Quando as caravelas de Colombo chegaram à América em 1492, um Novo Mundo surgia aos olhos do Velho Continente Europeu. O encontro entre nativos e europeus gerou não só impactos políticos e econômicos, mas também de natureza social e cultural, inclusive no campo das artes. Aqui, apresentaremos um pouco desse choque cultural por meio da arte: a visão da Europa Moderna sobre a América através do olhar de seus artistas. No avatar temos o Mapa Mundi feito pelo cartógrafo e geógrafo flamengo Abraham Ortelius no século XVI.
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CALÇADORES (ou CALCETEIROS), de DEBRET (1824)
Quase dois séculos depois dos artistas holandeses de Nassau retratarem sua visão a respeito do Novo Mundo, seria a vez da Missão Artística Francesa aqui aportar, em 1817, contribuindo para a construção do imaginário em torno do Brasil às vésperas da Independência e do Império. Um dos artistas de maior renome a integrar a missão foi Jean-Baptiste Debret (1768-1848), cujas pinturas constituem fonte importante para a compreensão não apenas do período retratado, mas da construção de uma identidade nacional, sendo até hoje famosas, não só na Academia como nos livros didáticos das séries de ensino regular.
Antes de chegar ao Brasil, o parisiense Debret dedicava-se à pintura história das guerras napoleônicas, integrando o seleto grupo de artistas do Imperador, dele recebendo patrocínio. Entretanto, com a queda de Napoleão e a restauração do Antigo Regime em 1815, Debret viu suas encomendas tornarem-se cada vez mais escassas; some-se às dificuldades financeiras o abalo causado pela morte de seu filho. Diante da queda de prestígio na França, ele vislumbra na ida da Missão Artística ao Brasil uma nova oportunidade, onde, em 1817, passou a dar aula em seu ateliê (até tornar-se professor de pintura histórica na Academia Imperial de Belas Artes, em 1826) e continuou com suas pinturas de cunho histórico e social, apoiadas pelo Imperador Dom João VI, esforçando-se na difusão do Neoclassicismo (o estilo aqui dominante até então, era o Barroco).
Debret voltou para Paris em 1831, onde publicou o livro “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil”, uma reunião de suas litogravuras feitas ao longo dos 15 anos que aqui viveu. Muito além do simples apelo exótico exaustivamente explorado por vários artistas viajantes e das questões políticas típicas de seu trabalho inicial da França, as obras de Debret produzidas durante a Missão buscam apresentar um retrato paisagístico, social, cultural e histórico do Brasil. Ele procura retratar as minúcias da cultura, religião e tradição dos homens daqui, preservando seu passado. Cabe salientar a valorização dos costumes dos habitantes do Brasil, sobretudo dos negros escravos em suas pinturas, em oposição a artistas anteriores que focaram quase exclusivamente no indígena. A prioridade dada por Debret pela pintura do universo negro (em detrimento do índio) se justifica também pela situação histórica do Brasil; nessa época, paulatinamente, o comércio de escravos negros aumentava e o indígena diminuía. Debret deixou, assim, um rico legado tanto em matéria histórica (seus quadros retratando os costumes e cenas urbanas brasileiras do século XIX – especialmente o Rio de Janeiro – são um verdadeiro testemunho de um vigoroso período da história brasileira), quanto artística (organizou, em 1829, a primeira mostra pública de arte no Brasil, que teve papel fundamental na difusão do Neoclassicismo e sistematização do academicismo).
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CASTIGO IMPOSTO AOS NEGROS, de DEBRET (1826).
A arte de Debret descreve o caráter e os hábitos cotidianos dos brasileiros, bem como a formação histórica do país a partir da instalação da Corte Portuguesa no Rio de Janeiro. Nas duas peças acima escolhidas, temos a vida cotidiana composta de momentos de afirmação e reprodução da estratificação social, em que a hierarquia e a ordem eram acentuadas, garantindo ao negro seu lugar determinado: a escravidão.
Debret nos dá, no entanto, a impressão de que aplica uma espécie de filtro nesse contexto. Ele pinta/desenha o cotidiano no/do Rio de Janeiro oitocentista com um colorido, espontâneo e harmonioso, eternizando os gestos, as roupas e a vivacidade dos negros escravizados. Vê-se homens, mulheres e crianças negras e escravizadas indo e vindo, carregando objetos, vendendo quinquilharias e comestíveis tais como frutas tropicais ou, ainda, trabalhando na construção da cidade. A suavidade registrada por Debret parece querer amenizar a subjugação, a dor e o sofrimento desse povo, ou, dito de outra maneira, trata-se, mais uma vez, de um olhar eurocêntrico sobre a vida em uma colônia.
