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Pato da Escrita
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writingduck · 5 years ago
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Despertar 6
Minha vida sempre foi muito pacata, por assim dizer. Sempre detestei o movimento irrefreável das cidadelas e todo aquele fluxo de gente que as acompanham. Por esse motivo, e porque eu acho simplesmente intrigante, eu decidi me dedicar à vida acadêmica. Primeiro porque eu seria agraciado com a estadia fixa dentro das instalações da universidade, e segundo, tirando a obrigação de lecionar duas vezes na semana, eu tenho o restante do tempo para poder me dedicar à minha paixão, Línguas Mortas. Acho fascinante como apenas compreender a linguagem, revela muito dos costumes dos povos.
Eu sou André McCullen. Historiador. Atualmente estou pesquisando sobre as implicações da linguagem e como ela era percebida nos anos pré-Obscuridade. Por isso sou reconhecido no mundo acadêmico como excêntrico. Aparentemente me dedicar a uma pesquisa da era pré-Obscuridade é um desperdício do meu doutorado em nano robótica. É o meu hobby. Vocês deviam apenas me deixar em paz.
Dia desses, enquanto estava voltando para meu estúdio, longe do frisson do campus, um senhor de meia idade me convidou para tomar um chá. E de acordo com a quantidade e a aparência dos homens que o acompanhavam, eu não estava permitido a recusar.
“Claro. Com prazer.” Respondo, olhando nervosamente para os homens que nos cercam. “Se puder me acompanhar até meu estúdio.” Ofereço um tanto quanto a contra gosto. Particularmente, não gosto de ter pessoas entrando em meu lugar de lazer.
O homem assentiu com um movimento de cabeça, e nos dirigimos para a área residencial. Minha casa é a última, no final da rua. Ao menos cinquenta metros longe da propriedade mais próxima. 
“Entre. Pode ficar a vontade. Quer um chá, café?”
“Não será necessário. Nossa conversa será breve.”
‘Não poderíamos ter conversado no caminho pra cá?’ Deixo pra lá minha irritação, e sento no sofá oposto. Quantos anos fazer desde que recebi alguém nesta sala.
“Eu preciso de sua colaboração num projeto que estou trabalhando.” Sem rodeios, hein?
“Não sei se serei de muita ajuda. Meus estudos com nan...”
“Me refiro à sua pesquisa em línguas antigas.” Me cortou com um tom seco e duro. “Em relação a sua pesquisa de nano robôs, ela é no máximo, passável.”
Passável?! Nossa. Tudo bem que desenvolvi toda a minha pesquisa com a premissa de ser boa o suficiente pra me garantir um emprego. Mas passável. Não consigo negar que isso feriu meu orgulho. Antes que minha expressão pudesse mudar, o homem continuou.
“Parece que nosso transporte chegou. Por favor me acompanhe para um local mais adequado.” Com essas palavras, ele se levanta e vai em direção a porta. “Vamos. Eu não tenho o dia todo.”
Sem entender completamente, o acompanho. Me pergunto que tipo de pesquisa ele está desenvolvendo, pra precisar de 'um local mais adequado’. Na frente da minha casa, se encontra uma fila de carros que não estava aqui antes. Um dos homens que estavam nos acompanhando antes abre a porta do carro estacionado logo em frente à minha porta, e sinaliza para que entremos. Depois de fechar a porta, o homem se dirige até o carro da frente, e o comboio começa a andar. Agora que estamos somente nós dois nesse carro automático, me pergunto se serei inteirado da situação. Inadvertidamente a ansiedade começa a crescer dentro de mim.
“Não se preocupe, Sr. André. O senhor já foi demitido, e será despejado de sua residência ao pôr do sol.” Se isso foi uma piada pra aliviar o clima, deu muito errado. “Nós estamos nos dirigindo à sua nova moradia.”
Não fode! Com certeza é o que eu gostaria de gritar. Mas a expressão fria e distante no rosto dele me impede de conseguir formular um pensamento conciso. E enquanto estou tentando organizar meus pensamentos, chegamos ao que eu reconheço como um heliporto privado, com uma nave pronta para dar a partida. Se meu cérebro estupefato conseguiu discernir corretamente, aquilo é um protótipo. Lembro de ter visto na newsletter, que tinha um novo sistema de controle de vôo que estava sendo testado. Pela reportagem, ia levar mais alguns anos para ser desenvolvido um modelo comercial. Espera. O que eu estou vendo aqui é o produto finalizado. Quem diabos é você? Sigo o homem com o olhar até vê-lo sumir dentro da nave. Sem mais demora, sinto um dos seguranças me apressando para entrar também.
Sou direcionado até um dos assentos de frente para o homem, onde me sento e aperto o cinto de segurança. Depois que a nave alcançou a velocidade de cruzeiro, o homem à minha frente decide se apresentar.
“Sou Dr. Carlo Assis. O meu objeto de pesquisa apresentou algumas mudanças nos últimos dias. E estas mudanças fazem com que o seu conhecimento em línguas extintas seja necessário.” Dr. Carlo Assis? “O” Doutor Carlo Assis, aquele do estudo pioneiro sobre a relação entre o controle celular e a longevidade? Como se quisesse controlar minha excitação, Dr. Assis lança um olhar frio em minha direção. “Não preciso mencionar que este projeto requer sigilo absoluto.” Não era uma pergunta. Aceno com a cabeça instintivamente. “Todos os teus pertences chegarão à sua nova residência nos próximos dias. A exceção de seus aparelhos de comunicação. A partir de agora você é apenas um recurso à minha disposição. Qualquer informação vazada será punida com pena de morte. Por favor, tenha isso em mente quando for abrir a boca.”
'Ao menos me dê a alternativa de recusar.’ Foi o que pensei, mas jamais deixaria esse pensamento sair de meus lábios. Gostaria de não ter que morrer tão jovem. Mas que tipo de pesquisa Dr. Assis está desenvolvendo que precisa de todo esse sigilo? E porque um geneticista precisaria de um especialista em línguas mortas. Não consigo evitar de ficar curioso. Minha mente navega por diversas teorias absurdas, até que o movimento vertical da nave me indica que chegamos ao nosso destino. 
Devo dizer que estou espantado. O lugar é literalmente no meio do nada. O heliporto onde descemos não está no topo de uma construção, nem nas proximidades. Mas vejo um pequeno comboio composto por três carros não muito longe de onde pousamos. Novamente sou guiado até o carro do meio. Sem muita demora, o comboio segue pela estrada, em direção a um túnel. Depois de perder a vista da entrada, o comboio pára e o carro onde estou vira para a direita e segue em direção à parede. ‘Sério, o que que tá rolando?’ Não estamos rápido o suficiente para que o acidente seja fatal, mas nem tão devagar assim pra sairmos ilesos da batida. Quando me preparo para cuspir minhas preocupações, a parede do túnel se abre, dando espaço a um túnel perpendicular, amplamente iluminado. Tão logo nosso carro entra, e as portas voltam a se fechar. Depois de um tempo seguindo pelo túnel, o carro para em frente ao que presumo ser a saída do estacionamento. 'Então estamos num daqueles prédios com estacionamento subterrâneo.’ Esse pensamento traz a sensação de familiaridade que me acalma, apenas para que o nervosismo me ataque de novo. O elevador estava descendo. Confesso que já não sei onde eu estou. Vim de nave, desci até o subsolo de carro, peguei um elevador, que claramente estava descendo, pra me deparar com um jardim perfeitamente iluminado pela luz do sol. Sigo Dr. Assis, atônito. Nesse ponto minha mente já não consegue formular mais nenhuma hipótese. Entramos numa construção não muito longe, e logo vamos novamente para um elevador. Dessa vez está subindo. Acredito que chegamos no último andar da construção.
