Tumgik
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Eu me sinto uma ilha apaixonada por uma gaivota. Sempre aqui, esperando. Enquanto você voa, vive sua vida, e volta como se nada tivesse acontecido.
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Será que eu nunca vou me sentir bem comigo mesma? Será que eu nunca vou me sentir confortável e plena? Será que a vida é esse eterno incômodo de se sentir meio deslocado, meio infeliz e nunca satisfeito?
Às vezes parece que esse incômodo nunca tem solução. Que não se resolve. Não tem o que fazer. É um nó tão bem dado, com tantas camadas, que parece impossível desatar.
Hoje eu contei pra Anna Clara o quanto minha mãe era violenta, e minha mãe me contou o quanto a mãe dela também era. É um ciclo eterno. E as marcas que isso deixou em mim parecem não se resolver.
Eu sou uma pessoa facilmente afetada. Não reajo bem a estresse, pressão, conflito. Em partes porque eu sei que sou instável mas 90% é porque eu tenho medo.
Não quero confrontar minha mãe e dizer que a forma como ela me tratava quando criança me deixa mal até hoje. Não quero confrontar o meu pai e fazer ele ver que ele era um péssimo pai. Eu só quero fugir. Não quero ver ninguém. Quero me isolar e chorar, mas não choro faz tempo.
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a-postraumatic-mess · 10 days
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Tem coisas que eu sinto e não consigo descrever. Aí fica só aquele incômodo estranho.
As pessoas que eu sinto falta, as ansiedades diárias que envolvem dinheiro e faculdade. Os medos, os receios, a vontade de chorar, o sentimento de insuficiência e a falta de propósito... Tudo vem antes de eu dormir. Uma onda gigantesca inunda a minha cabeça, e eu fico deitada, pensando em tudo, fazendo nada. Esperando a inundação passar ou o sono vir finalmente.
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a-postraumatic-mess · 10 days
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Sentimentos são coisas muito complexas. Eu não sei lidar com isso.
Conheço pessoas, saio com umas, mas quem eu sinto falta é a pessoa idiota que me tratou super mal.
Você me acertou em cheio no meu ponto fraco. Golpe baixo demais.
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a-postraumatic-mess · 11 days
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20/05/24
Tomar sorvete é uma grande coisa sim. Existe uma expectativa, um desejo, uma ânsia. É algo desejado e minimamente planejado.
Tentar se matar também é uma grande coisa. É sempre um evento. Tanto que lembramos (mais ou menos) quantas vezes tentamos, como foram... O dia que você tenta se matar é tão importante quanto o dia que a gente nasceu. Mas gente nasce todo dia. E nem por isso se comemora menos.
Tentei me matar domingo. Isso já virou banal. Eu falo como se eu tivesse ido ali tomar um sorvete. Eu não tomo sorvete com frequência, mas não é grande coisa quando você faz, porque você já fez tantas vezes. Quantos sorvetes você já tomou na vida? Muito né. Pelo menos espera-se.
O Cesar veio falar que não queria nada comigo porque sei lá, tava focado nele, qualquer coisa dessa, sendo que a gente já tinha marcado o encontro. Eu ia ver ele no dia seguinte ou dois dias depois, algo assim. E eu surtei. Pra variar. Eu fui o mais educada que eu pude pra não dar um show que nem dei com o Dinho. Ele deixou bem claro que era uma parada dele e que ele precisava de um tempo, mas eu tenho essa coisa de sempre achar que mesmo quando a pessoa fala que não é sobre mim eu sinto essa coisa de que se eu tivesse feito X coisa aquilo não estaria acontecendo. Mas nada nem chegou a acontecer, eu nem tive tempo de fazer nada, e mesmo assim me sinto responsabilizada por algo que ele mesmo deixou claro que não fui eu. Mas é isso, eu tenho essa parada e nada tira isso de mim.
Aí à noite eu tava fazendo algo na pia e pensei "porque não?". Aí tomei alguns clonazepans (10) aí pensei que se fosse pra fazer estrago vamo fazer direito, aí misturei mais 9 risperidonas e dormi a segunda toda, acordei na terça sem nem saber que era terca, pra mim era sei lá, segunda.
Voltei aos 21, de tentar acabar com tudo e não conseguir mais uma vez e levantar no dia seguinte como se nada tivesse acontecido. Você nem precisa mais botar uma máscara pra fingir que tá bem, você só não liga, nada importa. E você segue mais um dia, um após o outro.
