim.” As mãos antes nas laterais do corpo, pararam contra o peito do homem em uma tentativa falha de empurrá-lo, mas sem sucesso algum. “Que segredo você guarda de mim? O que esconde por estas vestes? É um assassino masoquista? V-você machuca mulheres? N-não gosta de mulheres?” Os dedos se comprimiam contra o tecido, prendendo-o nas mãos como se não houvesse escolha. “Acabamos com isso agora ou… você se arrependerá por ter me escolhido.” Desespero velado em ameaça; Isabel ainda buscava alguma margem, vantagens que servissem de munição contra o homem mais poderoso que uma dia conheceria em vida.
Vikram se sentiu tencionar com as palavras de Isabel, o rosto se fechando de forma abrupta. A moça falava de forma suave e quase chorava, mas aquilo se assemelhava demais a uma cobrança, cobrança esta que ele vinha recebendo com bastante frequência nos últimos tempos, de seus conselheiros, outros nobres e até servos de maior confiança. "A moça é de uma beleza ímpar, Vossa Majestade Imperial, mas ela não está aqui para enfeitar o palácio", um de seus conselheiros dissera há poucos dias. "O senhor é o único sobrevivente de sua dinastia; ela está aqui para resolver esse problema." Ele sempre ficava perturbado quando o assunto surgia, simplesmente porque não planejava se deitar com sua esposa; como explicaria a ela as imensas e horríveis cicatrizes que desenhavam todo o seu corpo? E os machucados frescos, então? Pois sempre que uma ferida começava a se cicatrizar, a fera dava cabo de abrir mais uma. Seu corpo sempre estava machucado, de uma forma ou de outra. Sabia que precisava de um herdeiro, o que não significava que a ideia o agradasse. Como poderia ser pai de alguém se era um monstro irracional oito horas por dias, três semanas por mês?
Vikram abriu os lábios para dar uma resposta firme para Isabel, dizer que havia deixado claro desde o começo que não a queria, que a ideia de tocá-la lhe causava repulsa, de que jamais, jamais se deitaria com ela e que era melhor que se acostumasse com isso. Ia dizer muito mais, provavelmente, a resolução de ser gentil de pouco atrás quase sendo deixada de lado para convencê-la a manter distância, mas quaisquer palavras que estivessem prontas para deixar sua garganta prontamente morreram quando ela subitamente se aproximou de si, o peso do corpo pequeno aquecendo seu colo. A mente de Vikram se tornou um branco total; apenas os seus sentidos respondiam, completamente inundados dela. O perfume doce da mulher o inebriou enquanto olhava fundo nos olhos dela ─ tão verdes, tão límpidos ─ sendo apenas capaz de ouvir o próprio sangue correndo dentro dos ouvidos. Suas mãos foram para as coxas da mulher, sentindo o tecido suave do vestido enquanto subiam até os quadris, fechando os olhos quando ela se aproximou e deixando ser beijado. O Vikram de antes não teria hesitado: a beijaria de volta, com fome, talvez a despisse ali mesmo e lhe tomaria para si sobre a mesa da sala. O Vikram de antes jamais desperdiçaria a oportunidade de ter uma mulher tão linda e tão ao seu alcance.
Ele não era o Vikram de antes, porém; aquele homem havia sido assassinado pela bruxa, e aquilo foi a melhor coisa que poderia ter acontecido, pois o Vikram de antes não era alguém que merecia viver. O Vikram de agora, então, agiu da forma que julgou mais correta: afastou as mãos dos quadris dela e empurrou a própria cadeira para trás, num sinal que era claro que exigia que ela saísse de seu colo. "Isso não foi adequado", declarou com a voz neutra, os olhos mais uma vez presos em um horizonte invisível. "Estou pedindo, não, estou ordenando que se afaste. Não vou dizer duas vezes." As muralhas haviam subido novamente, escondendo qualquer vulnerabilidade que Vikram pudesse ter, apenas o Imperador em seu lugar. Por mais imponente que ele se portasse no momento, por dentro se sentia um menino; alguém sendo negado de algo que tão obviamente queria que fosse seu. Ele havia prometido para si mesmo, porém, que não se envolveria, que protegeria o seu coração para sempre, sem importar o quão dolorosamente solitário aquilo fosse ser. Nada disso transparecia, porém; seu olhar era firme e reprovador, pois era apenas isso que ele queria que ela visse.