Embora as cenas mostrem a informalidade e a organicidade da vida cotidiana nos espaços públicos, não se pode deixar de notar que Debret registra, ainda que com leveza, a subjugação e os hábitos mórbidos dos colonos de torturar os escravos. A violência histórica contra os negros parece-nos ser, na arte de Debret, legitimada. O que acabamos de dizer pode ser confirmado pelo próprio artista que, em um de seus textos que compõem sua coletânea “Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil” (2008, p. 177), afirma:
A inferioridade de suas faculdades mentais (dos negros) reconhecida entre nós (brancos, europeus) é confirmada pelos sábios naturalistas que concordam que o negro é uma espécie à parte da raça humana e destinada, pela sua apatia, à escravidão, mesmo em sua Pátria.
Voltando à leitura das duas peças, chamamos mais uma vez a atenção para os cenários ricos em detalhes, compostos também de uma geografia física (os espaços públicos) de uma hierarquia social, inclusive entre os próprios negros, além dos costumes e hábitos alimentares, das vestimentas, enfim, um todo pintado como exótico e pitoresco relativo ao trabalho negro e escravo. De qualquer forma, a arte de Debret, ainda que nos sirva como documento histórico que registra parte da história do Brasil, com a mão de obra negra, escravizada na construção do país, fazendo funcionar a economia naquele período e colaborando para o progresso social, retrata uma beleza pitoresca e exótica assimétrica com a realidade.
Fontes:
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa18749/debret
http://brasileiros.com.br/2016/11/os-pilares-da-academia/
DEBRET, Jean-Baptiste. Viagem Pitoresca e Histórica ao Brasil. Rio de Janeiro: Editora Itatiaia, 2008.
LEITE, José Roberto Teixeira. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Salles, 1983.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. O sol do Brasil: Nicolas-Antoine Taunay e as desventuras dos artistas franceses na corte de D. João. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
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Pintura e História sempre se completaram e se complementaram. Muitas vezes utilizadas como documento, a pintura vai além de objeto de adorno e ultrapassa o objetivo de proporcionar o gozo estético; ela nos ajuda não só a ilustrar dados e fatos da história da humanidade mas também a preencher lacunas da memória coletiva e a explicar nosso passado, além, evidentemente, de compor a própria história da arte.
Um século após o descobrimento do Brasil, o Conde holandês João Maurício de Nassau-Siegen (1604-1679) esteve no nordeste do país, entre os anos de 1637 a 1644 para administrar a Companhia das Índias Ocidentais. Interessado pela Ciência e amante das Artes, Maurício de Nassau trouxe em sua comitiva estudiosos e artistas para registrarem as riquezas do novo mundo e as realizações de seu governo.
Um desses artistas convidados por Nassau foi o também holandês Frans Post (1612-1680) um dos primeiros artistas europeus a documentar as terras coloniais, através da pintura in loco. Como uma espécie de cronista das paisagens brasileiras, ele tinha a incumbência de registrar nas telas os pormenores das belezas da terra conquistada. O objetivo principal era, então, a documentação de cidades, vilas, povoados, costumes, construções civis e militares, cenas de batalhas navais e terrestres, que viriam ilustrar um grande relatório das atividades do Governo do Conde de Nassau em terras da América. Frans Post desenvolveu intensa atividade artística de valor documental, histórico importante, com centenas de telas essencialmente sobre a vida daqueles que povoavam o Brasil do século XVII.
A primeira pintura, intitulada O Engenho, de Frans Post, faz parte de uma rica coleção de centenas de óleos e desenhos de engenhos brasileiros. Post, que viveu no Brasil entre 1637 e 1644, registra em sua tela uma paisagem exótica e exuberante (para os padrões europeus) com plantações de cana e de mandioca, duas culturas que até hoje compõem a identidade do nordestino e que coexistiam muitas vezes na mesma propriedade, além de um rico conjunto arquitetônico, composto pelo engenho, pela casa grande e pela capela. Ao fundo, vê-se casas dispersas na paisagem - moradias de escravos e de lavradores de cana radicados próximos ao engenho. Nota-se nessa pintura detalhes da vida cotidiana e da parte externa daquilo que era chamado de “engenho real”, ou seja, engenho movido não por tração animal, mas por roda d'água; compõe, ainda, o cenário, a casa de moenda, a casa de purgar e o trabalho de batimento dos pães de açúcar ao ar livre. Com telas como essa, Frans Post preocupa-se em registrar não só as belezas naturais como também o trabalho colonial feito por índios e negros escravizados.
