suruuise
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SadnessとMethane
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suruuise · 1 month ago
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O ato de esquecer
— Margaux, você já fez anal?
Aquela pergunta fez com que Margaux se desesperasse, drenando todo o álcool que viu pela frente com tremenda facilidade. A baronesa era puritana dentro daquele círculo, uma pequena criança no meio de adultos na vida libertina. Seu olhar era como o de um pequeno cachorro curioso, seu desvelo se mostrava em atitudes dignas de fofura.
— Eu... Para ser honesta, eu gostaria de experimentar. — A vampira comenta, desviando o olhar de seus companheiros. Seu rosto estava corado, e o teor da conversa fez com que suas pernas se entrelaçassem. — Acho a ideia interessante, no mínimo. Digo, minha vida é um pouco tediosa, eu gostaria de... Aproveitar mais, gozar-me de prazeres da vida.
Ambos que acompanham a baronesa riem; Zigfried e Sade fazem comentários sarcásticos quanto a situação da mulher e os três conversam normalmente. Conforme Sade sai de sua posição para espalhar a palavra de seus escritos, Margaux e Zigfried conversam sobre seus planos, que conspiram contra famílias divididas, seus desejos, ambições, entre outros assuntos. Ambos são impedidos por Sade de vez em quando, mas Margaux parece não ligar.
Muito pelo contrário, ela parece mais ferina do que o comum.
Sejamos honestos: Um casamento arranjado é pouco satisfatório, tudo que se faz é garantir que herdeiros sejam feitos, famílias se unam em prol de um poder que cairá em breve. Uma perda de tempo, ao mesmo tempo que uma medida desesperada. Margaux foi uma vítima de diversas maneiras, tanto em sua vida pacata quanto em seu abraço ao véu da eternidade. O que lhe restava era adentrar o universo da perversidade, e isso era algo que ela estava disposta a fazer sem pestanejar.
O álcool, apesar de fraco, sobe a cabeça de todos. A conversa esquenta enquanto é descartada, jogada fora como um simples assunto esquecível. Os três conversam como se tivessem se conhecido desde o nascimento. O nível de intimidade era curioso, dado que ambos os vampiros se conheceram nesse exato dia. Fato é, Margaux sabe o preço a se pagar pelo sacrifício; a mesma se propôs a ser uma informante para ambos os lados, de certa maneira garantindo seus desejos mais profundos, mesmo que agindo de maneira tosca, é um meio de controle em sua vida.
Um tempo se passa e Zigfried se retira do local. Ele alegava cansaço, e que precisava ir repousar-se em sua residência. Ele dita seu adeus e a nobreza em sua companhia o dispensa em uníssono. Não muito tempo depois, sobram apenas Sade e sua tão amada Margaux. Um certo silêncio cai sobre ambos: enquanto o marquês questionava a baronesa, ela se recolhia em sua timidez. O que era quebrado, porém, graças as grandes quantidades de álcool que ela ingeria. Seu corpo aqueceu-se, seu rosto corou e suas mãos foram de encontro ao meio de suas coxas: Não para se aliviar do prazer culpado que sentia, mas sim por puro embaraço. Seu olhar falhava, sua voz tornava-se cada vez menos audível e, com o tempo, sua mente não respondia mais por si.
— Sade, meu caro amigo, — Margaux fala entre murmúrios e, sem controle de seu corpo, posiciona-se no colo do marquês. Seus braços o envolvem, e suas unhas encontram as costas do homem. A baronesa o arranha por cima de suas roupas, sedenta por um controle que havia perdido. — O que acha de me deflorar? Aqui e agora. Na frente de todos.
— Pensei que nunca fosse dizer isso! — Ele responde, de certa maneira, entusiasmado. Suas mãos ansiosas desnudam o busto da baronesa, e sua boca paira sobre seus seios. — Eu esperei tempo demais por você. Por você ter me tratado assim, eu não serei gentil.
O olhar embriagado de Margaux se transforma em um sorriso. Seus lábios se entreabrem, revelando seus dentes perfeitamente retos em um sorriso deplorável. Uma de suas mãos abandona as costas do marquês e agora vão de encontro a sua nuca, empurrando-o contra seu cerne, ansiosa para que o homem a utilizasse. Sua outra mão, especificamente a esquerda, invade os confins abaixo de sua vestimenta íntima, fazendo movimentos circulares contra sua intimidade. A vampira, sem nenhum pudor, deixa de se segurar: finalmente sua vida teria adquirido um certo propósito, seu status pode ser recuperado, seu poder e fama podem voltar, mesmo que por pouco tempo. A sensação de sentir o gosto do topo e recuperar sua significância vulcanizava a mente de Margaux.
O marquês de Sade, por outro lado, parecia envolto na aura que emanava da vampira, sua pele clara era uma tela em estado pristino, parece que sequer tenha sido tocada uma vez em sua vida, se não fosse pelas duas pintas em seu pescoço que, honestamente, não são grande coisa. Jamais poderiam ser grande coisa. Ao ver o rosto inebriado da dama e ao ouvir seus leves sussurros, ele mesmo acaba por cair em uma tentação intoxicante, algo que apenas aquela puritana poderia oferecer. Margaux era uma iguaria, um bem muito raro de se possuir. Poucos foram aqueles que conseguiram ver — e sentir — além de seus lábios. Sade invade, ao mesmo tempo, o interior da vampira: De trejeitos ardentes, ele passa a explorá-la com seus dedos, os curvando enquanto faz movimentos de ida e volta.
— Eu mal te toquei e você já está escorrendo por minhas mãos, Margaux! — O homem satiriza enquanto sua outra mão vai de encontro a anca da dama. Em movimentos característicos, ele a aperta e puxa. — Você é realmente tão resguardada quanto diz ser?
— Eu sou! Eu te garanto que... Sou... — A vampira comenta entre gemidos melódicos e mordidas em seus lábios inferiores. Seu corpo parecia não responder por si, e sua cintura se movia ao ritmo de ambas as mãos que a tocavam; que a vê de longe diria que ela é apenas uma meretriz. — Eu só gostaria de aproveitar o momento, não é sempre que eu posso... me profanar assim!
Margaux então, em uma atitude que aparentava ser milimétricamente calculada, remove suas roupas com facilidade e as coloca sobre a mesa. Talvez fosse tão fácil pelo simples fato de que a vampira foi uma pessoa muito flexível, tendo um corpo saudável e perfeito para danças e esportes como esgrima. Passado um tempo, mãos pareciam não agradar mais a baronesa, a ânsia por possuir mais do que se pode ter e a impaciência sempre foram características que afetaram a dama, que agora se vê fazendo um esforço para remover as roupas do marquês. Sua mão úmida não colaborava, e sua mão seca estaria servindo de apoio. Ao que tudo indica, seria necessária uma troca de posição, algo que Margaux não gostaria muito. Desde que conheceu Chloé, a baronesa teve como seu gosto principal a necessidade de se estar no topo, não necessariamente no controle, mas era de seu feitio ficar por cima de seus acompanhantes e pretendentes. Talvez ela imagine que gostem da vista tanto quanto ela gosta.
Em passos lentos, o que se equivale a uma eternidade para a vampira enérgica, o marquês de Sade livra-se de suas roupas. Por mais que ele receba visitas esporádicas e genuínas da jovem, pouco a conhecia: Seus assuntos eram variados, claro que a maioria vinha de um cunho sexualizado, mas Margaux sempre foi boa em esconder-se, omitir e até mesmo mentir. Suas histórias, seus gostos, tudo possuía diversas versões, ela era fragmentada aos olhos de todos. Talvez fosse por esse exato motivo que o marquês, ao invés de deixar a vampira possuí-lo, a deita por cima da mesa, bem em cima das roupas da mesma. Sua boca vai de encontro ao busto da dama, consumindo da sua pele macia e clara. Sua mão livre torna o abraçar recíproco: vai de encontro a nuca de Margaux, dando-a um espaço para curvar seu pescoço e deixá-la mais confortável.
A vampira parece ter se entediado ali mesmo. Ser posta em uma mesa com o maior cuidado do mundo não era algo que ela esperava de um depravado como o marquês de Sade, nem ao menos o que ela desejava de fato. São raros os momentos em que ela se encontra sozinha e livre para fazer o que desejar, tudo que Margaux mais queria era a mais pura brutalidade. Mesmo assim, tenta ao máximo não deixar sua falta de entusiasmo transparecer: suas mãos abandonam seu corpo e forçam a cabeça do homem contra seu busto, suas secreções penetram no cabelo do homem. Talvez isso fosse um indicativo sutil para que Sade fosse mais agressivo, tal qual ele foi capaz de compreender, mesmo que após um certo tempo, graças aos pequenos atos da baronesa. Sua boca abandona os seios da dama por um breve momento, dado que Margaux tenta suspirar palavras em meio ao calor.
