Tumgik
cclaudicante · 8 years
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LE NOM DES GENS (2010)
Filme do início desta década,  Le nom de gens é, reduzidamente, uma história de amor. Numa tela simpaticamente colorida, Artur Martin e Baya Benmahmoud narram as suas vidas ao espectador num tom ligeiro e muitas vezes sardónico, mesmo (e especialmente) quando abordando os segredos que os moldaram como indivíduos. 
Artur Martim vive assombrado pelo silêncio dos seus pais em relação aos avós maternos, um casal de judeus de origem grega que haviam morrido num campo de concentração durante a 2ª Guerra Mundial. Este pudor dos seus pais que Artur tanto detesta acaba por se instalar, hereditariamente, nele próprio, dando a este homem com um dos nomes mais comuns da França um passado familiar não tão comum. Baya Benmahmoud, meia-argelina mas de aparência completamente caucasiana, é uma fervorosa militante da extrema-esquerda, cujo activismo consiste em ter relações sexuais com os seus oponentes políticos, usando os seus infalíveis encantos para os converter. Por detrás de toda a sua efervescência e frontalidade irreverente está uma infância marcada pelo abuso sexual perpetrado pelo seu professor de piano. Confrontada com o dilema determinista de se tornar “pedófila” ou “puta” como resultado do seu trauma, Baya escolhe “puta”, e faz da sua promiscuidade um instrumento político. Tudo muda quando Baya conhece Artur: lenta e constrangidamente, descobrem o que é o amor, enfrentam os segredos de uma vida e aprendem a viver em paz com as suas identidades.
Mais do que uma história romântica, Le nom de gens é uma história sobre assimilação - seja ela política, cultural, religiosa, ect -, sobre como esta ocorre e as feridas que por vezes deixa. Sobre a inquietude que nasce do conforto e o conformismo que nasce da tragédia. Criando um filme com relevantes e poderosíssimos temas, Michel Leclerc embala-os, infelizmente, numa caixa de romance previsível, enfeitada com humor fácil e um irrealismo infantil. Não obstante, este é um filme que certamente mantém o espectador entretido, e apela à sua empatia com um típico final feliz.
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cclaudicante · 9 years
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1Q84
1Q84 é a mais recente triologia do autor japonês Haruki Murakami; a acção decorre, tal como na maioria das suas obras, durante os anos oitenta. Mais especificamente, em 1984 (surpresa!). Num mundo em que o sonho se mistura com a realidade e estes dois se misturam com a criação literária das próprias personagens, Murakami presenteia-nos com o habitual rol de personagens excêntricas e complexas que atentam navegar, com maior ou menor grau de proficiência, este universo surrealista em que brilham duas luas no céu.
A obra tem como protagonistas Tengo e Aomame, um professor de matemática/escritor e uma instrutora de fitness que, aos dez anos, partilharam um momento especial numa sala de aula, tendo-se separado pouco depois. Agora adultos, vêem-se envolvidos, através das respectivas profissões, nos obscuros assuntos da Vanguarda, uma seita religiosa à mercê dos desejos do misterioso “Povo Pequeno”. Nas sombras, e pronto a atacar, esconde-se Ushikawa, uma personagem transversal à obra de Murakami.
É apenas nos momentos finais do terceiro volume da triologia que o leitor verdadeiramente ganha consciência do quão bem arquitectada a narrativa de 1Q84 está. À medida que se progride na leitura, a nossa mente vai descobrindo camada após camada de intriga e ilusão, sendo a história final largamente diferente daquela com que se começou, no primeiro volume. Os conceitos do Bem e do Mal são constantemente postos em causa, quer através do enigmático “Povo Pequeno”, quer através do místico líder da Vanguarda, mas em especial através de Ushikawa, a versão defeituosa e maquiavélica de Sherlock Holmes.
1Q84 é, em muitos aspectos, uma estreia para Murakami: para além de ser a pimeira triologia que escreve, é também a primeira obra em que narra um amor épico, o qual, maravilha das maravilhas, logra ter um final concreto e feliz. No entanto, existem em 1Q84 elementos de continuidade em relação à restante obra de Murakami: o bem conhecido ritmo hipnótico da escrita, as descrições excessivamente sexualizadas das personagens femininas (revelando o omnipresente male gaze), e o característico esbatimento dos limites entre a realidade e a ficção.