Nessa segunda tela, intitulada Alto da Sé (ou, ainda, Vista de Olinda; Ruinas da Sé de Olinda e também Ruínas do Convento do Carmo (1662), vê-se em destaque, meio a uma natureza exuberante e selvagem, a Catedral de Olinda. Nessa obra, percebe-se que Post busca captar a atmosfera local e retratar a essência da vida no Brasil do século XVII e a apreciação da natureza, ainda que, para alguns críticos, ele o faça com distorções advindas de uma mistura de fantasia e memória, já que a tela teria sido pintada na Europa e não in loco. Ao centro, no primeiro plano, também percebe-se a presença de índios e negros em harmonia com a natureza selvagem, considerados como elementos úteis na composição de pinturas europeias, ou melhor eurocêntricas, além, evidentemente, da vegetação abundante e exótica. A Catedral representa a presença do europeu em solo brasileiro. Entretanto, o fato de ela estar inacabada ou parcialmente em ruínas não deixa de ter uma motivação política, já que os holandeses eram protestantes e muitas vezes avessos à Igreja Romana.
Fontes:
LEITE, José Roberto Teixeira. História geral da arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Salles, 1983.
SILVA, Geraldo Gomes. Engenho e Arquitetura: tipologia dos edifícios dos antigos engenhos de açúcar de Pernambuco. Recife: Editora Massangana, 2005.
http://enciclopedia.itaucultural.org.br/pessoa9982/frans-post
http://www.historiadasartes.com/prazer-em-conhecer/frans-post-o-1o-pintor-do-brasil/
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Além dos objetivos de posse, conquista, busca de riqueza e ascensão social, muitas expedições aportavam nas terras do Novo Mundo em missões de reconhecimento do território com caráter artístico e científico, documentando suas impressões sobre a fauna, a flora e os nativos. Os registros escritos e pictóricos oriundos dessas viagens refletem muito do imaginário europeu acerca dos novos territórios e até hoje servem de importante fonte não só em termos historiográficos como também etnográficos, culturais, geográficos e artísticos.
Ainda em relação aos primórdios da colonização da América do Norte, cumpre destacar a importância dos trabalhos artísticos do huguenote (protestante) francês Jacques Le Moigne de Morgues (1533–1588), o primeiro artista europeu a pisar nas terras do Novo Mundo. Em 1564, chegou à Flórida (Estados Unidos) junto com a expedição do marinheiro francês Jean Ribault, registrando em gravuras suas impressões sobre a natureza e os habitantes da região. Apesar de tal expedição falhar no objetivo de consolidar seu domínio no referido território, o trabalho artístico de Le Moyne ficou para posteridade: suas gravuras detalharam não só as plantas e animais, mas também a vida colonial e os tipos de nativos ali fixados. Em especial, suas gravuras retratando a flora nativa tiveram forte impacto, de forma que foi considerado um dos fundadores da ilustração botânica.
Temos, acima, um de seus trabalhos mais interessantes não só em termos de técnica mas de análise de signos e imaginário europeu sobre a América. “A Young Daughter of the Picts”, datada de 1585. A obra, em verdade, não é uma representação dos índios americanos, objeto usual da arte de Le Moyne, mas de uma figura feminina pertencente aos primeiros habitantes das Ilhas Britânicas (povo que ali ocupou entre o final da Idade do Ferro). Note-se, entretanto, elementos exóticos no corpo da majestosa figura feminina retratada em traços europeus: são, justamente, desenhos etnográficos e botânicos das plantas nativas da América, as quais os primeiros habitantes da Britânia, por óbvio, jamais conheceram ou tiveram contato. O anacronismo nesta obra, em verdade, revela como a viagem ao Novo Mundo impactou o trabalho do artista, que acabou por mesclar elementos estrangeiros e elementos europeus - que jamais conviveram juntos - num mesmo desenho.
Fonte da imagem: http://publicdomainreview.org/collections/a-young-daughter-of-the-picts-ca-1585/
Referências:
- DE FARIA, Miguel Figueira. Imagens de Santa Cruz: os primeiros testemunhos visuais europeus do Brasil: da Utopografia à Topografia. Disponível em <http://www.oquenosfazpensar.com/adm/uploads/artigo/imagens_de_santa_cruz:_os_primeiros_testemunhos_visuais_europeus_do_brasil:_da_utopografia_a_topografia/miguel_faria_p185-208.pdf>
- Yale Center of British Art. Disponível em <http://collections.britishart.yale.edu/vufind/Record/3658134>
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A descoberta do Novo Mundo no século XVI suscitou forte interesse no povo europeu. Alguns artistas vieram in loco ver como eram os nativos que aqui viviam e registrar seus costumes. Outros, no entanto, na impossibilidade de estarem presentes e a partir dos relatos dos que vieram, fantasiavam como era vida cotidiana dos índios no Brasil.
