Books are berries, poems are fields blooming strawberries in every verse.
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O estudo que estou realizando para o mestrado, focado em contos, literatura e filosofia do período da Dinastia Joseon 조선, no século dezessete, junto com a retomada de clássicos pela editora, me levou até O Conto de Hong Gildong, e essa obra se destacou durante minhas leituras e pesquisas por vários motivos. O primeiro, e talvez o mais impactante, é o fato de ser o primeiro romance coreano escrito em hangul, o alfabeto que usamos hoje, um marco enorme para a época, já que a literatura até então era dominada pelo chinês clássico. O fato de ser a primeira obra em hangul, somado à crítica social, ao contexto e às provocações feitas pelo autor, elevou o conto a um patamar de importância que vai além do seu tempo, tornando-o significativo não só para o período em que foi escrito, mas também ganhando um peso histórico que ressoa até hoje. É uma daquelas obras que, de tão bem amarradas, conseguem ser relevantes tanto no passado quanto no presente.
O autor, Heo Gyun 허균, definitivamente não era do tipo que se conformava com regras mesmo nascido em uma família nobre, com tudo para seguir um caminho tranquilo e previsível, ele resolveu desafiar a ordem estabelecida. Heo Gyun acreditava que talento e virtude deveriam valer mais do que linhagem, uma ideia super revolucionária para a época, talvez por isso ele tenha se envolvido com pessoas e pensamentos considerados marginais pela elite dominante. Mas, antes de partir, ele deixou um legado que ecoa até hoje, O Conto de Hong Gildong, uma obra que, de certa forma, reflete sua própria rebeldia e visão à frente do seu tempo.
Com um “destino forjado pelo céu”, Hong Gildong vem ao mundo como filho ilegítimo de Hong Gyeongrae, um nobre da dinastia Joseon, e uma concubina, sendo desde o início empurrado para as margens pela sociedade rigidamente hierarquizada da época. Por ser filho de uma concubina, Gildong é impedido de ocupar posições oficiais, mesmo sendo brilhante e talentoso, o que reflete uma crítica afiada ao sistema confucionista da época, que valorizava mais o berço do que o mérito.
Sua trajetória, no entanto, toma um rumo inesperado quando ele se torna o líder de uma gangue de bandidos, os Pillok 필록, mas não se engane, Gildong não é um fora da lei comum. Movido por um senso de justiça, ele não rouba por ganância ou prazer, mas para redistribuir riquezas, saqueando os ricos e corruptos e devolvendo aos pobres, como uma versão coreana de Robin Hood. O que realmente o diferencia, porém, são suas habilidades extraordinárias, magia, astúcia e uma inteligência afiada que o elevam a um status quase sobrenatural, desafiando autoridades e governantes corruptos com uma audácia que deixa todos de queixo caído, lutando não apenas contra a opressão das elites, mas também contra a corrupção e a imoralidade que dominam o poder. Hong Gildong é, acima de tudo, um símbolo de resistência, um herói que usa sua astúcia e habilidades para desafiar um sistema que insiste em mantê-lo à margem, e, convenhamos, ele faz isso com um estilo que é impossível não admirar.
Em certo momento da história, Hong Gildong vai além de ser apenas um fora da lei e funda seu próprio reino, uma verdadeira utopia onde justiça e igualdade não são apenas ideais, mas a base de tudo, coroando-se rei e estabelecendo um sistema de governo revolucionário para a época, um lugar onde o mérito define o valor das pessoas, não a linhagem ou a classe social, já que habilidades e virtudes são o que realmente importam, e não o sobrenome que você carrega.
Mas, como todo grande herói, Gildong não escapa de dilemas, pois, enquanto luta contra a corrupção e a injustiça, criando um mundo mais justo, ele se vê confrontado com questões profundas sobre o poder, a liderança e o peso de ser um governante, questionando como garantir que sua utopia não se torne apenas mais um sistema falho. O final da história varia dependendo da versão, mas o cerne permanece o mesmo, uma reflexão sobre o que é justiça de verdade, o que significa liberdade e como alcançar a igualdade em um mundo que parece sempre inclinado a favorecer alguns em detrimento de outros.
Hong Gildong não é só um herói, mas um símbolo da luta por um mundo melhor, mesmo quando essa luta vem com perguntas difíceis e escolhas complicadas, e é isso que torna sua jornada tão cativante, já que ele é humano ou quase demais para ser perfeito, mas corajoso demais para desistir.
Os estudos sobre o conto são bastante variados, podendo ser analisado dentro de diferentes gêneros literários, como o romance de aventuras, a literatura popular e as narrativas folclóricas, além de permitir uma análise de sua estrutura narrativa, da construção dos personagens e de como ele se encaixa no desenvolvimento da literatura coreana clássica. Frequentemente, o conto é estudado por sua crítica ao sistema de classes da dinastia Joseon, refletindo as tensões sociais entre os Yangban 양반, a classe aristocrática, e as camadas mais baixas, questionando a legitimidade de um sistema baseado em privilégios de nascimento.
Além disso, a obra explora o papel do confucionismo, uma filosofia moral e sistema ético baseado nos ensinamentos de Confúcio ou Kong Fuzi, que influenciou profundamente a cultura e a sociedade da China, da Coreia e de outros países do Leste Asiático. Seus princípios fundamentais incluem Ren 仁, a Benevolência ou Humanidade; Li 礼, que trata de Rituais e Propriedade; Xiao 孝, a Filialidade; Yi 义, a Retidão ou Justiça; e Zhong 忠, que significa Lealdade. Em períodos de agitação social na história da Coreia, Hong Gildong tornou-se um símbolo de resistência, invocado por aqueles que se opunham às desigualdades e à injustiça do sistema.
O Conto de Hong Gildong é um objeto de estudo multifacetado, que oferece uma análise rica não só da literatura nacional, mas também de aspectos mágicos e sobrenaturais. As habilidades especiais do protagonista abrem um campo ainda mais interessante de exploração, podendo ser vistas não apenas como uma técnica literária, mas também como uma representação das crenças populares e das tradições xamânicas e taoístas que coexistiam com o confucionismo na Coreia antiga. O estudo da Baykko na universidade se encaixa dentro da literatura coreana clássica, cada aluno e pesquisador dedicado a essa área examina a produção literária da dinastia Joseon, a evolução da literatura coreana e o impacto de autores importantes como Heo Gyun.
Embora a Coreia de hoje seja uma democracia, questões como desigualdade social e mobilidade ainda são temas bastante presentes. Escrita em um contexto de estrutura feudal e hierarquia rígida, a obra permanece atual, oferecendo lições e provocando reflexões sobre os desafios sociais contemporâneos.
O novo projeto da Byakko, que busca traduzir e redistribuir grandes obras em escala global, mantendo sua essência e atualizando a perspectiva histórica, está sendo recebido com muito entusiasmo pela minha equipe. É um prazer liderar essa iniciativa ao lado de pessoas tão talentosas e confiáveis. Este é apenas o primeiro de muitos clássicos que pretendemos apresentar, com o objetivo de que sejam adorados e apreciados como verdadeiras obras-primas, capazes de despertar suspiros, horas de reflexão e paixão, como merecem.
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