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nyfw, calvin klein, marc jacobs e política na moda
Com o fim da Semana de Moda de Nova York, fica claro que a maior tendência da temporada é misturar moda e política

Calvin Klein, inverno 2017
Não há nada mais significativo que a estreia de Raf Simons na Calvin Klein abrir a Semana de Moda de Nova York por alguns motivos. O primeiro é que o estilista belga é a maior esperança do renascimento da NYFW, que vem sendo esquecida há algumas temporadas por seus desfiles talvez comerciais demais. O segundo é que, com a Calvin Klein, o estilista também trouxe sua marca masculina, a Raf Simons, à semana de moda masculina da cidade. Mas o mais importante, no entanto, é que Raf Simons não é americano. E isso, nas circunstâncias atuais dos Estados Unidos, diz muito.
A eleição de Donald Trump para presidente do país – e seus atos xenófobos, machistas, hobofóbicos e preconceituosos – reverberaram nas passarelas da Semana de Moda da maior cidade norteamericana. Pudera. Desde que tomou posse, Nova York não passou um dia sem manifestações. Algumas maiores, como a Woman’s March, até outras mais insistentes, que rolam desde o dia 20 de janeiro na calçada na frente da Trump Tower.

Calvin Klein, inverno 2017
Foi preciso um baque gigantesco para a moda entrar de cabeça na política. Poucos estilistas sequer falavam sobre, muito menos tornavam seus desfiles atos revolucionários ou manifestos. Demorou, mas aconteceu. E promete acontecer muito mais nesta temporada de inverno 2017.
Muito antecipada, principalmente depois do primeiro desfile masculino de sua marca homônima na cidade, a estreia de Simons na Calvin Klein teve tom acertado. Com a trilha sonora de “This is Not America”, de David Bowie, e uma versão remixada de “I Wanna Be Sedated”, dos Ramones, o belga mistura todas as já conhecidas características da etiqueta (ultra)americana com seu toque pessoal em uma só coleção. Se antes o desfile era somente uma versão premium e que nunca chegava às lojas, sob o comando de Raf, o que foi mostrado no primeiro dia de NYFW mistura a expertise em jeans (que apareceu bruto), em underwear (usados abaixo de vestidos transparente de plástico enfeitados com plumas), nas propagandas (alguns dias antes do desfile, a marca apresentou sua primeira campanha by Raf) e na alfaiataria precisa que, nas mãos do estilista e de Pieter Mulier, seu braço direito, ganham novas formas e garantem nova relevância à marca.
Desde o primeiro look que entrou na passarela, com as cores da bandeira americana, até o esporte, em mangas com listras contrastantes, passando por recortes sensuais em uma nova área erógena (o underboob) e pelo casacão de pluma coberto com uma camada de plástico, tudo que foi apresentado misturava diferentes aspectos da marca – tão diferentes, mas que a fazem especial. Assim como os Estados Unidos. Neste desfile, que não poderia ser mais político, o estilista garante: juntos somos mais fortes.
Prabal Gurung, inverno 2017
Outros estilistas também se enviesaram à política. Prabal Gurung fechou seu desfile com camisetas onde lia-se “The Future is Female” e “The Revolution Has No Borders”, enquanto “Respect”, de Aretha Franklin, ecoava. Na Public School, as modelos entraram na passarela com um boné escrito “Make America New York” ao som de “This Land is Your Land”, uma espécie de hino progressista do país composto pelo artista folk Woodie Guthrie. Ao fim do desfile da Chromat, o rapper TT the Artist cantava “Fuck Donald Trump” nos microfones. A maioria dos estilistas, americanos ou não, sentiram-se no direito (e no dever) de protestar através de suas roupas, notas, atos, desfiles e trilha sonora. Poucos ficaram quietos diante da situação – e aqueles que não se pronunciaram com certeza passaram desapercebidos.

Marc Jacobs, inverno 2017
Do começo ao fim (literalmente, já que Marc Jacobs fechou a semana), a NYFW ganhou fôlego quando abordou assuntos políticos. Em seu desfile, montado em um grande salão com apenas duas fileiras de cadeiras e nenhuma música, o novaiorquino olha para o Harlem e para o Bronx dos anos 1970 para criar uma coleção em tons de marrom. Importante perceber que a escolha de paleta e de casting do desfile não foi ao acaso. Existe, sim, uma questão racial sendo abordada na sua passarela. Reconhecer e celebrar a cultura negra e sua importância para a construção dos Estados Unidos foi seu ato patriota.
Em uma coleção inspirada no hip hop – mais especificamente, no documentário “Hip Hop Revolution” –, a entrada nas modelos (em sua maioria negras, vale dizer) foi reforçada pelo poder do silêncio. Silêncio esse que lembra a dor torturante do racismo; do silêncio da mídia frente aos assassinatos arbitrários de negros e de sua prisão em massa; dos discursos de ódio; da marginalização e da escravização de uma raça, o silêncio fala muito.
Marc Jacobs, inverno 2017
A música só começava de fato quando as modelos saíam do grande salão do Park Avenue Armory e sentavam em cadeiras na calçada. Jacobs sabia que sua inspiração saíra de lá, então, porque não levá-la e incorporá-la de volta às ruas? Neste momento, com as modelos enfileiradas, algumas sentadas, outras de pé, ficava claro o que o estilista quer que usemos na próxima estação com seu casaco xadrez e golas felpudas: política. A última tendência da vez.
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dior, lanvin e a força do feminismo na moda
Maria Grazia estreia na Dior com coleção romântica com toques esportivos; Bouchra Jarrar mostra suas habilidades de alta-costura na Lanvin

Christian Dior, verão 2017.
Duas das mais esperadas estreias de novos estilistas em grandes maison nesta temporada de verão 2017 em Paris são mulheres. Não teria momento mais apropriado. Em um mundo fervilhando com empoderamento feminino e feminismo, é sinal dos tempos que a Dior tenha colocado Maria Grazia Chiuri e, a Lanvin, Bouchra Jarrar em seu maior cargo criativo. Antes da primeira modelo entrar na passarela esperava-se uma aproximação da Dior com essas pautas. Em suas notas pré-desfile, Chiuri -- que acabou um casamento criativo de 25 anos com Pierpaolo Piccioli ao sair da Valentino -- se diz feminista. Um dos looks mais comentados do desfile era uma camiseta que dizia “We Should All Be Feminists”. A pauta estava definida. Mas o que isso significa para uma marca do tamanho da Dior?

Christian Dior, verão 2017.
Fato é que ter uma mulher no comando muda muita coisa. Apesar de genial, Raf Simons nunca se apropriou desses temas -- e nem deveria. Ainda que a coleção tenha muito do trabalho de Maria Grazia na Valentino, o que é natural, as peças serviram como uma espécie de limpador de paladar. No começo da apresentação, calças capri, golas altas, mangas alongadas e camisaria (com um quê de camisa de força) dominaram.os looks brancos, claros, alvos com inspiração na esgrima. Com o coração aberto -- literalmente, já que algumas peças tinham corações bordados no peito --, dá pra enxergar claramente a transição entre o que Raf Simons fez e o que Chiuri pretende fazer com a Christian Dior.

Christian Dior, verão 2017.
Depois desse bloco mais claro e esportivo, a estilista passou para uma área na qual tem mais expertise: os vestidos de tule transparente com detalhes de lingerie e bordados quase poéticos que se tornaram icônicos na sua Valentino. Mas não sem dar um toque novo: a logomania (que voltou nessa temporada) aparece em alças de sutiã, brincos, bolsas cintos de elástico e alças dos sapatos com o nome da marca e o famoso “J’Adore Dior”. Tudo para dar um toque fresco à marca que está assumindo, mas sem perder sua essência como estilista. Ter uma mulher no comando da Dior -- pela primeira vez em 69 anos --, muda tudo.

Lanvin, verão 2017.
Na Lanvin, a escolha da francesa Bouchra Jarrar também foi acertada. Com a missão de retomar a relevância da marca desde que Alber Elbaz deixou o cargo de diretor criativo há um ano, a estilista teve carta branca para seguir seu instinto (e seu estilo). Para sua estreia, Bouchra apresentou uma coleção simples, com alguns pontos altos, mas que destaca sua maestria em criar silhuetas e sua aptidão com a alta costura -- habilidade que poucos estilistas têm. Slipdresses de tule transparente com renda aplicada no colo, calças amplas sobrepostas a camisas hiperlongas, aplicação de plumas nas golas de coletes, jaquetas perfecto bicolores encurtadas e vestidos fluídos azuis (a única cor além de preto e branco da coleção) compõe o guarda-roupa completo da mulher Lanvin.

