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24 de fevereiro de 2023
série etnobiográfica
Queria que a vida fosse como nos filmes. No momento alto da melancolia, enquanto a chuva molha o lado de fora e os pingos ressoam na musicalidade, o corte seguinte conclui o processo. O protagonista se levanta convicto, luta suas batalhas em takes acelerados e de repente, pronto! Plot resolvido. A cor aparece de novo e o sorriso se refaz no rosto. Mas a realidade tão dialética demora e passa rápido. Eu entendi que "cê" não vai voltar. Quero eu voltar pra mim.
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9 de fevereiro de 2023
série etnobiográfica
“todas as coisas que confundi com amor”
Tantas coisas que confundi com amor. Confudi amor com lutar. De forma alguma poderia ter aprendido antes de me encontrar. Eu senti a sensação da tristeza no corpo. Quando a boca cai, os olhos aguam e o peito enrijece, enche de ar. Os dias vão passando e o tempo vai existindo. Ficam as marcas do que me aconteceu ontem. Ficaram cicatrizes. Literalmente, no meu braço há uma cicatriz! Como tatuagem, desejei que ela ficasse para que eu não esquecesse o que vivi. Relembrar é repetir, elaborar, e apesar da dor, ensina. Repetir é aprender. Aprender nem sempre é repetir.
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28 de janeiro de 2023
série etnobiográfica
Janeiro talvez seja o mês mais longo do ano. Salva-se de Agosto por vivê-lo em intenso verão. A luz da manhã dá ânimo e chama pra vida.
Hoje, me vi nua pela primeira vez. Meu corpo ainda é jovem, tenho braços e um pescoço forte. Minha pele é bonita, mas minha postura me inferioriza. Ainda sou magra, traços arredondados, uma boa porção de bunda e seios.
Com teu tapa me desnudo de mim mesma. Percebo minha arrogância em permanecer ao lado de quem me odeia.
Ainda me pergunto, por que sempre fui cúmplice da minha dor?
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24 de janeiro de 2023
série etnobiográfica
Sinto um nó na garganta que rasga e machuca. Quero gritar, apontar e alertar a todas minhas companheiras contemporâneas que estão aí. Ao léu, elas podem ser sua próxima presa. Escrevo e escrevo mas não envio. Na escrita tento me explicar, tento acreditar em mim mesma. Sinto como se meu poder ainda estivesse nas suas mãos. Como se com suas palavras bárbaras tivesse também roubado de mim a minha verdade. Levou meu dinheiro, meu tempo, alguma paixão, minha sanidade. Só não levou meus sonhos, e minha caramelo. Me atenho com toda minha força à eles. Dia após dias hei de levantar.
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22 de Janeiro de 2023
série etnobiográfica
Eles dizem que quando chegamos ao fundo do poço há uma mola que nos impulsiona para cima. Pois bem, estou aqui, no fundo e sozinha. Onde está a mola?
Com meu tabaco aceso, incendeio meus pudores e fede pelo quarto. Eu sinto sem ingenuidade: eu fui abusada. Eu fui abusada por uma mulher. Por uma mulher! Por várias mulheres.
O sentimento de culpa e o entendimento da minha responsabilidade me machucam mais que a própria agressão. Sou adulta e não impedi minha agressão. Quem é que deveria me defender? Por que é que fui cúmplice do meu próprio tormento?
Leio Paul Preciado e Virginie Despentes, eles citam continuamente a autora famosa com a qual você se deitou e depois a defenestrou por aí. Sei que fará o mesmo, e ainda pior, comigo. Penso que mesmo esta mulher, no alto da maturidade e marcada pela malícia da prostituição, caiu na sua ladainha vitimista e de falsa fragilidade. Você que se acha tão superior a todes, por que é que não foi superior a mim?
Escuto de uma amiga que você, na realidade, não precisava que a falsa acusação de traição fosse verdade. Você só precisava de um motivo para me agredir. Por quais vielas você se esconde agora? Quem vai ser u próxime?
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21 de maio de 2022
série etnobiográfica
Eu não quero errar!
A melhor ferramenta do Instagram é cancelar o envio de uma mensagem sem deixar rastros.
Escrever acompanha o raciocínio mas nem sempre o que passa na mente é lógico ou cabível. Já dizia Rilke, as palavras que encontramos não são sempre capazes de significar aquilo de mais íntimo que queremos comunicar.
As mensagens dentro de cada tentativa de comunicação possuem facetas diversas. A interpretação do escritor, do leitor a quem se dirige e a dos outros, aqueles sem face, que o leem, o julgam, talvez o compreendam. Tem o conteúdo escrito da mensagem que demonstra aspectos estéticos e dos próprios padrões de comportamento e de significação do mundo do escritor. A escolha das palavras expõe os valores, os acertos, as inseguranças e as falhas.