— O que foi, minha querida? — Sade pergunta, propositalmente curvando seus dedos com mais força no interior da dama. A expressão dela se contorce em prazer, o que leva a um sorriso maculado no rosto do marquês. — Você quer que eu faça algo diferente? Até porque, pela sua cara, isso está do seu agrado. Ou prefere algo mais forte?
Ao final de seu comentário, Sade passa a massagear os interiores da dama cada vez mais rápido. Para Margaux, isso era um ato glorioso e louvável, tendo em vista que a baronesa passou grande parte de sua vida sendo tratada com tamanha delicadeza, apesar de sua atitude mandona. Devido seu desanuvio, parece até mesmo ter se esquecido de que o marquês estaria pegando leve com ela a minutos atrás, e seu descontentamento se esvai quase que instantaneamente. Sua cabeça é jogada contra a mesa, tudo que sai de sua boca são ganidos e suspiros altos, que atraem cada vez mais atenção do pessoal ao redor. Afinal, em nenhum momento foram para um quarto propriamente dito. “Que vejam”, ela pensou: afinal, as festas em seu palácio não eram muito divergentes dessa realidade. A baronesa só não pensava que ela estaria nessa posição de submissão ao poder um dia, quiçá a de um homem também.
— Pare de me provocar assim, senhor! — Margaux súplica em meio a lamentos, seu rosto corado e olhar entregue são apenas um compilado das diversas atitudes da vampira de alcançar a atenção de Sade. Realidade seja dita, ela mal vê a hora de ser devastada e ter seu corpo manchado pela sodomia. — Por que você não me invade de uma vez? Veja bem meu estado... Qualquer um poderia me tocar aqui e agora, você está sendo cruel...
— Qualquer um?! Não seja por isso, tenho certeza de que há mais gente aqui que gostaria de aproveitar do seu corpo! — O marquês exclama. Sua mente parecia brilhar com a mais nova ideia que teve. Seria mais divertido, talvez, se aquela beleza fosse compartilhada: Era como se o mundo merecesse ver o quão linda Margaux poderia ser com esse olhar desesperado. — Rapazes, moças, venham aqui!
E o chamado foi dado. Algumas pessoas passaram a rodear o “casal”, muitos olhares curiosos cercavam o rosto da baronesa, que agora sorri de maneira nefasta e vil. Apesar de seu pequeno caso com Johan, um membro e colega de sua instituição, ele nunca pareceu ser suficiente: Amor nunca pareceu ser algo suficiente para Margaux. A dama sempre preferiu adoração, submissão e obsessão a níveis doentios, e o que estava acontecendo com e ao seu redor a entusiasmava mais e mais, era sua maneira de se sentir no controle de tudo, mesmo em posição de submissão: ela estava naquela situação porque quis.
Com a passagem do tempo e as diversas provocações do marquês, que agora esfregava seu falo contra as entradas da baronesa, algumas pessoas permaneceram para também se aproveitarem daquele corpo relativamente casto: dois homens se despiam, porém apenas um deles tocava Margaux com seu membro. Ele se esfregava entre os dedos da baronesa que, ao recobrar seus sentidos — afinal, ela é uma mulher voluptuosa — corre para masturbá-lo com uma de suas mãos. Seu toque é aveludado, suas mãos sempre foram macias e pouco judiadas pela idade e afazeres mundanos. A baronesa até tenta se expressar ou fazer algum comentário sarcástico e provocativo, mas antes mesmo que pudesse falar algo é pega de surpresa pelo marquês que, ao mesmo tempo que invade sua intimidade, insere um de seus dedos em seu ano. A sensação é curiosa ao mesmo tempo que dolorosa: Margaux conseguia sentir tudo perfeitamente e seu corpo parecia implorar por mais.
Conforme acostumava-se com a situação, a baronesa não pôde deixar de sentir um cheiro característico, algo que a deixaria ainda mais excitada quanto seu corpo sendo arruinado: Cheiro de sangue. O cheiro estava perto demais, assim que a dama se dá conta da origem, nota-se que havia uma mulher erguida a poucos centímetros de seu rosto, beijando Sade com voracidade. O sangue advinha do cerne da jovem acima de Margaux, ela estava menstruada. Aquilo era uma oportunidade perfeita para a baronesa se alimentar sem criar suspeitas, ao mesmo tempo que era perigoso devido sua falta de controle, dada a situação. A dama encarava um dilema árduo e complexo, e só tomou uma decisão depois de olhar indiretamente para o pouco que era possível de ver do rosto do marquês.
— Você não gosta de sangue, Margaux? — Ele comenta pausadamente, cada interrupção era uma batida na anca da baronesa, que estava vermelha a essa altura do campeonato. Conforme falava, também, ia aumentando a quantidade de dedos no interior da jovem ao longo de suas estocadas. Os sons ecoavam. — Vá em frente! Quero ver você chupando isso como a pessoa suja que você é!
Ao receber a aprovação, a baronesa soltou um breve sorriso antes de mergulhar sua boca contra a pele da jovem que, além de beijar o marquês, tinha seus seios apertados por outro homem. Todos ali estavam envoltos em um transe libidinoso e aproveitando o momento, porém Margaux parecia ter perdido a cabeça: Apesar de estar mantendo um controle quanto a seu frenesi sanguinário, sua mente já se foi a tempos. Tudo que conseguia imaginar era sua própria voz ecoando no ambiente, como sua mão se sentia contra o falo do outro homem, como o cerne que ela sugava era saboroso graças ao sangue e, claro, como o marquês estaria deixando-a louca.
Fato é: a dama sempre foi fraca para os prazeres da vida. Aqueles que assistiram sua noite de núpcias com seu ex-marido podem dizer com absoluta certeza que era possível ouvi-la até mesmo dos andares mais baixos e longínquos de seu palácio. Mesmo com a boca ocupada, Margaux parecia grunhir alto o suficiente para que todos ouvissem e esse era seu fraco. O desejo de ser vista e adorada sempre foi um de seus maiores defeitos, culpa de uma criação muito rígida. Ali, a baronesa podia ser quem ela era e tirar proveito daqueles que estavam com ela, se entregando de corpo e alma.
Apesar do momento ser eterno, não haviam se passado nem meia hora naquele estado. Posições foram alteradas, e agora as mulheres se encaram enquanto uma de frente para a outra, e ambos os homens estavam por trás delas. Elas se beijavam intensamente, espalhando cada vez mais o sangue na boca de Margaux em suas peles. Enquanto o outro rapaz era voraz e dominava a jovem, Margaux aguardava ansiosamente por Sade, que parecia mais estar apreciando a vista. Seu membro se contraia e latejava dada sua vista: O cabelo da dama cresceu desde sua última visita, suas costas pareciam uma escultura... Tudo isso para que ele pudesse destruir.
O marquês sinaliza e gesticula algumas coisas inteligíveis para a baronesa e, segundos depois, alguém aparece segurando uma faca, que é entregue para Sade diretamente. Sua expressão naturalmente doce se modifica para um sorriso quebrado, e a faca é posta contra a garganta da dama, que agora tem seu cabelo puxado, encerrando o beijo de ambas as mulheres abruptamente. Ele parece dizer algo, mas tudo é inteligível para a vampira: Seus sensos estão comprometidos e sua mente parece oca, focando-se apenas no que sente. Quando Margaux recobra parte de seus sentidos, ela consegue dizer que suas costas estão doendo um pouco, e um calafrio escorre viscosamente de suas costas. Sade estava a cortando com a faca, mas a sensação não era ruim, e a dor parecia se misturar com a luxuria de sua mente. Pouco a pouco, a baronesa estava tingida de vermelho, tal qual a cor de seu cabelo. O tempo passa, e aquele casal que estava junto da nobreza se retira, talvez por terem passado tempo demais.
O tempo foi passando, e agora só restavam o marquês e a baronesa no local. O silêncio era preenchido por gemidos de Margaux que, enquanto sangra lentamente, tinha seu ano invadido pelo falo de Sade. A vampira não conseguia mais expressar-se a esse ponto, estava absorta em meio ao gélido calor do ato: suas unhas riscavam a mesa e seus pés pareciam se curvar mediante o prazer intenso. Pouco se sabe a quantidade de vezes que a dama chegou a seu ápice, e até mesmo seu corpo pedia por um descanso. Até mesmo Sade parecia cansado, e terminou seu trabalho gotejando nas costas da vampira. Ele também teria perdido a conta de quantas vezes haveria alcançado seu clímax. O silêncio toma conta da sala por tempo suficiente até que ambos recuperassem os sentidos.
