23 anos-luz da estrela natal. Me transcrevo em versos a fim de que as palavras salvem-me os instintos.
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Transcedental
Sentei-me frente ao espelho cristalino de minha alma. Estava de volta a cidade dos encantos. A paisagem ao redor permanecia imutável, embora meus olhos houvessem transcendido o olhar. O agora vestiu-se com a beleza de uma memória distante que outrora havia me causado dor. Caminhava, dotada de certa inocência e arrogância, tentando entender o que o lugar reservara para mim. A chuva fina que molhava o asfalto tinha cheiro de saudade. Estava distraída demais para sentir o peso da ausência.
O breu engoliu ao sol, a noite se sobrepôs ao dia e, eu estava cansada demais para permanecer ali. Voltei ao quarto de hotel e me lancei a cama. Acordei, ofegante junto ao amanhecer, a morte visitava-me o leito. Coloco os dedos embaixo de minhas narinas e confirmo a premissa lógica de que estou respirando. Mas se é esse o caso, porque sinto que estou sufocando? Teu fantasma veio em sonho me fazer visita. Pareceu-me real. Era você, carne e osso, coração batendo, sangue pulsando. Toquei-te o ombro, minhas mãos atravessaram teu cabelo e deslizaram sutilmente através de tua face, havia calor no teu corpo, embora tua feição inalterada transparecesse a morte em você.
- Eu não posso trazer-te de volta. - Pronuncio em alto e bom tom para que soe mais real. Pensei que houvesse superado tua perda, mas, não importa o quanto o tempo passe, ou quais foram as mentiras que inventei a mim mesma para lidar com a dor dessa realidade, a verdade é que inconscientemente insisto em procurar-te em lugares esmo ou abarrotados, reais e imaginários, em rostos na multidão, em olhares solitários que detém de alguma semelhança ou nenhuma, em objetos inanimados que remetem ao nosso passado ou ao futuro que projetei para gente. Tua doçura ainda contrasta com o amargo que reside em mim.
Ó tempo! Embora tão ilusório deixa marcas mais profundas que o oceano em tuas rochas e/ou o vento soprando em fúria contra a areia do deserto.
Tomo um café forte, passo os olhos pelo o jornal sem decifrar uma palavra sequer. Acendo um outro cigarro. Permaneço agitada. Decido dar uma volta, perambulo pela cidade e a paisagem e rostos que me cercam são agora apenas um cenário distante. Encaro o vazio em rostos alheios, que talvez seja apenas um reflexo do vazio que me é tormenta e cresce feito erva daninha em meu espírito. Estou perdida em um labirinto de sensações e emoções que me distanciam de meu ser. Quem eu fui está tão distante que sou incapaz de me reconhecer. Todas as estradas que sigo me levam outra vez ao nada.
Sento-me então frente ao mar num estado de contemplação tamanha que um transe meditativo toma posse de meus sentidos mais sublimes. Enterrei meus pés na areia e gentilmente minha mão se pôs a recolher conchas, como fazia outrora nos tempos da infância. Sem perceber, comecei a coloca-las numa geometria espiral, enquanto algo me dizia, gentilmente, que embora tua ausência ainda me causasse dor, nada era mais pesado e angustiante do que o vazio que habitava em mim. Percebi então em uma fracção de segundo que o vazio que sinto antecede a dor da tua ausência, antecede meu amor por ti, antecede teu ser, antecede minha própria existência.
Assisti o passado diante dos meus olhos e nele minhas tentativas vãs de sobrepor o vazio de minha alma. O vazio é o que resiste e, a cada nova tentativa de preenchê-lo, percebo-o consumindo tudo feito fogo, crescendo num ritmo descontrolado que consome tudo que sou e o que fui. Tentei das formas mais diversas, do inútil e fútil superficial da matéria às profundezas secretas que regem a filosofia e serve de alimento a alma. Procurei adornos que realçassem minha beleza, tentei de toda maneira responder a vaidade de meu corpo. Tornei-me conquistadora, frequentava ambientes requintados e me deliciava ao ser alvo de destaque aos olhos alheios. Não me foi suficiente.
Tornei-me ébria, embriagava-me de vinho e cerveja, fumei tantos maços de cigarro que meus pulmões estão asfixiados com a fumaça negra que me engole o corpo. Sentia-me saciada enquanto durava o efeito, mas logo a ressaca vinha num gozo satírico derramar-me o peso da realidade. A ilusão que os vícios revelavam era suficientemente aprazível para que eu novamente voltasse a mergulhar na sensação que dançava diante de mim. Entretanto, em certo momento o álcool e sua realidade não me foram mais suficientes para salvar-me desta vida vã. Recorri a drogas mais pesadas, e tanto quanto era-me incrível o êxtase que me atingia o momento, dez vezes mais era a angústia que se seguia o momento. Entrei em depressão profunda.Me entreguei a paixões ardentes que consumiram cada vestígio de sanidade de meu corpo, que devoraram minhas células e quaisquer resquícios de vitalidade que se conservavam em mim. Tentei abarrotar-me com a matéria densa de outros corpos. Busquei entender a biologia, a filosofia, a física quântica. Aprofundei-me na espiritualidade. As respostas tornaram-se uma obsessão em minha vida e, a cada questão saciada, outras duzentas vinham me atormentar. Minha curiosidade que antes surgira a fim de me ser guia, agora só me distanciava mais ainda do meu ser.
