Tumgik
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Introdução
A coletânea que você está prestes a ouvir tem por objetivo compor um panorama, ainda que muito incompleto, da criação musical brasileira nos 27 primeiros anos do século XX e como ela se relacionou com outros aspectos da sociedade. A pesquisa foi feita por meio do acervo online “Discografia Brasileira”, do Instituto Moreira Salles, assim como pela leitura de estudos e obras que ajudaram a enriquecer o conteúdo auditivo, fornecendo a base para os textos incluídos neste folheto. Tais referências estão disponíveis após a apresentação textual de cada música. Como os textos presentes aqui são apenas uma síntese, recomenda-se a leitura desses estudos, caso o ouvinte sinta-se interessado. A relação desses escritos com as músicas não pretende ser de análise pura e simples, mas sim de soma, munindo o leitor de ferramentas para estabelecer um diálogo próprio com cada canção. 
O recorte escolhido, com gravações de 1902 a 1929, se deu por marcar em sua data mais longínqua o início das gravações em disco do Brasil e em sua data última data marcar o último ano antes da chegada de Getúlio Vargas do poder, o que mudaria fortemente a realidade musical no Brasil, com a popularização do rádio. Além disso, privilegiou-se propositalmente nas escolhas das músicas as que ou foram compostas, ou interpretadas, ou falam por pontos de vista que não são usuais na história. Ou seja, este projeto tem por objetivo dar literalmente voz a pessoas e instrumentos que ficaram calados por muito tempo, ou que existiam na tradição oral do povo. Para concretizar esse objetivo, a relação entre os textos do folheto e a música é essencial. 
Por fim, gostaria de esclarecer que por trás do objetivo há também a consciência de que, por escolher trabalhar com músicas, apenas podem-se ouvir relatos, experiências e criações que tiveram aval das gravadoras da época, como a Odeon e a Columbia. Entretanto, ressalto que o que cada música representa escapa, em sua totalidade, à história pretendida aqui. É importante escutar as vozes, as cordas, os metais e os batuques e os silêncios, os chiados que marcam a materialidade das gravações, as ranhuras dos discos devem lembrar dos sons que ficaram de fora.
Luca A. Passos
Um projeto feito para a disciplina Teoria da História B
História - Memória e Imagem. UFPR.
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1. Ó, Abre Alas (texto)
Composição: Chiquinha Gonzaga (1899)
Interpretação: Banda da Casa Edison, arranjamento de Santos Bocot (1911)
Os versos a seguir são da publicação original de Chiquinha Gonzaga
Ó, abre alas,
que eu quero passar!
Ó, abre alas,
que eu quero passar!
Eu sou da lira,
não posso negar.
Eu sou da lira,
não posso negar.
Ó, abre alas,
que eu quero passar!
Ó, abre alas,
que eu quero passar!
Rosa de Ouro
é que vai ganhar,
Rosa de Ouro
e que vai ganhar.
Ó, abre alas,
eu quero passar!
Ó, abre alas,
eu quero passar!
Rosa de Ouro,
não pode negar,
Rosa de Ouro.
A Chiquinha
Filha bastarda de um militar branco e de mãe negra alforriada, Francisca Edwiges Neves, a Chiquinha Gonzaga (1847-1935), foi a compositora mulher mais conhecida do início do século XX e uma das figuras-chave na consolidação da música popular brasileira, fundindo ritmos europeus com os populares brasileiros. Chiquinha teve uma educação que a preparou para ser uma mulher “da casa”, aprendendo, inclusive, a tocar piano. Após o escândalo do primeiro divórcio, é expulsa da família e começa a tocar no mundo boêmio para sobreviver, além de compor e publicar, atividades majoritariamente masculinas à época por escaparem do ambiente doméstico. Depois de alcançar certa notoriedade, começa a ajudar financeiramente o movimento abolicionista com o que ganhava na música. Contribuiu com seu piano na criação do choro, no grupo de Joaquim Calado, além de ter criado, em 1912, a primeira associação para proteção dos direitos autorais dos artistas.