Senti falta do Dinho na volta do hospital. Falando nisso eu simplesmente abandonei o hospital, iam me levar sei lá pra onde pra uma avaliação psiquiátrica pois não tinha psiquiatra na unidade e eu meti o pé assim que pude. Uma tentativa de suicídio, vários cortes no braço, um monte de remédio ainda no organismo. Qualquer médico ia olhar e falar "interna essa maluca". Não quis ficar pra ver. Quando Anna Clara falou que o médico deu a entender a internação eu fiquei em choque, de novo não! Quando fui embora já havia trocado o plantão e foi outro médico, Anna Clara perguntou se não podia cancelar a solicitação da ambulância pra me levar até a outra unidade, o médico falou que não tinha como. Ele perguntou se eu não queria esperar a avaliação e tal, talvez uma internação fosse bom. Eu olhei pra ele "eu já estive em uma ala psiquiátrica, eu não quero ir pra outra, não vai rolar", falei com tom de graça, mas era bem sério, se alguém me obrigasse a ir eu ia surtar. Ele foi amigável e não insistiu, falou que eu poderia passar lá e pegar meu exame de sangue depois (que não busquei, mas talvez eu busque). No fim das contas voltei pra casa sentindo falta do Dinho, e eu não sei porquê.
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a-postraumatic-mess · 12 days
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Pintei minhas unhas de vermelho pela primeira vez, meio que por sua causa. No nosso primeiro e único encontro você tinha as unhas num vermelho desgastado.
Ainda penso nos seus dedos. Longos, finos e com o esmalte vermelho.
Minha mãe sempre preferiu as unhas vermelhas. Eu sempre achei vermelho uma cor muito séria. Coisa de mulher crescida e adulta. Eu, que sempre me sinto meio pra trás, apesar de completamente adulta, tenho dificuldades pra assumir essa postura. Nunca me senti totalmente digna de usar essa cor. Mas como ia dizendo, pintei elas de vermelho pela primeira vez pra perceber que a cor não fica muito bem em mim, que sou grande fã de preto. Clássico e combina com tudo. É uma cor séria também, mas de um jeito rebelde. Minha mãe nunca deixou que eu pintasse as unhas de preto quando mais nova. A única vez que pintei na minha infância, ela me fez tirar. Combina mais comigo.
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a-postraumatic-mess · 15 days
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16/05/24
Hoje me lembrou aqueles dias que eu só conseguia dormir, passava o dia dormindo, e acordava de madrugada com vontade de fazer as coisas mas voltava pra cama.
Eu lembro dessa sensação. Tive ela muitas vezes.
Ver o sol nascer depois de passar 90% do dia (e da noite) dormindo.
Me faz lembrar minha mãe que sempre dizia que a vida tá passando e eu tô dormindo.
Qual é o meu problema??
Eu durmo porque fico estressada e durmo também para evitar o estresse. Mas se eu só durmo, eu não vivo. Talvez o problema não seja dormir, seja viver.
Mas eu já tentei morrer. Não sou tão boa nisso.
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a-postraumatic-mess · 18 days
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11/05/24
Eu conheci alguém. Um rapaz muito lindo e simpático. Depois de dias de conversa online finalmente nos vimos pessoalmente. Aquele embaraço do primeiro momento mas tudo correu muito bem. Um fofo.
Tomamos sorvete e era nítido o quanto ele me queria. Um sorvete nunca teve tanta tensão sexual.
Caminhamos pelo bairro dele de volta pra orla, pois eu não conhecia o caminho. Sentamos numa parte da calçada. Alguns minutos de conversa e nos beijamos. No início meio desajeitado, tentando encontrar o ritmo do outro, mas conseguimos achar. Eu principalmente.
Ele tinha um cheiro bom e era ótimo de abraçar. O cabelo cacheado dava um charme a mais. A risada a solta e as covinhas também. O sorriso largo e encantador, mostrando os dentes perfeitos. Entendo todas as meninas que caíram naquele charme, sou uma delas agora.
Nos tocamos um pouco pra matar a vontade de nos termos logo. Ele excitado terminou molhando a bermuda. Nunca tinha visto isso acontecer. Foi excitante. O tocar olhando pra ele era divertido. Parando agora pra pensar, foi bem constrangedor. Tesão nos torna tão bobos. E Deus, eu estava tão excitada. Fazia um tempo que eu não me dava tão bem com alguém e eu sentia a necessidade de ter essa pessoa.