“Bem vindo ao Centro de Pesquisa Ulra.” Dr. Assis voltou a falar enquanto andava pelo corredor. “Como eu havia lhe informado anteriormente, está será a sua nova morada. Você está expressamente proibido de entrar em contato com qualquer pessoa fora deste centro de pesquisa. Neste andar você encontrará tudo o que você precisa para você viver. Se precisar sair deste andar, você deverá fazer um requerimento direcionado a mim, expressando quando, onde, como, porquê e com quem, bem como quanto tempo precisará, e só poderá deixar este andar após a minha aprovação pessoal. Neste andar você irá trabalhar com a Dra. Friedrich e o Dr. Félix. Qualquer dúvida peça à Dra. Friedrich, ela é a responsável pelo objeto de pesquisa, e poderá lhe dar todas as informações necessárias para que você prossiga com o seu trabalho.” Dr. Assis parou em frente a uma porta e se virou para mim. “Você foi escolhido não somente pela pesquisa que você faz como hobby, mas porque você é o único no campo que tem a força da alma desenvolvida o suficiente para aguentar. Lembre-se bem. Mantenha a suas emoções sob controle o máximo que você conseguir.”
Passando pelas portas blindadas, andamos por um corredor, que eu reconheço ter sido decorado seguindo as tendências da era pré-Obscuridade. Fico espantado ao notar que as portas possuem maçanetas. 'E eu que sou considerado excêntrico.’ Conforme vamos avançando no corredor, sinto a presença de alguém. Logo entendo o que Dr. Assis quis dizer. Não sei a que distância estou da fonte, mas essa energia é sem dúvidas aterrorizante. Parando a frente da terceira porta, Dr. Assis põe a mão sobre a maçaneta, enquanto fala pra mim olhando firmemente em meus olhos.
“Não se preocupe. Ela é inofensiva. Apenas que ela não sabe como controlar, então temos que ter cuidado para não excitá-la muito.”
Mal tive tempo de absorver a informação de que a porta abria em ângulo e a maçaneta era de verdade, quando a força estupidamente opressora se opõe sobre mim. Começo a temer por minha vida conforme meu corpo se move na sombra da força da alma do Dr. Assis. Sem conseguir me conter, meus olhos são instantaneamente atraídos para a fonte. É uma visão estarrecedora. Deitada sobre um leito antiquado, uma pessoa de cabelos brancos, preso numa trança que descia pela cama até o chão, com a pele delineando tão perfeitamente os ossos, que por um momento duvidei que pudesse ter alguma vida. 
“Essa é a Dra. Friedrich. Ela está cuidando da Bela a quase quinze anos.” Aceno com a cabeça em forma de reconhecimento para a mulher que estava elevando a cabeceira da cama. “Esta que está na cama, nós a chamamos de Bela. Ela esteve em coma durante muito tempo. Por hora eu preciso que você identifique uma forma de comunicação.”
Olho atônito para Bela. Me pergunto o que pode ter acontecido pra ela ter chegado neste estágio de subnutrição. E porque precisaria de alguém especializado em Línguas Mortas apenas para comunicação com alguém. Enquanto Dr.Assis senta no sofá próximo a parede, vou em direção a uma cadeira que tem no canto do quarto. Me pergunto como eles conseguiram essas relíquias em tão perfeito estado de conservação. Posicionando a cadeira próxima à cama, e enquanto me preparo, sinto o olhar de alguém. Olho pra cima e me deparo com olhos anormalmente vivos e atentos. Bom, vamos ao trabalho. Primeiro preciso descobrir qual idioma antigo ela compreende.
Decidi iniciar pelos idiomas mais recentes, e avançando para os mais antigos. Meus pensamentos oscilam debaixo de tanta pressão sobre minha alma. Conforme vou testando os idiomas, decido anotar quais foram testados. Não consigo pensar em mais nada, já que a tarefa de falar e anotar debaixo da força da alma de Bela requer toda a minha concentração. Quando chego ao décimo idioma, sinto a pressão aliviar. Parece que a tarefa monótona de me ouvir falando coisas diferentes não consegue prender a atenção.
Sânscrito. Este foi o último idioma a sumir depois da Obscuridade. Que diabos está acontecendo aqui? Num lampejo de inspiração, busco rapidamente em minhas memórias a informação que uma vez encontrei. Esta seria alternativa mais fácil. Segundo minhas pesquisas, naquela época haviam dois idiomas amplamente difundidos, inglês e chinês. Espero que não seja chinês. Em minhas pesquisas não consegui encontrar informações necessárias para estabelecer uma conversa compreensível. Vamos tentar inglês.
“Good afternoon.”
Quando estas palavras saem de minha boca, eu sinceramente me arrependo. Bela me encarando com os olhos levemente arregalados, e uma expressão extremamente grave. Sinto toda a sua atenção voltada para mim, ao mesmo tempo que sua força da alma paralisa o ar ao meu redor, me desafiando a respirar. Engulo em seco, com medo de que ao menor movimento que eu faça, toda a tensão ao meu redor se rompa em caos.
“Good afternoon.” Consigo repetir depois de reunir toda a minha alma no movimento de meus lábios.
Em resposta, sinto a pressão aliviar o suficiente para poder respirar sem esforço. Sem tirar meus olhos do rosto de Bela, a vejo abrir a boca e movimentar os lábios imitando a fala, mas sem produzir nenhum som.
'Good.’ Aceno a cabeça em estupor. Porque essa mulher compreende inglês?
“Você encontrou?” Dr. Assis fala enquanto caminha até a minha direção. Pela expressão dele, imagino que também tenha sido afetado pelo rompante de energia de antes.
“Sim. Aparentemente ela compreende somente idiomas de muito antes da era pré-Obscuridade.” Estou morrendo de vontade de perguntar o que está acontecendo. Quem é essa mulher? Porque ela só responde a idiomas extintos? Porque… Deixa pra lá, pelo nível de segurança, duvido que eu esteja autorizado a perguntar sobre isso.
“Confirme se ela entende. Peça para que ela pisque em afirmativo. Avise a ela que ela estava em coma durante décadas… ou melhor, anos. Avise-a que ela esteve em coma durante anos. E que você está aqui pra servir de intérprete e irá acompanhar ela durante a reabilitação, atualizando ela a respeito do quadro de saúde, e dos tratamentos que ela será submetida. Você está proibido de revelar informações desnecessárias.” Décadas. Duvido que seja somente isso. Pelo jeito terei tempo de descobrir algumas informações, já que fui tão gentilmente convidado a participar disso. Vamos voltar ao que importa. Primeiro estabelece uma forma de comunicação.
“Blink if you understand.” Aguardo ela piscar os olhos uma vez. Ok, estamos conversando. “Blink once for ‘yes’, and twice for ‘no’.” Aguardo ela piscar mais uma vez. Vamos ao que interessa. “I am André McCullen, and I will help you understand your own situation.” Faço uma breve pausa, que é respondida com um piscar de olhos. “This is Dr. Assis. He’s accompanying your case. According to what I have been told, your situation differs slightly from the normal situation, considering the fact that you have awakened from your coma after a few dec… years. So to ensure that your recovery goes smoothly, I will be following your treatment to let you know of your progress, as well as the situation you are in. I will visit you daily to help you absorb information about your health. Understood?” 
Ela demora um pouco mais desta vez, mas pisca em concordância. Minha consciência começa a enfraquecer. Com certeza alguém com uma alma fraca não conseguiria ficar nem sequer próximo ao quarto. Olho para o Dr. Assis sinalizando que cheguei ao meu limite, e ele me acompanha até minha nova moradia.
“Não se preocupe. Com o tempo você se acostuma, ou melhor, você se adapta. Mesmo em coma, a aura que ela irradiava sempre foi muito acima do normal. Depois que ela acordou, nem a Dra. Friedrich conseguia ficar perto por muito tempo.” Paramos em frente a uma porta moderna. Já sinto saudade da mobília da minha casa. “Este será o seu quarto. Amanhã Dra. Friedrich irá te explicar o que você precisa saber a respeito dela. Novamente, bem vindo ao CPUlra.”
Depois de entrar em meu quarto e tomar um banho. Me deito na cama esperando o sono se abater sobre mim.
“Hah!, Parece que me deparei com um fóssil vivo.”