— Senhor, por favor, — Sussurra Margaux, ofegante. Em uma certa pressa, ela arruma seu cabelo e certifica-se de que seu sangue esteja seco para então se vestir. — Não conte para ninguém. No máximo, Zigfried. Que isso fique só entre nós por hora.
— Seu desejo é uma ordem, minha dama! — Sade comenta. — Mas lembre-se, algumas pessoas a viram, e poderão falar de você por aí. Não que isso seja ruim, você merece ser reconhecida por ser tão atirada assim.
Ao olhar para trás, Margaux sorri para o homem e então retira-se do local, esgueirando pelas ruas da cidade até sua residência. A vampira faz pouquíssimo barulho, evitando acordar os outros para então se trancar no banheiro e tomar um banho, descascando o sangue seco de suas costas e esfregando-se bem. Ao se olhar no espelho, via seu cabelo comprido, seus olhos amendoados, seus lábios finos e então começava a lacrimejar.
Não importa o que faça, ela jamais esqueceria da noite em que conheceu Chloé, não importa o quão extrema ela seja e quão longe vá sua sede pelo carnal, nada parece substituir o desejo em ter aquela mulher em seus braços novamente. Talvez fosse esse o motivo de ter feito algo tão extremo como fez hoje.
Seu lamento era audível.
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suruuise · 2 months ago
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Uma noite difícil
Uma noite difícil nunca deixará de ser uma noite difícil — Marcada pela brutalidade do ser que, pode-se dizer de passagem, é humano.
Minha noite começou bem, colegas do Jardim me chamaram para beber. Admito, passei o dia cabisbaixa: Não conseguia me esquecer do vampiro que matamos, por mais que eu me esforçasse. Era como ver uma parte de mim sendo destruída, um lado fragmentado.
Depois disso acabei por guardar um certo receio, até mesmo um rancor do Johan. Sempre lembro, porém, do quão inocente ele é quanto a isso: tanto ele quanto a criatura eram vítimas, como se fossemos peças para um esquema maior. De qualquer maneira, não pude deixar de notar como aquele homem me mima: Consegui deixar meu quarto mais característico do meu amor por botânica com a quantidade de flores que ele me deu.
Hoje era para ser um dia típico. Meus colegas comemoravam uma revolução no Haiti, e eu não poderia perder a oportunidade de comemorar junto. Mesmo que eles não se sintam seguros comigo, acho que vem se tornado cada vez mais comum eu me adaptar ao estilo de vida deles, e ao meu também. Não ter festas luxuosas, um palácio e comida farta transformam o ser em alguém mais... Humilde, eu diria? Estaria eu me tornando mais humilde?
Quando todos nos reunimos, eu não pude deixar de notar um certo amargor no ar. Gaspard e Guilles... Eles são esquisitos: Não é como se fosse pelo fato de que são, em um nível técnico, mais abastados que eu, mas sim pelo fato de que eles destoam demais da nossa realidade, em especial o professor. Tentei deixar isso passar, entretanto. Afinal, nossa missão era ir atrás de um “ritual” em uma igreja. Eu não sei o que ocorreu enquanto Lorfry e Johan estavam fora, mas Guilles as vezes parece um idoso perdido, é deveras engraçado. Até que ele é bem preservado para alguém que está na beira da morte. Eu queria saber como é essa sensação — não agora, mas um dia: quando eu finalmente me cansar da vida e o que ela tem para me oferecer; O mundo é vasto e eu adoraria saber como a realidade vai rolar conforme a flecha do tempo meramente marcha para a frente.
Entramos na cripta, resolvemos alguns desafios aqui e ali, nada muito complexo. Para falar a verdade, eu não fiz nada. As vezes ser omissa é bom, eu descanso a mente e relaxo a tensão.
Até que a porta se abriu.
O que eu vi não era nada belo e prazeroso de se ver. Não tenho palavras para descrever meu desconforto, que vileza era aquela, senhor? Um vampiro transformando uma jovem em um pretexto sacrificial, de maneira grotesca e triste. Eu mal me lembro de como fui abraçada, mas a sensação que me deixa na boca não é nada tão amargo quanto a cena, e sim doce, foi algo doce para mim, apesar do que eu fui forçada a vivenciar ao longo do tempo.
O pior nem seria isso. Eu o reconheci.
Era um amigo dela. Era um amigo da Chloe. Eu já o vi antes, de certeza, aquele rosto, aquele cabelo, era tudo tão... Familiar. Eu me senti voltando aos meus tempos de opressão familiar e vida soberba. Um tempo que hoje não sei dizer ao certo se sinto saudade ou se eu gostaria de reprimi-lo. Enfim, as nuances de se existir.
Ele me olhou, me acariciou, e ousou dizer que eu não estava ao lado dele. Claro que eu não estava! Eu nem se quer possuía o tempo necessário para entrar em contato com meus semelhantes, estou tão perdida quanto uma criança em um milharal; Tudo que eu quero são respostas, e o que mais encontro são perguntas. Me encontro com cada vez mais perdida no que é ser eu: Vampira? Humana afligida por uma maldição? Criatura? Besta? Minha mente se encharca em pensamentos obscuros enquanto eu me lembro dela.
Chloe. Minha primeira paixão. Como ela pôde me deixar sem direção e rumo? Ela poderia ter sido minha salvação há muito tempo. Eu poderia ter uma vida mais digna se ela não tivesse sido covarde e me abandonado daquele jeito.
A briga entre jardineiros e vampiros se esquentou, e a pobre vítima não teve chance nem se quer de ter suas perguntas respondidas.
Eu nunca desci meu nível, afinal, sou uma dama. Não sei o que deu em mim para socar um semelhante, mas sei o que fiz. Talvez fosse o fato de que ela se perguntou o mesmo que eu quando eu...
Ela era como eu. E perdeu seu direito de viver por conta disso. Não teve tempo para entender o que aconteceu, não teve nem uma chance de se redimir de uma aflição que não era sua culpa. Isso me entristeceu.
Tudo que eu podia pensar naquele momento é sobre como ela poderia ter sido uma irmã para mim, uma amiga, ou até mesmo algo a mais.
Uma filha. Alguém para que eu possa guiar e nutrir.
Eu sinto falta dela. Caliope, onde quer que você esteja, saiba que sua mãe a ama muito, e espero honestamente que, quando minha hora chegue, eu possa te ver e te abraçar onde quer que esteja, gostaria muito de ter você do meu lado, sentir seu cheirinho, lhe mostrar meus amigos que, com certeza, a tratariam com muito amor e carinho.
Me perdoe, Caliope. Eu até hoje não entendo o que fiz.
Eu não consigo mais, me perdoe, seja quem ler isso. Sinto que minha vida não importa. Eu sou só mais uma criatura, não sou?
Johan, se você em específico estiver lendo isso, saiba que eu lhe agradeço muito por conversar comigo quando fomos para o bar do marquês. Sinto que você finalmente entendeu, e que agora eu posso me aproximar de você de fato. Me perdoe por te julgar, minha cabeça só está cheia.
Eu queria poder ver minha família de novo.
As vezes sinto falta do abraço do meu irmão mais novo.
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suruuise · 2 months ago
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Noivado
A orquestra reverberava nos salões do palácio dos Bouhoir, taças de vinho batiam e a gargalhada era facilmente audível. A noite era de festa, celebrando uma nova aquisição familiar; uma nova terra foi anexada ao território da família de baronesas. Todos da família estavam presentes: Maude, a irmã mais nova, se deleitava na embriaguez do vinho tinto; Nadine e Florent, os gêmeos do meio dançavam juntos enquanto entretêm os demais membros da nobreza, que estavam de visita; Os senhor e senhora Bouhoir observavam de sua enorme mesa de jantar, que estava farta de alimentos nos quais a plebe jamais imaginaria a existência. Margaux, pelo contrário, parecia séria, fazendo sua estadia próxima aos barris de vinho, bebendo exorbitantemente.
Sua expressão era de desdém, seu corpo era rígido como uma pedra e nem mesmo sua respiração poderia ser ouvida dado o alvoroço de sua casa. A jovem estava preocupada demais para aproveitar a noite: Primogênita, se preocupava mais com os assuntos da família, mas geralmente era excluída dos assuntos para que seu noivo pudesse agir em seu lugar. Margaux odiava seu noivo, Achille, que nesse exato momento estava soltando flertes nada convenientes para sua irmã mais nova, que ria incessantemente aos gestos do mulherengo. Como era possível ser tão odiada assim? Margaux não entendia o porquê de todo o peso do mundo cair sobre suas costas, parecia que tudo e todos conspiravam contra ela.