Um desses artistas imaginativos foi Theodore de Bry (1528–1598), cidadão belga que, além de gravurista/ilustrador, era também ourives, editor e livreiro. Vale ressaltar que Theodore de Bry também viveu na Alemanha e na Inglaterra, fugindo de perseguições religiosas de católicos espanhóis. Apesar de nunca ter vindo ao Brasil, ele era tido como um especialista da cultura brasileira.
Uma de suas mais conhecidas obras de Theodore de Bry retrata um ritual de canibalismo dos índios tupinambás na então colônia portuguesa. Essa obra é construída a partir de narrativas do alemão Hans Staden, que viveu um tempo entre os indígenas, e do francês Jean de Léry, que viajou pelo Brasil no início do século XVI e tem a clara intenção de chocar o observador a partir dos detalhes mórbidos.
Alguns outros detalhes são, no entanto, suficientes para fazer perceber que a obra não é fiel aos índios tupinambás. Na inventividade do gravurista, há uma homogeneização dos corpos: todos os homens se parecem entre si e todas as mulheres também. Além dos adereços, os homens têm um corte de cabelo que não corresponde ao dos tupinambás; eles têm a pele mais escura do que a das mulheres. As pinturas em seus corpos também não se comparam às dos índios brasileiros, nem no formato e tampouco nas cores. Além disso, as ocas, ao fundo, não se assemelham às dos índios. Há que se registrar a presença do europeu, ao fundo, de pele branca e de barba, com os braços levantados exprimindo seu espanto, seu pavor diante da cena representada.
Desse modo, o que mais chama a atenção nessa obra é justamente aquilo que lhe dá o título – o canibalismo. Essa prática, que não é/foi exclusiva dos povos indígenas e tampouco de todos eles, sem dúvida, provocou alvoroço, indignação e revolta entre os europeus, que viam nesse ato uma ação profana, condenável, inaceitável e pavorosa.
A antropofagia praticada pelos índios, sob o ponto de vista cristão, justificaria, assim, uma intervenção, através da colonização e da conversão pela catequese. Para os europeus, sobretudo os cristãos, era preciso salvar as almas perdidas desses índios. E mais particularmente para Theodore de Bry, era também importante estimular seu comércio, divulgando suas peças ilustrativas nos livros que vendia.
"A prática de canibalismo", de 1592, a partir de “Americae Tertia Pars”, 1592. Gravura colorida. Service Historique de La Marine, Vincennes, France.
Fonte da Imagem: http://www. latinamericanstudies.org/ colonial/cannibalism-deBry.jpg
Referências:
- KALIL, Luis Guilherme Assis. Os espanhóis canibais: análise das gravuras do sétimo volume das Grands Voyages de Theodore de Bry. Revista Tempo: Editora da UFF, n. 31. Niterói: 2011.-Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/tem/v17n31/11.pdf>
-PEREIRA, Rafaele Sabrine Barbosa. O trânsito entre imagem escrita e imagem icnográfica em Theodore de Bry na representação da barbárie americana. Disponível em: <http://www.cchla.ufrn.br/humanidades2009/Anais/GT07/7.10.pdf>
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A chegada de Cristóvão Colombo à América em 1492, no contexto da expansão ultramarina, ampliou os horizontes e o mundo até então conhecido pelo Velho Continente. Muitas oportunidades se abriram aos mais variados setores da Metrópole Europeia - e, nesse sentido, é preciso desmistificar ideias do senso comum, como a de que a conquista do Novo Mundo foi empreendida por homens excepcionais dotados de feitos extraordinários e que foi realizada essencialmente por militares.
O próprio Colombo, hoje visto como um grande herói e conquistador, em verdade, perdeu muito de seu prestígio perante a Coroa Espanhola, ao insistir na ideia errônea de que as terras descobertas eram efetivamente uma nova e direta rota para as Índias. Caiu em total desgraça e foi relegado ao esquecimento, especialmente após a primazia portuguesa alcançada com a viagem de Vasco da Gama, que em 1498 contornou o Cabo da Boa Esperança e garantiu à Coroa Lusitana o mais curto caminho em direção às Índias. Somente três séculos depois que sua imagem enquanto visionário e pioneiro na descoberta e conquista do Novo Mundo seria recuperada pela historiografia norte-americana.