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Isabel permaneceu imóvel, os olhos vidrados no prato bem composto, contendo a respiração ao máximo, como se estivesse cometendo um erro contra alguém sagrado. Tê-lo tão próximo não era novidade; mas sozinhos era uma situação diferente. Os pensamentos eram frenéticos, amontoados de tarefas surgindo de uma única vez sobre o que fazer e não fazer, como tocá-lo, como tentar conquistar sua atenção, ser mais persuasiva, ambiciosa e ousada, se fosse preciso. Os seios saltados, não tão grandes porém visíveis, causavam desconforto. A imagem que havia tentado criar naquela noite, atraí-lo pela líbido, ser alguém que ela jamais saberia ser e nem por onde começar era a última alternativa de todo aquele plano. Suas primeiras investidas, por outro lado, haviam sido recebidas sem muitas reações. O beijo tímido e o afago haviam passado por “despercebido” ou tratado com indiferença. Isabel também torcia ferrenha pela primeira opção. Vikram poderia ser firme em suas decisões, mas não era inabalável. Logo ela chegaria a matriz de tudo, se enfiaria por cada canto, seria sua sombra, se possível — ele não se veria em paz tão cedo. Não enquanto não aceitasse da forma como precisava e ela imaginava. “Não temos muito tempo juntos, você sabe disso. Apenas os eventos oficiais como casal real…” Suspirou, as duas mãos antes ocupadas pelos talheres indo de encontro aos cabelos tão perfeitamente trançados em um penteado impecável. Não havia nenhuma falha, porém, necessitava de algo para prender os dedos inquietos. “Todas as noites… você…” Para falar a próxima parte, Isabel puxou o ar com força, curvando-se um pouco mais sobre a mesa em uma tentativa ainda mais falha de esconder os traços, que mudavam a cada instante, no rosto. “Todas as noites… as senhoras que vivem nesse palácio… elas me dão banho, elas passam perfume por todo o meu corpo, arrumam o meu cabelo e esperam… esperam por você… que você apareça para…”
A taça em ouro cheia de vinho tornou-se convidativa. Tão depressa, Isabel a agarrou dando um gole, que tornou-se dois, três, quatro… Enquanto estivesse sentada, nada daquilo parecia surtir algum efeito. “Eu também espero. Deitada. Em pé em frente a porta. Sentada. Você nunca aparece…” Também não era sua intenção, porém, o tom medroso de sua voz tornou-se melancólico, embargado, quase choroso. Um tom a mais de drama não parecia ser uma decisão ruim. “Há algo de errado? Se o que eu disse tempos atrás tenha ferido,” Pela primeira vez, desde juntos naquela mesa, a imperatriz ergueu o olhar, fitando-o nos olhos, inclinando o tronco em direção a ele, um pouco espalhafatosa mas teatral. “Peço perdão novamente. Porém, você também precisa entender o meu lado. O senhor me trouxe para cá com um único intuito. As pessoas comentam, sussurram. Precisamos dar o que elas querem e, Vikram, sabe do que estou falando.” Os dedos do pé se contorciam apenas com o leve imaginar de algo que desconhecia. Um casamento por contrato não era raro mas os feitos por detrás, a consolidação para algo que ambos os lados desejavam, era assustador. Isabel nunca havia feito nada e nem visto. As inúmeras histórias por parte da mãe, das tias e da velha avó era sua única experiência. “Deite, abra as pernas e deixe que ele faça o trabalho sozinho”, ecoou a voz da matriarca por todo o pensamento, causando arrepios notáveis por toda a extensão dos braços, também tornando a comida a sua frente, as salsichas e o chucrute, indigeríveis. “Se me desse a chance…” Para ter uma melhor tato, Isabel empurrou a cadeira um pouco para trás, dando–lhe espaço próprio para tê-lo completamente em seu campo de visão. “Se me der a chance, podemos fazer isso dar certo. Me visite. Hoje à noite. Podemos fazer isso e então, não nos falarmos nunca mais.” E ela também apegava-se a sorte, a mínima chance que uma única vez seria o suficiente para enfim poder gerar um filho, um herdeiro, a extensão daquele império expansivo e suntuoso, esquecendo da probabilidade de que uma menina poderia vir daquele plano, e então, iriam precisar tentar de novo. Um passo de cada vez. Primeiro ele, demais preocupações depois. “Se é isso que deseja, não fale mais comigo depois disso. Prometo jamais procurá-lo, a não ser que seja algo urgente. O senhor poderá até me mover do palácio logo após o nascimento, para tirar-me da sua vista…” E lá estava a mínima chance, se não fugisse, poderia viver em outro canto, afastada dos súditos que a adoravam e a detestavam ao mesmo tempo. Paz. Sim, um pouquinho de paz. Ambos os lados sairiam vencendo, certo?