Os cordões e as marchinhas
A composição “Ó, Abre Alas” foi feita em 1899 para o cordão Rosa de Ouro e é a primeira marchinha com letra da história, feita especialmente para a ocasião. Festa precursora dos carnavais, nos cordões desfilavam, fantasiados, moradores das áreas mais humildes do Rio de Janeiro. A composição não vingou na época, e apenas em 1939 a peça foi publicada na íntegra nas pesquisas da jornalista Mariza Lira, e em 1971 ocorreu a primeira gravação fiel à versão de Chiquinha, por Linda e Dircinha Batista. Gravações anteriores, como a presente na coletânea, foram de versões alteradas ou arranjadas. A letra simples reflete a espontaneidade e vigor que caracterizaram os cordões e que seriam essenciais aos carnavais na década seguinte da sua pioneira composição, que praticamente fixou o gênero das marchinhas, tocadas até hoje: uma composição pequena feita para embalar o desfile.
Referências bibliográficas
DINIZ, Edinha. Chiquinha, uma História de Vida. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 2009.
SAVELLI GOMES, Rodrigo Cantos. Samba no Feminino: Transformações nas Relações de Gênero no Samba Carioca nas Três Primeiras Décadas do Século XX. Orientador: Acácio Tadeu de Camargo Piedade. 2011. 157f. Dissertação - (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Música,  Universidade do Estado de Santa Catarina. Disponível em: https://sistemabu.udesc.br/pergamumweb/vinculos/00006a/00006ae3.pdf
No site oficial https://chiquinhagonzaga.com/wp/ podem ser encontradas diversas informações sobre a compositora escritas por sua biografa, Edinha Diniz.
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2. Isto É Bom (texto)
Composição: Xisto da Bahia (data desconhecida)
Interpretação: Manuel Pedro dos Santos, o Bahiano (1902)
A renda de tua saia
vale bem cinco mil réis.
Arrasta, mulata, a saia
que eu te dou cinco e são dez.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [2x]
“Ouçam bem que o buraco véio tem cobra dentro.”
Levanta a saia, mulata,
não deixe a renda arrastar,
e a renda custa dinheiro,
dinheiro custa ganhar.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [2x]
“Vá saindo seu coió sem sorte!”
Iáiá, você quer morrer.
Se morrer, morramos juntos,
eu quero ver como cabe
numa cova dois defuntos.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [2x]
“Comigo é nove do baralho velho... Há, há, há... “
O inverno é rigoroso,
bem dizia a minha vó:
"quem dorme junto tem frio,
que fará quem dorme só".
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói [2x]
Os padres gostam de moças,
e os doutores também,
eu, como rapaz solteiro,
gosto mais do que ninguém.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [2x]
“Aguenta firme na cumbuca Seu Judas!”
Se eu brigar com os meus amores,
não se intrometa ninguém,
e acabado os arrufos,
ou eu vou, ou ela vem.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [2x]
Me prendam a sete chaves,
e assim mesmo hei de sair.
Não posso ficar em casa,
não posso em casa dormir.
Isto é bom, isto é bom, isto é bom que dói. [4x]
“Isto é melhor que arroz com casca, fique sabendo Seu Arara.”
O mundo fonográfico
“Isto é Bom” foi a primeira música gravada no Brasil, no ano de 1902, na Casa Edison. Representante da empresa alemã Odeon, a Casa Edison gravava e fabricava discos, que até a Primeira Guerra Mundial eram exclusividade das camadas mais altas da população. Este elevado custo devia-se tanto ao preço dos discos quanto do gramofone, que somados podiam chegar perto do salário médio de um operário da época. Entretanto, se os compradores eram das classes mais altas da população, as gravações dos primeiros catálogos variavam em todos os estilos, contemplando muito da criação musical tradicional do povo brasileiro.