Lanvin, verão 2017.
As duas coleções são estreias, ou seja, o primeiro approach das estilistas com as marcas, que muito provavelmente estão abrindo passagem para o caminho que vão seguir daqui pra frente. Apesar de não serem estreias espetaculares, as duas trazem a sintonia (quase) perfeita dos códigos da marca com seu DNA próprio. E, também muito importante, são coleções que despertam desejo nas mulheres -- das mais práticas e que prezam o conforto até as mais românticas. Essas relações devem se estreitar com o passar do tempo, mas é sempre muito revigorante -- e importante -- ver mulheres desenhando para mulheres.
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saint laurent, theyskens, jacquemus e o poder do passado
Em uma temporada cheia de estreias, Vaccarello decepciona na Saint Laurent e Olivier Theyskens surpreende. Jacquemus apresentou sua melhor coleção até agora

Yves Saint Laurent, verão 2017.
Muitos esperavam uma estreia surpreendente de Anthony Vaccarello na direção criativa da Saint Laurent. Não aconteceu. Se o enorme guindaste segurando um letreiro luminoso com o antigo logo da marca era premissa de que algo novo – ou apenas resgatando o que Yves Saint Laurent fez em seu tempo – aconteceria, essa esperança veio ao chão quando a primeira modelo entrou na passarela. Apesar de dizer ter se inspirado em um vestido de 1982, do próprio Yves, a coleção de verão 2017 apresentada no primeiro dia de Paris Fashion Week parecia uma versão piorada, sem história e sem alma, do trabalho que Hedi Slimane fez frente a marca.

Yves Saint Laurent, verão 2017.
A revolução proposta pelo seu antecessor, de se inspirar nas ruas, nos jovens e em Los Angeles, alavancou as vendas. O Yves caiu (agora, aparentemente, voltou), a sede se mudou para a Califórnia e a estética grunge moderninha feita em moldes de uma maison de luxo dominou a então Saint Laurent. Apesar de, também, muito criticado, não dá pra negar que existia alma no que Slimane fazia. A tribo que o inspirava era sua tribo. O que ele colocava na passarela era sua verdade – e não deixou de ser, até seu último desfile frente a YSL. Talvez pelo medo de atravancar as vendas da marca, a coleção apresentada por Vaccarello seguiu o mesmo mood.

Yves Saint Laurent, verão 2017.
Esqueça as fendas sensuais que marcaram o trabalho do estilista na sua marca própria (que acabou fechando para se dedicar completamente a YSL). Neste verão, os vestidos hiper justos e hiper curtos dos anos 80 tomaram a coleção, muitas vezes com uma manga só. O blazer icônico da marca foi transformado em vestido (nada novo por aqui) e os brilhos em estampas animais feitas em lantejoulas em, de novo, comprimentos super curtos. Na moda das mangas desabadas de casacos criadas pela Vetements na temporada passada, as ombreiras caíram e formaram volumes estranhos. Parecia tudo mal acabado, mal cortado e, ainda que pensado para uma consumidora mais jovem, construído sem os tecidos luxuosos das últimas coleções. Em tempos em que os estilistas olham para o passado a fim de escrever um novo futuro, Vaccarello apresentou peças datadas e sem conexão com o agora.

Jacquemus, verão 2017.
Já na Jacquemus, marca que ganhou hype há algumas temporadas pelas suas apresentações de sonho, a loucurinha estava lá, mas um tom abaixo. Apaixonado por formas geométricas, o estilista Simon Porte se valeu do triângulo para construir ombreiras gigantes e pontudas, calças amplas, camisas com babados aplicados em babadores e mangas exageradamente bufantes, além de cigarretes retas e saias longas. Note também a influência do seu passado em cidades de campo francesas, onde cresceu e de onde sempre tira inspiração, com os grandes chapéus de palha amarrados ao pescoço. Apesar de extremas, muitas das peças apresentadas pelo estilista são usáveis (muito mais que em temporada passadas), um twist à moda da marca, sempre tão conceitual.