Antes que pudesse ouvir uma resposta, Isabel levantou-se graciosamente da cadeira, os braços indo em direção ao homem, disputando espaço com o tecido luxuoso, envolvendo o seu pescoço para.. Para fazer algo inimaginável. Talvez, fosse expurgada pela liberdade não conquistada, repreendida pela falta de modos, invadindo o espaço não só de um homem comum, mas do imperador. Sentar-se no colo dele, tão rapidamente antes que pudesse detê-la, tão próximos o suficiente para ouvir os batimentos de seu coração, causavam um misto de sentimentos que ela não conseguia identificar um por um. Os olhos tentavam capturar toda a imagem ainda melhor de perto, o rosto de outrem sendo gravado, ansiosa mas temerosa para a seguinte reação que tendia para a negativa do que para a positiva. De onde havia tirado coragem para tudo aquilo? Por quê não seguir o plano como havia orquestrado para si mesma por tantos dias antes? Por quê? Bastava Vikram estar perto para mexer com qualquer função cognitiva simples, mudando rotas, inflando algo dentro de si que buscava… por mais. E ela, não sabia se aquilo era bom ou ruim. Sem palavras para serem ditas, Isabel agia de forma inconsciente mas instintiva. Aos poucos se aproximava, dando início a algo que era esperado apenas para o fim daquela noite, mas que havia atropelado as outras possibilidades tornando-se uma circunstância fundamental para o desastre que estava acontecendo para os dois. Beijá-lo foi esquisito. Isabel encostou os lábios nos dele de uma forma desconcertante, afastando-se em seguida, porém tentando de novo, mais demorado, com direito a olhos fechados. “Visite o meu quarto mais tarde.” Insistiu, mais dócil. “Podemos solucionar nossos problemas ainda hoje… Podemos…” Definitivamente, não era uma postura de alguém com o título que tinha para se desempenhar. Porém, ele poderia gostar. As histórias confirmavam alguns fatos. Ela jogava com todas as armas que tinha nas mãos. “Vikram…” Seus olhos voltavam aos dele, e ela se via presa, um pouco perdida, naquela imensidão negra. Quase disposta a tentar um outro daqueles selar de lábios novamente.
Vikram podia ter muitos defeitos; tinha um passado repreensível e cheio de falhas, e mesmo hoje, se esforçando com tudo o que tinha para ser um homem melhor, justo e bom, sua personalidade ainda não era das mais agradáveis. O segredo que carregava consigo o tornava fechado e paranoico, enquanto as dores frequentes, incessantes e incuráveis o deixavam mais impaciente e intolerante. Sua figura real era amada pela forma justa e sábia que governava o povo, mas não era uma pessoa gostável, sabia disso. Sim, tinha muitos defeitos; mas ninguém poderia dizer que era burro.
Percebeu que havia algo de diferente assim que entrou na sala; os servos evitavam olhá-lo, não graças à reverência de costume, mas com algo semelhante a culpa. Seus olhos se prenderam nos dois espaços de mesa feita, um ao lado do outro, e não nas posições usuais, e por isso não foi de todo uma surpresa quando foi deixado à sós com a imperatriz. Não era capaz de dizer se aquela maquinação havia sido de total ideia dela ou de algum de seus conselheiros, ávidos para que ele se aproximasse da esposa. Analisava a situação detalhadamente, mas seu rosto não esboçava expressão; como uma estátua de pedra, olhava firme para a mulher que se aproximava.
Ergueu uma sobrancelha para o comentário dela e para o beijo no rosto; a única mínima mudança em sua expressão ilegível. "Nós passamos tempo juntos. Não vejo a necessidade de passar mais do que já o fazemos em nossos compromissos." Aquilo era cruel, ele sabia. Fosse por vontade própria ou influência dos outros nobres, Isabel estava tentando. Talvez simplesmente quisesse ter um relacionamento normal de esposa e marido, alguma companhia naquele palácio imenso, e Vikram continuava virando as costas para ela de novo e de novo. Sabia que provavelmente a magoava, mas não tinha escolha; precisava proteger a vida dela e seu próprio coração. Mesmo que ela não soubesse, aquele era o maior ato de bondade que ele poderia ter.