Escrever é se expor e se cristalizar no tempo.
Escrever errado é cristalizar o erro.
Não apenas marcado na memória, a escrita documenta os procedimentos que te direcionam ao fracasso.
Enviar uma mensagem e depois apagar é também comunicar: Eu não quero errar!
Cancelar o envio de uma mensagem é uma forma de tentar se salvar de uma comunicação imperfeita, própria da humanidade.
Uma comunicação mal feita. Esvaziada pelo tempo e pela distância entre os corpos e sentidos - indispostos e com pouco tempo. Vivemos na época onde o tempo vale dinheiro e as trocas sensíveis não dão garantia de retorno algum.
Intuitivamente entendi que comunicar não precisa de pressa mas de densidade e que a profundidade não dá pé em qualquer relação. A profundidade é de labor lento. As pessoas, geralmente, não escondem quem são e eu sabia, que ali, não teria ressonância.
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17 de maio de 2022
série etnobiográfica
Frustração.
Às 10 da manhã. Frustração. Enquanto a sinto, alguém - um típico jovem homem, magro, com cabelo bem cortado, de calças cinzas e confortáveis, botas de trabalhador - na garagem assobia o hino nacional. Não estranho e entendo a ironia. A brasilidade patriota em sua forma menos gentil e hostil. Parece um aceno da cultura a que pertenço me chamando a encarar meus desconfortos. A pulsão do desconforto leva a mudança.
Esse ano eu não vou voltar pra São Paulo. Seja pela falta de dinheiro, pela falta de tempo e direito ao meu próprio corpo, ou pelo corte punk do meu cabelo. Minha performatividade, que é minha, não parece se acomodar em lugares quadrados. Não vou me sujeitar.
Um mês e muitas horas perdidas procurando encontrar possibilidades de estar na fotografia. Até onde mais devo ir nesse rastejamento? Eu não deveria rastejar.
Eu escrevo com meu corpo, assim como Clarice fez. Na minha escrita reclamo. Eu reclamo por mim mas também pelas outras. Eu reclamo dos homens bem sucedidos. Eu reclamo por um novo lugar de sucesso. O sucesso das mulheres independentes. Se nos sobra saúde, se desejamos as corpas Outras, para percorrer o caminho da criação é preciso apontar em Outra direção.
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8 de maio de 2022
série etnobiográfica
Habitei mais pessoas do que casas. Como dói ir embora de alguém. É possível, de fato, ir embora de alguém?
Dia das mães. Há 9 anos que rompi com a minha. Ela foi embora. Eu fui embora. Fui embora pra muito longe, pra não haver possibilidade de esbarrar em você por aí. E ainda assim, te vi em rostos que não eram o teu. Hoje é uma data que mobiliza tanta gente. Todo mundo é filho de alguém e o mercado precisa lucrar. A figura materna mais do que uma mulher com útero que pariu é uma entidade sacralizada pelo moralismo. Quando há sorte, é marcada também pelo amor.
Eu fico e estudo um pouco mais, não faço parte dos que comemoram. Eu vivi o luto de perder minha mãe sem que a morte nos separasse. Sigo sendo minha própria mãe. A cicatriz umbilical consiste na verdade de que ela ainda é.
"Materna. Nem só má, nem só terna." (Panades, Julia)
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6 de maio de 2022
série etnobiográfica
Vi uma família de golfinhos nadando pela manhã na praia dos Ingleses. Corri alguns km com a minha pequena lobinha caramelo. Almocei pizza de ontem. Lendo um Wright-Mills chego a conclusão que devo fazer um arquivo pessoal. Quero escrever sobre meus problemas e planos. Preciso escrever. Falar intimamente ao documento sobre meus sentimentos em relação à produção intelectual e à vida de uma ex-mulher.
Hoje, também, vou conhecer uma pessoa. O que me espera desse encontro? Quem é ela? Quem sou eu nesse encontro? Sinto calafrios sem ser capaz de identificar se significam algo bom ou ruim.
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5 de maio de 2022
série etnobiográfica
Hoje tentei comprar uma passagem de ida a SP ver meu irmão casar. Estamos longe há tanto tempo que a dor da distância, embora ainda latente, se faz amiúde na rotina. Às vezes esqueço que faço parte de uma "família". Enquanto atendia ao pedido de meu pai, que ligou no meio da compra da passagem e pediu que ligasse ao irmão para confirmar se eu poderia participar da cerimônia, o site atualizou o valor. O aumento ultrapassou 100% do valor inicial. Eu não tenho dinheiro. De onde veio essa interferência, foram os algoritmos ou a lesbofobia? Entristecida senti como se toda a saudade acumulada, apagada pela rotina desses últimos 10 anos, estivesse se mostrado de uma vez só. Nessa possibilidade da minha ausência, dói a solidão. Sigo ausente e eles também.
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