Olivier Theyskens, verão 2017.
Olivier Theyskens volta com sua marca homônima focado em básicos. Depois de capitanear grandes nomes como Theory, Rochas e Nina Ricci e um hiato de dois anos fora da passarela, o estilista se volta aos shapes, texturas, silhuetas e peças que fizeram parte de sua história para este verão. Vestidos em A, blazers belamente cortados, casacos acinturados, calças retas de alfaiataria e longos corsetados no final da pequena (porém precisa) apresentação de vinte e cinco looks trazem memórias a quem acompanhou sua marca homônima nos anos 90. Em um momento da moda em que o show importa mais que a coleção em si, soa como alento alguém que realmente se dedica à roupa como Theyskens.
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prada e seu retorno à casa
Depois de viajar pelo mundo coletando referências, Miuccia volta a sua estética usual para falar sobre alienação
Prada, verão 2017
É como se seu último desfile, de inverno 2016, um mar de referências de coleções passadas, de referências diversas, de vivências novas, fosse um prelúdio do que estava por vir. Neste verão 2017, a mulher Prada cansou de viajar pelo mundo e voltou ao conforto de seu lar. Falou sobre a sexualidade da mulher inteligente, explorou o ugly chic (termo cunhado por Miuccia), deixou as pernas de fora em hot pants ultracurtas, voltou a estampar peças com xadrezes e prints de toalha de mesa. Tudo com básicos como trench-coats, camisas, vestidos acinturados, jaquetas bomber. A questão é que muito parece diferente depois que passamos tanto tempo longe.
Prada, verão 2017.
Na passarela, vimos muitos comprimentos mídi, conjuntos de seda estilo pijama com estampas geométricas e penas de marabou nas barras da calça e da manga, sobreposições de camisas com sutiãs contrastantes, fendas decoradas, de novo, com penas (foram o ponto alto da apresentação), vestidos transparentes sob micro shorts, decotes ombro a ombro em casacos sobrepostos a golas altas; os tons esmaecidos muito frequentemente faziam contraste com cores mais sólidas, como o preto; os sapatos de plástico tinham solas retas ou kitten heels.
Prada, verão 2017.
O curta “Past Forward”, de David O. Russel, foi transmitido em telões que decoravam as rampas da sala industrial, feita de telas de metal. O ar condicionado estava ligado no máximo. Não foram servidos coquetéis ou canapés no início da apresentação. E, se muito pode se dizer sobre os aperitivos escolhidos por Miuccia para o desfile da Prada, conclui-se mais ainda se eles não existirem. Tudo foi feito para causar desconforto, trazendo a sensação de prisão, alienação do mundo exterior. Fome, sede, frio. Na tela, fragmentos de cenas mudas em cenários futuristas desafiavam as convenções da narração. A trilha sonora flutuava entre músicas calmas e outras mais agressivas, com cortes duros entre elas.
Prada, verão 2017.
Se para quem assistia ao desfile esse mix de sensações causava estranhamento, para Miuccia foi como brincar em terreno conhecido. Apesar de quase tudo que foi apresentado neste verão fazer parte dos códigos da marca, aqui torcidos e distorcidos para parecerem novos, não se enganem: nada disso vem sem um preço. Miuccia Prada não falaria do “futuro do pretérito”, tema recorrente na temporada (vide Gucci), sem dar seu toque cerebral ao tema. O preço, para a estilista, é sugerir que esse novo jeito de fazer moda está nos alienando -- esse não é (pelo menos não deveria ser) a única fórmula existente. Nesta coleção, os caminhos que levam ao futuro vêm, sim, do passado -- ainda que com peças muito mais simples do que estamos vendo nesta estação. Mas será que só olhar pra trás a fim de construir uma narrativa para o futuro (mesmo que desconectando e reconectando essas referências) é mesmo o caminho a seguir? O extremo desconforto da sala dá a dica: não.
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gucci, burberry e o combate ao marasmo das coleções comerciais demais
Alessandro Michele lança mão de uma imagem de sonho para mostrar que a moda mantém seu caráter inspiracional; na Burberry, Christopher Bailey prova que dá pra fazer roupa com história mesmo no esquema “see now, buy now”
Gucci, verão 2017
Nova York, a primeira e mais comercial cidade do calendário da temporada, trouxe o debate (e a implantação) do modelo de venda imediata após o desfile. Tom Ford, Thakoon, Tommy Hilfiger e Ralph Lauren foram algumas das marcas que mergulharam de cabeça no “see now, buy now”. A consequência desse fenômeno – que deve continuar se proliferando – são roupas comerciais, facilmente assimiláveis e que com certeza serão hits de venda. Como eu disse no meu primeiro texto da temporada, é sintomático que isso aconteça. Neste modelo, desenha-se para vender. Quanto mais, melhor. Mas algumas marcas estão dispostas a mudar essa percepção. Os melhores exemplos até agora são a Gucci, que fez uma moda de sonhos, provando que a moda ainda pode emocionar; e a Burberry, que mostrou que dá para ter conceito em uma coleção “see now, buy now”.
Gucci, verão 2017
A estética que botou de ponta cabeça a imagem da Gucci você já conhece, assim como seu diretor criativo, Alessandro Michele. A mistura de referências, os óculos de armações gigantes, as inspirações dos anos 70, 80 e 90, os florais suntuosos, os terninhos; tudo aparece neste verão 2017. No entanto, em meio à discussão do atual modelo de temporada, a Gucci de Michele apresentou uma coleção sonhadora, inspiracional e cheia de técnicas de luxo para mostrar que, quando uma peça causa desejo, espera-se o tempo que for para tê-las. No caso da Gucci, os seis usuais meses de sempre.
Gucci, verão 2017
Misturando referências infinitas, mas que transitam no mesmo campo de estilo desde seu primeiro desfile, este verão trouxe o rosa como principal elemento, aparecendo desde blazers até em longos vestidos de gala. Seu estilo foi impresso em looks com jeito de realeza e as técnicas preciosas de seu repertório apareceram maximizadas em golas, mangas e chapéus gigantescos. Tudo para dar impressão de riqueza, tanto de detalhes, quanto emocional. O cenário era todo rosa, com as listras da Gucci desenhadas no chão e as paredes cobertas de ladrilhos brilhantes. O clima de mistério criado em cima dessa garota Gucci ficou completo com a fumaça que embaçava visões. Tudo fazia parte do show. Se a marca começou conquistando pelo jeitinho excêntrico e geek, hoje é pelo coração da moda sedenta de emoção que Michele te pega de jeito.
Burberry, September Collection
Em Londres, berço da vanguarda (título devido, grande parte, à Central Saint Martins, uma das melhores escolas de moda no mundo), a Burberry seguiu outro caminho, alinhado ao “see now, buy now”. Sendo uma das primeiras marcas a anunciar que venderia sua coleção logo após apresentá-la na passarela, esperava-se roupas mais fáceis, inspiradas nos seus best-sellers. Não foi o que aconteceu. Muito mais coesa que as anteriores, esta coleção (sem estação definida, batizada de “September Collection”) foi inspirada em “Orlando”, da Virginia Woolf. Golas vitorianas se misturavam à jaquetas de motivos militares, camisas e calças de seda imitavam pijamas, bordados, rendas e brocados davam vida aos separates, grande foco da Burberry. Ainda que tudo tenha sido feito única e exclusivamente para vender, essas peças têm história, contexto, conceito.
Burberry, September Collection
Da obra de Woolf, o tema do gender bender faz com que as peças transitem facilmente do guarda-roupa masculino ao feminino. Outro sinal dos tempos. Assim como na Gucci, não faz mais sentido para a Burberry limitar seu público. O que é dele, é dela e vice-versa. Os trench-coats e as jaquetas de couro com tachas, códigos-máximo da marca, não apareceram, deixando o show menos óbvio e mais aberto ao novo. Seus 83 looks e mais de 250 peças puderam ser comprados logo que a modelo deu seu último passo na passarela. Para os céticos que duvidavam deste novo modelo, Christopher Bailey provou que dá pra ser inventivo, inspiracional e ainda trabalhar com a venda imediata de sua coleção após o desfile.
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marc jacobs e sua rave em um universo paralelo
O estilista americano escapa da (difícil) realidade atual com uma coleção cheia de referências, mas com DNA muito forte
Marc Jacobs, verão 2017
É muito difícil para uma marca continuar usando as mesmas influências, em um mesmo campo de estilo, e apresentar coisas novas e empolgantes a cada estação. Não para Marc Jacobs. Ticket de ouro da temporada, o desfile que sempre encerra a Semana de Moda de Nova York traz um novo olhar sobre o mundo clubber. Se no inverno ele era dark, oversized e esquisito, para o verão 2017 essas peças vêm em tons pastel, esmaecidos, e algumas cores mais vivas, como roxo e laranja. Mas as penas nos ombros, os casacos com mangas alongadas e os brocados e bordados característicos de sua coleção passada estavam lá. Mas apareceram diferentes: mais doces, menos agressivos.
Marc Jacobs, verão 2017
No Hammerstein Ballroom, construiu um palco com milhares de luzes suspensas, cenário que daria vida à sua rave. Fato é que Marc Jacobs muito frequentemente se desprende de tendências, peças chave e modismos da temporada para criar seu próprio mundo, com suas próprias regras, sem ligar muito para interferências exteriores. Neste mundo, uma versão em tons açucarados de seu inverno ultradark, as plataformas são ainda mais altas, os dreads coloridos e os comprimentos super-hiper-mini. Neste verão, Jacobs chamou a artista Julie Verhoeven -- que já havia desenhado para o estilista no verão 2002 da Louis Vuitton --, para colaborar com ilustrações que decoraram casacos bordados e as botas com inspiração nos anos 70. Os dreads coloridos inspirados pela trans e amiga Lana Wachowski foram criados por Guido Palau em parceria com uma artista que conheceu no site de artesanatos Etsy.
Marc Jacobs, verão 2017
Engraçado perceber que os assuntos mais comentados da temporada estavam lá, mas disfarçados. O tal do “see now, buy now” aparece nas peças mais comerciais, como os casacos camuflados, suéteres listrados e bolsas transpassadas, vindas da extinção da Marc By Marc Jacobs e da sua junção à marca principal. Ainda que não sejam vendidas logo após serem desfiladas, essas peças têm apelo mais comercial e devem ser hits de vendas (afinal, são feitas para isso). As eleições americanas poderiam ser citadas como motivo do escapismo que levou Marc a apresentar esse verão. Se tudo pode mudar pra pior, porque não aproveitar uma ótima última festa? Esse escapismo levou o estilista a recorrer a tecidos metalizados, meias ⅞ bordadas e até às plataformas que nos elevam à novas alturas, dando um ar futurista, espacial e quase irreal às suas criações.
Em uma mistura não clara de referências diversas dos anos 70, 80 e 90 (ainda que diferente do que Alessandro Michele faz na Gucci), Marc Jacobs constrói uma narrativa própria e com muito de seu DNA para o verão 2017. Ainda que fale dos assuntos mais atuais, o estilista faz do seu jeitinho. Nessa estação, quis transcender para um universo paralelo, mesmo que com muitos dos códigos que lhe são caros. Conseguiu -- e nos transportou junto para essa festa.
Marc Jacobs, verão 2017
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proenza schouler e o luxo que está nos detalhes
O verão 2017 de Lázaro Hernandez e Jack McCollough e o porquê algumas coleções merecem ser analisadas bem de perto
Proenza Schouler, verão 2017
A coleção de verão da Proenza Schouler parece, ainda, uma continuação do trabalho dos estilistas Lázaro Hernandez e Jack McCollough nas últimas estações, assim como o seu inverno -- o que não é, necessariamente, um problema. Só não emociona tanto. As estampas com motivo tribal, os ombros como área erógena, as franjas que decoram a barra em vestidos colados ao corpo, os ombros arredondados, a silhueta assimétrica: estava tudo lá.
Proenza Schouler, verão 2017
No entanto, chegando perto (ainda que no superzoom das fotos em altíssima qualidade) é possível entender porque a Proenza Schouler é apontada como o futuro do luxo americano. Repare nos plissados à la Issey Miyake que decoram o vestido branco e preto que abriu o desfile, a técnica de molde que criou as jaquetas estilo Bar, da Dior, e até as franjas, que aqui são feitas com penas de avestruz, uma matéria-prima riquíssima usada na alta-costura. São técnicas de altíssimo luxo aplicadas ao prêt-à-porter.
Proenza Schouler, verão 2017
Não é coincidência falar de couture ao escrever sobre o verão da Proenza Schouler. Após receber um aporte financeiro de um grupo de investidores, Hernandez e McCollough visitaram ateliês em Paris (alguns deles caído no esquecimento) para aprender técnicas e aplicá-las ao seu verão. A preciosidade desse desfile não está nas listras em cores primárias -- tendência desse verão --, nos vestidos despontados, nos maxibrincos estilo castiçal ou nas plataformas mais cool da temporada, embora estes sejam grandes ditadores de tendência para o verão. Para a Proenza Schouler, o luxo está, como o título mesmo diz, nos detalhes.
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opening ceremony, altuzarra e a moda como instrumento político
Neste onze de setembro, marcas relembram o atentado de quinze anos atrás falando sobre as eleições presidenciais norteamericanas de novembro
Opening Ceremony, inverno 2016
Muito se diz sobre moda e política -- tem quem defenda, inclusive, que esses dois assuntos não se misturam. Neste domingo, na emblemática data de onze de setembro, algumas marcas provaram o contrário. No aniversário de quinze anos desde o atentado terrorista que deixou quase três mil mortos em Nova York, a Opening Ceremony fez de sua apresentação um verdadeiro debate sobre as eleições presidenciais norteamericanas.
Todo o desfile foi uma celebração sobre a imigração. Os estilistas, Carol Lim e Humberto Leon, são filhos de imigrantes oriundos da Coréia, Peru e Hong Kong. Na entrada do show, bandeiras de todos os países do mundo davam as boas vindas aos convidados. Na passarela, os comediantes Carrie Brownstein e Fred Armisen (de “Portlandia”) armaram uma espécie de concurso batizado de “Pageant of the People”. Diferente dos concursos de beleza que já conhecemos, aqui foi celebrado o diferente: fãs e amigos da marca desfilaram entre as modelos, mostrando que a moda da OC é, sim, democrática.
Opening Ceremony, inverno 2016
Cada participante respondia uma pergunta (assim como nos concursos de beleza), mas aqui, elas estavam ligadas à temas importantes e polêmicos para a corrida presidencial deste ano: igualdade de gênero, racismo, direitos de gays e transgêneros, crise dos refugiados, imigração e consciência ambiental. Entre nomes como Aidy Bryant, Rosario Dawson e Jessica Williams, Whoopi Goldberg deu a resposta que definiu o tom da noite. “If you don’t vote, you can’t bitch”. Em tempos ultraconservadores, a moda -- que por si só deveria ser e tratar de temas progressistas -- deve se posicionar. Ganha pontos quem melhor consegue passar sua mensagem.
É verdade que, em um show com tanto acontecendo, as roupas foram deixadas um pouco de lado. O que não tira o brilho deste inverno 2016 (também em esquema “see now, buy now”) da Opening Ceremony, que foi inspirado no guarda-roupa dos seus pais assim que chegaram a Ellis Island, em Nova York, principal entrada de imigrantes nos EUA no século XX. Listras contrastantes foram vistas em silhuetas ora com cintura marcada, ora próximas ao corpo, e muitas camadas utilitárias.