Cansada, a baronesa faz seu caminho até seus aposentos, preferindo se isolar do mundo supérfluo e mergulhar em seu próprio universo, um quarto cheio de flores de lavanda e muito bem limpo e decorado. Margaux se joga na cama como um peso morto, suspirando ao rodar-se e ver um de seus vários quadros em sua imagem. Eles poderiam estar pendurados pelos corredores, mas as vezes mais pareciam um fardo para a família; uma primogênita, uma filha mulher. Apesar da estrutura matriarcal de sua família, os tempos de terror forçavam medidas drásticas que caiam diretamente em cima dela, por isso preferiram forçá-la a um casamento arranjado. Ainda assim, seu noivo nem sequer foi vê-la, não sabia nem se a jovem estava bem.
A música reverberava pelas paredes do castelo, uma melodia triste invadia o quarto de Margaux quase como uma maldição, forçando-a aos pequenos prantos. Sozinha, a baronesa chorava silenciosamente; seu rancor amargurado era aparente em seu rosto. Pobre dama, como se não pudesse ficar pior, parecia que alguém estava tentando entrar em seu quarto. O trinco da porta não era um dos melhores, e podia ser facilmente aberto com um pouco de força; e por fim, foi o que aconteceu: A porta desemperra e se abre, mas, quem se revela não é Achille. Margaux nem se pergunta quem poderia ser; estava muito ocupada observando o nada em seus aposentos. A dama só quebra sua dissociação quando ouve uma voz feminina.
— Por céus, me perdoe! — A voz comenta, manhosa. Era uma voz feminina muito sutil, parecia um doce sussurro. — Eu me perdi quando tentei voltar do banheiro para a festa. Já estou de saída, me perdoe!
Que voz curiosa, ainda mais uma que pede perdão a uma nobre tão insignificante quanto Margaux. Sua curiosidade é atiçada e, por um momento, a baronesa permite-se conversar com estranhos, o que nunca foi sua especialidade; Margaux mascara sua timidez com palavras ríspidas, mas, esse parecia não ser o caso.
— O perdão não é necessário, você só errou o caminho, está tudo bem. — A baronesa retruca, seus longos cabelos ruivos caem sobre seus ombros enquanto se senta na cama. — E quem você seria? Nunca te vi por aqui, nem para tratar de assuntos de negócios. Você seria convidada da minha família, ou da família de meu noivo?
— Da família do seu noivo, minha senhora.  — A voz comenta em um tom doce e gentil. Tom esse que é quase indescritível para Margaux. — Eu me chamo Chloé, Chloé Choffard. Nossa família veio de Provença até aqui para prestigiar seu noivado e a união das famílias Bouhoir e Besson.
Ah, sim, por isso a festa estava ocorrendo. Para ser honesta, Margaux nem sequer se lembrava dos motivos para se comemorar; aquilo era algo comum em sua família: independente do que fosse feito, da menor das aquisições, festas que poderiam durar semanas ocorriam em seu castelo. Chegou a um ponto em que a baronesa parecia não se importar com mais nada, afinal, seu noivo nem a notava e sua família, idem. Comemorações são fúteis para Margaux. O que a chamava atenção agora era a jovem em sua frente. Ela utilizava um vestido azul com detalhes em branco, cores nas quais Margaux odiava. Como pode, uma pessoa que, a princípio, faria Margaux morrer de tédio e desgosto, chamar sua atenção com tanta facilidade? Tudo que a baronesa mais desejava era entender aquela criatura tão destoante de sua realidade.
— Ah, claro, meu noivado, certo. — Margaux comenta sarcasticamente, mantendo sua postura minimamente inteligente e devassa. — Meu noivado arranjado com um homem que parece querer saber mais de minha irmã, claro. Uma ótima festa! Festa essa que eu não voltarei, logo, não poderei te guiar.
— Seu noivado está indo mal? Que tristeza! — Chloé logo retruca, parecendo ignorar completamente o restante da fala da baronesa. A jovem invade e fecha a porta do quarto, sentando-se em um banquinho próximo a cama em que Margaux está deitada. — Você já pensou em... E me perdoe o palavreado, mas você já pensou em copular com o seu noivo? Talvez isso o anime e o prenda a você!
— Eu já fiz — Margaux comenta entre os dentes, desviando seu olhar de Chloé. Ela pousa suas mãos sobre a barriga, porém, não parece ser um gesto de amor. — Estou grávida faz três meses e mesmo assim ele prefere minha irmã. Um traste, se eu me permito dizer.
O silêncio cai entre ambas. O clima se tornou desagradável em uma questão de segundos. A baronesa era muito boa em ser cruel com os outros, e parecia se deleitar com as expressões de vergonha e ressentimento alheias. Um sorriso se formava lentamente ao notar o desconforto de Chloé, e suas mãos partem em direção das mãos da jovem. Seu olhar se mutava para algo doce; uma ironia amarga, Margaux se deleita na confusão alheia.
— Sabe, senhorita Chloé, — A baronesa suspira, suas mãos vão de encontro ao rosto da jovem de azul. Seu lado provocante entra em ação, fazendo birras internas para aliviar sua vida tormentosa. — Eu acredito que você terá um marido incrível e uma família gentil. Eu espero, de verdade, que isso seja feito.
— Senhorita Margaux, eu... — Chloé pausa.
— O que foi, minha querida?
— Eu gosto de mulheres, minha família me trouxe aqui para conseguir um pretendente e me livrar dessa vida pecaminosa.
Dessa vez, quem se cala é a própria Margaux. Seu olhar se expande e seus olhos esverdeados parecem saltar para fora em um tom de surpresa. Na realidade, a baronesa também possui esses traços, porém, viveu reprimida; O peso de ser a primogênita era maior que sua existência, o que a adoecia: A dama gostaria muito de experimentar um amor verdadeiro, poder viver como musicista, experimentar a vida e seus doces devaneios, mas, assim como Chloé, estava presa ao julgamento alheio. Sem pensar muito, seu olhar cai para o lado, seus lábios são cerrados contra os seus dentes antes de suspirar.
— Você quer saber? — Margaux comenta, seu rosto cora e seus olhos viram para a jovem quase que de imediato. A baronesa parecia planejar algo. — Eu... Eu também gosto de mulheres, e homens também. É estranho, não é? Querer ser você em um mundo retrógrado assim...
A baronesa para de falar, e Chloé a observa. Nem se quer notaram o quão próximos estavam seus rostos. Existe ali uma troca de olhares intensa, um desejo recém-descoberto por Margaux parecia arder em chamas. Chloé, por outro lado, parecia hipnotizada, perdendo seu controle enquanto se encaravam. A jovem de azul puxa o rosto de Margaux mais perto ainda apenas para que pudesse cerrar seus lábios contra os dela, e assim foi feito. Ambas se beijaram. O doce do vinho se misturava com o amargor de um conhaque que Chloé provavelmente bebeu. Um misto de sensações curiosas empesteava o quarto como pragas.
De certa maneira, pode-se dizer que Margaux é inocente nesse assunto. O ápice da sua vida romântica e sexual foi mesmo seu noivo, ela jamais experienciou o amor, a surpresa, o choque de poder viver o medo que é se relacionar. A baronesa foi guiada a sua vida inteira para ser uma marionete da nobreza e da política, nunca teve tempo para besteiras e agora estava lá, a centímetros de uma mulher que jamais teria visto na vida, encarando-a no fundo dos olhos e vendo um desejo carnal sendo construído, uma necessidade profunda sendo libertada como um monstro saindo de seu esconderijo. É uma oportunidade que ela não poderia simplesmente jogar fora assim: uma fagulha de desejo nasce em seu peito frio.
— Eu... Eu sinto muito, senhorita Margaux! — Chloé súplica, assustada. — Eu não devia, meu Deus, me perdoe...
— Não, continue, por favor.
Ali se iniciava um marco opulento na vida da baronesa. Os lábios de ambas se cruzam novamente, dessa vez com um certo fulgor inesperado vindo de Margaux. O medo de ser pega, a ansiedade de desejar e ser desejada, tudo aquilo era novo para ela, que se afogava ainda mais nos braços da jovem de azul. Aquilo era como uma dança, movimentos de ambas eram sincronizados, mesmo nunca se vendo na vida em uma situação como essa, Margaux não queria ser lida como inexperiente, mesmo que pouco tenha se aproveitado dos prazeres da vida. Chloé, por outro lado, parecia libertar suas asas de correntes metafóricas, permitindo-se levar pela emoção do momento.