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a-postraumatic-mess · 19 days
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Às vezes é isso. A gente passa um dia de cada vez morrendo de dor de cabeça e vendo um pai brincar com suas crianças no trem indo pra central e sente vontade de chorar. Algumas coisas emocionam. Algumas coisas surpreendem. Nem todos pais são péssimos.
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a-postraumatic-mess · 19 days
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Mensagens para Gabs; 11/05/24;
[11/5 23:33] Ju: Vc falou lá a parada do seu ex e foi tão sentido que eu nem sabia o que dizer, mas às vezes é isso, a gente só quer que alguém saiba
[11/5 23:34] Ju: Eu tô conversando com aquele rapazinho, e ele é um fofo, descobrimos que temos muito em comum, mais do que eu poderia imaginar (e tudo começou com só fogo no rabo)
[11/5 23:35] Ju: Mas ele parece legal, a gente combina e eu tô sem grandes expectativas, só quero conhecer ele e ter experiências com, não precisam ser grandiosas, apenas agradáveis
[11/5 23:36] Ju: Mas eu sinto falta de Rafael e hoje eu tava pensando sobre como essa pessoa aleatória que eu nem sonhava que existia, em tão pouco tempo virou tudo do avesso
[11/5 23:37] Ju: Impactou tanto
[11/5 23:38] Ju: E eu sou tão difícil de me desapegar, não só das pessoas mas principalmente do que eu achava que poderia ter sido, e puta merda, eu imaginei tanta coisa (!!!!)
[11/5 23:38] Ju: Eu poderia ter sido o amor da vida delu e elu tava tão... Sei lá, que não percebeu
[11/5 23:39] Ju: E eu acho engraçado o quanto eu sou mais eu a partir das minhas relações
[11/5 23:39] Ju: Eu passei um tempão tentando me reconectar com Rafael durante a ausência delu, e lembrei de mim
[11/5 23:41] Ju: Voltei a hábitos que eu tinha perdido, coisas que me interessavam e eu tive que deixar de lado por mil motivos diferentes e principalmente por causa do trauma do meu abuso, que foi o meu maior momento de ruptura
[11/5 23:42] Ju: Que as coisas que eu amava já não tinham forças pra me salvar, e eu odiava tudo que me lembrava eu mesma
[11/5 23:42] Ju: Eu fugi de mim e Rafael, de certa forma, me fez voltar
[11/5 23:43] Ju: Eu tô conversando com esse menino super simpático, vamos nos ver terça, e ontem eu me peguei pensando "ótimo, mas não é o Rafa...", aí eu fiquei triste e fui dormir
[11/5 23:43] Ju: Tive 2 pesadelos seguidos
[11/5 23:44] Ju: Minha família acredita muito em significado de sonho, terminou respingando em mim
[11/5 23:44] Ju: Sonhei com vômito
[11/5 23:45] Ju: Algo precisa ser posto pra fora, algo precisa sair
[11/5 23:45] Ju: Aí dei um block de vez no Rafa
[11/5 23:46] Ju: Na última vez que conversamos eu ri e falei que as pessoas meio que sempre voltam a falar comigo, e de fato
[11/5 23:46] Ju: Acho que a culpa é minha, de me deixar meio sempre a disposição, não quero mais, pelo menos não por agora e nem tão cedo
[11/5 23:47] Ju: Ridículo pq minha amiga jogou tarô pra mim esses dias e saiu que se eu fechasse um ciclo, outra coisa muito melhor apareceria
[11/5 23:48] Ju: Pode não ser esse querido, pode ser qualquer coisa, qualquer um é melhor que elu
[11/5 23:49] Ju: Mas puts, faz falta, né? Mas que essa falta não me impeça de fazer outras coisas, claro que no meu tempo e nos meus termos
[11/5 23:51] Ju: Acho muito vacilo esse negócio de sumir e depois aparecer assim (nem falo de vc, já superamos isso), bagunçar tudo que a tanto custo eu restabeleci
[11/5 23:52] Ju: Isso me lembrava meus pais, meu pai ficando meses fora e minha mãe sempre se disponibilizava, na medida do possível, pra ver ele
[11/5 23:52] Ju: Ficaram 30 anos nisso
[11/5 23:52] Ju: Que vida de merda
[11/5 23:52] Ju: Enfim... Chega, já deu né? Mas é isso, Gabs, obg pela paciência de ler até aqui e te amo
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a-postraumatic-mess · 21 days
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E agora eu cheguei a conclusão de algo óbvio, mas que às vezes é um processo e pra mim foi: independente do que eu escolher fazer como carreira, eu sou isso, mas também sou mais.