Altuzarra, verão 2017
No mesmo domingo, a Altuzarra prestou homenagem às vítimas do atentado de 11/9 com uma coleção permeada por um otimismo quase ingênuo, mas não menos verdadeiro. “A eleição é difícil. Eu queria algo feliz, alegre e divertido”, disse Joseph no backstage. Olhando para o filme “Wild at Heart”, de David Lynch, o estilista brinca com estampas de frutas como limão, abacaxi e cereja bordadas em vestidos de silhueta feminina. Os microsutiãs (tendência!) aparecem combinados a saias com babados e blazers acinturados. Nos looks mais sóbrios, ótimos casacos de phyton e longos de festa em tons escuros. A coleção é uma das mais solares de sua carreira, deixando claro o que a marca quer para o próximo verão e, porque não?, para os Estados Unidos pós eleições.
Altuzarra, verão 2017
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alexander wang e a alegria no sportswear
O estilista apresentou sua colaboração com a Adidas Originals, firmando o esporte como sua maior inspiração para este verão
Alexander Wang, verão 2017
Apesar da já famosa -- e animada -- corrida no final de seus desfiles, as coleções apresentadas por Alexander Wang sempre tem uma “raiva” embutida, tanto nas roupas quanto nos temas polêmicos ou no andar das modelos na passarela. Para seu verão 2017, o estilista americano apresentou uma de suas coleções mais leves (e, eu diria, alegres) até agora. Influenciado pelos esportes aquáticos e todos os códigos que permeiam a história da moda americana, Wang trouxe uma chique camisaria desconstruída, transformando as camisas de botão em microsaias, minishorts, wrap dresses e tops encurtados. O sol e as praias da Califórnia também inspiraram o estilista, que estampou coqueiros em moletons e blusões em tons açucarados.
Alexander Wang, verão 2017
Do athleisure, tendência fortíssima que vem ditando os rumos da moda estadunidense, vem as bermudas de surfe com detalhes em renda, os detalhes esportivos como fechos de mochila que acinturam peças e os vestidos juntos ao corpo com as costuras coloridas aparentes como nos long johns. Peça mais forte da temporada, os sutiãs aparecem inspirados em biquínis e com amarrações estilo bondage foram usados sozinhos (com bastante pele à mostra) ou sobrepostos com tops soltinhos. Inclusive nas peças de festa, como os últimos looks de renda ou bordados com paetês, o esporte percorre todo seu verão.
Alexander Wang, verão 2017
Talvez por isso esse tenha sido o melhor momento para anunciar sua parceria com a Adidas Originals, que resultou numa coleção apresentada ao final do desfile, com o #WangSquad invadindo a passarela. Nas peças (que serão vendidas a partir de novembro em lojas selecionadas), o logo da marca foi invertido e foi mantido apenas o contorno das icônicas listras em moletons, casacos, calças e camisetas que já se tornaram desejo imediato. Com este desfile, Alexander Wang se firma como um dos maiores expoentes do sportswear de luxo dos Estados Unidos.
Alexander Wang + Adidas originals
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tom ford, thakoon, tommy e o começo real do see now, buy now
Yeezy, de Kanye West, apresentou uma coleção sem emoção que revoltou os espectadores
Tom Ford, inverno 2016
Muito se fala de “see now, buy now” desde que o modelo atual das temporadas de moda começou a ser questionado. Apresentar as coleções seis meses antes de sua chegada às lojas, dando tempo para os compradores das lojas de departamento fazerem seus pedidos e das revistas especializadas fotografarem editoriais, se tornou um problema. A partir do momento em que o grande público teve acesso aos desfiles instantaneamente através das redes sociais e de transmissões ao vivo o tempo entre as apresentações e a chegada das coleções às lojas se tornou uma eternidade – principalmente quando se tratam de marcas mais comerciais, com peças mais fáceis de serem copiadas pelas fast fashions.
Tom Ford, inverno 2016
A questão é que desde quando foi pensado, nenhuma marca tinha investido completamente no “see now, buy now” (muito disso porque as fábricas e manufaturas tiveram que se adaptar ao novo calendário proposto). Até essa temporada. Já no primeiro dia da edição de verão 2017 da New York Fashion Week, Tom Ford reuniu a imprensa e (muitas) celebridades para apresentar seu inverno 2016, ainda que essa temporada seja originalmente de verão 2017. Pode parecer contraditório desfilar peças da estação passada, mas esse foi o primeiro passo da marca para inverter a ordem vigente. Logo após serem desfiladas, a coleção inteira estava em seu site. Todas as peças podiam ser adquiridas imediatamente. No dia seguinte, as lojas de departamento também receberam o inverno de Tom Ford, além dos novos produtos de beleza. O desejo imediato causado pelo glamour antigo tão bem explorado por Ford desde sua era na Gucci pôde ser consumido minutos depois de ser apresentado.
Tommy Hilfiger, inverno 2016
Com a Brooklyn Bridge de pano de fundo, Thakoon também desfilou seu inverno 2016, que começou a ser vendido logo após a apresentação. Os vestidos para a noite de renda chantilly e veludo e as estampas xadrez deram um toque grunge às peças, bastante comerciais. O mesmo aconteceu com a Tommy Hilfiger, que apresentou sua parceria com a modelo Gigi Hadid em um enorme parque de diversões montado em um pier. As peças que misturavam influências náuticas e militares aos códigos preppy da marca puderam ser compradas no dia seguinte em lojas selecionadas em todo o mundo (inclusive no Brasil, na flagship da Oscar Freire), levando o conceito a um novo patamar.
Essa deve ser a temporada com mais adesão ao “see now, buy now”. É sintomático que as coleções apresentadas sob esse novo modelo sejam mais facilmente assimiláveis pelo público (ou comerciais, como quiser), já que não sofrem alterações ao ir para as lojas. Para a imprensa e buyers, as roupas devem continuar a ser apresentadas meses antes, sob embargo (ou seja: serão mantidas em sigilo). Perde-se o fator inspiracional dos desfiles, que se tornarão uma forte ferramenta de marketing para alavancar as vendas. Para as marcas menores e sem grandes conglomerados por trás, ficará ainda mais difícil prosperar no mercado e nas semanas de moda. Ainda não dá pra saber onde isso vai parar, mas a mudança é iminente. O sentimento que fica é que agora não tem mais volta.
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Yeezy, season 4
Outro destaque (mesmo que negativo) do começo de temporada foi a Yeezy, marca capitaneada pelo rapper Kanye West em parceria com a Adidas. Convidados e imprensa reclamaram da falta de informações sobre a locação do desfile, do trânsito ao atravessar Manhattan no horário de rush em shuttles fornecidos pela marca e do atraso de mais de duas horas para começo da apresentação. Na Roosevelt Island, um exército de modelos vestindo peças de baixo – tipo Spanx – esperavam em posição militar embaixo do sol de verão novaiorquinho. Algumas, inclusive, desmaiaram de calor e de cansaço. Tudo seria (parcialmente) perdoado se a quarta coleção do rapper fosse espetacular. Não foi. Inspirada no guarda-roupa de sua mulher, Kim Kardashian, a Yeezy apresentou um streetwear de luxo que muito se inspirou na Hood by Air e na Vetements, ainda que sem o mesmo sucesso. Parkas oversized e botas de cano altíssimo de plástico foram combinados à vestidos colados ao corpo e com recortes estratégicos. Tudo muito parecido com o que já estava sendo feito pela marca de West, que acabou decepcionando os espectadores já exaustos do seu show.
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the get down e a influência da moda que vem da periferia
Nova série de Baz Luhrmann aborda o nascimento do hip hop sob plano de fundo da crise nova iorquina do fim dos anos 70