Os lundus
O lundu, antes de ser um gênero musical, é uma variedade da dança tradicional dos negros africanos no Brasil Colônia, a umbigada. Da junção da umbigada com a viola e uma cantoria em conjunto, surgiu a música lundu, que guarda ainda os ritmos de sua dança em seus versos. O lundu nos séculos XVIII e XIX passou por uma séries de transformações quando foi descoberto e utilizado por compositores eruditos, como Domingos Caldas Barbosa, deflagrando a separação entre um lundu coreográfico, com sua canção em côro, que sobreviveu com os negros que ainda o dançavam, e o lundu-canção, que se baseava em apenas um cantor e foi ligado ao teatro satírico. Se os lundus que ficaram conhecidos nos discos pertencem a uma categoria que sofreu forte influência europeia, os ritmos africanos originários ainda resistem na primeira gravação feita no Brasil.
Referências bibliográficas
TINHORÃO, José Ramos. O lundu. In: _________. Pequena história da música popular. São Paulo: Círculo do Livro.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 1988.
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3. Canoa Virada (texto)
Composição: Anônima/popular (data desconhecida)
Interpretação: Eduardo das Neves (1912)
A viola já deu baixa,
Violão não tem valia. [2x]
Até o 13 de maio meu bem...
A canoa revirando,
toda noite aguentou.
Quando foi de madrugada,
foi-se embora, me deixou.
As crioulas, que só comiam
o puro angu com feijão, [2x]
agora comem tainha,
apertam o nariz então.
A canoa virô,
deixá-la virá
de boca para baixo,
cacunda pro ar.
Chegou ocasião da negrada bumbar.
“Meu Deus! Nego bom pra danado!”
Subi no alto do monte,
fui ver o tempo passar. [2x]
E a crioula do lado, meu bem...
A canoa virô...
A Abolição da escravatura
Em 13 de maio de 1888, ano anterior ao fim do Império, foi abolida a escravatura em território nacional, após anos de pressão de grupos abolicionistas. A realidade dos primeiros anos de república, no entanto, se provou mais dura com os escravos recém-libertos do que se pensava: o desamparo estatal juntou-se com a política de branqueamento que visava mascarar a parcela negra da população do país por meio de incentivos de imigração para a população europeia, sedimentando uma grande massa urbana que vivia na pobreza. No entanto, a Abolição ainda era comemorada pela população negra, seja do lado daqueles que ainda defendiam o Império, seja dos que defendiam a República.
Eduardo das Neves, um republicano
O palhaço, artista e músico Eduardo das Neves, embora pouco estudado pela história, foi um dos que, no meio artístico, defendeu o orgulho de ser negro (e de ser, antes, um artista negro) e as razões republicanas, tendo inclusive lutado em defesa de Floriano Peixoto na Revolta da Armada, na qual grupos de marinheiros se rebelaram contra a República. Tal posicionamento, de republicano fervoroso, rendeu a ele diversas inimizades. O conteúdo político, reflexivo e satírico de suas canções, que em grande medida abordam fatos expressivos da época, mostram as divisões internas dos grupos políticos progressistas no começo do século. A escolha do lundu “A Canoa Virada”, que provavelmente tem sua origem logo nos anos seguintes à Abolição, por Eduardo das Neves dá uma boa noção da complexidade política da época, através da figura da “canoa virando”, que representa a instituição da escravidão, que já balançava, finalmente de cabeça para baixo. 
Referências bibliográficas
ABREU, Martha; DANTAS, Carolina. Monteiro Lopes e Eduardo das Neves: histórias não contadas da primeira república. Niterói: Eduff, 2020. 
GUIMARÃES, Antonio Sérgio Alfredo. A República de 1889: utopia de branco, medo de preto (a liberdade é negra; a igualdade, branca e a fraternidade, mestiça). Contemporânea, São Carlos, v.1,  n. 2, p. 17-36, 2011.
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4. Laranjas da Sabina (texto)
Composição: Artur Azevedo (1890)
Interpretação: Pepa Delgado (1906)
Sou a Sabina, 
sou encontrada 
todos os dias
lá na carçada
da academia
de medicina.
Um senhor subdelegado, 
home muito restingueiro, 
me mandou por dois sordado
retirá meu tabuleiro, ai!
Sem banana, macaco se arranja,
e bem passa monarca sem canja,
mas estudante de medicina nunca pode 
passar sem laranja da Sabina!