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writingduck · 5 years ago
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Despertar 5
Eu sou Dra. Anne Friedrich. Conclui meu segundo doutorado há uns vinte anos. Meu campo de estudo é o fascinante estudo do controle da multiplicação celular, que o Dr. Assis abriu, com um estudo publicado a algumas décadas atrás. O estudo foi tão revolucionário que sacudiu o meio científico, abrindo novas áreas de pesquisa, que anteriormente eram apenas considerado como teorias impossíveis de serem comprovadas, muito menos refutadas.
Na primeira vez que li o trabalho do Dr. Assis, eu fiquei fascinada. Imediatamente comecei me aprofundar no assunto, e finalmente, depois de tantos anos, consegui apresentar uma tese coerente para o meu doutorado. Depois de minha apresentação, me direcionei para a saída do auditório, com a intenção de ir pra casa e relaxar meus músculos tensos. estava me direcionando para o estacionamento, quando um senhor de uns sessenta anos se aproximou de mim.
“A sua teoria está errada. Hum, na verdade, toda a construção da sua hipótese está errada. Uma completa perda de tempo, na minha opinião.” Congelei na hora. Depois de algum tempo, meus pensamentos começaram a funcionar, e quando a raiva estava começando a surgir dentro de mim, com a mesma expressão impassível, o senhor continuou. “Contudo, de todos os trabalhos que eu acompanhei até agora, o seu trabalho foi o que mais se aproximou da verdade. Mesmo considerando todos os dados errados.” Ele fez mais uma pausa. Por um momento pareceu se divertir lendo minhas expressões. “Se você quer continuar com o seu estudo, me siga.” Com isso ele virou as costas e saiu.
Como se eu estivesse hipnotizada, eu comecei a seguí-lo. É o trabalho da minha vida. É a minha vida. E ele disse que eu posso continuar pesquisando. Quando dei por mim, estava dentro do carro de um estranho, com o senhor sentado de frente pra mim, enquanto o auto piloto guiava o carro pra um local desconhecido.
“Primeiramente, eu peço desculpas.” Disse o senhor, como se tivesse notado que eu voltei a mim. “De modo a conseguir sua colaboração de maneira discreta, fiz uso de métodos pouco ortodoxos. As pessoas que importam já foram avisadas da sua retirada. Mais detalhes serão divulgados assim que chegarmos ao nosso destino. Por hora, por favor, aproveite a viagem.”
“Como assim? Pra onde estamos indo?”
“Isso será divulgado apenas após a chegada.”
Que absurdo! Abro a boca para soltar algumas reclamações quando percebo a peculiaridade da situação na qual me encontro. Estou dentro de um carro com o interior muito diferente dos carros comuns. Não tem banco do motorista, por Deus, não tem nem o painel do carro. Logo abaixo do vidro está um banco para duas pessoas, igual ao que eu estou sentada, e no assento da direita está o senhor. Não identifico nenhum mecanismos para destravar a porta. Parece ter um sistema mais moderno que o presente na maioria dos carros. Lembro que assisti num streaming durante o horário de almoço no centro de pesquisa há alguns anos, sobre um protótipo de trava de portas que usava a força da alma pra funcionar. Prometia ser o sistema de segurança mais seguro, afinal as almas possuem uma assinatura única, impossível de reproduzir. Olho de canto de olho para o senhor no outro banco. 'Aproveite a viagem!’ debocho de mim mesma. Ainda estudando a porta, noto algo ainda mais perturbador. Nossa velocidade não diminuiu em nenhum momento. Presto mais atenção ao movimento do lado de fora. Aparentemente todos os carros automaticamente abrem passagem pro nosso carro. Começo a suar frio. ‘Quem é essa pessoa que tão educadamente me convidou a um passeio?’ 
Depois de mais ou menos uma hora andando a velocidade muito superior à permitida, entramos num túnel, e finalmente, a velocidade começa a diminuir. Presto atenção ao meu redor, e tirando que o túnel não tem nenhum outro automóvel a não ser esse, me sinto ainda mais incomodada. Quando pensei que nada de mais estranho aconteceria, o carro vira a noventa graus e no mesmo passo contínuo, anda em direção a parede. Pouco antes de bater, a parede se abre, revelando uma estrada sem fim, com duas trilhas de luz fria em cada lado do teto. A porta se fecha tão logo o carro passa pela porta. Olho, atônita, para o meu guia em busca de respostas, mas ele continua impassível.
Tentando conter meu nervosismo, fecho com força as minhas mãos.
Uns quinze minutos depois, chegamos ao que parece ser um estacionamento no subsolo. O homem sai do carro e vai em direção ao que presumo ser o elevador. Obedientemente, o sigo de perto. Quando as portas se fecham, ajusto os meus sentidos, esperando o elevador iniciar sua subida. E, para minha surpresa, mais uma vez, o elevador desce.
Quando o elevador para, as portas se abrem para um jardim iluminado pela luz do sol. Minha confusão é visível. Por um momento achei que estávamos de volta na superfície, mas olhando pra cima noto as lâmpadas de iluminação infravermelha.
“Bem vinda ao Centro de Pesquisa Ulra.”
Centro de Pesquisa Ulra? Aquele que o Dr. Ulra fundou há quase cem anos? Aquele Dr. Ulra que descobriu a força da alma, e fez o primeiro estudo a respeito?
“Ulra… Achei que tinha sido destruído durante a Obscuridade.”
“O que foi destruído foi o prédio de fachada.”
“Prédio de fachada…” Repito sem conseguir acreditar. Em estupor, sigo novamente meu guia para uma das entradas mais próximas. Dentro do prédio, nos dirigimos a um elevador, que, de acordo com minhas expectativas, começa a subir. Ao chegar no décimo andar, saímos do elevador, e nos dirigimos a um terminal.
“Aqui você pode acessar toda a informação correta que você precisa para a sua pesquisa. Logo alguém vai aparecer pra te mostrar o local. Agora, se me der licença.” É com estas palavras o homem sumiu de vista dentro do elevador.
Sem perder tempo, acessei o terminal de arquivos. Como o senhor havia dito. Minha teoria estava toda errada, afinal os dados aos quais tive acesso estavam errados. As informações verdadeiras eram muito mais fascinantes. Depois que compreendi os dados, e recomecei minha pesquisa, entendi facilmente o motivo dos dados não terem sido completamente divulgados.
Dessa maneira abrupta e repentina, me dediquei à minha pesquisa sob um nova luz. Depois de 5 anos passados, reestruturando minha teoria, e estabelecendo novas hipóteses, o senhor me convidou a fazer parte da equipe de pesquisa dele. Só então eu descobri que o senhor era o Dr. Assis. Descobri também que ele tem quase cem anos de idade, e que a aparência jovem, ele conseguiu depois de se submeter a testar a própria teoria, se tornando o primeiro a ter a expectativa de vida estendida. Seja como for, isso é fascinante. Confiar nos resultados da pesquisa a tal ponto.
Quando fui movida para a equipe de pesquisa do Dr. Assis, fui informada que eu deveria ocupar o lugar de outro cientista, o Dr. Áquila, que estará se aposentando nos próximos anos. Sendo um cientista do CPUlra, a aposentadoria é ligeiramente diferente que os outros pesquisadores da superfície. Eles dizem que “o túmulo de um cientista é o CPUlra.” Em suma, quando um cientista se aposenta, ele deixa o grupo de pesquisa do qual fazia parte, e volta seu esforço a uma pesquisa privada qualquer, ou a algum hobby. Mas jamais poderá voltar à superfícia. Por causa disso, tem muitos velhos excêntricos rondando o CPUlra. 
Mas voltando ao assunto, as atribuições da cadeira que eu devo ocupar, sinceramente, superaram todas as minhas expectativas. Minha responsabilidade é monitorar e organizar os dados de um corpo, inserindo todos os dados coletados no database, no lugar do Dr. Áquila. Chamar o objeto de corpo, não é adequado, afinal o objeto de pesquisa apresenta todas as funções necessárias para manter o corpo funcionando, inclusive a atividade cerebral. Organizar todos estes dados certamente é uma atividade massante, tanto quanto intrigante. Sinceramente, me sinto extremamente empolgada, como uma criança rasgando embrulho dos presentes. Depois de anos trabalhando como ajudante do Dr. Áquila, ele me chamou no escritório dele.