Ambas estavam hipnotizadas entre si. Roupas caiam das beiradas da cama, a tal ritmo que, em pouco tempo, ambas estariam desnudas por completo: Em nenhum momento pareciam ter vergonha de tamanho atentado ao pudor no qual estariam praticando naquele momento. Suas bocas iam de encontro a cada momento ou outro, mãos dançavam e deslizavam em suas peles, tocavam suas partes secretas e raramente vistas por outros, elas regozijavam do momento como se nunca mais fossem se ver na vida.
Em certo momento, Margaux se viu completamente dominada e fraca perante o semblante gentil de Chloé. Seu corpo tremia e a ponta de seus pés se dobrava mediante o prazer. A baronesa parecia nunca ter vivido tamanhas emoções na vida, e aquilo era viciante; a cada segundo que a jovem passava presa no meio de suas pernas, Margaux parecia querer mais e mais. Seus dedos se entrelaçavam nos fios negros de Chloé, que era puxada mais ainda em direção ao ventre da dama. A jovem que vestia azul parecia entender bem sobre o que estava fazendo, e isso era assustador para Margaux, que percebeu o quanto ela estava desesperada pelo prazer.
Algum tempo se passa e ambas se encontram deitadas na cama, suspirando e soltando alguns risinhos aqui e ali. A baronesa parecia estar contente, mas não apenas pelo prazer carnal, mas sim pela companhia; pode-se dizer que Margaux se apaixonou, mesmo que um pouco, por Chloé, que parecia sentir o mesmo. Esse momento, que parecia eterno aos olhos da baronesa, se encerrou a partir do momento que a porta do seu quarto é aberta: Chloé, já vestida, parecia sair do quarto, partindo ao que parecia ser uma eternidade.
Alguns meses se passam desde o ocorrido, e Margaux não consegue parar de pensar na jovem que conheceu em sua festa de noivado. Já casada, a baronesa parecia infeliz com sua vida, ansiosa apenas para que sua filha nascesse. Apesar de ser tolice, a dama torcia para que sua filha nascesse com a cara de quem ela se apaixonou aquela noite. Meses de espera excruciante se tornam alguns anos, até receber uma carta vinda de uma região específica de Provença.
“Senhorita Bouhoir, se você está lendo isso hoje, eu gostaria de lhe atualizar sobre minha vida. Sinto muito por não ter escrito antes, mas muita coisa aconteceu.
Eu achei alguém para mim e estou esperando um segundo filho. Nunca soube como contar isso para você e, para falar a verdade, acredito que eu nem queria. Me dói pensar que eu tive que seguir os seus passos, amaciar o ego de minha família tal qual você fez. Pode-se dizer que você me amaldiçoou, mas eu não a odeio. Espero que possamos nos ver um dia. Eu gostaria de acertar minhas contas com você, e te perdoar pelo que fiz. Eu não deveria ter brincado com você daquele jeito.”
E assim, Margaux entra em prantos. Foi tudo uma brincadeira de mal gosto? Ela foi usada apenas para um entretenimento barato? Isso era ser nobre? Se aproveitar dos outros assim?
O amargor na boca de Margaux só crescia.
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suruuise · 3 months ago
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Uma breve carta a si
Um manifesto vampírico.
Acredito que essa seja uma boa hora para pôr minha escrita em prática. Não é sempre que possuo o tempo para anotar meus pensamentos, logo acredito que, em meu descanso, seja uma boa hora para desabafar comigo mesma; uma maneira de me auxiliar em tempos de um terror confuso e agoniante para mim, um ser.
Minha missão hoje foi caçar um monstro. Uma criatura sedenta não pelo sangue, mas pelo licor daqueles que encontram conforto no etanol. Acredito que — não, possuo extrema certeza — o sangue nunca foi o que desejava: não em vida, e com certeza não agora.
Realidade seja dita: o sangue é uma necessidade. Acredito que muitos aqui não saibam, mas, “nós” precisamos dele. Não apenas para se manter vivo, ó céus, antes fosse, mas dependemos também daquilo que nos é transmitido através dessa linfa. Se fosse pela fome, eu provavelmente viveria de ratos, facilmente.
Tendo dito isso, eu acredito que sei o porquê de ter drenado minha filha de sua vitalidade: Amor. O amor que senti enquanto a bebia era excruciante, mesmo enquanto a pobre alma implorava para que eu parasse, suplicando para que sua mãe não a machucasse. Eu jamais senti tal emoção antes; um marido traidor, uma família que me rejeitava por ser uma primogênita mulher, plebeus que eram afligidos pela cólera por conta de meu status... Enfim, o que eu senti foi amor, em sua forma mais pura.
Ouso dizer, mas mesmo sentindo culpa por ter tomado a vida de Dominique, minha tão amada filha, eu não me sinto explicitamente mal com isso. O que senti foi um amor primevo, uma sensação ótima escorria sobre meu corpo e, por mais que eu desejasse, parar parecia impossível; como pode uma filha do sangue se negar do único momento em que se sentiu alguém querida na vida?
Enfim, peço perdão pela divagação. Essa carta nunca foi um meio de me confidenciar quanto a meus pecados passados. A realidade é essa: Eu não estou só no mundo. Há outros como eu, uma família adquirida por meio de uma sina calamitosa.
Em uma missão, passou por mim um homem não diferente de qualquer outro humano que eu já vi em toda minha vida. Talvez ele parecesse até mesmo mais novo que eu, pálido, cabelos longos, utilizava uma bengala também. Porém, existia uma característica insólita sobre ele. Seus olhos.
Para aqueles que nunca me viram, que encontraram essa missiva por pura coincidência ou por alguma causa que eu espero nunca descobrir, eu possuo olhos horrendos. Não me aceitava como mulher antes: meu corpo magro e pálido e meus cabelos ruivos, tintos de um vermelho morto... Essas sempre foram características que ainda tinham uma certa absolvição. Meus olhos, entretanto, são um outro tipo de caso: minha esclera é avermelhada, quase como se eu nunca repousasse na vida. Minha íris? Esbranquiçada. O que é uma pena, pois, o que realmente me salvava eram meus olhos esverdeados: duas pequenas esmeraldas lotadas de ressentimentos e mágoas.
Enfim, tal homem cuja eu menciono anteriormente compartilha dos mesmos olhos que eu, e não só isso: ele se aproxima de mim sem medo. Já imaginava que fossemos carne do mesmo animal, mas o que ele fez não só confirmou minhas suspeitas, mas também me atemorizou. Ele segurava meu rosto e dizia palavras doces: “você é perfeita”, ele disse.
Eu sou perfeita aos olhos de alguém.
Em todo meu tempo de vida, meus vinte e sete anos de existência amarga e melancólica, ninguém nunca ousou dizer que eu era perfeita. Foram anos tentando ser uma filha exemplar, e ainda me atrevo a dizer que sempre fui boa em áreas científicas como a biologia e sempre fui versada em música, tocando piano como ninguém na pacata cidade de Calais e sempre fui versada na arte de falar inglês — claro, morando na região mais próxima da Inglaterra, manter relações diplomáticas como primogênita de uma família importante era nada mais que uma obrigação.
Enfim, perco-me novamente em meus pensamentos, eu peço perdão.
Aquele homem disse que eu era perfeita, uma criatura sem falhas, um ser controlado e de tamanha ternura. Até me recomendou sua procura e de sua família. Não nasci ontem, com certeza não é uma família feita dos laços sanguíneos que nos prendem a escória, mas sim algo a mais. Algo adquirido, criado. E assim eu me surpreendo, e me encho de temor. Como pode? Em meus três anos sendo uma atrocidade errática jamais haveria visto um assim. Aliás, demorou um tempo para que eu tomasse controle da minha condição e, admito, sinto que até hoje posso cometer deslizes em nome da orexia demasiada.
Um certo tempo depois, me vejo em uma situação conturbada: Encontramos a criatura após um pequeno artifício: Um vampiro animalesco vestindo calças. Foi assim que notei como nosso além-vida não importa para os mortais; Os jardineiros fazem pouco caso de nossas vidas, se me veem como um monstro, quem dirá aquela pobre alma aflita pela necessidade de sentir. Conseguimos caçá-lo, mas a que preço?
Um colega meu disse que mataria quantos fossem precisos, e eu estava ali. Parada, pensativa, cabisbaixa: como seres humanos podem ser tão animalescos quando veem algo que não se encaixa em suas morais e princípios. E aquele tal homem ainda disse que foi necessário.