Os rapazes arranjaram
uma grande passeata
e, deste modo, mostraram
como o ridículo mata, ai!
Teatros de revista
Os teatros de revista começaram em 1859 no Brasil e foram uma das principais formas de entretenimento popular do século XIX e começo do XX. Compostos de vinhetas, esses espetáculos passavam em revista os acontecimentos mais marcantes do ano anterior de modo satírico. O público desses teatros era formado pela classe média que ainda mantinha os gostos musicais mais próximos do popular, o que começa a mudar em 1911, quando os preços dos ingressos ficam ainda mais baratos,  o que permitiu uma ampliação do público. Esses shows foram cada vez mais se tornando o encontro da visão de mundo da crescente classe média com a cultura popular baseada em tipo de personagens estereotipados, como “o português”, “a mulata”, “o guarda” etc.
Sabina e os tipos populares
Composta em 1890 por Artur e Aluísio de Azevedo para sua revista “A República”, “Laranjas da Sabina” conta a história da vendedora de laranjas Sabina, negra alforriada, que mantinha seu ponto de venda na frente da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. A vendedora foi proibida, em julho de 1889, por um subdelegado, de vender suas laranjas, o que levou os estudantes republicanos (pouco antes do fim do Império)  do prédio a reunirem-se em uma passeata quase carnavalesca em seu favor, com diversas frutas espetadas em lanças. A passeata funcionou e a vendedora voltou ao ponto e o subdelegado foi ridicularizado pela demonstração pública. Sabina (que alguns afirmavam terem morrido meses antes, tendo sido Geralda, vendedora que frequentava o mesmo local, a que sofreu da proibição) virou um símbolo da desobediência civil pela comicidade e transformou-se na primeira representação do tipo popular da baiana nos teatros da revista. A “língua de preto” (estereótipo do modo como, supostamente, falavam os ex-escravos) da música foi cantada por uma atriz grega em sua primeira aparição, e as baianas herdaram de Sabina o posto de representantes desumanizadas da autêntica cultura brasileira, um “tipo” entre muitos. De Sabina/Geralda, nem sequer uma palavra em jornais da época, sua identidade real continua um mistério. Morreu esquecida, o que virou símbolo foi apenas o "fato". 
Referências bibliográficas
MELO GOMES, Tiago de; SEIGEL, Micol. Sabina das Laranjas: gênero, raça e nação na trajetória de um símbolo popular, 1889-1930. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 22, nº 43, p. 171-193, 2002.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 1988. 
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5. Cabeça de Porco (texto)
Composição: Anacleto de Medeiros (1896)
Interpretação: Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro (1906)
Música Instrumental
As bandas marciais e a tradição dos barbeiros
Durante todo o século XVIII e final do XIX, vários relatos testemunharam que as músicas tocadas em festas religiosas populares eram tocadas por bandas de barbeiros (muitos deles escravos alforriados). Pela natureza de sua profissão, os barbeiros tinham tempo livre suficiente para aprender instrumentos e fazer da música um segundo ganha-pão. A tradição da música popular tocada em público passou, no ambiente urbano, para a geração seguinte, que comporia as bandas de instituições como o Exército, as forças policiais e os bombeiros. A maioria dos músicos populares eram das camadas mais baixas, sendo valorizados dentro dessas instituições e continuando em contato com as camadas populares em festas de carnaval e nas praças (essas apresentações eram das poucas oportunidades que grande parte da população tinha de ouvir música). A Banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro foi a mais consagrada das bandas de corporações militares por ter a sua frente o renomado compositor Anacleto de Medeiros.