Antes de enfermeira ou psicóloga ou qualquer merda, eu sou uma pessoa. Meus interesses são meus. Mesmo que se alterem com o tempo. As coisas que eu gosto me lembram quem eu sou, quem um dia eu quis ser na minha infância.
Eu gosto de ler antes disso virar uma competição. Eu gosto de música. Eu escrevo (kind of...). As coisas que eu gosto me ajudam a ser quem eu sou, expressam como eu sou, não só me definem.
Não se atendo a nada (família, interesses, profissão) só sobra eu. E "eu" é muito vasto.
Pensamento bobo, mas a vida é isso, pequenas epifanias que fazem sentido em um momento.
Provavelmente eu vou esquecer isso e ser consumida pelo mundo, com seus rótulos e interesses próprios, todos capitalistas no geral; mas hoje, agora, no meu quarto alugado, embaixo das cobertas, ouvindo Taylor Swift (que também é uma expressão de mim), eu tô protegida disso. Eu sou quem eu sou, e eu posso ser o que EU quiser.
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a-postraumatic-mess · 22 days
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Qual o propósito de fazer qualquer coisa se não for pra ser excepcional naquilo?
Eu nunca vou ser boa o suficiente em nada do que eu me propor. Vem daí minha inquietação com faculdade. Vem daí minha paralisia. Esse perfeccionismo e dessas metas impossíveis.
Desde a infância. Desde sempre. Como eu, que sempre fui tão inteligente na minha família, posso ser só mediana na faculdade? Ser mediana em algo que eu quis desde pequena, desde sempre???
Minha família nunca passou a mão na minha cabeça, se me "mimaram" intelectualmente, foi só por me elogiarem e esperarem mais de mim. Talvez a culpa tenha sido minha de ter criado muita expectativa em mim mesma.
Eu nunca vou ser tão boa quanto eu acho que eu poderia ser. Eu nunca vou dar o suficiente que eu acho que eu poderia dar. E na minha cabeça, borderline, depressão, ansiedade, são tudo coisas bobas, não são justificativas. Uso elas pra validar minhas limitações sem acreditar que de fato elas me limitam. Diagnósticos também são importantes pra mim pra que eu mesma veja que as coisas que me impedem são orgânicas e elas de fato existem. Depressão não é só não querer fazer algo, é não conseguir de fato. Ansiedade não é só ficar nervoso, é ficar paralisado num looping de pensamentos intrusivos. Borderline não é só impulsividade, é impulsividade + problemas de autoimagem e de regulação emocional.
Não adianta botar a culpa em ninguém, o mal já está feito. Não adianta culpar a minha mãe de ter gritado comigo por ter tirado uma nota ruim na infância. Não adianta dizer que ela, com seus padrões irreais, me fez ser perfeccionista ao extremo. Eu não aceito errar. Se algo não sai como planejado, então eu tenho que começar tudo de novo. Se algo não está perfeito, então deixa pra lá e começa de novo, ou faz outra coisa, mas terminar aquilo sendo mediano ou meio bosta???? Nunca!
O que que eu faço com essa coisa horrível e problemática que eu sou? Como se resolve isso?
Eu nunca vou ser tão boa quanto as pessoas a minha volta. Nunca vou ser tão boa quanto a Anna ou Rafael. As coisas que eu sei não tem utilidade prática. Mesmo essas coisas que eu "sei", não sei de fato, nem sou boa nelas.
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a-postraumatic-mess · 27 days
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Eu amo muito ler, mas algumas leituras são desconfortáveis, tipo Fanon. Óbvio que é pra o ser, mas puts... Conhecimento empodera as pessoas, entender sobre essas coisas mas assusta e cansa.
Tô sempre meio que enrolando pra ler o livro, apesar de bem interessante. Levo tempo pra digerir temas tão complexos.
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a-postraumatic-mess · 27 days
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03/04/24
Cada dia que passa, mais eu me sinto eu mesma. Apesar de não saber quem eu sou, existem coordenadas. Estou tentando seguí-las.