Contra a própria vontade, ficou curioso quando Isabel disse que havia mandado preparar uma refeição que lembrava sua infância. Vikram era culpado de possuir certa ignorância em relação ao país natal da imperatriz; conhecia a política do lugar, sua economia e principais materiais de exportação, mas não podia dizer que fazia qualquer ideia sobre como era a culinária. "Oh", foi a resposta inicial em relação à descoberta. Ela estava tentando muito; ele decidiu ser um pouco mais cordial. "Tudo bem. Não posso dizer que tenho qualquer conhecimento da culinária de seu país natal, mas..." Sua linha de raciocínio foi interrompida quando a mulher jogou o véu para trás, exibindo a pele branca de seu peito. Por um momento, aquela foi uma perigosa distração; 14 anos de total celibato depois de anos cedendo a quaisquer prazeres que aparecessem em sua frente faziam com que fosse afetado ─ e ele sabia que era afetado por ela. Logo retomou a frase, porém, os olhos negros desviando da visão para um ponto atrás da cabeça dela. "...mas estou disposto a provar." Da comida, ele lembrou a si mesmo. Pense só na comida.
Isabel tentou esconder, mas as lágrimas em seus olhos foram rapidamente percebidas pelo imperador. Contra a própria vontade, seu coração amoleceu um pouco. Ela estava sofrendo, sofria por causa de um contrato que não foi feito por sua vontade, por um casamento em uma terra distante com um homem desconhecido que não lhe mostrava o mínimo de gentileza. Vikram sentiu suas muralhas abaixarem apenas um pouco; não custava nada ser gentil. "Está tudo bem", foi o discreto consolo que ele ofereceu, a voz agora mais suave. "Vamos jantar."
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Imaginar uma situação que cedesse a vantagem pretendida com alguém que se escondia de todas as suas investidas era uma trabalho árduo. Isabel havia passado semanas idealizando o momento, anotando em pequenas folhas muito bem escondidas em cantinhos que considerava serem seguros, espaços que resguardavam seus pensamentos em palavras que jamais poderiam ser ditas e ouvidas. Ainda que sua face, já neutra, demonstrando estar mais apta e acostumada a situação, a jovem imperatriz detestava o lugar, detestava os servos que vigiavam incessantemente, designando o que comer, o que vestir, ser vista por quem e por quê, até a hora de dormir. Era a realeza, certo? Era cômodo estar afeiçoada àquele estilo de vida, dado o simples fato de também pertencer a um berço de ouro, ou quase isso. Enquanto esperava, ela repassava as frases, pequenas conversas anteriormente imaginadas para finalmente aquele momento. Além dos próprios objetivos, Isabel precisava lidar com outro empecilho; a serva mais próxima ao imperador, ou como acreditava, alguém que parecia conhecê-lo, uma figura materna que desde o seu início na corte havia lhe encarregado a pressão de sua única função no local: um bebê real. Talvez, a possibilidade de sua saída daquele lugar estivesse em seu ventre. Diante de todas as opções, deitar-se com o imperador, ou imaginar tal feito, parecia fazer sentido, apesar de considerar tal ato algo que… Não! Não poderia acabar naquele único caminho. Deveria haver outro jeito!
Antes que voltasse mais uma vez aos pensamentos, ouviu a porta principal abrir e como costume, o reverenciou como todos os outros ali presentes no espaço. Dessa vez, não vestia-se de forma tão extravagante e não combinava em nada com o seu governante. Pela primeira vez, vestia um simples vestido cor de rosa, sem ouro, sem prata ou quaisquer outra jóia, apenas um véu da mesma cor do vestido cobrindo os ombros, mantendo-a “própria para o imperador”. Para aquele encontro, também havia um outro detalhe; para ter liberdade, ela precisava estar a sós, encantá-lo de algum jeito, conquistar sua atenção pelo resto de tempo que pudessem passar juntos. Conseguir aquilo com os servos e pessoas de confiança de Vikram havia sido árduo, uma quebra nas regras que poderia levantar suspeitas, mas no final, como todos esperavam ansiosamente desde a sua chegada, deixá-los a sós, não era uma completa má ideia. Com um simples gesto, o jantar foi servido em dois únicos espaços próximos na longa e suntuosa mesa de madeira maciça. Isabel sentaria ao lado dele, não dando espaços para fugas ou qualquer outra objeção por parte do homem. Havia sido categórica, ignorando outros protocolos que quebravam a ordem local. “Não é de todo mal desejar passar um tempo com o meu marido.” Não sabia com que coragem havia tido, mas falar aquilo em voz alta causou surpresa a si mesma. Antes que pudesse desejar desistir de tudo aquilo, a imperatriz virou-se minimamente, demonstrando por fim, a primeira parte principal daquele jantar. Prontamente, todos saíram da sala, reverenciando mais uma vez os únicos que detinham todo o poder no palácio. Pelo menos, ela acreditava ser mais a ele do que a ela.
