camilomorningstar
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its ricci
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camilomorningstar · 4 months ago
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camilo sorriu; um sorriso verdadeiramente caloroso. as bochechas, ainda que acostumadas, até reclamaram um pouco pelo esforço. o mais velho e encarou por alguns instantes, e talvez porque ele já fosse do tipo que não tinha medo de sustentar longos olhares, neslihan não notaria que ele a observava com certo encanto. como se visse um unicórnio em plena luz do dia — ou do luar, no caso. simplesmente porque ele não tinha dúvidas de que na manhã seguinte haveria em suas mãos a tal lista, e que ela supervisionaria cada item para garantir que a benfeitoria proposta fosse efetivada com sucesso. não era como se camilo ricci nunca houvesse conhecido pessoas boas antes, e não era estúpido a ponto de não reconhecer na mais nova diversos indicadores de falhas naturalmente humanas. na verdade, estava rodeado de tantas outras pessoas gentis e bondosas o suficiente que se fizesse notável, mas havia uma força na gökçe que ele não podia evitar admirar. muitos relacionavam gentileza à fraqueza, e inconscientemente reproduziam isso. não ela. neslihan parecia ter entendido que a bondade exigia potência, vigor. até mesmo uma certa rigidez. era quase como se ela fosse a personificação de tudo o que o ricci mesmo não era. todo aquele controle, força, altruísmo, seriedade. não achava que pudesse dar conta de uma vida como a dela, ainda que sequer estivesse disposto a tentar. de qualquer modo, achava sim que ela pecava pelo excesso, como se estivesse na extremidade oposta da régua em que camilo se encontrava. isso não mudava o fato de que ela era admirável. para aquele assunto, apenas assentiu. perguntou-se mentalmente se neslihan adicionaria mais alguns itens, para aproveitar a oportunidade. viu-se até mesmo ansioso pela lista que viria. provavelmente a primeira coisa que faria no dia seguinte seria abrir seu e-mail.
havendo nascido em berço de ouro, camilo não pudera exatamente aprender como realizar muitos trabalhos manuais no decorrer de sua vida. era uma negação na cozinha, por exemplo, e nunca havia levantado um dedo para limpar qualquer superfície da própria casa. “não precisa se esforçar tanto pra me imaginar assim, sabia? se pedir com jeitinho eu dou um jeito de me vestir como você preferir” era muito mais uma brincadeira do que uma provocação séria. o mais próximo que ela o veria daquela situação, porém, era cuidando dos animais na fazenda. levando feno aos cavalos, dando banho nos cachorros… tardou a se envolver com aquelas tarefas, recusando-se de início, mas passou a aprecia-las. se ela o queria ver suado e sem camisa, sujo de terra, era só aparecer enquanto ajudava com o reforço das cercas e abrigos, ou cuidava dos estábulos. verdade fosse dita, não eram as tarefas que ele fazia com maior frequência, mas acabava se vendo envolvido nas atividades muito mais do que qualquer um esperaria de camilo ricci. ele admitia que amava o caos: fiamma d’amore era prova disso. mas havia uma paz inigualável quando estava apenas ele e os animais, e toda a ingenuidade e pureza deles.
abriu a boca, quase atrevendo-se a corrigí-la: 'é uma forma do medo', ia dizer, mesmo que estivesse distante de considerá-la covarde. optou por não apontar aquilo. ele próprio tinha seus medos e não apreciaria passar uma noite com alguém cutucando cada um deles. além disso, entendia: era o medo que o motivava também. medo de que ele não tivesse nada a oferecer, e que não merecesse nada. por isso buscava tudo. não adiantaria confrontá-la naquele assunto, bem sabia. primeiro porque eram apenas especulações, e embora camilo fosse arrogante o suficiente para presumir que sabia ler nas entrelinhas de neslihan gökçe, não tinha como ter certeza da veracidade de suas interpretações. depois, porque se estivesse certo, ela jamais lhe daria abertura para falar sobre. camilo sabia que ele próprio não o faria. seus medos não eram assunto para ninguém além dele — e às vezes nem mesmo isso. os dela tampouco seriam diferentes. e se neslihan estivesse disposta a falar sobre seus receios e problemas, duvidava que fosse fazê-lo justamente com o homem que tanto odiava. “se você diz.” deu de ombros por fim, optando por não insistir. no final das contas, ele não era psicólogo de ninguém. e seria o último com qualquer moral para opinar no comportamento alheio.