“Está na hora de você começar o estágio com a manutenção do objeto. Tão ou mais importante que a coleta de dados, é saber da história e ter em mente a manutenção da saúde mental e física do objeto. Até agora você tem lidado com o assunto como se fosse um “corpo que mantém as funções vitais”, mas na verdade o corpo que estamos mantendo aqui, está vivo. Apenas dormindo.” Falou enquanto levantava da cadeira.
Me guiando através de uma porta atrás de sua mesa, entro em uma sala com pouca iluminação. Depois que a porta se fechou, as luzes se acenderam e, ao fundo da sala, em meio a tubos metálicos, monitores e scanners estava um cilindro de vidro com um corpo imerso em uma solução de nutrientes azulada.
Por um momento entrei em pânico. Achei que não eram feitos experimentos em humanos, e se esta pessoa é a pessoa com todos aqueles dados. Eu só consigo imaginar a quanto tempo ela está sendo usada como cobaia. Com uma risada divertida, Dr. Áquila chama a minha atenção.
“Eu pensei exatamente o mesmo que você quando entrei aqui pela primeira vez.  Fazem o que, cinquenta anos? Ah, eu era tão jovem. Lembro que, num rompante de cavalheirismo romântico, quase quebrei a câmara de suspensão, apenas para tentar tirá-la de lá.” Enquanto dizia isso, Dr. Áquila se aproximou da câmara e colocou a mão sobre o vidro. “A Dra. Claci, que cuidava dela antes de mim, chamava ela de Bela Adormecida. Um conto de fadas muito popular nos anos antes da Obscuridade. Dra. Claci era daquela época, e depois que a Obscuridade se abateu sobre a Terra, ela adquiriu o hobby de colecionar contos de fadas.”
Espera. A Obscuridade aconteceu há, literalmente, séculos. Como se lesse minha mente, Dr. Áquila continuou.
“Ninguém sabe ao certo a origem dela. Antes da Obscuridade se abater, ela estava sendo mantida no leito de um hospital comum. Quando o Dr. Ulra tomou conhecimento dela, já fazia décadas que estava em coma. Ele acompanhou ela por alguns anos antes de trazer ela pra cá. Ele anotou suas alterações físicas, ósseas, as ondas cerebrais e o comportamento celular. Foi então que ele desenvolveu a teoria da força da alma. Antes que ele pudesse publicar sua pesquisa, o governo tomou conhecimento do conteúdo, e o proibiu que revelasse ao público. Em troca, eles prepararam um centro de pesquisa para que ele conseguisse resultados mais concretos. Conforme a pesquisa foi avançando, foi descoberto que, pouco a pouco, os tecidos estavam se deteriorando. O colágeno, o cálcio e a melanina estavam sendo absorvidas pelo sistema endócrino. O processo era lento, e não condizia com o processo de envelhecimento. Com um pouco de investigação, Dr. Ulra descobriu que os nutrientes não estavam sendo providos ao sistema com a mesma velocidade que eram consumidos. E só então esta sala foi criada. Para que pudéssemos garantir a absorção dos nutrientes necessários, ela foi inserida dentro da cápsula, e imersa numa solução nutritiva especialmente criada para sanar as necessidades nutricionais da Bela. Obviamente, era uma versão muito mais simplificada que as atuais.” Me aproximo da cápsula de vidro. 'Então foi assim que o tratamento Curatio Suspensa foi criado.’ Curatio Suspensa, o tratamento revolucionário que acelerou o processo de cura, e que inclusive tornou possível o crescimento de membros decepados. Olho com certa reverência ao equipamento, que claramente é mais avançado que os presentes em hospitais, e uma dúvida vem a minha mente.
“Se os nutrientes são fornecidos corretamente, porque está tão magra?”
“Não sei ao certo. O mais provável era que ela estava assim antes de ter sido colocada na cápsula. Os nutrientes são fornecidos de acordo com as necessidades diárias dela, por isso tem alguém designado especialmente pra ela. Afinal, são os dados dela que sustentam toda a pesquisa deste centro.” Levanto minhas sobrancelhas de espanto, e olho para o Dr. Áquila a tempo de ver o rosto dele se contorcer em tristeza. “Inclusive a pesquisa que levou à Obscuridade.”
Volto meu rosto para a pessoa presa no vidro. Não é à toa que tem toda essa segurança ao redor dela. Mas algo me chamou atenção.
“Dr. Áquila, o senhor disse que a pesquisa da força da alma foi feita antes da Obscuridade. Por que que a Obscuridade não aconteceu antes?”
Sem sequer desviar atenção da mulher dentro da cápsula, breves sentimentos de afeição permeiam o seu olhar, antes de voltar a mesma expressão impassível de antes.
“A primeira pessoa a apresentar sinais da força da alma foi a Bela Adormecida. As leituras anormais foram documentadas logo nos primeiros anos da pesquisa do Dr. Ulra. As anomalias foram entendidas, primeiramente, como erros de calibração dos equipamentos. Não muito tempo depois, foi descoberto que as oscilações seguiam um certo padrão. As flutuações de energia aconteciam em resposta às situações ao redor da Bela. Em busca da anormalidade, todos os aspectos biológicos foram estudados e acompanhados. Estes dados levantaram questões a respeito da própria existência da alma e, futuramente, deram origem à pesquisa da Força da Alma. A pesquisa foi amplamente censurada, devido ao conteúdo controverso para a época. Foi então que o Centro de Pesquisas Ulra foi criado. Os dados que o Dr. Ulra conseguiu coletar, foram selecionados e enviados para vários cientistas diferentes ao redor do globo. Tudo para tentar compreender como todo o processo se fazia acontecer. Estas pesquisas auxiliaram no desenvolvimento dos campos da medicina e genética. Em contrapartida, muitas pesquisas resultaram em fracasso. Um destes fracassos desencadeou a Obscuridade.” Hum, de certa forma eu já esperava por isso. “Apenas mais tarde, e por acidente, Dr. Ulra descobriu como replicar os efeitos. E a resposta era tão simples que poderia ficar pra sempre ser ser descoberta, não fosse o acaso. Num surto de raiva e frustração, Dr. Ulra conseguiu replicar as mesmas oscilações de energia que Bela. Estudando com mais calma as leituras, ele conseguiu desenvolver equipamentos mais sensíveis e obteve medidas mais precisas. Depois de alguns anos observando os resultados, Dr. Ulra formulou a Teoria da Indução. Mais tarde se descobriu que a força da alma é que foi responsável pela anomalia genética presente, e não o contrário. Mas a essa altura a Obscuridade já havia se alastrado pelo mundo.” Depois de uma breve pausa, que eu usei pra absorver toda essa informação, Dr. Áquila continuou com a explicação. “Depois de tudo isso, não está errado em afirmar que o mundo no qual vivemos, só existe graças a ela. Seus dados são importantes demais para ficarem ocultos, e perigosos demais para serem divulgados.” Com uma expressão grave no rosto, Dr. Áquila olha diretamente nos meus olhos. “E é por isso que apenas uma única pessoa é responsável por cuidar dela, e sua existência não deve ser revelada para o mundo. Atualmente, somente Dr. Assis, você e eu sabemos da existência dela. Todas as informações sobre ela precisam passar por um filtro, antes de serem inseridas na database geral.” Dr. Áquila andou até uma bancada e sentou em uma das cadeiras, e indicou para que eu usasse a cadeira de outra bancada. “Por esse motivo, nós estamos tendo essa conversa nessa sala. Em todo este prédio, este é o único lugar onde os sensores de segurança não alcançam. E toda a informação coletada dela está armazenada num servidor interno, desconectado do servidor central do CPUlra. Até mesmo a rede de energia elétrica foi especialmente projetada para que seja impossível acessar pelo lado externo. Todo o equipamento desta sala é alimentado por placas de captação de energia solar exclusivas. Por isso, nos próximos anos você será pessoalmente treinada por mim. E antes da minha aposentadoria, você deverá ser capaz de resolver todo e qualquer problema técnico que você possa enfrentar.” Sinto o sangue deixar meu rosto, quando entendo as implicações desta frase. “Vejo que já entendeu. Você será responsável pela coleta e análise preliminar dos dados, inserir os dados adequados no sistema externo, adequar o substrato do Curatio Suspensa, e detectar qualquer problema técnico de hardware ou software, desde os painéis de captação de energia solar, até a calibração dos sensores do Curatio. Depois que eu me aposentar, minha assinatura de energia será apagada do sistema interno, e serei banido de me aproximar deste andar.” Olhando para a cápsula de vidro com certa tristeza no olhar, Dr. Áquila completa. “É quase como se o amor de minha adolescência estivesse me deixando por outro.”