É de destacar a personagem de Ushikawa, que considero ser um sucessor bem menos atraente de Mr. Ripley. Com a introdução dos capítulos de Ushikawa no terceiro volume, este revela-se, apesar de agora desmistificado, uma personagem extremamnte fascinante. A sua constante auto-identificação com um animal de caça é coerente não só com a sua intuição apurada, mas também com a sua incrível falta de dilemas existenciais (tendo em conta a sua profissão, e corrente situação miserável) ou complexos de auto-estima (apesar do seu asqueroso aspecto). No entanto, toda esta segurança e paz interior são destabilizadas quando Ushikawa é confrontado com o olhar penetrante de Fuka-Eri (jovem escritora, a quatro mãos, de uma obra com Tengo), sendo nele despertada a réstia de humanidade que ainda possuía.
Um aviso a todos os que se propuserem a entrar no universo de 1Q84: a lógica é útil apenas quando aplicada a posteriori, e mesmo assim, não particularmente.
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cclaudicante · 9 years
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Son of a gun (2014)
Julius Avery presenteou-nos o ano passado com uma deliciosa antítese: um filme de acção carregado de sentimentalismo. A trama violenta e de ritmo frenético deste filme escondem, nos seus interstícios, momentos de pura vulnerabilidade das personagens, em particular do nosso herói, JR (Brenton Thwaites).
Na tenra idade de dezanove anos, JR é condenado a seis meses de prisão por ter cometido um crime menor. Não obstante a curta estadia, consegue ver-se embrenhado numa teia de dívidas de lealdade de modo a assegurar a sua segurança pessoal; teia esta que, no momento da sua libertação, o conduz aos negócios marginais de Sam (Jacek Koman), e o obriga a ajudar os seus protectores a fugirem da prisão. Tudo está bem enquanto o deslumbre pelo mundo do crime dura; no entanto, a vida de JR complica-se quando se apaixona por Tasha (Alicia Vikander), a rapariga-troféu do patrão, à medida que os laços de lealdade que o uniam aos cúmplices se vão desintegrando um por um.
Son of a gun apresenta-nos um protagonista absolutamente revolucionário no seu género; JR é, verdade seja dita, um menino de sua idade, e incrivelmente ingénuo também. Por muitos casacos de cabedal que vista, será sempre um rapaz com um bom coração, que mesmo durante um assalto à mão armada tenta tranquilizar uma das pessoas sequestradas, dizendo-lhe “Take my hand”. O momento mais pivotal para compreender esta personagem é a cena de fuga após o assalto à mina de ouro, em que o bando é perseguido pela polícia: no meio de tiros, sirenes, e gritos, JR vislumbra, pela janela do carro, um grupo de crianças que brincam despreocupadamente num parque infantil, e fica hipnotizado - relembrando-nos que no seu âmago existe apenas um desejo pela normalidade, e não uma sede por riquezas ou adrenalina. Encontra, então, a sua alma gémea em Tasha, tendo também ela ficado sensibilizada por um grupo de meninas a saltarem à corda.
A certo ponto, Brendan (Ewan McGregor), o mentor e protector de JR, afirma que apenas existem duas raças de pessoas no mundo: as que descendem dos chimpazés, que lutam, e as que descendem dos babuínos, que encontram protecção (ou no mínimo conforto) nos laços afectivos que estabelecem com os outros. Remata este muy sólido facto científico com a revelação de que os descendentes dos babuínos estão em vias de extinção. Qual insurgência contra Darwin, este filme peca por conceder irrealisticamente a vitória final aos “lovers”, e não aos “fighters”, levando assim o sentimentalismo a um extremo incompatível com o que é o funcionamento do mundo real (ou, pelo menos, com a lei das probabilidades).
Irrealismos à parte, os momentos de inocência e vulnerabilidade emocional contrastam positivamente com o tom sombrio e angustiante da maioria das cenas, concedendo assim um sensato equilíbrio a um filme que, de outro modo, seria apenais mais um thriller violento com uma intriga demasiado linear.
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cclaudicante · 9 years
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‘71 (2014)
O realizador Yann Demange iniciou-se o ano passado no mundo do cinema com ‘71, um retrato cru e nu do conflito entre nacionalistas católicos e protestantes fiéis ao Reino Unido que se deu na Irlanda do Norte, no início dos anos setenta.
O protagonista, Gary Hook (Jack O’Connell), é um jovem soldado do exército britânico que é enviado para Belfast, juntamente com o seu regimento. Lá, os soldados são chamados a auxiliar as forças policiais numa rusga a armas de fogo num bairro de nacionalistas católicos. Os habitantes, enraivecidos, tentam ao máximo provocar os soldados, que nada podem fazer senão pedir à multidão que se afaste. Quando um audacioso rapaz logra roubar a arma de um soldado, Hook e um companheiro de armas perseguem-no, tentando recuperar a arma sem inflingir demasiada violência. Agravando-se cada vez mais a hostilidade dos habitantes, que começaram a mandar pedras, o exército retira-se, deixando para trás Hook e o companheiro, agora sendo espancados por nacionalistas particularmente violentos. Vendo o seu companheiro morrer com um tiro à queima-roupa, Hook liberta-se dos seus agressores e consegue fugir. Na obstinada demanda pela sobrevivência e regresso à sua base, o jovem soldado é confrontado com a brutalidade de uma guerra que deixa no seu rasto sangue de civis.