O Cabeça de Porco
O Cabeça de Porco, que dá nome a essa composição, foi o maior cortiço da cidade do Rio de Janeiro. Formação urbana típica da pós-Abolição, que produziu uma massa imigratória de ex-escravos sem perspectiva de emprego formal para os grandes centros urbanos, os cortiços eram moradias coletivas feitas em casas abandonadas no centro da cidade, que eram repartidas por tabiques de madeira e lata, gerando diversas pequenas acomodações. O Cabeça de Porco, por sua dimensão (tinha 4000 moradores), era um pequeno bairro e tinha até um armazém interno. No início de 1893, o cortiço, que fora transformado em símbolo de sujeira e doenças pelos higienistas, médicos que pretendiam “limpar a cidade”, foi demolido, após diversas tentativas, no esforço de modernização do centro da capital fluminense. O prefeito Barata Ribeiro permitiu aos habitantes agora desalojados do cortiço que pegassem as frágeis paredes de seus barracos. Essas paredes finas de madeira afastaram-se do centro do Rio de Janeiro, subiram os morros e estiveram no início das favelas cariocas. O centro da cidade abraçou sua modernização, enquanto os pobres foram forçados a ocupar as regiões periféricas.
Referências bibliográficas
PAULA, Richard Negreiros de. Semente de Favela: jornalistas e o espaço urbano da Capital Federal nos primeiros anos da República – o caso do Cabeça de Porco. Cantareira, Niterói, ano 2, vol. 1, n.3.
TINHORÃO, José Ramos. História Social da Música Popular Brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora 34, 1988. 
VAZ, Lilian Fessler. Dos cortiços às favelas e aos edifícios de apartamentos — a modernização da moradia no Rio de Janeiro. Análise Social, Lisboa, vol. xxix (127), 1994 (3.°), pg 581-597.
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6. Os Reclamantes (texto)
Composição: Eduardo das Neves (1910)
Interpretação: Eduardo das Neves (1913)
Neste Rio de Janeiro fez-se grande confusão,
soldado marinheiro fez uma revolução.
Eram os chefes reclamantes da maruja amotinada;
por eles o grito incessante era a Marinha revoltada.
Houve grande correria, todo o povo no receio.
Por toda parte dizia, "vai haver um bombardeio".
Durante aqueles três dias, viu-se tudo em correria.
Só dominava o terror.
O comércio fecha a porta quando vê o caso sério,
Ficando a cidade morta, parecia um cemitério.
E soldado e armamento, nosso Rio de bloqueio,
só à espera do momento do falado bombardeio.
Cão com sorte não ladra, do desgosto não espanta.
Tive que aturar a sogra, num ataque de demência
no chão atirou um cinzeiro, a tomar agudos ais:
"Vou morrer no bombardeio do navio Minas Gerais!",
com os raios, ouvi da sogra, com essa revolução,
imaginem uma sogra com receio de canhão!
João Cândido de fama, marujo de opinião,
mandou um radiograma para o chefe da Nação.
E o nosso presidente ganhou logo simpatia,
um decreto baixa urgente, concedendo anistia.
Tudo volta a seus lugares, já ninguém mais tem receio,
muito embora já não haja bombardeio.
Tudo foi e acabou-se, não há nada mais a temer.
A revolta já findou-se, vamos todos.
"Viva o povo, viva a Pátria do auriverde pendão!
Viva os chefes de Armada, viva o chefe da Nação!"
A Revolta da Chibata - uma perspectiva popular
Composta em 1910 como uma marchinha de carnaval, essa obra de Eduardo das Neves narra a Revolta da Chibata, ocasião em que os marinheiros, liderados pelo citado João Cândido, rebelaram-se contra as condições opressivas em que trabalhavam, recebendo pouco soldo e castigos corporais. Amotinados em quatro embarcações na Baía de Guanabara, um clima tenso se estabeleceu entre os “reclamantes”, como assim assinavam seus comunicados ao presidente, e as forças militares, até que resolveu-se acatar os pedidos do grupo de marinheiros. Ao representar essa revolta, Eduardo das Neves não faz nenhuma alusão aos pedidos dos reclamantes, muito menos ao que ocorreu depois da anistia: a punição de diversos marinheiros que foram expulsos da Marinha. O final, evocando uma conciliação entre as duas partes, na verdade apaga completamente a retaliação do governo, podendo ser até encarada como uma narrativa em prol do Estado. No entanto, ao focar, por meio do humor, exatamente na reação mais imediata da população à possibilidade de enfrentamento entre os revoltosos e o governo, a ação do “povo comum”, que raramente vem à frente no discurso dos momentos mais famosos de nossa história, é colocada em primeiro plano. 