Depois de me informar sobre a mudança abrupta de minha rotina a partir de hoje, Dr. Áquila me guiou para fora de seu escritório, em direção ao meu novo quarto. 
“Aqui é onde você vai morar a partir de agora. Tudo o necessário para manter a sua vida e seu bem estar estará disponível dentro deste andar. Do lado de fora de seu quarto, você tem acesso ao terraço, com iluminação solar simulada. O seu status irá mudar drasticamente, e junto com ele, a sua rotina. Ao contrário de antes, quando você podia ir e vir sem restrições, agora, com sua nova identidade você deve, primeiro requisitar a saída para o Dr. Assis, especificando em detalhes o motivo de sua saída, onde e com quem você se encontrará, e quanto tempo vai demorar até seu retorno. E você deverá aguardar até que o Dr. Assis venha para que tome seu lugar até o seu retorno. Em hipótese alguma, você deve deixar este andar sem que o Dr. Assis esteja presente. O descumprimento dessas exigências acarretará em pena de morte, independentemente se a causa foi ou não sua responsabilidade. Dessa forma, eu espero que você mantenha em mente a seriedade das informações disponíveis neste andar, e haja sempre considerando todas as variáveis envolvidas em suas ações.” Ele olha para mim, com um sorriso no rosto, como se antecipasse minha reação atônita. “E com isto, Dra. Friedrich, lhe desejo as mais sinceras boas vindas ao centro do mundo.”
Com isso, Dr. Áquila me deixa sozinha em meu novo quarto, digerindo essa nova carga de informações indigestas. Sinceramente, a minha vontade, naquele momento, era de sair correndo, e voltar pra minha vida pacata na casa de minha mãe, nos limites da Cidadela de Ihbir. Se não fosse pelo meu fascínio pela Bela Adormecida, eu provavelmente teria fugido. Ah, maldita curiosidade. 
Não foi difícil me adaptar à nova rotina. Quer dizer, coma tutoria frenética do Dr. Áquila eu tive pouco tempo pra pensar em me habituar a ficar presa num único andar. Quando dei por mim, estava muito mais à vontade aqui que em qualquer outra residência que eu morei em minha vida. Sem que me desse conta, desenvolvi o hábito de me refugiar junto da Bela sempre que outros pesquisadores que vinham em busca dos dados mais recentes. Dr. Assis brincou que esse era um traço de personalidade herdado pelos guardiões. Aparentemente, tanto Dr. Ulra como Dra. Claci demonstraram este mesmo comportamento. Já o Dr. Áquila se comportava como um obcecado, dificilmente saia da sala.
Depois da aposentadoria do Dr. Áquila, fiquei sozinha para administrar todo o andar. Encontrei diversas entradas com conteúdo pessoal dos meus antecessores dentro dos servidores isolados. As mais antigas contam como o laboratório foi construído, e como a Bela foi transferida pra cá. É um pouco triste de saber que não temos nenhuma informação pessoal dela de antes do Dr. Ulra começar a estudá-la. Aparentemente, alguma coisa aconteceu com o hospital alguns anos depois de ela entrar em coma, e todos os dados sobre os pacientes foram perdidos. Como nenhum familiar apareceu para fazer o reconhecimento, e com a troca de pessoal do hospital, os poucos que ainda sabiam a respeito se afastaram por um motivo ou outro. Quando Dr. Ulra a encontrou, a comunidade local já estava a proclamando como uma espécie de deidade. Depois que ela foi isolada no CPUlra, foi anunciado ao mundo que ela havia morrido de velhice. Atualmente ninguém sabe ao certo qual a idade dela, ou quantos anos fazem que ela está em coma. É realmente triste, de certo modo. Me pergunto se ela tem consciência da situação em que ela se encontra.
Décadas já haviam se passado em meu novo cargo, quando eu tive o que seria o segundo maior choque da minha vida, atrás apenas de ter visto a Bela pela primeira vez.
Como minha rotina manda, entro na sala para verificar os sensores e fazer os ajustes necessários. É normal que haja alguma variação de um dia para o outro. Foi assim desde que as leituras começaram. Mas no último ano, as anomalias se tornaram mais pronunciadas e mais recorrentes. E claro, meu trabalho aumentou proporcionalmente. Tanto que nos últimos dois meses, as leituras que deveriam ser feitas uma vez ao dia, são realizadas a cada três horas. Desta vez, qdo entrei na sala, notei que os monitores apresentaram valores muito anormais. Muito além das predições realizadas a partir das leituras anteriores. Em pânico, começo a fazer uma checagem por todo o sistema. Quando meus olhos pousam no rosto dentro da cápsula, e eu congelo no mesmo instante.
Dentro do Curatio Suspensa, naquele rosto imóvel, inabalável até mesmo pela passagem dos anos, encontro o desenho cuidadosamente recortado de dois olhos abertos, me encarando. Por um momento sinto minha alma congelar, e sinto que tudo cai em silêncio, como se fosse o tempo que estivesse congelado. Fico presa naquele olhar que parecia ler todos os meus pensamentos. Depois de alguns minutos que pareceram horas, noto os olhos perderem o foco aos poucos, e vejo as pálpebras voltarem ao seu estado natural. Depois de sair de meu estupor, noto que a sala voltou ao seu silêncio corriqueiro. Sem pensar duas vezes, saio correndo da sala, em direção ao laboratório do Dr. Assis. 
“Ela acordou.”
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writingduck · 5 years ago
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Despertar 4
Já fazem três dias que eu acordei. Ao menos é o que eu acho. Tirando que já consigo tomar água sem precisar do canudinho, não consigo fazer mais nada. Descobri que a água que a moça me alimenta deve conter algum tipo de nutriente, porque desde que acordei não senti fome. Pensando nisso, ainda bem que só me alimentam com líquidos. Ter um corpo imóvel é… estarrecedor de um jeito ruim. Gostaria de ao menos conseguir me sentar na cama.
Não interessa o que, reabilitação é um processo chato. Duas vezes por dia o rapazinho vem aqui e movimenta meus membros como se eu fosse uma boneca de pano. Já consigo dobrar meus joelhos sem sentir meus músculos rasgando. Um progresso fantástico, na minha opinião. Agora que estou pensando, fazem três dias que acordei, e nenhum parente veio visitar. Me pergunto o que aconteceu. Pelo estado de deterioração de meus músculos, imagino que alguns anos devem ter se passado. É triste pensar isso, mas acredito que meus pais morreram. Tenho alguns amigos, que espero estejam bem. Também não sei se posso receber visitas. Deixo estes pensamentos sérios irem para o fundo de minha mente. Agora é hora de me concentrar na minha refeição. A enfermeira trazendo água numa embalagem hermética acaba de entrar no meu quarto. Já posso tomar um copo inteiro de água. Demorou uns quinze minutos, mas consigo tomar todos os cem mililitros de água. Ao menos o recipiente parece ter mais ou menos o mesmo tamanho que os copos das máquinas de café.
Enquanto estou concentrada em não deixar a água vazar pelo canto da boca, um dos médicos entra no meu quarto acompanhado de um homem franzino, de óculos, e cabelo ligeiramente bagunçado. Vejo o olhar de espanto e excitação dar lugar ao olhar de pena e preocupação. 'É, eu sei que estou apenas pele e osso. Mas olha só quanta aguinha eu já consigo tomar. Fantástico, não concorda?’ Pele e osso. Nunca pensei que essa expressão pudesse ser usada com tanta precisão para descrever alguém.