E se aquele vampiro havia sido apadrinhado erroneamente? Ele com certeza tinha uma vida antes disso.
E se fosse eu?
Eu fui a eterna vítima da minha história, e ainda ouço gente dizer que sou diferente em tudo que faço. Eu não sou. Eu era como aquele ser, tal qual sou como qualquer ser humano.
Seja o que for, será. Eu passei minha vida tentando agradar a todos e, admitindo silenciosamente, eu não sou servente. Eu nasci para governar.
Ah, e nota pessoal: Não dê bola ao médico. Ele está tentando resgatar sua casa de uma sina tormentosa, mas reitero, eu não sou objeto de estudo, e nem quero ser salva.
As vezes não sei o que sou, mas acredito que esteja tudo bem, afinal, a vida de todos é efêmera, e eu sou eterna.
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suruuise · 7 months ago
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Valor
E é quando a noite cai que 600 se sente abandonada e solitária; a chuva cai e bate ao chão, fora de seu quarto. A jovem se encontra em transe desde que esclareceu, seu olhar é vazio, e sua tentativa de sentir algo além da apatia é falha miseravelmente. A meretriz se ergue de sua cama, seu corpo parcialmente coberto por sua roupa indecente e reveladora.
Seu corpo cansado caminha pelos arredores das propriedades dos cetrinos, e a mesma se arrasta como um zumbi até fora das pendências de seus colegas, ainda um pouco perdida e desnorteada. 600 observa o céu chuvoso, os respingos d'água molhavam as bordas de seu vestido e as poucas gotas que caiam em seu rosto pareciam apenas algo frio, mas nada considerável, digno de se sentir.
Ao sair, 600 monta em seu cavalo e segue para o pântano próximo a cidade, indo de encontro a gangue do dedo morto. Se alguém possuía respostas para sua condição, eram eles: uma gangue nova na qual Sossego jamais teria visto. Eram pessoas muito diversas, desde um lobisomem gentil até mesmo ocultistas que entendem mais do que ela sobre o assunto.
Ao chegar, a pécora se desmonta de seu cavalo e o amarra em uma árvore. Durante a noite é de se esperar que todos estejam dormindo, afinal, os dias no velho oeste são árduos e logo após falhar em um assalto, a moral de todos é abalada. Não obstante, Connor estaria do lado de fora de uma das cabanas, bebendo de um cantil aparentemente velho e um pouco amassado.
— Oh, meu benzinho, — Connor suspira, ainda cabisbaixo pela perda e sua incapacidade de se vingar de seu nêmesis. — Veio aqui para quê? Não era para você estar descansando com seus colegas? Eles estavam muito preocupados com você.
— De fato, eles estão... — 600 então comenta, apática. É fato de que ela sentia tristeza em fracassar e afligir seus companheiros, mas para ela seria impossível externalizar isso, ou até mesmo se importar, de fato. — Mas agora não sei se pertenço a eles de fato. Eu estou mais perto de algo do que de um humano por hora.
— Você se acostuma, 600. — Connor então responde, estendendo seu cantil para a cortesã. — E aí, meu doce. Quer um gole?
— Eu aceito.
E então, ambos beberam. Os tragos e o amargor da bebida esquentavam ambos os corpos, e, enquanto Connor parecia agir normalmente, 600 parecia não sentir nada apesar de seu corpo corar de embriaguez. A dama sempre foi um pouco fraca para bebida, mas agora isso parecia não importar mais.
Conforme ambos bebiam, conversa era jogada fora, ambos pareciam se unir em pensamentos e palavras. Connor é uma pessoa ardilosa, astuto em ações e palavras: características que encantam 600, e que a fascina. A dama se aproxima inconscientemente do homem, quebrando cada vez mais as barreiras entre eles.
— Então quer dizer que é a sua primeira vez presenciando esse tipo de paranormal? — Connor pergunta e 600 não sabe dizer se sua curiosidade é apenas algo de conveniência ou se é genuíno. — Eu sei que você contou de suas irmãs, mas para você, não é algo novo?
— Sim, é... — A meretriz manifesta um certo tom de interesse. Seu corpo pende ao vislumbre do homem, se encostando em seu peito. — Eu espero que vocês dessa gangue possam nos mostrar como é, de fato, viver com essa sina em mãos. Os Cetrinos são muito certos, e eu sinto que não sou mais a garota de antes...
— Não mesmo. Você é uma mulher. — Connor parte para seus elogios. O homem é um descarado em suas palavras, mesmo frustrado diante sua falha vingança. — E que mulher, aliás. Me surpreende que ninguém nunca desceu a mão em você, que anda com esses peitos para fora.
Prestando atenção ao comentário do Dedo Morto, 600 ri quase que de maneira acostumada, mesmo que não sinta muito além de uma leve atração ao comentário. A cortesã então se aninha ao peito do homem, seu cabelo caindo sobre seu rosto e seu coque se desfazendo. Ela retira seu chapéu e fita o homem, seu olhar amendoado encarava o semblante de Connor, que se aproximava a ela sem uma gota de cautela. Mesmo sabendo que todos estavam dormindo, ambos pareciam não importar.
— Mesmo sedento por vingança, parece que você sempre corre para um rabo de saia. Curioso isso. — A meretriz brinca, sua mão indo de encontro à mão de Connor. Quase que inconscientemente, a dama da noite forma um sorriso sob seu rosto, quase como se ela se recuperasse de sua maldição. — Você é estranho, diferente de todos que já me consumiram. Gostei de você.
E então o silêncio cai sobre ambos, mas não por muito tempo: 600 cerra e parte sua boca, a encaixando nos lábios de Connor. O homem, porém, não fica parado: Ele rapidamente segura as roupas da meretriz enquanto ela se segura nele, o abraçando. Sua respiração se torna mais pesada, e as emoções intensas parecem livrá-la do fardo de não sentir. Era isso que ela almejava, a emoção do momento, o misto de sensações. Suas mãos vão de encontro ao rosto de Connor, segurando-o. Ela se afasta.
— Você me pagou 30 dólares aquele dia. — 600 comenta, um sorriso malicioso se forma em seu rosto. — Quer fazer com que esses 30 dólares valham a pena?
E então o silêncio após a frase foi cortado abruptamente por um suspiro de 600, que teria sua boca beijada por Connor. Esse beijo é diferente do primeiro: muito mais voraz e primordial. O cantil é derrubado ao chão, e ambos participam de uma valsa calorosa e agressiva até o interior da cabana. Ao passo que se encostavam contra a parede, roupas passam a cair ao chão; 600 se mostra proativa ao retirar as vestes de cima do homem, revelando sua pele cicatrizada enquanto o Dedo Morto apartava as roupas da meretriz.
Ao passo que se desnudam, os beijos se tornavam cada vez mais quentes e conforme o calor aumentava, os beijos se moviam: Connor passou a beijar e morder o pescoço e clavículas da meretriz, enquanto a dama segurava seu cabelo, guiando-o sem muito medo. Quando lhe convém, ela erguia a cabeça do Dedo Morto apenas para que ele pudesse ver seu sorriso embriagado e ouvir sua respiração pesada e gemidos baixos. Pouco a pouco, ambos se encontraram sem peças de roupa.
Nem mesmo o vento gelado vindo do pântano podia interromper ambos as monstruosidades humanas: Connor brincava com 600, sua mão de encontro a anca da meretriz, movendo-se com grosseria. Era um toque agressivo, mas que atiçava a dama, que não se segurava muito para fazer barulho. O Dedo Morto, ao ouvir, tampava a boca da mulher, que o mordia em troca. A agressividade era um agrado e feitio de ambos, que se deixaram levar demais pelo prazer. Conforme ambos caiam pela luxúria, 600 usa de sua força para abraçar e arranhar as costas de Connor, que, em troca, a mordia cada vez mais.
— Então você gosta de dor, não é, 600? — O Dedo Morto pergunta, sua mão saindo da umidade da meretriz e indo de encontro a seu pescoço, sufocando-a. — Vou lhe dar motivos para sentir dor e chorar.
Connor então pega uma faca atirada no chão e a pressiona contra o pescoço de 600, que, ao ver tal ato e sentir de fato um perigo, não se segura em pressionar a mão que segura a faca com mais força, arrancando um punhado de sangue de seu pescoço; nada que forneça risco de vida, mas que, mesmo assim, se mostra interessante para ambos. Ao ver tamanha ousadia da dama, o homem puxa então o cabelo da concubina e a joga contra o chão, forçando sua cabeça ao chão.