lembrou-se das páginas do livro lido há uns dias atrás. não era um ávido consumidor de literatura, ainda que vez ou outra se interessasse o suficiente para ler. a brincadeira feita por mensagens sobre neslihan parecer com o personagem agora lhe vinha a mente, mas principalmente porque ele notava que era o contrário. não que fossem qualquer releitura moderna do clássico, e estavam absolutamente distantes disso, mas notava-se claramente quem era o orgulho e quem era o preconceito. enquanto camilo estava ali na inicial intenção de provar para si mesmo que poderia ter quem quisesse, neshilan já tinha suas opiniões sobre ele formadas antes do homem sequer abrir a boca. ela havia pintado para si uma imagem de camilo que tomara como verdade irrefutável. o homem arqueou um pouco as sobrancelhas, dando-se conta de uma coisa: a forma afetada e confusa que ela agia desde o início da noite agora parecia fazer mais sentido. camilo devia estar agindo consideravelmente diferente do que ela esperava. “eu tenho muitos defeitos, hani. mas eu costumo ser sincero. quer dizer, admito que eu tenho uma tendência a… exagerar.” admitiu. todo o show que fizera no palco do karaokê, por exemplo, era pautado em uma verdade devidamente dramatizada. ‘tem uma mulher aqui que roubou meu coração, eu não sei mais o que fazer, ela só pisa em mim’. talvez o ‘coração’ pudesse ser substituído por ‘atenção’, mas se considerasse que camilo fazia a maioria das coisas de sua vida com certa paixão e calor, não estava assim tão distante da verdade. “e não me entenda mal, eu poderia mentir muito bem, inclusive. mas geralmente prefiro não o fazer.” explicou, com tranquilidade na voz. “alguma hora você vai ver isso” afirmou.
movimentou a cabeça de um lado para o outro, sem precisar pensar muito na resposta sobre o incômodo físico do estilhaço de vidro. "na verdade, não. às vezes, quando estou muito estressado, eu até fico com a impressão de sentir uma pontada, mas geralmente é coisa da minha cabeça" pelo menos isso havia explicado o médico, há um tempo atrás. era meramente uma resposta psicossomática aos momentos mais sensibilizados de sua mente. o incômodo real não era causado pelo inocente pedaço de vidro, e sim pelas memórias e pela consequência do ocorrido. às vezes, sentia como se retirar aquele fragmento de seu corpo seria errado. como se ele merecesse ficar para sempre marcado de algum modo.
‘que bom que ela escolheu a pessoa certa para cruzar seu caminho'. a frase o fez franzir o cenho discretamente, pensativo. na ocasião, ele havia escutado um par de 'que sorte a deles!' e 'que bom que você estava lá', mas eram sempre comentários que mais diziam sobre as circunstâncias fora de seu controle, e não tanto sobre o homem em si. como se pudesse ser literalmente qualquer um naquela situação, e era apenas o acaso que garantira a segurança dos animais. a frase de neslihan o fez pensar pela primeira vez que talvez outra pessoa não os tivesse ajudado da mesma maneira. que, quem sabe, a cadelinha e seu filhote tiveram sorte não porque alguém apareceu, mas porque camilo apareceu. ele sorriu. não, não havia sido isso que a gökçe falara, ele tinha plena noção. mas aquela mísera fresta aberta na interpretação da frase alheia o fizera sentir no coração um orgulho genuíno que há muito não sentia. "os dois foram adotados um tempo depois por um jovem que se voluntariava na fazenda na época. às vezes ele aparece para nos visitar. da última vez que eu vi, ela estava bem velhinha, mas forte ainda." na época, muitos haviam demonstrado interesse em adotar o filhote, mas camilo fez questão de encontrar alguém que não os separasse. "aha! então você acha o meu sorriso bonito" comemorou, como quem finalizava um truque de mágica com sucesso.
optou por evitar traçar algum paralelo mentalmente da situação de ambos. poderia fazê-lo, remoer as memórias de sua infância, a ausência do pai e os terríveis aniversários, mas isso apenas amargaria a conversa para ele mesmo. seria melhor apenas focar no que neslihan contava. escutou com atenção, tentando imaginar a versão miniatura da mulher à sua frente, já tão cedo convicta de alguns princípios. "imagino que tenha sido bem traumático. ainda mais nessa idade" concordou, ele próprio tendo passado pelo seu maior trauma aos seis, também. embora um trauma muitíssimo diferente. "então você realmente é teimosa desde sempre. interessante" reconheceu, colocando alguma leveza no assunto denso, antes de levar mais um pedaço da entrada saborosa à boca. assim que a pergunta seguinte foi feita, os dizeres escaparam de sua boca sem nem mesmo um segundo de hesitação, antes que ele pudesse impedir a si mesmo. "fácil. meu pa-" mas a palavra ‘pai’ foi quase cortada ao meio pelo som do celular, que o arrancou da situação. na tela, o contato deixava claro que não poderia ser ignorado. "desculpa, um segundo." a conversa no aparelho foi breve, terminando com a afirmação de que ele logo estaria presente. "desculpe, hani, preciso ir. é meio que uma emergência” a indagação já era esperada veio, mas o tom lhe pegou de surpresa. 'sei bem que emergência é essa. ela tem um nome, não tem? candy? angel? não, já sei: charity’ ele riu alto, compreendendo a insinuação. justo, ele merecia. “na verdade, o nome dela é cinnamon. se tudo der certo, descobrimos hoje mesmo o nome do potro também” o olhar era calmo, esperando que ela reconhecesse o nome da égua prenha da fazenda. “prometo que na próxima eu compenso com um vinho ainda mais caro transformado em ainda mais doações, mas agora preciso ajudar com a situação lá na fazenda. posso pedir para o motorista te deixar em casa”
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