A grande maioria dos homens que viajaram em novas expedições rumo à América não eram propriamente militares: muitos eram artesãos, aventureiros, pessoas comuns em busca de novas oportunidades, riqueza e ascensão social. A maioria nem sequer recebia patrocínio dos reinos, viajando com recursos próprios ou mediante investimentos particulares, enfrentando por sua conta os riscos inerentes ao empreendimento.
Muitos dos relatos, diários e memórias desses viajantes serviram de inspiração para o trabalho de artistas e personalidades - alguns deles que, inclusive, jamais pisaram nas Américas. É o caso, por exemplo, das gravuras do ourives e editor Theodor de Bry (abaixo vemos Cristóvão Colombo desembarcando no Haiti e sendo recebido pelos nativos, gravura de 1594). -Fonte da imagem: http://digital.lib.uh.edu/collection/p15195coll39/item/84 -Referências: FREIRE, Deolinda de Jesus. Theodor de Bry e a narrativa visual da Brevíssima Relación de la Destruicion de las Indias. Revista USP, São Paulo: n. 77, p. 200-215, março/maio 2008. Disponível em <http://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/13668/15486> RESTALL, Matthew. Sete mitos da conquista espanhola. RJ: Civ. Brasileira, 2006
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Em 1500 o Brasil foi encontrado pelos portugueses. Assim que chegaram às terras de "Vera Cruz", os europeus se encantaram com a natureza exuberante e com os nativos: os índios tupinambás e tupiniquins. Pero Vaz de Caminha registra, com sua visão eurocêntrica, suas impressões do novo mundo em uma carta dirigida ao rei D. Manuel I:
"Os índios inocentes andavam completamente nus e tinham os corpos pintados com uma tintura preta [...] eram pardos, de cabelos pretos, todos nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas [...] e nisso tem tanta inocência como em mostrar o rosto [...]"
A carta de Caminha, com a descrição desse mundo novo, tornou-se rapidamente conhecida em Portugal e aguçou o imaginário europeu. E a representação do índio foi retratada nessa época nas pinturas de Grão Vasco (1475 - 1542), um dos artistas mais importantes da pintura quinhentista.
Trazemos, aqui, dois exemplos, ou melhor, duas pinturas desse artista: a primeira intitulada "Calvário" (1530 - 1535) e a segunda, "Adoração dos Reis Magos" (1501 -1505). Como o próprio título das obras registra, trata-se de pinturas religiosas que retratam episódios bíblicos referentes ao nascimento e à morte de Cristo. Mas o que há de novo, de diferente nessas duas pinturas sacras? O que as diferenciam das demais cenas religiosas até então reproduzidas? Justamente a inclusão da representação do índio brasileiro nas artes.
Na adoração de Cristo, um dos três reis (Baltazar, que comumente é pintado como um negro) é representado na pintura de Grão Vasco por um índio Tupinambá. Quais elementos nos permitem fazer essa afirmação? A flecha, a cor da pele, os adornos (cocar, brincos, colar, pulseiras, tornozeleiras...). Vê-se, no entanto, que "suas vergonhas", como diziam os jesuítas da época, estão cobertas por vestimentas "europeias".
O índio, enquanto elemento novo na cultura europeia e nessas pinturas, é inserido, submetido, imposto (de forma catequética) em uma nova ordem, uma nova forma de ver e ler o mundo, sob os auspícios de uma nova vida religiosa, cristã. Assim, o profano (com a sua inocência, sua pureza e sua nudez) é substituído, ou melhor, inserido, forjado com adaptações no e pelo sagrado (civilizatório). Já em "calvário" o bom ladrão crucificado ao lado de Jesus é representado por um índio. Nessa (re)contextualização, podemos entrever que o índio brasileiro pode ter, graças ao cristianismo e à catequese, sua alma salva por um Jesus adorado pelos europeus, visto que ele, o ladrão, se apresenta como um misto de pecador arrependido, de inocência e de pureza.
Assim, pinturas como as de Grão Vasco registram a grande novidade da época: o descobrimento do novo mundo e de seus habitantes, os índios. A imagem do índio construída pelo olhar europeu é, como não poderia deixar de ser, um reflexo da forma missionária como ele se vê e como ele vê/lê o mundo novo que se lhe apresenta.
Fonte das Imagens: <http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=247578>
<http://www.matriznet.dgpc.pt/MatrizNet/Objectos/ObjectosConsultar.aspx?IdReg=207618>
Referências:
CHICANGANA-BAYONA, Yobenj Aucardo. Visões do Novo Mundo na pintura religiosa da Renascença. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742013000100013>
GOMBRICH, Ernst Hans. A história da arte. Tradução Cristina de Assis Serra. - Rio de Janeiro: LTC, 2013.
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