Enquanto o médico está conversando com o homem estranho, a enfermeira inclina a cabeceira da cama, o suficiente pra que eu pudesse apreciar toda a vista de meu quarto. Olho pro doutor sentado no sofá na parede em frente a mim, e depois, sigo com o meu olhar, o homem estranho posicionar uma cadeira ao lado da minha cama, e preparar um caderno para fazer anotações. 'Preciso de um psiquiatra agora? Tenho TSPT?’
“•••••••”
O quê? Não ouvi direito, mas parece que ele falou em outra língua?
“บ่ายดี”
Pra minha surpresa, outro som estrangeiro saiu da boca do Estranho.
“∆∆∆∆”
Olha, mais uma língua diferente. Ah!, Que divertido.
“°°°°°°”
Me pergunto quantos idiomas ele sabe. 'Será que fico encarando ele até cansar, só pra ver quantos idiomas ele sabe?’
“#####”
Esse parece que você está cantando.
Sem que eu consiga controlar, meus pensamentos devaneiam na estranheza dos idiomas e, inadvertidamente, deixo de prestar atenção.
“...noom"
‘Que? Repete.’ Foco toda a minha atenção no homem, e sinto os músculos de meu rosto se contrair numa expressão grave. Como se sentisse minha mudança de humor, o homem corrige sua postura na cadeira, e olha diretamente nos meus olhos. E como se estivesse com medo que eu não fosse compreender, enuncia cuidadosa e pausadamente cada sílaba.
“Good afternoom.”
Inglês? Sério? Não deveria esta ser a primeira opção quando você está falando com alguém que não entende seu idioma? Sinto que deveria me fazer entender. Continuo olhando para o homem, pra não deixar que ele desvie o olhar, até que eu decida um jeito de responder. Não consigo acenar a cabeça. Não consigo falar, ou sequer movimentar meus dedos. Leitura labial? Vamos tentar. Com minha língua, umedeço meus lábios e engulo a saliva, como se eu estivesse pronta a iniciar uma oratória. Movimento meus lábios, e enceno a palavra 'good’ sem som nenhum. Em resposta, ele acenou com a cabeça. 'Ele entendeu.’ Poderia chorar de felicidade agora.
“******”
O Doutor que estava sentado no sofá, se levanta e conversa com o homem no mesmo idioma indecifrável.  Observo a interação dos dois, quando ambos se viram e me encaram. Minha alegria de antes vai toda embora. Me sinto como uma criança que está sendo repreendida pelos pais.
“Blink if you understand.”
Que sotaque estranho. 'Ok, é pra mim piscar, certo?’
Mais algumas palavras trocadas entre os dois, e mais instruções pra mim seguir.
“Blink once for ‘yes’, and twice for ‘no’.”
Argh! Teu sotaque é realmente difícil. De qualquer forma, pisco uma vez de maneira mais lenta, pra diferenciar entre minhas respostas e movimentos involuntários.
“I am André McCullen, and I will help you understand your own situation.” Finalmente vou conseguir algumas respostas. Pisco uma vez pra sinalizar que pode continuar. “This is Dr. Assis. He’s accompanying your case. According to what I have been told, your situation differs slightly from the normal situation, considering the fact that you have awakened from your coma after a few dec… years. So to ensure that your recovery goes smoothly, I will be following your treatment to let you know of your progress, as well as the situation you are in. I will visit you daily to help you absorb information about your health. Understood?” Sem pensar, pisco uma vez. 
Não entendi nada. Quer dizer, eu entendi, mas ao mesmo tempo não. O homem fala mais algumas coisas, mas aparentemente, esta foi uma visita apenas para apresentações, e ele tinha outro compromisso importante pra atender. Sem mais delongas, e com um ‘tchau’ o homem sai pela porta acompanhado pelo Doutor.
Finalmente sozinha no meu quarto aproveito o tempo pra absorver o que aconteceu. Obviamente não estou mais no Brasil. E que diaxo de país é esse pra inglês não ser o primeiro idioma que alguém escolhe pra falar com estrangeiro. Se parar pra pensar, não lembro de ter ouvido este idioma antes. Bom, acredito que isso eu vá entender mais cedo ou mais tarde. Não é como se eu fosse ficar presa nessa cama pra sempre. Não pra sempre, mas com certeza vai ser por um bom tempo. 'Então fazem mesmo alguns anos que estive em coma.’ Tive a impressão que era mais do que isso. Ele parecia nervoso com o que ele deveria falar ou não. Me ‘ajudar a absorver as informações a respeito de minha própria saúde’ hein. Me pergunto se eu tenho algum tipo de doença terminal, ou alguma coisa assim.
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writingduck · 5 years ago
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Despertar 3
Acordo no dia seguinte com a claridade entrando pela janela. Bom, em realidade não está assim tão claro. Mas a claridade está uniforme em todo o quarto. Não demora muito uma enfermeira entra em meu quarto. Uma moça bonita de uns vinte e poucos anos, cabelo curto e roupa verde, típica de hospitais. Humm, acho que ela me desejou bom dia. A cumprimento com o olhar. Ela continua falando comigo enquanto verifica a aparelhagem ligada ao meu corpo. Quando terminou de fazer as anotações, ela pega o balão com um canudo e o coloca em minha boca. Nunca me senti tão feliz por simplesmente tomar água. Depois de me atender ela sai do quarto, fechando a porta.
Depois de alguma horas, eu acho, entrou outra pessoa. Um rapaz na faixa de seus trinta anos vestindo um jaleco branco. Me olha, fala algumas palavras comigo, que respondo apenas com o olhar. Sinto sua mão em minha perna. Arregalou os olhos de espanto. 'Eu sinto! Puta merda, eu sinto!’ O rapaz nota meu olhar e sorri.
“*******”
Sinto muito, jovem. Não entendo nada do que você fala. Ele fala mais algumas coisas, e começa a mexer em meus pés. Nunca achei que ficaria tão feliz em sentir alguém mexer nos meus pés. Ele continua a mexer, um dedo de cada vez. Depois movimenta meu pé pra cima e pra frente. Quero resmungar que está doendo, mas nenhum som sai de minha garganta. O jovem deve estar acostumado a lidar com isso, ele movimenta minhas juntas até o limite da minha dor, e retorna meus pés ao descanso. 'Ah!, Entendi. Reabilitação. Você é um fisioterapeuta, né?’
Depois de alguns minutos movimentando meus pés, ele se movimenta mais perto, e começa os exercícios em minhas mãos. Assim que minha própria mão entra em meu campo de visão, eu levo um choque. A pele ligeiramente enrugada, e de aparência envelhecida envolve meus ossos como se estivesse destituída de qualquer carne. Observo com atenção as juntas destacadas, os ligamentos perfeitamente contornados e meu braço tão fino quanto um galho seco. Como se notasse minha dúvida, o fisioterapeuta começa a falar alguma coisa. Não estou com humor pra tentar entender o que você está me dizendo agora, apesar de instintivamente entender minha situação.
‘Por quanto tempo eu fiquei em coma?’
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writingduck · 5 years ago
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Despertar 2
“... ****.”
Ouço a voz de alguém. Não consegui entender o que foi dito. Mas, com certeza consegui ouvir, claramente a voz de alguém.
‘O “Pastoso” não está mais aqui.’ foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. Finalmente sinto como se eu pudesse respirar. Bem, eu estava respirando antes, mas… a sensação de alívio que eu senti quando me dei conta que o “Pastoso” não me prende mais. Sinto que poderia gritar. Tento abrir minha boca. Minha euforia morre no mesmo instante. Meus lábios parecem colados e sinto minha garganta arder. Eu realmente preciso de água.
Imagino que a pessoa aqui perto não vá notar que eu estou com sede. Preciso fazer com que ela note que estou acordada. Meus pensamentos parecem tão mais fáceis agora que o “Pastoso” não está mais aqui. Tento abrir meus olhos, e a claridade penetra em minha retina. A dor me faz franzir o cenho. Ao menos é o que eu acho, porque a luz foi apagada. Abro os olhos e olho ao meu redor. E, surpreendentemente, não tenho idéia de onde estou. Está tudo tão borrado, que a única coisa que consigo discernir é a porta, porque a claridade do lado de fora a deixa bem destacada.