Se houve algo que se destacou neste filme, foi uma brilhante citação de Eamon (o nacionalista que decide ajudar Hook) sobre a guerra: “It’s posh cunts telling thick cunts to kill poor cunts”. Esta frase resume os principais temas do filme: a brutalidade da guerra, sim, mas também o quão despropositada e ignóbil esta é. Ao longo do filme, Hook vai ficando cada vez mais consciente de que não passa de um instrumento, de carne para canhão nas mãos dos mais poderosos. “It’s all a lie”, como diz Eamon.
‘71 é um filme de guerra que se distingue pela positiva dos restantes do seu género por não glorificar a violência, mas sim mostrá-a como o demónio que é, sempre pronto a despertar o que de pior há nas pessoas. Gostei especialmente da personagem que tinha por alcunha “Little man” (Corey McKinley), uma espécie de Gavroche dos tempos modernos. É também louvável o facto de Gregory Burke, o autor do guião, não ter caído na tentação de criar um romance clichê entre Hook e Brigid, a filha de Eamon. Pelo contrário, o amor que move Hook e o faz temer ainda mais a morte é o amor pelo seu irmão mais novo.
A banda sonora, composta por David Holmes, é óptima, não só por encaixar que nem uma luva na época retratada, como também por marcar distintamente os momentos mais dramáticos do filme, enaltecendo a crescente tensão.
Em suma, ‘71 é um bom filme, retratando sintetica mas competentemente um conjunto de acontecimentos que bastam, juntamente com um grupo de personagens reais e incrivelmente humanas, para compôr uma fiel visão daquilo que foi o turbulento início dos anos setenta na Irlanda do Norte.
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cclaudicante · 9 years
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Apesar de não dever, cada vez me surpreendo mais com o quão recôndita uma galeria de arte pode ser. A galeria Abysmo - essa então! - está quase que coberta por um encantamento que a oculta dos comuns mortais. Não obstante, ali se encontra, na porta número 40 da rua da horta sêca. Passei por lá hoje para ver uma exposição da ilustradora de livros infantis Catarina Sobral, exposição essa intitulada "Tentar outra vez. Falhar melhor." A exposição incluía esboços de obras suas, como "A casa que voou", assim como um conjunto de ilustrações a preto e branco de obras de escritores famosos. Apesar de recôndita, a galeria era ampla e luminosa, e de uma simplicidade decorativa que acentuava o protagonismo das obras expostas. Marcou-me, em particular, a técnica de Catarina Sobral, mas do que os seus temas. A originalidade do seu traço pode ser resumida numa frase que credito ao meu namorado, muito mais versado nesta matéria do que eu: "Os espaços têm perspetiva e tridimensionalidade, mas as figuras não.". Sem tridimensionalidade nem proporção anatómica, as personagens do imaginário de Catarina Sobral surgem como excêntricas e quase cómicas, perfeitas para as ilustrações de livros infantis.
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cclaudicante · 9 years
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Cold Souls (2009)
Sophie Barthes estreou-se no mundo das longas-metragens com Cold Souls, e que estreia essa foi! O retrato surrealista de um mundo quase huxleyano tem como protagonista Paul Giamatti, um melancólico actor interpretado por, bem, Paul Giamatti.
Sendo uma versão frustrada e deprimida do próprio actor, a personagem de Giamatii é levada, no auge do seu desespero, a contactar uma agência que extrai e conserva almas, garantindo, como resultado deste processo, o fim de todas as preocupações e dilemas existenciais. Agora sem alma, Giamatti descobre que perdeu o desejo sexual pela sua mulher, assim como toda e qualquer espécie de tacto em situações sociais. Cresce então no actor o desejo de recuperar a sua alma, mas depara-se com um problema: uma mula russa de almas, Nina (Dina Korzun), roubou a alma de Giamatti para satisfazer os caprichos da mulher do seu patrão, uma actriz sem talento que deseja possuir a alma de um actor americano famoso. Giamatti contacta Nina e esta, arrependida, acompanha-o na literal demanda pela sua alma.
O conceito-base deste filme, por si só, foi para mim absolutamente estupendo. Num mundo repleto de comodidades, em que o dinheiro compra quase tudo, Sophie Barthes leva o materialismo ao máximo, dando vida à res cogitans preconizada por Déscartes. Este inquietante universo põe em causa o nosso conceito de identidade, e ousa questionar se o processo evolutivo descartará, ou não, a emoção. É também, obviamente, uma pungente crítica ao ocidente capitalista, teorizando sobre os extremos a que este hipoteticamente chegaria.