Quando pensamos na moda dos anos 1970, logo vem a cabeça o clima boho, calças boca de sino, franjas, botas plataforma, camurça e mais alguns códigos das cultura hippie e disco que predominavam à época. A década foi de grande efervescência cultural – e alguns dos movimentos demoraram mais para serem reconhecidos.. Ao assistir “The Get Down”, a imagem é um pouco diferente do que estamos acostumados a ver. Novo fenômeno da Netflix, a série de seis episódios criada pelo diretor Baz Luhrmann fala do nascimento do hip-hop no Bronx, bairro da periferia de Nova York. Ainda que a história seja ambientada no final da década, o movimento musical nasceu em 1973.
Apesar de abordar por cima a música disco, o foco principal fica para nomes como Grandmaster Flash e o DJ Kool Herc, que inventaram o scratch – a arte de “arranhar” os discos – e o get down – técnica de usar duas vitrolas para prolongar a parte instrumental das músicas e dá nome à obra fictícia. A história ainda passa por temas como grafite, breakdance, as festas clandestinas e as dificuldades que o Bronx enfrentava na virada da década, completando o cenário sócio político e econômico que a série desenha sobre a periferia da cidade no final dos anos 70.

O grafite também compõe parte importante do plano de fundo em “The Get Down”. Vivido por Jaden Smith, Dizzee – ou Rumi, como é conhecido no mundo da arte de rua – é um dos grafiteiros responsáveis por desenhos nos trens de metrô que atravessam a cidade, desde seus bairros mais pobres até os mais elitizados. Essa arte de resistência, considerada vandalismo e combatida veementemente pelos prefeitos de Nova York, é resgatada de tempos em tempos com glamour (não existente na época) em peças de moda com twist street. Para dar um exemplo atual, vimos essa influência do grafite na coleção de inverno 2016 da Gucci, que tem peças com intervenções de Trouble Andrew.
Ao que se refere à moda, a figurinista Jeriana San Juan faz uma extensa pesquisa para retratar uma época que pouca documentação tem sobre si. A série conta a origem de itens já consagrados como o Puma vermelho usado por Shaolin Fantastic, aprendiz de Grandmaster Flash, ou as bombers bordadas que compõem os looks do The Get Down Boys na sua última batalha. Quando falamos dessas peças chave, é difícil vê-las relacionadas à moda negra da periferia ou ao hip hop.

O figurino também carrega códigos que contam histórias. Repare na cor vermelha. O tom, que aparece tanto nos pés de Shaolin e nas jaquetas da batalha de DJs no último episódio quanto na boate Los Infierno e na igreja do pai de Mylene, simboliza momentos e situações de esperança mesmo em um cenário que quase os obriga do contrário. Desde a vontade de Mylene de prosperar como cantora até a mudança de Shaolin do grafite para o mundo da música, a cor vermelha permeia todos os momentos que os personagens se libertam das amarras que foram pré definidas a eles, tanto pela sua cor, sua origem ou o bairro onde vivem. O vermelho, em “The Get Down”, simboliza a mudança.
O recorte dado ao sul do Bronx é um dos principais motivos do sucesso da série. Falar sobre a periferia, ainda que maquiada sob o olhar romantizado de Luhrmann, é assinar embaixo que a parte negra e mais pobre da população tem (grande) parcela de influência na cultura e na moda de uma época. E esse é um passo que já deveríamos ter dado há muito tempo.