Referências bibliográficas
ABREU, Martha; DANTAS, Carolina. Monteiro Lopes e Eduardo das Neves: histórias não contadas da primeira república. Niterói: Eduff, 2020.
NASCIMENTO, Luciana Marino do; SILVA, Francisco Bento da. De protestos e levantes: as revoltas da vacina e da chibata na música popular. Recorte [revista eletrônica], Unincor, v. 9, n. 2, 2012.SOUSA, Cláudio Barbosa de. Marinheiros em luta: a revolta da chibata e suas representações. Orientador: Adalberto de Paula Paranhos. 2012. 116f. Dissertação - (Mestrado), Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais,  Universidade Federal de Uberlândia. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/12890/1/ClaudioBarbosa.pdf
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7. Pelo Telefone (texto)
Composição (Disputado): Donga e Mauro de Almeida (1917)
Interpretação: Manuel Pedro dos Santos, o Bahiano (1917)
O Chefe da Folia pelo telefone manda me avisar
que com alegria não se questione para se brincar.
Ai, ai, ai... É deixar mágoas pra trás, ó rapaz.
Ai, ai, ai... Fica triste se és capaz e verás.
Tomara que tu apanhe pra não tornar fazer isso.
Tirar amores dos outros depois fazer teu feitiço.
Ai, se a rolinha, Sinhô, Sinhô, se embaraçou, Sinhô, Sinhô,
e que a avezinha, Sinhô, Sinhô, nunca sambou, Sinhô, Sinhô.
Porque este samba, Sinhô, Sinhô, de arrepiar, Sinhô, Sinhô,
põe perna bamba, Sinhô, Sinhô, mas faz gozar, Sinhô, Sinhô.
O Peru me disse: "se o Morcego visse eu fazer tolice,
que eu então saísse dessa esquisitice de disse que não disse".
Ai, ai, ai... Aí está o canto ideal, triunfal.
Ai, ai, ai... Viva o nosso carnaval, sem rival.
Se quem tira o amor dos outros por Deus fosse castigado,
o mundo estava vazio e o inferno habitado.
Queres ou não, Sinhô, Sinhô, vir pro cordão, Sinhô, Sinhô?
É ter carrilhão, Sinhô, Sinhô, de coração, Sinhô, Sinhô.
Porque esse samba, Sinhô, Sinhô, de arrepiar, Sinhô, Sinhô,
Põe perna bamba, Sinhô, Sinhô, mas faz gozar, Sinhô, Sinhô.
Quem for bom de gosto, mostre-se disposto,
não procure encosto
tenha o riso posto, faça alegre o rosto, nada de desgosto.
Ai, ai, ai... Toca o samba com calor, meu amor.
Ai, ai, ai ... Pois quem dança não tem dor nem calor.
A autoria do primeiro samba e as tias baianas
O lançamento de “Pelo Telefone” foi um estrondo. Outros sambas já haviam sido gravados, porém foi a música registrada no nome de Ernesto Joaquim Maria dos Santos, o Donga, o primeiro sucesso do samba. Além disso, foi apenas após “Pelo Telefone” que a questão da autoria do samba foi colocada em destaque, já que tal estilo sempre foi concebido como uma criação coletiva. Porém, logo em fevereiro de 1917, foi publicada, no Jornal do Brasil, uma reivindicação da autoria da canção por 4 outros compositores: Ciata, João da Mata, Germano e Hilário, que prometiam tocar sua versão, a original, arranjada pelo músico Sinhô. A escolha de “Pelo Telefone” para esta coletânea tem a ver com o apagamento que Tia Ciata sofreu da primeira versão desta música e a importância que a figura das “tias” tiveram na criação do samba. 
