Tumgik
aniviamoondust · 7 years
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ㅤㅤㅤ Nunca fui à favor da guerra, ou contra ela. Enquanto ela acontecia, eu só tentei viver a minha vida. Abri uma lojinha de garimpos do brechó que frequentava e aquilo me dava dinheiro apesar da crise que assolava o país inteiro. Sempre quis ser estilista, embora tivesse desistido da faculdade de moda por rixas com as colegas de classe, pois no primeiro desfile a maioria delas tentou sabotar minhas modelos. Viver de moda e de desenhar roupas… Meses se passaram e eu consegui finalmente chegar ao nível almejado. Eu estava vivendo a melhor vida de todas. Conheci um homem. Mais velho, é claro. Ele me dava tudo o que eu precisava, tinha dinheiro para isso. Nós nunca conversamos sobre política. Na maior parte, porque eu não entenderia nada. Nunca achei que eu pudesse ser tão burra. Reflito sobre o passado agora que estou cheirando à poeira e cadáveres abaixo do assoalho da casa, rezando para que minha respiração não seja alta o suficiente para que eles me encontrem. — ABAIXO DO CHÃO! Ela está escondida! — Mas é claro, não foi o suficiente.
ㅤㅤㅤ — VÃO SE FODER! Eu já falei, eu disse tudo que eu sei. — Esbaforida, foi a única coisa que eu consegui dizer uma vez que minha cabeça não estivesse mais atolada num balde d’água gelada. Eles poderiam não saber, mas eu não sentia o gelo. A adrenalina estava alta demais, o meu rosto estava se acostumando com a temperatura baixa. No entanto, o que veio depois foi pior. Um deles resmungou e xingou bem alto, a ponto de apertar um botão e me fazer tremer por impulso, gritando em dor e raiva. O choque percorreu minhas entranhas, minhas veias, minha circulação sanguínea, tudo estremeceu e gritou em ódio num uníssono que escapou pelas cordas vocálicas. Quando parou, eu comecei a choramingar e deitei a cabeça para frente. — Eu já falei… Eu não sei de mais nada. Podem vasculhar a casa, eu juro que não sei. — Chorei, mas não sentia as lágrimas caírem pelo canal lacrimal. Eu não conseguia mais sentir nem os meus dedos. Um dos homens vestia uma farda verde-camuflada e se abaixou para manter a cabeça na direção da minha, encarando até o fundo dos meus olhos opacos e sem vida. — Não se faça de sonsa. Não é possível que não saiba nada, você esteve com o líder da revolução no nosso distrito. Nós queremos que você pague por tudo o que fez às nossas crianças pagarem ao entrar na guerra. — Eu sequer sabia que Avery seria capaz de fazer qualquer coisa tão… Agressiva. Talvez ele estivesse lutando pelos seus ideais e eu até admiro isso. Mas isso o matou. Eu não sou burra para ser morta também. Eu sou resiliente. Minha cabeça abaixou naturalmente e mesmo que eu tentasse do âmago do meu ser, não conseguia levantá-la. Ainda conseguia ver as coisas, bem tortas, e ouvia muito bem. Um barulho alto e indecifrável se seguiu, mas não senti mais dor. Pelo contrário, já que o que a voz feminina e forte disse me tranquilizou: — Vocês não conseguem ouvi-la? Ela não sabe de nada. Vocês não podem continuar a fazer isso com essa garota. — A voz era áspera como veludo, mas para os meus ouvidos soou doce como cereja. Era a voz da minha... Balbuciei uma palavra por algumas vezes, mas em nenhuma chegou a ser finalizada. Logo uma palavra tão boba. Tão pequena. — Mãe.
ㅤㅤㅤ Não consigo me lembrar de nada quando acordo, mas é a voz da minha mãe outra vez. — Pensei que nunca fosse acordar, bluebird. — Sibilou a mulher, assobiando em seguida. Levantei a cabeça, e observei a minha irmã caçula parada na porta. Ela faria treze anos em alguns meses, mas naquele momento parecia ter vinte e cinco, pois trajava um vestido rodado azulado que caberia em mim, um laço na cabeça e o cabelo caindo em cascata para trás, anéis nos dedos e um colar brilhante passando pelo pescoço. Arqueei as sobrancelhas, confusa. — Mãe… O que está acontecendo? — Perguntei, porque dado aos acontecimentos dos últimos meses, eu não poderia estar louca em ver coisas. Quero dizer, eu já vi coisas demais. A rebeldia da guerra: os distritos contra a Capital - e mesmo ao se unirem, sendo derrotados. Minha irmã do meio foi derrotada na guerra. Ela faleceu. Meu pai… Foi exposto em praça pública por ser o prefeito e ter compactuado com isso, meu namorado foi o líder. Eu nunca quis me envolver em nada disso, mas nunca percebi uma coisa. Eu sempre estive no meio da guerrilha, mesmo que sem querer. — Anivia, você perdeu o anúncio na TV enquanto estava desacordada. Eles estão colhendo tributos em todos os distritos, um menino e uma menina. A colheita é hoje. — Tributos? Colheita? O que tudo aquilo queria dizer? Levantei o tronco, não fiz muitas perguntas e me vesti, pois se Savannah estivesse indo para isso, eu iria querer protegê-la. A cabeça ainda doía, mas ninguém pode pedir muito de mim. Experimente tomar um choque de 100 volts e volte para reclamar comigo. Engoli uma torrada, passei uma camiseta branca por cima do corpo e coloquei uma calça jeans. Nada extraordinário como Savannah usava. Assim que conseguimos, seguimos com a nossa mãe para a praça, mas ela não pôde entrar. Ao que tudo parecia, só os jovens poderiam entrar enquanto os adultos tinham de nos observar por fora de um cercado. O procedimento foi feito e, enquanto isso, fiquei ao lado de Savie o tempo todo. Eu tinha medo que alguém resolvesse nos atacar pelo meu histórico. Os ataques de população revoltada não foram ao acaso. Eu sou uma completa desgraça até mesmo para os rebeldes, que provavelmente contavam com a minha ajuda e fui ineficaz em ajudá-los. Seguimos para filas, eu e Savie, e então uma mulher pomposa subiu ao palco para falar, rodando um vídeo no telão. Todos os pontos se ligaram assim que eu o assistia, e apertei a mão de Savannah bem forte por consequência. Não tive mais muito tempo para reações, mas eu já entendi tudo antes mesmo que ela lesse o meu nome naquele papel. Coincidentemente, eles chamariam pelos nomes das pessoas que mais importavam para os líderes ou os mais rebeldes. Porque é assim que eu pensaria se estivesse no poder. — Anivia Moondust! — Assim que o meu nome soou, eu já havia soltado a mão da minha irmã e já subia o primeiro degrau da escada para cima do palco. Eu já sabia que seria o meu nome a ser chamado, então me adiantei. Nesse jogo, eu não iria querer ser a última a sair da linha de largada. A acompanhante pareceu ficar radiante com tal ação, como se eu estivesse ansiosa para a matança. Mantive a expressão amigável em todo o tempo e esperei pelo resto da cerimônia. Assim que tudo acabou, eu olhei diretamente para Savannah, murmurando as palavras: Eu vou voltar, birdy.
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