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o brasil da vuitton, a inglaterra da gucci e as coleções de cruise 2017
Nicolas Ghesquière e Alessandro Michele reinterpretaram com sucesso, ainda que à sua maneira, dois países onde são turistas. A Chanel de Lagerfeld e a Dior de Serge e Lucie, no entanto, não tiveram o mesmo êxito.
Louis Vuitton, cruise 2017
As cruise collections são, em via de regra, coleções mais comerciais e que ficam mais tempo nas lojas. Há algum tempo criou-se uma tradição de fazer desfiles fora do país-natal das marcas para gerar um buzz ao entorno das roupas – e, portanto, torná-las mais desejáveis ainda. As maiores (e mais poderosas) marcas do mundo já fizeram com que os olhos de toda uma indústria se voltasse à Seoul, Palm Springs, Cannes… a lista é longa. Nesta temporada de cruise 2017, a tradição se manteve.
Talvez por ser uma realidade mais próxima de nós, brasileiros, o desfile da Louis Vuitton em Niterói foi o que mais fez os ânimos se exaltarem por aqui. Diferente do que se foi falado, a apresentação não é um marco na criação de uma identidade na indústria de moda brasileira – até porque, até onde sei, a Louis Vuitton é francesa –, mas na história da moda do país. É a primeira vez que uma marca europeia, do tamanho da Vuitton, decide se inspirar no Brasil e apresentar sua coleção em terras nacionais. E, por ser a primeira vez, merece sim ser lembrada como um momento épico – e, do mesmo jeito, celebrada como.
Louis Vuitton, cruise 2017
Dito isso, a coleção que Ghesquière construiu após visitar Inhotim, Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo diz muito sobre o Brasil. Capta, da maneira que um turista pode, a essência de um povo que tem suas mil faces. Na mesma passarela reinterpretou a roupa esportiva que faz parte do guarda roupa brasileiro, misturando-a aos códigos mais finos da maison francesa; recortou bermudas de surfe; reestruturou long johns, tornando-os em peças com volume na cintura, como se o surfista tivesse acabado de sair do mar; transformou as curvas do MAC, Museu de Arte Contemporânea de Niterói, palco do desfile, em peças assimétricas; se inspirou nas pipas de Oiticica para criar parkas coloridas de náilon; brincou com as estampas preferidas da moda do país, como a onça, em babados de paetês; retratou a música brasileira em enormes bolsas imitando rádios boombox; reviveu a sensualidade brasileira em recortes nada usuais para o público que está acostumado à abusar do combo decote, mini comprimento e silhueta próxima ao corpo. Misturou modernidade e tropicalismo.
Louis Vuitton, cruise 2017
É importante ressaltar que a imagem que Ghesquière apresenta do Brasil foge de ser caricato: não se vale de símbolos batidos como verde e amarelo, samba e caipirinha, tampouco explora o folclore brasileiro, tarefa difícil para um francês que passou menos de uma semana em terras nacionais. Nicolas disse, em texto enviado à imprensa, que sua palavra preferida no português era “gambiarra”; apesar de ter como plano de fundo o cartão postal do Rio de Janeiro, lançou luz sobre o MAC de Niterói, construído por Niemeyer e por vezes esquecido até pelos cariocas; estampou o futebol de maneira discreta, mas deixar de ressaltar que ele também é parte importante da cultura e da história do Brasil. O estilista da Louis Vuitton se inspira no Brasil com os olhos de um turista. Não havia como ser diferente – e, se fosse, não seria tão bom. Nem tão importante.
Gucci, cruise 2017
O mesmo acontece com a Gucci, sob o comando de seu já não tão novo estilista Alessandro Michele, que levou sua cruise às Cloisters de Londres, na Westminster Abbey. Para esta temporada, Michele mistura símbolos do país com seu próprio acervo infinito de referências. Quem conhece seu trabalho frente à marca sabe que o estilista não se ateria apenas a uma época ou um movimento inglês, mas remixou (quase) tudo que faz da Inglaterra um país tão rico em mais de noventa looks. Do punk trouxe as calças com acid wash e as jaquetas jeans customizadas com prints de leopardo e spikes; do movimento pop as altíssimas plataformas com as cores da bandeira gay; da era vitoriana os babados, os vestidos pretos com transparências e as meias até a canela decorados com renda; da monarquia os chapéus com chin straps (lenços amarrados que os seguram na cabeça). Michele ainda conseguiu reinventar os kilts xadrezes com bordados e a bandeira do Reino Unido, que apareceu em um suéter. Misture tudo isso às bombers bordadas, aos loafers com pérolas e aos bordados de gatos, cachorros e cobras – todos já consagrados códigos da Gucci do estilista – e terás sua mais nova coleção.
Gucci, cruise 2017
Ainda que a estética de Alessandro Michele não mude com o passar das temporadas, já é possível identificar o motivo de seu sucesso – e de todas suas coleções: apesar de ser uma imagem forte, intrigante e que chega completa (assim como a vemos na passarela) ao guarda roupa de pouquíssimas pessoas ao redor do mundo, é muito difícil não encontrar uma peça que te faça brilhar os olhos. E é isso que vem fazendo com que tudo que tem a mão de Michele desapareça das prateleiras.
Chanel, cruise 2017
As coleções da Chanel em Cuba e da Dior também na Inglaterra não tiveram tanto êxito. O primeiro pois, ao contrário da Louis Vuitton, Lagerfeld pintou uma imagem caricatural de Havana. Não bastando aportar em um país com um histórico recente de reabertura ao estrangeiro, a Chanel quase caçoou da cultura do país ao recriar as boinas de Che Guevara cobertas por paetês e colocar modelos fumando charutos na passarela. É ultrajante pensar que a Chanel aproveitou o momento de ebulição de um país tão específico para apresentar uma coleção que nem em sonho poderá ser adquirida por quem vive em Cuba. Não só pelo preço, vale dizer. Além disso, não convidou sequer um jornalista ou estilista regional para assistir ao desfile, tornando claro que não queria nada com o país além de aproveitar seu nome para apresentar uma coleção que não valeria a pena citar se fosse desfilada em Paris. Perdeu a oportunidade de fazer história.
Dior, cruise 2017
A Dior, há seis meses sem diretor criativo, também apresentou sua cruise na Inglaterra, no Blemheim Palace, em Oxfordshire, a poucos quilômetros de Londres. O palácio tem um significado especial para a casa: essa é a terceira vez que a maison se apresenta lá. As duas primeiras foram nos anos 50, uma sob o comando de Christian Dior em 1954 e a segunda com Yves Saint Laurent, em 58. Já com Lucie Meier e Serge Ruffiex como os diretores criativos da Dior, o sucesso não foi tão certo. Não porque as peças eram feias, mas porque os jovens estilistas ainda não pegaram a mão de como comandar uma marca do tamanho da Dior.
Com a sombra de Raf Simons ainda sob suas criações, os estilistas apresentaram uma nova Jaqueta Bar, blusas com ombros ora arredondados, ora bufantes, e terninhos com calças encurtadas. Nos acessórios tiveram mais sucesso, com botinhas de salto quadrado e bolsas estampadas decoradas com lenços. Apesar de continuar vendendo bem (os óculos aviadores com listras espelhadas são hit), a marca precisa que um diretor criativo tome as rédeas da situação e crie coleções com mais personalidade do que as que foram apresentadas desde a saída de SImons.
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modem, a spfw e a valorização do DNA
Alheios aos desfiles da SPFW, a Modem aprendeu a não depender de temas ou inspirações aleatórias para criar uma narrativa coesa e fortalecer seu DNA
Modem, verão 2017
A São Paulo Fashion Week que terminou na última sexta-feira (29) deixou um ranço de déjàvu em quem acompanha de perto a moda brasileira. Salvo algumas – poucas! – exceções, as marcas se valeram de códigos explorados nas últimas temporadas internacionais para tentar salvar o que ainda resta do evento. O “see now, buy now”, modelo que começou a ser explorado lá fora há poucas temporadas, parece fazer com que as marcas brasileiras esqueçam completamente sua história para colocar na passarela o que antes era papel das fast fashions: tendências vistas alguns meses atrás no exterior.
Iódice, verão 2017
Jaquetas bomber bordadas à la Gucci de Alessandro Michele e mangas alongadas à la Vetements foram vistos incessantemente na passarela da SPFW, além de Isabel Marantismos e Miuccismos pontuais. De nada adianta copiar o que se vê no exterior quando, na próxima temporada, quando o hype for outro, as marcas mudarem completamente seu foco para atender um público cheio de vontades instantâneas.
Wagner Kallieno, verão 2017
A Iódice, que carrega uma forte história de peças sensuais para mulheres fortes, se rendeu à silhueta afastada do corpo, ao mix de estampas e à desconstrução da camisaria. Na temporada anterior, bebeu na mesma fonte de Alessandro Michele para apresentar boinas e camisas com laços. Já Wagner Kallieno parece ter perdido a mão para a alfaiataria acertada com que trabalhava antes de estrear na SPFW e desfilou uma espécie de Saint Laurent tupiniquim, com maxiombreiras, paletós-vestido e grossos cintos marcando a cintura de silhuetas já próximas ao corpo. Em um mar de referências dos anos 1980, o acabamento acabou ficando para depois. Helô Rocha, por sua vez, olhou para a Isabel Marant ao criar os detalhes em couro que enfeitavam seus vestidos fluídos e com babados. O mesmo acontece com os sapatos da Gig, os pijamas da Apartamento 03, a camisaria desconstruída de Vitorino Campos… A lista é longa.
Modem, verão 2017
Após sair de uma semana confusa e cansativa, soa como alento conhecer a nova coleção da Modem, que surpreende por conseguir construir uma história coesa, apesar da pouca idade (a marca foi criada em 2015!). Neste verão 2017, os estilistas André Boffano e Sam Santos continuam trabalhando crepes, algodões, tricôs e jeans em silhuetas ora secas, ora fluídas. As estampas são impressões digitais de uma fotografia dos fechos de metal que são marca registrada da Modem. Os comprimentos, mais longos que em suas coleções anteriores, foram pensados para funcionarem para as suas clientes. A assimetria (outra marca registrada) é controlada, nada óbvia. Os bordados, herança que trazem de Minas Gerais, são pontuais, diferentes, novos. O couro é usado com parcimônia para não encarecer e tornar a roupa impossível. Nada é por acaso. É tudo pensado para escrever mais um capítulo.