600 então, ao ver a situação em que estava, empina seu quadril, arqueando seu corpo de forma sensual, quase que como um convite para que o homem a domine por completo. Tal convite não poderia ser recusado de maneira simples, visto que a libertinagem de ambos gritava mais alto que qualquer suspiro ou som qualquer. Connor, que ainda segura o cabelo da concubina, se posiciona contra ela e a invade, desbravando um corpo que, mesmo conhecido por muitos, parecia ser quase que algo novo, uma descoberta no mínimo agradável para o homem.
Conforme ambos se moviam e se embriagavam, o uso da faca não fora esquecido: o Dedo Morto esfregava a ponta da arma branca contra as alvas costas da meretriz, o que a fazia arrepiar. Seu pescoço se curva e seu olhar vai de encontro a Connor. Sua boca até tenta soltar algum som, mas antes mesmo que 600 pudesse falar algo, ela sente uma facada em suas costas, não é algo muito profundo, mas é o suficiente para arrancar um gemido misto de dor e prazer da mulher. Novamente, uma de suas mãos vai de encontro a mão do homem, e, enquanto ela ergue a faca, sua expressão muda de algo sereno para algo depravado, além de um sorriso malicioso.
— Por que você não me marca igual marcam cavalos? — 600 súplica, sem um pingo de vergonha. Seu olhar deixa de ser algo doce e se torna algo ferino, quase como uma afronta direta ao homem que a dominava. — Você não vai me marcar como sua? Fraco.
Ao ouvir a chacota da meretriz, Connor a esfaqueia com mais força, lentamente escrevendo seu nome em suas costas. Ao terminar, o homem estende a faca em direção a boca de 600, esfregando a lâmina em seus lábios. O vermelho tingia sua boca, sujava suas bochechas e gotejava em direção ao chão. A língua da concubina escapa de sua boca, deleitando-se com o sangue na faca. De fato, tamanha loucura invadiu e inebriou os pensamentos de 600, que não conseguia mais pensar em nada além de como ela desejava tanto aquele momento, aquela dor e aquele prazer.
Connor, por outro lado, pareceu minimamente surpreso com a reação da messalina, porém, o mesmo não se frustrou: ele se solta do corpo pálido da dama e, indo de encontro novamente com seus cabelos, ele a arrasta pelo chão, deitando-a. Com sua mão livre, ele ergue seus braços e a segura, imobilizando-a com sua força. Ele também teria sido consumido pela dor e prazer, e ambos se deleitavam em uníssono, sons escapando dos lábios de ambos.
Não é necessário dizer que entre os sons e o calor emanado por ambos os corpos, tapas eram dirigidos ao rosto e corpo da concubina, que retrucava com sons cada vez mais altos. Era como se ela soubesse ler o homem, tentando fazer de tudo para agradá-lo. Porém, em um momento de descuido, Connor perde a liderança da situação em uma velocidade avassaladora: 600 o empurra e se posiciona por cima dele, cobrindo seu pescoço com ambas as mãos, o enforcando. Seu sorriso apimentado se aproximando do homem enquanto ele agarra os seios da dama da noite.
Aos poucos, a expressão de 600 mudaria, seu olhar amendoado e sagaz se tornava algo sorridente, extasiado e cheio de lágrimas. Aos poucos ela chegaria em seu ápice, seu corpo tremia e sua voz saia de sua boca de maneira fraca e perdida. Porém, aquilo não era o suficiente para Connor, que imediatamente a empurrou para o lado, com um certo olhar que pedia para que ela terminasse o que começou. A mulher entendeu o recado e se arrastou, ficando de joelhos em frente ao homem. Logo, sua boca vai de encontro ao falo, o envolvendo. Um misto de sangue e saliva facilitavam o trabalho, e seu olhar era sempre direcionado ao Dedo Morto. Homem esse que, impaciente, segura os cabelos da meretriz, movendo sua cabeça. Mesmo com esse movimento brusco, a dama não se deixou levar e não fraquejou por nenhum segundo. Ambos eram animalescos e brutos entre si mesmos, e isso os unia cada vez mais. Uma união marcada na luxuria e nos pecados prazerosos, uma noite marcada pelo sangue de uma faca, pela agressividade e por uma tentativa sucedida de se sentir algo vindo de ambos.
É inegável que ambos pareciam se complementar, enquanto um era agressivo e ardiloso, a outra se mostrava completamente dependente de emoções fortes para se sentir viva, e enquanto ela era movida, aquilo a completava: Era a sensação de se viver na linha tênue do perigo e da agressividade que passou a movê-la. Suas mãos iam de encontro as costas de Connor, e suas unhas o arranhavam. Sua pele ficava presa em suas unhas e logo um sangue mais superficial escorria de suas costas.
Logo menos, o homem atinge seu ápice, marcando o rosto de 600. Enquanto isso ocorria, ela sorria, mas, dessa vez, não era mais o sorriso malicioso de antes e sim algo genuíno, como se ela acabasse de descobrir a maneira para burlar sua sina. Connor podia não saber, mas era ali, naquela cabana, que ele começara a criar alguém — ou melhor, algo. Aquela noite fez ambos cada vez mais próximos, mas também permitiu a criação de um ser movido cada vez mais por emoções intensas.
— E ai, foi do seu agrado, fofo? — 600 comenta com o mesmo tom debochado de Connor, quase como se ela estivesse tirando uma com a cara dele. — Eu espero que tenha gostado. Afinal, os 30 dólares precisam valer a pena.
Connor então parte para um último beijo, beijo esse que parecia ter algum resquício de sentimento, algo que não era muito comum, especialmente quando vindo dele.
— Com você eu até quero repetir isso mais vezes, benzinho. — Ele comenta, também em tom de deboche. Logo, ambos se aninham, algo levemente desconhecido por ambos, mas que continha um sentimento agradável. — Até porque você é minha agora, tem meu nome aí.
— Sabe, pode ser até mais que o nome. Se você bobear demais, logo vai ser o sobrenome. Cuidado.
— Você realmente merece o nome que tem, 600. Você vale muito.
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suruuise · 2 years ago
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Noite
“Sim, nós queremos um quarto para dois.”
Comentou Margaux logo após Light, que a encara com um certo ar de confusão. O clima era tenso e incompreensível, uma sensação amarga e desconfortável se encontrava nos lábios da vampira que, em passos curtos e rápidos, se movia atrás de seu colega de equipe. Sua respiração fria e silenciosa não condizia com a ansiedade que sentia enquanto estava a sós — ou até mesmo mais próxima fisicamente — com o rapaz, seus instintos vampíricos mais que aflorados por um sentimento humano e carnal.
O silêncio entre os colegas realçava os sons do ambiente: o barulho das luzes vermelhas chiava nos ouvidos do casal enquanto aquela televisão ligada em uma estática muda tentava lhes roubar um pouco da atenção. Margaux se senta na borda da cama, desfazendo seu coque. Os fios ruivos então eram então prensados pelo corpo da dama que logo se deita, pernas ainda dobradas e pés ao chão. O homem senta-se na outra beirada, porém, de maneira oposta a vampira: sua coluna é jogada para frente e sua cabeça cai, suas pernas se abrem, seu corpo descansa de maneira irritada.
— Não ache que eu não percebi sua irritabilidade. — Margaux suspira, seus braços estendem-se, alcançando a própria cabeça. — Seria isso ciúme de um amigo seu? Afinal, a expressão que ambos fizemos não fora nada... Digno de ser presenciado, eu diria.
De fato, A baronesa provia de uma certa facilidade em ler e interpretar sentimentos masculinos dado sua preferência em quem caçar. Seu olhar era analista, seus movimentos, singelos. Ela vira sua cabeça em direção ao Light, aguardando uma resposta.
— É melhor que você esqueça. — Ele resmunga em voz baixa antes de um longo suspiro, se levantando de maneira abrupta. Seu olhar, além de expressar certo cansaço, mostrava uma certa insegurança: estava a sós. Light estava a sós com uma mulher que definitivamente chamava sua atenção. Ao erguer-se, passa pela porta do quarto corriqueiramente. — Vou tomar um ar, pode dormir se quiser.
“Pelo visto também não vai ser dessa vez.”
A dama suspira assim que o rapaz sai pelo quarto, cabisbaixa. Margaux se levanta e começa a se despir de suas roupas, revelando, além de suas roupas intimas em rendas vermelhas, uma pele alva, pouco tocada pela tecnologia do mundo afora. A vampira pega seu sobretudo e se enrola no tecido macio e quentinho, encarando o espaço vazio da cama. Sua memória aflora, lembrando-se da época em que seu noivo abdicava de sua companhia para apreciar a gandaia: as inseguranças da baronesa afloram-se, a mesma se encolhe dentro de seu sobretudo, deixando visível apenas seu rubro cabelo e as mãos que seguram o tecido firmemente. Seus olhos não piscam, seu corpo treme de tristeza e solidão.