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a-postraumatic-mess · 28 days
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Não quero mais ser tão consciente das coisas.
Eu quero chorar e não consigo. Quero minha ignorância de volta, quero meus atos autodestrutivos de volta. Ficar chateada ou irritada e me cortar.
O lado bom é que quanto mais autoconhecimento eu tenho, menos Rafael vai sendo relevante. Só fica o desejo. Chama fogo no rabo.
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a-postraumatic-mess · 28 days
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Ler o livro do Fanon me dá umas sensações estranhas... Primeira vez que eu leio sobre racismo e etc e me vejo ali. Talvez o tipo que eu tenha sofrido seja mais inconsciente do que físico de fato.
Minha família, em que ninguém se considera negro, apesar de alguns serem, sempre viu a educação como forma de ascensão social e prestígio. "Você é uma pessoa melhor se você estuda". Eu era elogiada quando era criança por causa das minhas notas e porque eu era "inteligente". Eu tirava boas notas sem fazer grandes esforços. Isso foi principalmente no primeiro fundamental, até a terceira série, quando estudei na Nicolau. Na quarta fui pra Gustavo. Eu era excelente aluna até a terceira série, por aí. Depois matemática foi ficando mais complexa. Tínhamos várias matérias. Enfim... Números nunca foram o meu forte, e depois da quarta série eu percebi isso de verdade. Sempre fui mais de humanas, e melhor nas matérias mais lúdicas e subjetivas. Ou que envolviam mais leitura do que exercícios prlpriamente ditos.
Na primeira graduação ficou óbvio. Eu era péssima nas matérias de Port mas era boa nas matérias de literatura. E as amava. Eram o que me fazia continuar na faculdade.
Minha família, bem ou mal, sempre me influenciou a buscar conhecimento. Ninguém nunca me disse que eu não conseguiria algo por causa da minha pele, ou por causa de onde eu vim. Muito pelo contrário. Sempre falaram que eu teria que me esforçar, mas sempre davam a justificativa de que era pois éramos pobres. De fato.
Sempre vi na educação uma forma de emancipação. Fanon fala sobre o embranquecimento do negro e quanto nos esforçamos para sermos vistos como brancos, e acho que essa é a minha forma. A forma que eu fui ensinada. Se eu for esforçada o suficiente e dedicada o suficiente, minha cor e minha classe social não importariam. Até onde as coisas que eu gosto, eu de fato gosto, ou na verdade eram eu querendo me encaixar. Não faz sentido. Mesmo se eu tivesse feito só pra me encaixar, ou pra ser diferente, ou pra me distanciar da realidade que me cercava, virou parte do que eu sou; pois existiram momentos em que eu estava sozinha, ninguém olhando, e eu amava essas coisas. As músicas de branco, os livros de branco, as pinturas de brancos. No fundo, eu acho que eu só amava as coisas, arte num geral, conhecimento num geral, e tudo é dominado pelos brancos. Os meios de cultura. As formas de arte. Estão em todo lugar, não tem como fugir. Mas hoje em dia, com mais acesso e mais conhecimento, eu mesma procuro artistas diferentes. Livros diferentes, músicas diferentes, quadros diferentes. Arte com mais representantividade. A gente é um mosaico tão estranho de coisas, né? Eu sou os animes que eu gosto, as músicas que eu ouço, os filmes que eu vejo, os quadros que eu admiro, as peças que me interessam, os livros que me emocionam.
O Rafael mexeu muito comigo nesse sentido, pois elu teve todas as coisas que eu não tive. Rafael era uma coisa que eu sempre sonhei em ser e nunca tive a oportunidade. Fiz um outro trajeto e não cheguei muito longe delu. Cada um ao seu mérito. Conheço quase as mesmas músicas, quase os mesmos livros, e etc. Consigo ter uma conversa normalmente sobre essas coisas.