As bolsas da Modem
O capítulo deste verão são as bolsas, inspiradas em câmeras fotográficas e produzidas em couro e phyton, em tamanhos mini e médio. Os maxi acessórios foram criados em parceria com a marca Gla. Apesar de ainda muito nova, a Modem já conquistou uma clientela que sentia falta de um minimalismo menos agênero. “Nós adoramos essa estética mais minimalista, mas gostamos de criar pensando no corpo da mulher”, contam Boffano e Santos.
Modem, verão 2017
“Não trabalhamos com temas, gostamos de reafirmar nosso DNA em cada coleção”, explicam os estilistas. É só bater o olho nas três coleções já lançadas para identificar o que as conecta: assimetrias, estampas digitais, silhueta feminina, mesmo que afastada do corpo. Está tudo lá. E sempre estará. Parece óbvio, mas o que a etiqueta tem a ensinar ao mercado já cansado da moda brasileira é valioso: mais importante que se inspirar em países, viagens e referências específicas, cada nova estação deve ajudar a construir uma narrativa para a marca.
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miu miu e o melhor jogo de sobreposições da temporada
Já na Louis Vuitton, Nicolas Ghesquière apresenta sua coleção mais comercial, mas menos impactante, frente à marca
Miu Miu, inverno 2016
É bastante difícil surpreender no último dia da temporada, após quatro semanas e quatro cidades, algumas noites insones e muitos desfiles para analisar. Mas não impossível. Principalmente para Miuccia Prada, que depois de apresentar a melhor coleção da semana de moda de Milão, também quis fazer de sua segunda marca, a Miu Miu, um dos destaques do inverno 2016 parisiense. Para isso, pegou a maior tendência desta temporada e mostrou como se faz. As sobreposições deste inverno 2016 são as melhores desta semana de moda de Paris. Assim como na Prada, a mulher da Miu Miu também é uma acumuladora -- de roupas, de sentimentos, de memórias. A diferença é que neste desfile ela aparece mais jovem e feminina, mesmo que se valha de códigos antigos -- como estampas de tapeçaria -- e masculinos -- como camisas oversized, suéteres argyle e bermudas samba-canção.
Miu Miu, inverno 2016
Em um desfile “front row only”, assim como na Chanel e com o mesmo propósito, a marca tira do desfile o estigma de show e mostra, para todos, de perto, o que realmente importa: as roupas. As roupas, ironicamente, são as estrelas dessa temporada. E, em mais uma subversão de Miuccia, nesta temporada ela colocou peças consideradas feitas pela maioria em sua passarela. O tal do ugly-chic, termo cunhado pela própria estilista algumas temporadas atrás e que nunca deixou de aparecer em suas coleções. Vestidos longos e volumosos são combinados à suéteres em tons pastel; shorts com estampa de sofá antigo com pantufas bordadas de pérolas; jaquetas de veludo e mangas de pele com saias de tecidos que aparentam pesados, duros. Tudo é feito para causar estranheza; mas, junto e misturado, funciona.
Miu Miu, inverno 2016
No backstage, Miuccia disse estar afim de diversão nesta temporada. Isso não quer dizer que ela não tenha pensado em cada detalhe de sua moça para o próximo inverno. Como se uma menina transitasse entre os guarda-roupas de sua avó, de sua mãe, de seu namorado e o seu próprio, ela vai misturando peças, tecidos, referências e épocas. Do jeans em jaquetinhas decoradas com patches, casacos alongados e camisas com golinhas de renda aos suntuosos jacquards, bordados com pérolas e os paletós de lã masculinos. São referências completamente diferentes, mas nas mãos de Miuccia tudo combina da maneira mais estranha e harmoniosa possível. Se as sobreposições -- tanto de roupas como de referências -- são a grande tendência da temporada, a estilista mostra, no último dia de desfiles, como se brinca de empilhar peças com um styling perfeito de Katie Grand.
Miu Miu, inverno 2016
Apesar de desenhar as duas coleções, Miuccia separa bem os universos da Miu Miu e da Prada. Nessa temporada, para rejuvenescer ainda mais a marca, a italiana escalou nomes como Gigi Hadid, Adriana Lima, Kendall Jenner, Irina Shayk e Lara Stone pela primeira vez na história, feito jamais imaginado em uma marca como a Prada. Engraçado perceber a ironia fina de tentar dar um tom mais jovem à marca enquanto desfila peças que poderiam ter saído do guarda-roupa de suas avós. Opostos são importantíssimos nesse desfile. Miuccia descreve seu desfile com apenas duas palavras: nobreza e miséria. “Se vestir é o que resta”, completa. Em tempos de desespero, simples: encontre a felicidade em suas roupas.
Louis Vuitton, inverno 2016
Na Louis Vuitton, Nicolas Ghesquière continua buscando referências no digital neste inverno 2016. Mas é nas sobreposições que a coleção se destaca. A viajante Tomb Raider pensada pelo estilista está preparada para qualquer clima, qualquer adversidade, qualquer problema que vier pela frente. Em seus casacos, as melhores peças da coleção, variações de comprimentos, de tecidos, de volumes, de números de bolsos utilitários. Todos sobrepostos à vestidos de festa, calças envernizadas, coletes e um coturno metalizado que deve ser hit de vendas. Ainda que não tão forte quanto seu verão 2016, Ghesquière diz estar criando pensando em peças que as mulheres precisam para o seu dia-a-dia -- reflexo dos métodos usados por Demna Gsavalia na sua Vetements e agora na Balenciaga. A questão é que estes métodos, apesar de ótimos para as marcas de Demna, não criam uma imagem tão forte e tão impactante quanto as que Nicolas Ghesquière criava enquanto na Balenciaga ou em suas primeiras coleções na Vuitton. Resta saber se esse será o novo modus operandi da marca ou se podemos esperar um pouco mais de drama para a próxima temporada.
Louis Vuitton, inverno 2016
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saint laurent, hedi slimane e a volta dos anos 80 em alta costura
Slimane transforma seu trabalho frente à marca em couture em uma coleção que fala mais sobre luxo do que sobre imagem
Se essa é a última coleção de Hedi Slimane como diretor criativo da Saint Laurent Paris ou apenas o começo de uma nova fase do estilista na marca, difícil saber. Impossível, até. A questão é que a segunda parte da coleção de inverno da lendária marca parisiense era, na verdade, um desfile de alta-costura. Anunciado, assim, como se nada fosse, Hedi Slimane colocou quarenta e dois looks criados pelos ateliês da maison, após quatorze anos desde que sua última coleção de couture fora apresentada (em 2002, quando Yves ainda estava frente à marca). Tudo parecia diferente. E era.
Esqueça os palcos altos, o cenário escuro e apoteótico, a música da banda indie mais bombada do momento, Justin Bieber na fila A, o clima rocker-chic-californiano que Slimane vem explorando nas suas coleções para a YSL. Para esta apresentação, o estilista escolheu um lugar icônico. Em apenas alguns casos podemos analisar um desfile desde seu convite (escrito em caligrafia em letras douradas), a locação escolhida (um hotel particuliere na Rue de l’Université, onde Slimane instalou a casa de alta-costura) até a música que embalava os looks (em completo silêncio, Bénédicte de Ginestous lia o número dos looks em inglês e francês, assim como fazia para as coleções de couture de Yves, em 1977). Esse é um deles. Hedi Slimane homenageia a casa que o acolheu – e continuará acolhendo? – durante os últimos três anos em um desfile que fala muito mais sobre luxo do que sobre imagem.
As ombreiras gigantescas, os micro-comprimentos arrematados por maxi cintos em modelos longilíneas (silhueta para a qual Slimane cria desde sempre), até os vestidos de um ombro só, os terninhos combinados à transparências, os laços, o brilho e as peles coloridas. Tudo tinha apenas um objetivo: relembrar os tempos áureos de uma das marcas mais lendárias do mundo, mesmo que nos moldes criados por Hedi. É possível entender essa coleção como uma continuação do trabalho que o estilista vem fazendo frente à marca, mesmo que agora maximizado em proporções estratosféricas e com certo cheiro de remember. Slimane escorrega em looks como o vestido mullet com estampas de bolinhas e a minisaia balonê combinada à jaquetinha encurtada, peças que parecem, sim, saídas diretamente dos anos 80, sem adaptação aos dias atuais e às vontades das mulheres de agora.
Mas nada disso importa. Essa coleção foi criada para provar ao mundo que a Yves Saint Laurent ainda é uma das marcas mais luxuosas do planeta. Esqueça a imagem que o desfile transmitiu para você. O acabamento, os bordados, os volumes e a alfaiataria precisa estão lá para provar que o luxo, no século 21, evoluiu e hoje se mostra mais assimilável (mesmo que apenas para um grupo restrito), menos cisudo, mais real. O casaco de pele vermelho em forma de coração (uma das imagens mais fortes do desfile) pode até ser copiado à exaustão pelas fast-fashion mundo afora, mas nenhuma delas trabalhará com o nível de precisão que a Saint Laurent nesta coleção. E esse é o ponto mais importante deste desfile.
Apesar de icônica, tanto por marcar o fim de uma história entre marca e estilista quanto como o começo de uma nova era na alta-costura da Yves Saint Laurent (ainda não sabemos), as peças não serão vendidas nem para a mais rica das mulheres. Assim que reinaugurou o ateliê, Hedi afirmou que este não seria uma casa de alta-costura comum. E deixou bem claro: ali ele só criaria para quem bem quisesse. E esse é o tipo de luxo que nenhum dinheiro, no mundo, pode comprar.
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balenciaga, dior, lanvin e a importância de uma mente criativa
Demna Gvasalia mistura alta-costura e moda de rua de maneira jamais feita na sua estreia da Balenciaga; Dior e Lanvin apresentam coleções esquecíveis e irrelevantes neste inverno 2016
Balenciaga, inverno 2016