A passos mínimos mas ligeiros, Isabel alcançou Vikram, se pôs na ponta dos pés, deixando um breve e tímido beijo na bochecha de outrem. Pensou em abraçá-lo, mostrar-se tão confortável a figura que parecia repudiá-la, porém, precisava respeitar certos limites. Precisava deixá-lo confortável primeiro. “Espero que goste da refeição que pedi que fosse preparada para nós dois. Não é tão típica, como deve estar acostumado, mas é algo que me lembra…” Casa, ela diria. Mas por alguns segundos se manteve em silêncio, sorrindo, atuando perfeitamente, mantendo a postura relaxada sem qualquer rachadura ou brecha que pudesse denunciá-la. “... minha infância. Espero que seja do seu agrado.” Inconsciente, ou não, Isabel ergueu uma mão para tocá-lo no ombro, gentil e carinhosa, afagando o lugar, ignorando as vestes tão luxuosas mas explorando o tecido tão macio com os dedos. Precisava mostrar estar aberta. Precisava. Os corredores do palácio sussurravam informações, histórias passadas que pareceram úteis para aquela noite. Vikram tinha uma fama e era um colecionador nato de corações, arrebatando mulheres com amores e promessas, típico para alguém de sua posição. Aprendizados de outrora instruídos pelas mulheres de sua família careciam de seu uso imediato. Era tentar ou tentar. Não havia outra condição. Com o uso da outra mão, Isabel puxou o véu que cobria os ombros, revelando um decote escolhido a dedo para aquele cenário. Sentia-se envergonhada, traindo a si mesma, derrubando os próprios princípios mas que poderiam ser reerguidos se pudesse, finalmente, fugir dali e nunca mais voltar. Se não fosse por mente, seria por coração ou… “Por favor, pelo menos por uma única noite…” A vontade súbita de correr para afugentar-se nos próprios aposentos tornou-se uma questão tentadora. Contudo, manteve-se presa ao plano, mesmo que pudesse se arrepender de tudo mais tarde. “Me dê uma chance. Eu- e- eu-...” Pequenas lágrimas se avolumaram no canto dos olhos e para fugir da atenção alheia, Isabel encaminhou-se primeiro à cadeira, sentando-se ligeiramente, evitando qualquer tratamento, adiantando o que pudesse. “O jantar ainda está morno. E é melhor assim. Venha… querido.”
TO WANT YOU IS TO DESTROY ME.
Os dias se arrastaram lentamente pelo palácio, Vikram eternamente preso entre seus afazeres diurnos como imperador e a destruição de dentro para fora que a fera lhe trazia. Mantinha Isabel à distância; comparecia ao seu lado às obrigações do casal, mas se isolava dela no restante do tempo. Não conseguia se lembrar quando havia trocado uma palavra que fosse com a esposa pela última vez; talvez em um dos jantares com outros nobres. Ainda assim, mesmo que ela não soubesse, dava ordens aos seus servos para que mantivessem um olho aberto na estrangeira, que cuidassem dela e não lhe deixassem nada faltar. Não tinha ilusões quanto ao fato de que ela sofria; tinha fé que ela logo entenderia suas obrigações, porém. Talvez até chegasse a apreciar a vida na corte com o tempo, e mesmo que isso não acontecesse, pertencer à realeza era abrir mão de seus desejos e felicidade pelo dever. Vikram sabia disso muito bem.
Talvez por causa disso tivesse se surpreendido com o convite para jantar da esposa. Aquilo era algo inédito; em sua visão, Isabel o evitava tanto quanto ele a ela. É claro que houveram tentativas de aproximação da parte dela antes, mas Vikram acreditava que havia sido firme o suficiente para acabar com elas. Ele sabia que a desejava; a própria fera andava mais triste e melancólica do que de costume desde a aparição de Isabel por ali. O imperador possuía, porém, um caráter forte e obstinado, e era mais do que capaz de resistir à tentação que ela trazia... ou assim ele esperava.
De qualquer forma, foi convencido por seus conselheiros de que era inadequado recusar o convite da esposa, principalmente em uma corte tão cheia de olhos e ouvidos pelo castelo. Apenas por causa disso aceitou, e permitiu que seus servos o vestissem de forma adequada, em belos trajes alaranjados que evidenciavam o dourado de sua pele. Sua cicatriz no rosto foi, como sempre, coberta por maquiagem, e logo ele estava pronto para encontrar Isabel.
Foi até a sala de jantar designada, a expressão cuidadosamente neutra. "Devo dizer, estou surpreso pelo convite. Há algo que precise conversar comigo, imperatriz?" Sem chamá-la pelo nome, sempre pelo cargo; aquela era uma forma de tentar mantê-los afastados até mesmo pela linguagem.
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