As tias eram, dentro da sociedade afro-brasileira pós-escravidão, centros econômicos, culturais e espirituais da “Pequena África do Rio de Janeiro”, termo que designa os bairros habitados pela população negra na então capital do Brasil. As tias baianas eram as fornecedoras da base estrutural para os sambas nascerem, visto serem elas que provinham o espaço, a orientação, as comidas e bebidas das festas em que a música era feita. Porém, não apenas isso - a tradição musical afro-brasileira sempre teve como base de seu canto as tias baianas. Relatos do escritor Mário de Andrade, que frequentou a casa de Tia Ciata, afirmavam que ela era uma grande compositora e participava das rodas de samba, e outros reiteram que ela não era uma exceção na época - suas vozes nunca foram gravadas, apenas a daqueles homens que cresceram em suas casas e se tornaram grandes nomes do samba. Se o samba nasceu na casa de uma mulher, muitas notas bambas morreram no peito de outras tias.
Referências bibliográficas
SAVELLI GOMES, Rodrigo Cantos. Pelo telefone mandaram avisar que se questione essa tal história onde mulher não tá”: a atuação de mulheres musicistas na constituição do samba da Pequena África do Rio de Janeiro no início do século XX. PER MUSI – Revista Acadêmica de Música, Belo Horizonte, n.28, p. 176-191, jul. - dez., 2013
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8. Chuá, Chuá (texto)
Composição: Pedro de Sá Pereira e Ari Pavão (1925)
Interpretação: Fernando (1926)
Deixa a cidade formosa morena,
linda, pequena, e volta ao sertão,
beber a água da fonte que canta,
que se levanta do meio do chão.
Se tu nasceste cabocla cheirosa,
cheirando a rosa, no peito da terra,
volta pra vida serena da roça
daquela palhoça no alto da serra.
E a fonte a cantar, chuá, chuá,
e a água a correr, chuê, chuê.
Parece que alguém, que cheio de mágoa,
Deixasse quem há, de dizer a saudade
no meio das águas, rolando também. [2x]
A lua branca de luz prateada
faz a jornada no alto do céu
como se fosse uma sombra altaneira
da cachoeira fazendo escarcéu.
Quando essa luz lá na altura distante,
loira ofegante, no poente a cair,
daí essa trova que o pinho descerra
que eu volto pra serra que eu quero partir.
E a fonte a cantar, chuá, chuá,
e a água a correr, chuê, chuê.
Parece que alguém, que cheio de mágoa,
Deixasse quem há, de dizer a saudade
No meio das águas, rolando também. [2x]
A urbanização pelos olhos da saudade
A cultura musical brasileira sempre foi feita em uma troca entre o interior e a cidade. Os gêneros musicais tipicamente brasileiros, como o lundu e o maxixe, originaram-se de criações dos escravos de engenho no interior do país. Esses tipos de música foram migrando para os centros urbanos junto com a população que buscava oportunidades de emprego. O Rio de Janeiro, por exemplo, foi de 679.699 habitantes para 1.077.000 dos anos 1900 a 1918. Composta para uma peça de teatro em revista de 1925, a música “Chuá, Chuá”, que virou uma das músicas mais tocadas em nosso cancioneiro nacional, expressa a contraposição entre esses dois pólos de vivência, referindo-se ao processo de modernização que subitamente rompeu laços afetivos criados no interior. Além de uma reação sentimental ao processo urbano, a criação de uma natureza idealizada compõe uma busca pela natureza brasileira, que, cristalizada na figura do sertanejo, se desprende do mundo das cidades e tenta voltar para suas “raízes”, o que estava em voga nos meios intelectuais da época, com os estudos de Mário de Andrade e Villa-Lobos, por exemplo, que inspiraram-se no interior do país para criar suas obras. Em “Chuá, Chuá”, o que se procura no interior é a sentimentalidade que resiste e coexiste aos processos urbanos.
Referências bibliográficas
OLIVEIRA, Márcia Ramos de; SILVA, Kamylla. A rosa do peito da terra: natureza e sentimento nacional na canção Chuá, Chuá. Fazendo Gênero 9 - Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, Florianópolis, 2010. Disponível em: http://www.fg2010.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1278471209_ARQUIVO_Modelo_Texto_Competo_FG9marciaramosdeoliveira.pdf
SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A Canção no Tempo: 85 anos de música brasileira. Vol 1: 1901-1957. São Paulo: Editora 34, 1997.
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