“*****”
O que? Que que você disse, jovem? Bom, visto que saiu correndo, eu meio que consigo entender.
“Ah, meu Deus! Ela acordou!! Doutor, a paciente acordou!!” a mulher disse com uma voz afetada.
“Se acalme, enfermeira Gertrudes. Me diga quem acordou” responde Doutor Marcos, com uma voz imperturbável.
“A paciente do quarto 302.” Nesse ponto Dr Marcos não podia esconder o espanto
“Iremos para lá imediatamente.” Deixo minha mente devanear, encenando um possível diálogo que eu aprendi com muitas horas de maratonas de séries médicas. Ah!, Espera. Seria melhor se fosse em clima de novela mexicana. Consigo até ver a Maria do Bairro como paciente.
A movimentação do lado de fora do quarto interrompe meus pensamentos, e sem muita demora três silhuetas se formam no canto de meu campo de visão. Me divirto com o pensamento de que o drama que se desenrolou em minha mente aconteceu de fato.  Hum, não acenderam a luz. Agradeço pela consideração, aquela luz forte de antes realmente me incomodou.
Ah, mas, se analisar direito. Estar presa a uma cama sem se mexer, esperando por pessoas que não consigo ver o rosto… espero que eu tenha todos os meus órgãos intactos.
“******”
“*****?”
Sério. Isso é assustador. Quer merda eles estão falando?! 
Eles estão me olhando? É pra eu responder? Com minha demora para reagir eles conversam entre eles. E depois de algum tempo conversando, parece que chegaram a algum acordo. Duas pessoas saíram, deixando apenas uma mulher com o cabelo preso num coque apertado. Ela se projeta acima de mim, e fala alguma coisa. Pelo movimento de suas bochechas delineadas pela luz, percebo que ela sorri. Será que isso pode ser considerado terror noturno?
Meu medo de antes parecia infundado. Ela está me dando água, usando um canudo preso a algum tipo de balão. Minha garganta estava tão seca, que o primeiro gole desceu como se estivesse rasgando minha garganta. Mas a água realmente foi bem vinda. Depois de alguns goles de água, finalmente sinto que consigo abrir minha boca. Tento dizer ao menos um “Obrigada”, mas minha boca se abre sem sair um único som sequer.
“******” 
Pela frase longa e pelo tom apologético, imagino que ela queira falar algo como “Suas cordas vocais não funcionam porque alguma coisa aconteceu, e vai ficar assim até normalizar. Não tenha pressa.” Mesmo se não seja isso que ela tenha dito, e o que eu quero ouvir. Já é perturbador o suficiente não entender nada do que eles estão falando, e sem ser capaz de avisar que eu não entendo o idioma deles vai ser bem problemático. Depois de conseguir um pouco de líquido e sentir a ardência na garganta aliviar, sinto minhas pálpebras cada vez mais pesadas. Hum, eu ainda não comi nada. Foi o último pensamento antes de eu me perder no sono.
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writingduck · 5 years ago
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Despertar
Sinto o meu corpo estranho.
Melhor dizendo, sinto minha mente estranha. Quase consigo ouvir o som de engrenagens enferrujadas voltando a funcionar. Se me pedisse pra colocar em palavras simples, o mais adequado seria “pastoso”. É como eu sinto o meu cérebro, se é que isso faz algum sentido. Sempre me orgulhei em ser capaz de descrever qualquer situação com analogias adequadas, mas achar palavras que se adequem ao que estou sentindo neste momento está se provando um desafio. Talvez “preguiça” seja uma melhor definição. Deixo meus pensamentos divagarem enquanto tento entender minha situação. Repentinamente, alguns barulhos distantes chamam minha atenção. Ou melhor, obrigam meu cérebro a movimentar suas engrenagens mais rápido.
‘Mas esse barulho de engrenagens enferrujadas é realmente irritante.’ é o pensamento que permeia minha mente. 
Quando consigo despertar minha mente a ponto de sentir ela trabalhando com suavidade, ainda que de forma lenta, consigo distinguir esses ruídos intermitentes. Dentro de certos intervalos, ouço o barulho de bolhas de ar sendo desprendidas do fundo, indo em direção a superfície. Vem em minha mente a imagem de um aquário, junto com um sentimento muito peculiar de nostalgia. Eu realmente gostava de ficar olhando o pequeno baú do tesouro, no fundo do aquário, abrir e soltar algumas bolhas de ar, para depois se fechar novamente.
'Parece que tem um aquário perto.’ tão logo esse pensamento surge, eu logo o descarto. Segundo as memórias do aquário em minha mente, esse som deveria ser mais claro. Mas o que eu ouço é muito abafado, 'quase como se eu tivesse submersa.’
No momento que esse pensamento passa pela minha cabeça, eu entro em pânico. Tento me debater pra tentar ir para a superfície e voltar a respirar, quando me dou conta de que estou respirando.
'Ok. Estou respirando. Eu estou respirando!!’ Se eu tivesse condições tenho certeza que teria gritado agora. Parece que o meu cérebro pastoso contaminou meu corpo inteiro. Mal consigo discernir o fato que estou respirando. Mesmo que eu não consiga distinguir, só de saber que estou respirando me traz a calma que eu preciso pra me concentrar em coisas mais importantes. O “Pastoso”.
Eu consigo ouvir. Estou acordada. Mas não consigo me mexer. ‘Terror noturno?’ Bom, eu não estou em pânico. Com certeza não. Mas não ser capaz de me mexer quando quero é certamente frustrante. Melhor deixar isso pra depois. Preciso saber o que que tá acontecendo primeiro. Já consigo ouvir uma miríade de sons diferentes ao meu redor. Ainda continuam abafados, distantes e repetitivos, mas agora são mais variados.
Prossigo pro próximo passo, já que me mexer está fora de cogitação, no momento.
'Ah!, Que horror! Parece que colocaram o pastoso no meu rosto também. Argh!, Que sensação ruim!’ 
Conforme vou movimentando minha consciência pra trabalhar ao meu favor, consigo discernir barulhos diferentes.
'Ah! Preferia o silêncio de antes. Esse tanto de barulho só serviu pra fazer meu ouvido zumbir.’ 
Irritada com toda essa barulheira ao meu redor, consigo toda a motivação necessária pra abrir meu olhos de vez. Embora essa foi a impressão, o processo todo foi bem lento e doloroso. Ao menos pra mim. Conforme minhas pálpebras se abriam, senti o pastoso gelado em meus olhos. A primeira coisa que veio em meu campo de visão foi luz. Uma luz penetrante que senti entrar em minha retina. Pisquei lentamente umas duas vezes, e tudo o que consegui discernir foi uma silhueta levemente distinta em toda aquela claridade, antes do zumbido em meu ouvido se transformar em dor de cabeça, e eu voltar para a confortável escuridão da inconsciência.
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writingduck · 5 years ago
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Escrevendo Sonhos 3
Que atmosfera ruim. Como que isso é possível? Como que ninguém acha isso estranho? Estou mergulhada em areia. Uma areia diferente. É leve, e parece suspensa no ar. Estou “flutuando” imersa nessa areia. Talvez mergulhando poderia ser um termo melhor, mas sei que estou em terra firme e acima do chão. Em suspensão no meio de toda essa areia, dentro de uma caverna, que por algum motivo, é iluminada. Arrgghh… Sensação de claustrofobia.. é inexistente. Estão todos aqui. Todos eles que estavam no jipe. Como chegamos, não tenho idéia. Mas aqui estamos todos, flutuando nessa areia em suspensão no ar. 
Lentamente, como se alguém tivesse tirado a tampa do ralo, a areia vai esvaziando. Assim, como um líquido. E estamos nós, de pé dentro de uma caverna, iluminada pelas tochas que ficavam penduradas nas paredes. Alguns momentos depois, uma garota, de uns 15 anos, cabelos prateados cortados de maneira irregular, veio flutuando. Vestia uma roupa muito incomum, cheio de pontas longas e finas. Suas vestes, bem como seu cabelo, esvoaçavam, como se estivessem debaixo d’água. Quando se aproximou, pude notar que em seu olho direito havia um buraco negro, de puro vazio.