Do lado de fora a situação também não parecia muito favorável para Light, que aguardava na frente da porta de um quarto que não o dele. Light batia e mexia inquietamente na maçaneta, torcendo para que alguém abrisse. Do outro lado da passagem, um barulho que outrora coordenado e ameno vazava pela fresta da porta se sessa, e poucos segundos depois um homem abre a porta.
— Que porra é essa, Light?! — Hydra exclama. Lotus logo se esconde sob as cobertas, assustada. Como irmão, Hydra não nega a entrada de light ao seu quarto, ainda que um pouco desconcertado. O homem pega um travesseiro e coloca no chão, oferecendo ao seu “irmão” um espaço para se sentar. — Por que que você está aqui? Você não estava com a Margaux?
— É, eu estava. É que... — Ele pausa, de certa forma, sem palavras para expressar o nervoso que sentia. Sua testa franze, seu olhar escapa para a porta e suas mãos vão de encontro a sua cabeça, sustentando-se. — Porra, será que me aproximar dela é uma boa ideia? Digo, você viu a cara dela quando ela bebeu o sangue do Telles, será que ela só não quer usar a gente? Me usar? Sei lá.
Era uma questão válida apesar de delicada. Light pouco sabia de Margaux além de seu breve gosto literário, algum comentário aqui e ali de sua vida e momentos de descanso em grupo. Ambos eram completos desconhecidos, unidos única e exclusivamente por um destino ainda não contado. A boca de Light também se franze, dando passagem a um olhar preocupado. Olhar esse que é percebido pela mulher sob os lençóis.
— Olha, Light, — Lotus comenta, erguendo-se para ter uma vista melhor de seu amigo. — Você não a acha bonita e interessante? Volta lá, tenta ao menos conversar com ela. Ela vai fazer o que? Te morder?
O comentário de Lotus conseguiu soltar umas poucas risadas de ambos os homens na sala, o suficiente para trazer a sala um clima mais descontraído e agradável. Light sorri de maneira branda antes de agradecer a ambos e retornar para o quarto, sendo recebido por um olhar choroso e murmúrios incompreensíveis. O exterior de Margaux era duro, rígido e aristocrata, um semblante de poder e riqueza. Seu interior, porém, desabrocha na frente de Light como uma dama da noite, pura em essência.
Aquele olhar era como um veneno: intoxicante como uma droga, cativante, doce. Um dos braços da baronesa se estende enquanto a mesma esconde seu rosto do rapaz. Suas bochechas e ombros se mostram rosados dado sua vergonha, não queria ser pega em um momento tão vulnerável assim. Margaux se encolhe cada vez mais dentro de seu sobretudo, mas ainda assim convida Light a entrar em seu pequeno mundo: algo vulnerável, uma partilha de sentimentos.
— Desculpe, não queria que me visse assim. — Ela comenta, limpando seu rosto nos lençóis. Para quem estava com uma aparência de choro, a voz da mesma não falha, aliás, nem mesmo seu tom muda: a rigidez consigo mesma era muito grande. — Como pode ver, não lido bem com esse tipo de situação, sabe... Não consigo ficar muito tempo sozinha sem me entristecer.
A estática mais uma vez domina a sala, porém, ambos resmungam ao mesmo tempo.
[...]
Algumas horas se passaram e ambos Light e Margaux agora se encontram rindo, aninhados na cama. A baronesa descansa sua cabeça sob o ombro do homem, sorrindo gentilmente. Até mesmo o silêncio de outrora flui em uma conversa agradável para ambos, que trocam risadas e até mesmo breves carícias.
— Pois é, eu juro! Quem dera você estivesse vivo no século XX, O álcool daquela época era a melhor coisa do mundo! — A mulher comenta, animada. Seu corpo se vira para ter uma visão melhor do homem que lhe conforta: seus cabelos caem sob seus ombros, seus braços se apoiam sob o torso do homem, a proximidade de seus rostos acelera o coração de Margaux. — Queria eu poder compartilhar algo assim com você.
— Não tem problema, Você já me disse muita coisa. — Ele comenta prontamente.
A isca foi pega, O caçador inicia sua caça.
Nunca se sabe se aquela frase de Light foi, de fato, finita: Margaux Logo cerra seus lábios contra os dele, envolvendo-se constritamente contra seu corpo. Cada palavra dita durante a longa conversa fora um teste, uma maneira de identificar cada padrão e detalhe de seu correspondente: a vampira procurava a melhor maneira de se aproximar do rapaz e, por mais demorado que tenha sido, ela conseguiu sem muito esforço aparente.
O homem se surpreende um pouco ao súbito toque de uma pele tão macia, mas como bom veterano de guerra que é, não recua. Light envolve-se reciprocamente com a dama que se ajeitou sobre ele, suas mãos vão de encontro ao rosto e costas da mulher, mesmo que de maneira um pouco perdida. Amor, romance, paixão, emoções pouco exploradas pelo rapaz o fazem questionar suas ações por dentro: detalhe esse que não passa despercebido por Margaux, que a tempos anseia por compartilhar desse calor tão humano.
— Que carinhoso você, segurando o meu rosto. — A vampira comenta entre suspiros e beijos, gentilmente guiando uma das mãos do rapaz pelo seu corpo, pousando-a em sua cintura. — Aqui, toque mais do meu corpo. Não precisa se segurar.
Por um momento, ambos pausam e se encaram. Breves segundos se tornam uma eternidade, seus rostos coram e esquentam e suas emoções embrulham-se dentro de seus estômagos. Sem demora, Light e Margaux retornam a troca de carícias, dessa vez de maneira mais intensa: uma certa proatividade vem da vampira que, de maneira delicada e respeitosa, acaba por remover peça atrás de peça de roupa de seu agora companheiro, deixando-o apenas com suas roupas de baixo.
Em um estado de cumplicidade e desprovido de inibições, ambos se encontram em uma dança coordenada em passos breves, porém intensos: do mais novo vislumbre de amor e sexo do rapaz as emoções e sentimentos de ser amado da dama, as sensações misturam-se e dão origens a novas ações e reações do casal. Light desfaz os fechos da lingerie de Margaux, revelando seu pálido busto. A pele da mulher é explorada pelo homem, que a massageia e acaricia com as mãos.
Os sons vindos da vampira são abafados por mordidas em seus próprios lábios, seu olhar embriagado anseia pelo rapaz que a encara de volta, ambos sorrindo de maneira devassa e convidativa para si mesmos: em sincronia, as mãos de ambos se encontram abaixo as cinturas, se movendo em uníssono. Irônica é a diferença entre os toques: a dama usufrui de sua firmeza e precisão enquanto o rapaz a explora com leveza e fluidez nos dedos. Um trabalho manual mútuo.
Logo, a mutualidade se torna algo cíclico: a impaciência e voracidade de ambos perde seus limites de contenção e se espalha, o som da estática agora mesclado com as vozes de ambos os europeus. O corpo de Margaux se arqueia e se força contra o de Light, seus rostos congregados em beijos e olhares intensos, suas mãos entrelaçadas. Ao ritmo que se moviam, todo o ambiente parecia girar ao redor, as luzes vermelhas acompanhavam a intensidade da situação: uma cena lúbrica, constante, um devaneio de pessoas que procuravam de maneira silenciosa um amor comum em meio a vida amargurada que levavam.
A noite se encerra em algumas horas. O semblante sério e contido do casal se foi, e tudo que sobra é um abraço caloroso e bagunçado, suspiros esgotados e uma sensação doce na mente de ambos. A proximidade era reconfortante e a intimidade trazia alívio para ambos, ambos se encaram, mas Margaux é a única que se põe a rir da situação de maneira discreta.
— Eu nem precisei arrancar alguma gota de sangue de você para sentir alguma coisa! — a baronesa expõe, se aninhando contra o peitoral do rapaz. — Espero que você tenha gostado tanto quanto eu.
— Eu... Foi ótimo. — Light suspira, abraçando Margaux. Seu corpo estava fervendo, livrando-os da necessidade de se cobrir. A luz vermelha fraquejava sobre ambos. — Você é incrível. Eu sei que a gente se conhece a pouco tempo, mas olha aonde a gente chegou—
— Ainda temos muito a alcançar. De verdade, isso é só o começo.
As vozes se calam, a noite cai. Os corpos enfim descansam, unidos, pertencentes um ao outro. Um momento eterno, uma memória que para sempre queimará naquele que se manter vivo e são.
Um amor de uma noite só.
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