Como era de se esperar pelo hype criado pela Vetements nas últimas duas temporadas, esse também um dos motivos pelo qual foi indicado como diretor criativo da Balenciaga, a estreia de Demna Gvasalia na maison era um dos momentos mais esperados não só na semana de moda de Paris, como de toda a temporada de inverno 2016. A espera valeu a pena. Na manhã deste domingo, o diretor criativo do coletivo mais comentado da moda no momento, apresentou sua visão do que a Balenciaga deveria ser para a próxima estação – e para os próximos anos sob seu comando. Após mergulhar nos arquivos da marca nos últimos seis meses – e parar por aí, segundo o próprio Demna –, o estilista traz a visão da Vetements à passarela da label de luxo. “Na Balenciaga, eu posso trabalhar com coisas que eu nunca poderia na Vetements, produtos que representam o novo luxo. Apesar do nosso preço alto, a Vetements não é uma marca de luxo e nunca será uma”, explica Gvasalia em entrevista à revista 032c.
Balenciaga, inverno 2016
Mas não estamos falando de um luxo óbvio. O estilista nascido na Geórgia, antes do fim da União Soviética, tem uniformes como um de seus códigos pessoais mais queridos e requisitados. Mas não pense em uniformes como estamos acostumados. Demna cria peças que as mulheres querem usar no dia-a-dia, aqui construídos nos moldes da alta-costura pela qual a Balenciaga é conhecida. Calças de ski presas à scarpins decorados com pedrarias, culottes combinados à camisas oversized (que poderia muito bem estar na passarela da Vetements, diga-se), jaquetas jeans e de couro que ganham tratamento de luxo. Um guarda-roupa completo by Balenciaga que ganha toques street que só um estilista como Gvasalia pode prover à uma marca tão tradicional. Assim como Nicolas Ghesquière, o novo diretor criativo está repensando e recriando os códigos da maison de uma maneira criativa e fora da caixinha que Alexander Wang, por exemplo, não conseguiu fazer nos seus três anos na marca.
Balenciaga, inverno 2016
Quando falamos de Balenciaga, tanto na era Cristobal quanto na Ghesquière, os volumes são parte importante da construção de sua imagem. E assim foi também neste inverno 2016. Menos arquitetônicos que em outros tempos, os doudounes de nylon gigantes são usados fechados até a altura do peito, apenas para revelar uma luxuosíssima gola alta coberta de cristais; trench-coats e terninhos xadrezes que ganham volumes na altura da cintura, como um peplum repensado; cachecóis matelassados decoram colos nus por causa do styling (parte importante nesse desfile) de casacos abertos. Em uma marca em que os acessórios são grande parte do faturamento, é importante ter alguém como Gvasalia criando seu prêt-à-porter. Muitas mulheres verão nessa coleção uma maneira simples e luxuosa de se vestir para o dia-a-dia, com momentos mais street e momentos mais chiques (tem para todo mundo). “Eu quero redefinir o que é elegância”, disse Demna no backstage após o desfile. Se depender desse primeiro desfile, ele está no caminho certo.
Dior, inverno 2016
Importante perceber as diferenças discrepantes entre as coleções da Balenciaga, da Dior e da Lanvin neste inverno. Há cinco meses sem diretor criativo após a saída repentina de Raf Simons, a Dior está funcionando sob o comando de Lucie Meier e Serge Ruffieux, que faziam parte da equipe de estilo de Simons. Parte da visão do belga persiste nesta temporada, com a exploração da jaqueta Bar (parte essencial do New Look criado pelo próprio Christian Dior), os elementos que rejuvenescem os códigos da maison, como minicomprimentos, saias lápis florais e babados e os novos acessórios (óculos, brincos e bolsas que foram os únicos pontos altos do desfile). Mas tudo isso acontece sem a genialidade de Raf ou de um criador que o valha. Falta assinatura, consistência, inovação. Tudo que foi explorado neste desfile já havia sido pensado e trabalhado por Raf Simons nos três anos em que ficou no comando da maison, mesmo que de outras maneiras. A continuação destes elementos de estilo não só rebaixa a Dior ao patamar de uma marca que apenas requenta ideias, como faz de seu desfile totalmente esquecível, sem uma imagem forte que persiste na cabeça dos expectadores. Isso deve refletir nas vendas da Dior, já que, em um mundo em que existem mil e uma coleções mais interessantes que essa para investir, este inverno deve ser escanteado. E, enquanto a maison histórica não nomear um novo diretor criativo, isso continuará acontecendo.
Lanvin, inverno 2016
Quase a mesma história acontece na Lanvin. Depois de 14 anos como diretor criativo da marca, Alber Elbaz foi demitido do seu posto apenas uma semana depois de Raf sair da Dior. Reclamando da velocidade que a moda adquiriu, mesmo sem propor uma saída, os dois estilistas são vítimas dos nossos tempos. Para este inverno, a marca fez de tudo para se desvencilhar da imagem que Elbaz criou. Mudou o cenário e a iluminação já familiares para quem acompanhava seus desfiles e tentou criar uma nova identidade, sem homenagens ao legado deixado pelo seu ex-estilista. Sem sucesso. Em uma coleção também completamente esquecível, a Lanvin apresenta uma espécie de anos 80 revitalizado, com terninhos metalizados e babados assimétricos. Necessário dizer que, diferente da nomeação de Alessandro Michele, que também fazia parte da equipe de Frida Giannini, Chemena Kamali e Lucio Finale, responsáveis interinos das roupas e dos acessórios, respectivamente, estão lá apenas para preencher o vazio deixado por Elbaz.
Balenciaga, inverno 2016
Apesar de não existir uma pressão sobre os estilistas da Dior e Lanvin, justamente por estarem apenas representando um status quo, que logo deve sofrer mudanças, é inegável a falta que faz um pensador, um criativo, um estilista de porte em marcas tão importantes como essas. Os rumores correm pelos corredores, pelas filas A e nas rodinhas de conversa do mundinho, mas ainda não é possível dizer quem assumirá os comandos da Dior e da Lanvin. E, pela importância histórica que as duas marcas têm, os substitutos precisam ser anunciados em breve.
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vetements, jacquemus e o balanço entre comercial e conceitual
As neo-marcas de Demna Gvasalia e Simon Jacquemus dão aula ao combinar perfeitamente suas ideias mais mirabolantes à peças altamente desejáveis
Vetements, inverno 2016
Vetements e Jacquemus são duas das marcas mais importantes do circuito fashion no momento. Desconhecidas até menos de um ano atrás, o grande trunfo delas é ser comandada, em quase todas as esferas, por gente jovem, descolada, que pensa pra frente e que quer mudar o mundo (da moda, pelo menos). Comandada por um “coletivo”, a Vetements ganhou força duas temporadas atrás, quando desfilou peças do dia-a-dia repensadas e repropositadas: mangas alongadas, jeans de brechó descontruídos e reconstruídos, camisas desproporcionais.
Vetements, inverno 2016
As peças que usamos diariamente, nas mãos de Demna Gvasalia e sua turma, se tornaram as mais hypadas do verão 2016 internacional. As mangas de moletons propositalmente maiores que os braços, dando uma sensação de “peguei a roupa do meu namorado”, foram copiadas à exaustão nesse inverno. E não somente por marcas menores, mas pelos maiores players do mercado. Todo esse sucesso garantiu a vaga de diretor criativo da Balenciaga à Demna, o mesmo estilista que está encabeçando a revolução que pretende “destruir o sistema” da moda ao desfilar coleções masculinas e femininas juntas e off-circuito, além de integrar os processos criativos e administrativos da Vetements.
Vetements, inverno 2016
“O que não está funcionando é o fato de que não existe relacionamento entre a visão criativa e a comercial”, critica Gvasalia em entrevista ao Business of Fashion. Portanto, além de criar peças com uma nova visão a partir de um guarda-roupa comum, uma ideia não tão inovadora quanto a maneira em que ela é concebida, Demna pretende unir os processos afim de criar uma marca mais forte, tanto criativa quanto comercialmente.
Vetements, inverno 2016
Levando em consideração esse momento criado pela Vetements, é interessante analisar seu inverno 2016. Apesar das ombreiras exageradas e das peças oversized, a coleção da marca conversa e cria para os jovens que a vestem: seus moletons (peça chave) aparecem de novo, estampados com a frase “May The Bridges I Burn Light The Way”, uma espécie de homenagem à revolução que a marca comanda; as estampas ressignificadas, como a das camisetas de banda de rock, aparecem com o logo da marca em blusas pretas de gola alta; os vestidos mais femininos parecem ser criados a partir do mix de vários tecidos floridos vintage; as botas over-the-knee são apresentadas ora lisas ora com bordados de desenhos oldschool, prontas para o street style. Apesar das proporções exageradas, que causam um efeito de estranheza no primeiro olhar, ao analisar mais de perto, é possível ver que os lados comercial e criativo de fato andam de mãos dadas na Vetements.
Jacquemus, inverno 2016
A Jacquemus se valeu do mesmo artifício em seu inverno. Após um verão saído diretamente de um sonho, com direito a um cavalo branco na passarela, o estilista olha para as formas geométricas ao criar seu inverno 2016. Mas não pense em estampas ou silhuetas fáceis demais de assimilar. Simon Porte Jacquemus incorporou formas arredondadas à saias e triângulos à tops com ombreiras, além de desconstruir novamente a camisaria, algo que ele já vem fazendo desde a temporada passada.
Jacquemus, inverno 2016
Destaque para os slipdresses metálicos presos à camisetas de tons contrastantes, deixando suas alças afastadas do ombro, criando um jogo de ilusão, como se as peças estivessem em cabides. Apesar dos exageros de silhueta, que também apareceram na Vetements, as minissaias com estampa xadrez e os casacos de botões desconectados prometem ser hits de vendas, mostrando que assim como a marca de Demna, a Jacquemus também está sabendo combinar seu lado mais conceitual com aquele mais comercial. Que as pontes que eles estão queimando iluminem o caminho daqui pra frente.
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