E obviamente, esta é o melhor momento para acordar. Obrigada, despertador.
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writingduck · 5 years ago
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Escrevendo Sonhos 2
Não sei bem como essas coisas funcionam. Já não estávamos mais no jipe agora. Estava sentada confortavelmente em um sidecar com Nathan dirigindo. Ei, é esse mesmo o seu nome? Se não mudar logo, num vai ter como depois, viu? O que será que essa moça anda fazendo. No alto dessa motoquinha dos anos 70, Nathan estava me falando sobre outras coisas, mas parece que agora cheguei no final da conversa. Que sensação horrível, chegar no fim de uma conversa que você nem mesmo está participando. AH! Ele precisa de coisas. E eu tenho elas? Olha eu tenho. Estão na minha mochila. Se você está, assim como eu, perdida nessa situação, eu explico. Eu, por algum motivo, agora estou carregando uma mochila cor caqui. Ele acabou de dizer que precisa de algumas coisas, que as coisas que ele ganhou não servem. Bom, eu tenho elas, e por algum motivo elas não servem pra mim, porque elas não... brilham? Sério isso? Brilham? Aaahh, essa database do Hardcore Pati não é muito constante. Será que se eu pensar Baidu, ele instala? Voltando ao assunto. Já que estas coisas eram inúteis pra mim, eu dei ao jovem Nathan. Devia ter escolhido um nome mais fácil, tipo… Zé. Não sei se eu vi direito, se foi bug no sistema Hardcore, mas enquanto eu via ele usando os itens, coisas estranhas aconteceram. Alguns ele comeu, (aquilo era uma perna de gafanhoto? Tinha 50 centímetros! Eca de qualquer jeito) outros ele grudou na arma, ( você não deveria ir num ferreiro pra fazer isso ou um armeiro, se pá? E como essas coisas grudaram?) e um outro item que era uma pedra de um azul profundo e translúcido, que ele misturou com outros dois ingredientes que ele tinha na sua mochila. Por algum motivo as coisas mudaram de forma, e começaram a brilhar. (Agora a coisa estranha aconteceu) Por algum motivo que foge à razão, meu ponto de vista mudou, e eu vi tudo de cima, como se vendo de uma tela de celular. Juro. Tinha até inteface. Mas isso parecia normal (eu acho). Enquanto eu ficava surpresa com súbita mudança de ponto de vista, Nathan colocava o item azul profundo, translúcido e com cinco lados desiguais... safira. Pronto. Vamos chamar assim. Natham colocou a safira, que tinha um formato triangular enorme no meio de uma peitoral de aço. Por algum motivo, o aço polido de cor prata, ficou com uma cor próximo de grafite azulado, com um grande desenho triangular no centro do peitoral, e brilhava. E você achando que ver tudo de uma perspectiva god’s eye era o máximo que podia acontecer. Não, o brilho não era azul, era dourado. Espera, isso aqui é Mu? Ele tá vestindo a peitoral! Sério que você vai andar por aí usando isso? Não é um pouco chamativo demais? Ah!, tanto faz. Não vou mais me surpreender. Enquanto eu ainda remoía todo esses acontecimento digno de um roteiro ruim, imagens estranhas e desconexas passavam pela minha mente. Ao que parece, Hardcore Pati está fazendo download de mais arquivos.
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writingduck · 5 years ago
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Escrevendo Sonhos 1
Não sei bem quando isso começou. Quando dei por mim estava em um corpo que não era meu (é o que eu acho ao menos, nesse ponto já não tenho mais certeza de nada). Estava em um jipe, conversível, daqueles quadradinhos, tipo que aparecem em filmes.. era verde oliva. Aliás, tudo aqui parecia ter sido mergulhado num filtro sépia. Tinha mais algumas pessoas comigo nesse jipe. Eu não faço a menor idéia quem são. Embora, a pessoa que era dono desse corpo parecesse ser muito íntima deles. Conversavam comigo, com ela… ah.. nem sei… comigo (vamos por assim por enquanto). Conversavam comigo sem muita reserva, como se estivessemos junto uma vida inteira. Ia abrir a boca pra falar com eles, pra explicar que eu não era eu, e que não fazia idéia quem eram eles. Minha voz não saiu… bom… na verdade… eu não parecia nem ter tido vontade de falar alguma coisa. Nenhum deles parecia ter notado minha angústia em não conseguir falar. Estranho, não concorda? Eu não achei. Sério, parecia que tudo estava como deveria estar. Acho que posso definir como uma estranheza familiar. Voltando ao jipe. Éramos umas 10 pessoas, eu acho. É. Ainda no jipe. Não sei como que essa conta fechava, mas não estava de todo abarrotado. Aliás não lembro de ter visto um motorista. Sim. Estávamos nos movendo.
Passávamos por uma pista com quatro faixas. Fizemos uma pequena parada na cabeceira de uma ponte em curva. Tinha algumas árvores nas laterais, depois das muretas de proteção. Obviamente não era no Brasil. Asfalto lisinho, estrada de quatro vias, ponte em curva com muretas de proteção. Não sei nem se isso existe. Voltando ao assunto. Enquanto nós estávamos parados no acostamento (sim, também tinha acostamento), uma dessas pessoas falou comigo. Era um rapaz um pouco mais alto que eu, uns 15 centímetros mais alto. Um jovem robusto, com peito largo e braços fortes. Não sei dizer se era bonito, mas parecia ser muito próximo a mim. Me pergunto que tipo de relação nós temos.
Sei que deveria achar estranho tudo isso acontecendo, mas digamos que eu me senti assistindo ao filme Hardcore Henry. Nesse ponto eu estava me preocupando mais era como que eu me parecia. Sei que estava com os odiosos cabelos chanel. Minha mãe gostava desse tipo de cabelo e usava sempre. Eu também não entendo. Mas isso não é importante agora, porque meu melhor amigo (acho que deveria ser isso) estava falando comigo. Me dizia algo sobre como a roupa deveria ser vestida. Assenti com a cabeça, não fazia idéia de que diabos ele tava falando. Greva, escarpe, tasset, espaldar… “Sério, não tenho a mínima idéia do que você tá falando” era o que eu tinha vontade de falar. Mas isso parecia coisa comum aqui. Ei! Eu conheço isso, cota de malha, era sobre isso que você tava falando? Quando tinha quase certeza do que estava ouvindo, ele mudou de termos, e começou a chamar por outros nomes. Eu entendi que eram coisas que te ajudariam, mas a conversa era tão complexa que eu simplesmente pulei. Não é como se eu pudesse fazer isso. Eu “pulei” a introdução mentalmente, com em jogos, sabe? Nesse caso eu apenas não consegui gravar tudo o que ele estava dizendo, como se fosse aqueles tutoriais chatos que você lê as primeiras partes, depois ignora tudo. Oi? Que foi isso? Pedras? E agora é um osso. E isso é o que? Um pedaço de animal? Conforme ia ouvindo Nathan (vou chamar ele assim) falando, algumas imagens iam aparecendo em minha mente. Acho que são imagens dos objetos que ele mencionou. Hardcore Pati está fazendo download de informações. 
Bom, ao menos agora a conversa não estava mais tão estranha. As outras pessoas que estava junto no jipe… bem, parece que elas não eram exatamente importantes. Não existia uma conversa em grupo, de qualquer forma. Depois dessa parada, nós seguimos adiante, por essa estrada perfeita e sem carros. Espero que depois de tudo isso eu ainda tenha meu rim. Eu gosto deles. Ambos.
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writingduck · 5 years ago
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Escrevendo Sonhos
Tenho a forte sensação de que já vi algo a respeito em algum lugar. Aliás isso acontece com quase todos os sonhos estranhos que eu tenho. Todos têm um teor muito estranho, algo como uma história distópica, ou variações de coisas que eu li. Este no caso, tenho a forte sensação de já ter lido à respeito em algum lugar, ou pode ser que até tenha visto isso em outro sonho.
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