Eis então o paradigma do vazio: enquanto o ocupo, preencho-o, mais ele se expande, maior e mais insatisfeito ele se torna.
Me entreguei então as artes. A dança, o teatro e, principalmente, à literatura. De todos os processos, todas as provações, foi a arte a única a me conceder um vislumbre sensorial do etéreo celestial. Neste ponto onde me encontro, pude então perceber a intensidade da literatura sobre mim. Em algum momento nos tornamos unanime, tecido incorpóreo de uma mesma entidade, com tal veemência que me percebo a temer as palavras. De tanto escrever, sentia que não me restariam mais palavras, nem poemas, nem as coisas belas, nem tristes que faziam parte de mim e compunham minha existência. A poesia é, portanto, excremento de minhas partículas, ou do meu espírito, como preferir chamar. As palavras tecem meu DNA e, no momento em que eu as transcrevo em versos, parte de mim se esvai reduzindo-me ao nada. Por momentos acreditei que o vácuo me engolia e, só agora, de volta ao nada, compreendo o vazio existencial que me é tormenta.
Levantei e me pus de volta a caminhar, incomodada com o sol forte que me queimava a pele. No ápice de meus devaneios foi que me apercebi: a luz é a única energia capaz de coabitar o vácuo. O que existe, portanto, é o vazio, o nada, a escuridão total versus a completude, o todo, a luz, a unidade. Qualquer coisa entre um ou outro são apenas fragmentos de uma existência desintegrada de tudo o que é, persistindo na ilusão da solidão. Isto, portanto, é tudo que sou, tudo que somos, tudo que resta. É início, meio e fim. Antecede o instante, a existência humana, antecede o próprio o universo.
Quanto a mim... permaneço incógnita.
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Solidão pulsa na aorta.
Rodopio nas espirais de meus devaneios vagos. Tomo outro café, acendo mais um cigarro, planos que continuam tão distante quanto as estrelas, que embora façam parte de mim, permanecem distantes e inalcançáveis. E eu vou seguindo, entre passos cambaleantes e olhar difuso. Na garganta, palavras não ditas ressecadas com o tempo cortam-me o espírito. Um outro sorriso, mais uma dança, há verdade em minhas distrações, há verdade em meu amor pela vida. Mas em certo momento separei-me de mim. E aqui no peito, esse meu outro eu que se acaba em solidão... quando foi que me tornei tão sozinha? Não sou capaz de me reconhecer. Lá fora o mundo eclode, meu desespero por transformação insiste em me dar forças, mas como posso limpar a podridão do mundo sem antes fazer faxina nesse corpo sujo que habito? Me conecto com o que há de mais espiritual e, cotidianamente, crio planos para uma vida mais saudável e abundante. Planejo um cronograma de yoga, sento-me e entro em transe meditativo profundo, conecto com o mundo. Volto, digo que não vou mais beber, digo que não vou mais ferir as pessoas, digo que as amo, resolvo guardar um dinheiro para quando eu precisar, penso em voltar para a dança, em planejar uma performance, fazer outro monólogo, me dedicar inteiramente as artes... digo que teatro é minha vida, embora o tempo passe e eu continue nessa procrastinação eterna de nunca fazer algo para que ele volte a fazer parte da minha vida. E aqui, esse outro eu solitário grita desesperado que não suporta mais. Eu o ouço, digo que vai ficar tudo bem, que existe alguma vida incrível a minha espera, logo ali, em algum lugar. A solidão insiste em gritar sobre os vazios. Troco de roupa, ponho-me tão linda quanto o nascer da primavera e saio para rua em uma tentativa desesperada de calar essa voz irritante que luta para tomar posse de meus instintos. Uma cerveja, outro cigarro. Outra cerveja, outro cigarro. Outra cerveja, outro cigarro. Agora esse eu simpático que tem dentro de si sempre as palavras certas para tudo que há neste mundo. Crio laços, sorrisos que se explodem sem que eu faça um mínimo esforço. Uma vodka, uma dança, um outro flerte, mais um encanto.
A história se repete. Dia que se ergue, ressaca que faz presente, culpa me invade corpo, energia que se faz ausente. Durmo mais um pouco, adio um pouco mais meus planos, acredito que amanhã vai ser diferente. Paixões ilusórias dentro da alma, dessa vez há algo mágico entre nós, dessa vez é de verdade. E me agarro a verdade de minha ilusão para fugir outra vez da solidão. A história se repete cada vez mais trágica como forma de que eu lhe dê atenção. Chamam-me de artista, de louca, inocente e puta. Sabem muito sobre meus motivos e quase nada sobre mim. Olhares tortos que me quebram a pele e o espírito. Sou a protagonista deste teatro trágico que criei. Amo crianças, mas matei àquela que habitava em mim. Como posso ser eu bondade no mundo se sou cruel com o ser que vive em mim?
Fujo, corro sem parar e sem nunca olhar para trás, mudo de cidade, mudo meu endereço... busquei tanto a liberdade que hoje sou sua prisioneira. Meus ideais escorrem pelo ralo à medida que me distancio de quem eu quero me tornar.
Meu sentir tem o peso do universo. Em cada troca, agulhas alfinetam-me o âmago. Cada abraço é explosões astrais em minhas células. As pessoas nas quais feri são fantasmas a me seguir em cada esquina. Deixa-me sozinha, então, que a solidão até me veste bem. Deixe-me devorar os sentidos, é tudo que me resta.
Minha doença é sentir demais em um mundo tão raso.
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