Na última vez que falei com Rafael, contei de Romaine Brooks, que conheci lendo Orlando. Romaine era uma pintora lésbica desfem (ou transgênero? Ou andrógina? Não sei, mas nasceu Beatrice e virou Romaine, acho que isso diz muito). Segundo o Google, ela não performava feminilidade, gostava de representações sem detalhes de gênero acentuados (bundas, peitos). As pinturas femininas eram esguias, com corpos finos e sem volume. Romaine me lembrou Rafael. Encontrei a pintura em uma das capas de Orlando pelo mundo, e era um auto retrato de Romaine. Parecia um rapaz, mas nasceu uma garota. Não se via como uma mulher. Parecia Rafael. Os cabelos castanhos compridos demais pra um rapaz e muito curto para uma moça. Os olhos castanhos. O nariz fino e o rosto pontudo. As bochechas finas. O pescoço longo, a figura esguia. Uma versão meio antiga de Rafael, mas ainda assim, lá estava. Diferente, mas similar. Guardei essa informação.
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Quando voltamos a nos falar, mostrei a elu a pintora. Não citei a semelhança, mas também se encantou pela pintura. Como não? As cores, a figura. Se eu pudesse fazer um retrato delu, seria mais ou menos assim. O mesmo olhar, o mesmo cabelo, o pescoço e os dedos.
Eu me sentia menos que elu, por que o mundo diz que eu sou menos. E mesmo assim, mesmo sendo lida como menos, mostrei a elu coisas que elu não sabia, como Ghost e Romaine Brooks. Tirei minhas próprias conclusões de coisas que elu também conhecia como Joyce e Virginia. Botei elu num pedestal e notei que, eu tenho um lugar também. Não no mesmo lugar que elu, obviamente, mas um lugar em algum lugar.
Na minha cabeça, se eu fosse muito inteligente e muito bem educada, e conhecesse muito sobre arte e principalmente literatura, que eu vi desde criança como a porta de entrada para o conhecimento, minha cor não importaria. Meu gênero não importaria. Meu fenótipo seria completamente ignorado pois eu sou muito mais do que isso. Eu seria muito bem educada, e falaria bem, me exprassaria com clareza e calma, poderia debater sobre as coisas, e gostaria de fazer isso. Acho que veio daí, em partes, minha auto cobrança. Minha família nunca precisou me cobrar para ser boa nas coisas, eu já fazia isso por eles, pois, inconscientemente, eu sabia a importância disso para mim e para os meus.
Prestígio acadêmico para mim é importante pois minha mãe não sabe ler. Livros são importantes para mim pois minha mãe não sabe ler. Minha mãe tinha o sonho de ter uma biblioteca, de ser rodeada de livros. Ela só foi me contar isso, eu já tinha pelo menos 10 anos, mas acho que eu era mais velha que isso. Ela passou isso pra mim sem nem precisar dizer. Minha família inteira me passou isso sem precisar dizer. Compartilhamos o mesmo sonho: de aprender. Minha mãe saiu da Paraíba achando que iria estudar e fazer balé. Foi expulsa de casa aos 14, eu acho, e foi trabalhar em casa de família. Esses planos, o balé, os livros, a escola, ficaram pra depois. Hoje minha mãe tem 58, é aposentada, mora de aluguel, é analfabeta funcional pois só assina o próprio nome, e nunca aprendeu balé, mas sabe muito bem como cuidar de uma casa.
Minha mãe sempre me falou para estudar para não terminar como ela. E de fato, nunca foi sequer uma possibilidade para mim pois eu sempre estudei. Cheguei na graduação e não dependo mais dela. Peço ajuda às vezes, mas faz parte de ser um jovem adulto. Mesmo que eu não saiba bem o que eu quero, eu já fui bem longe e sou minimamente independente. Aos trancos e barrancos, mas sou. Não tenho eu o direito de ter aulas de balé, de música e ser rodeada por bibliotecas? Sojourner Truth não questionou que, apesar de negras, pobres e etc, não somos mulheres? E eu pergunto: mesmo sendo negras, pobres, periféricas (tanto da cidade quanto do país (no caso da minha mãe)), não temos nós o direito à intelectualidade? A "alta cultura"? Somos tão capazes quanto. Amém à democratização do conhecimento, que apesar de caminhar a passos lentos, teve seus avanços, e deu a mim, e a outros, a chance de ter acesso, mesmo que mínimo, a cultura e conhecimento. Os livros que li na ilegalidade; as músicas que ouvi pois estavam em sites públicos; as obras em domínio público. Tudo isso. Não menos que ninguém, só sem as mesmas oportunidades.
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a-postraumatic-mess · 29 days
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"Fragmentos de um discurso amoroso" - Roland Barthes
Me lembrou R e nosso primeiro (e único) encontro.
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