Todo o filme, mas em especial as cenas passadas na clínica de “armazenamento de almas”, estabeleceram na minha mente um paralelo entre Cold Souls e o Admirável Mundo Novo, de Adolfus Huxley. Digo as cenas da clínica em particular porque nesse espaço, não só a própria arquitectura e decoração eram reminiscentes dos anos oitenta (década em que foi feita a mais famosa adaptação da obra de Huxley ao grande ecrã), mas também os planos e a qualidade da imagem pareciam ter regredido duas décadas. No guião não há, penso eu, qualquer falha a apontar; e tomo por bem destacar a prestação de Paul Giamatti, que retratou na perfeição uma versão alternativa de si próprio (cumprindo, assim, uma tarefa que presumo exigir uma subtileza diabólica).
Cold Souls surge, então, como os sonoros passos de entrada de Sophie Barthes no mundo do cinema (relativamente) mainstream.
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cclaudicante · 9 years
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Escondido atrás da Igreja da Achada encontra-se o Centro Mário Dionísio, num canto do solarengo Largo da Achada. Dirigi-me lá neste domingo para participar numa oficina de culinária intitulada “Esta cozinha não queima.” - tal como o nome indica, os pratos confeccionados nesta oficina careceram da utilização de um forno ou fogão, ou até qualquer tipo de instrumento que se ligasse à eletricidade. 
Num pátio abrigado do sol e com um ambiente comunitário e descontraído, fizeram-se dois pratos: primeiro, uns doces croquetes de noz (uma receita natalícia da Madeira), e depois, um guacamole acompanhado de cenouras e pepino. Finda a confecção, petiscámos, debatendo assuntos correntes. Às cinco e meia parti, levando comigo um dos ditos croquetes que não tem, até ao momento, algum possível dono, visto que o meu extremismo anti-açúcar me impede de o saborear. Aceitam-se candidatos.
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cclaudicante · 9 years
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Marchando nervosa e apressadamente pela rua de São Bento abaixo, foi com alívio que avistei o pequeno e tosco edifício da galeria Zaratan. A entrada, desabitada. Dirigi-me então, cegamente, ao primeiro corredor que vi, na esperança de encontrar a exposição Zonas de habitabilidade, de Aude Barrio e Barbara Meuli. Após atravessar um pequeno pátrio interior e trocar meia dúzia de palavras com um descontraído grupo de pessoas que eu presumi serem os responsáveis pela galeria, encontrei finalmente a dita exposição. Estava aberta ao público, apesar de faltar menos de uma hora para a altura em que deixaria de estar exposta. As minhas largas passadas pela calçada lisboeta abaixo tinham sido recompensadas.
Antes de ter dedicado a minha atenção à obra em si, não pude deixar de refletir sobre o quão impróprio o espaço era para uma galeria. As pequeníssimas dimensões de cada divisão, ao invés de transmitirem uma aura de intimidade e permitirem uma melhor imersão do público na atmosfera criada pelas obras expostas, criavam, pelo contrário, uma incómoda sensação de claustrofobia. As marcas do tempo nas paredes e no tecto não davam ao espaço um aspecto vintage ou patusco; apenas despertavam a preocupação de um possível desmoronamento.
A exposição em si distribuía-se por três divisões diferentes. Das três, apenas irei destacar uma, visto que as restantes pouco ou nada em mim evocaram, à excepção de sentimentos de confusão, desapontamento e talvez até, sendo eu uma leiga na matéria, inadequabilidade. Não obstante, a segunda divisão agradou-me, apesar de eu não ter de maneira alguma sido capaz de relacionar a instalação com o título da exposição. Nesta divisão estavam pendurados por fios numerosos objectos, que todos juntos criavam a imagem de uma "refeição" (se é que isso se lhe pode chamar, tendo em conta que a "refeição" consistia em café, vinho e cigarros). Esta refeição encontrava-se literalmente suspensa no tempo e no espaço, sendo que essa suspensão reflectia, na minha opinião, a interrupção de um padrão, de uma rotina. A normalidade virada das pernas para o ar.
Tendo percorrido todas as divisões da galeria, parti, resmungando baixinho. Não se pode acertar sempre.
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cclaudicante · 9 years
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Dança, Dança, Dança
Não obstante ser a sequela de Em busca do carneiro selvagem, Dança, Dança, Dança lê-se bem como “stand alone novel”. Este romance de Haruki Murakami conta a história de um protagonista sem nome, que se sustenta fazendo aquilo que descreve como ser um “limpa-neve cultural”. Perseguido há meses por sonhos de uma mulher que chora por ele num hotel que havia previamente visitado com a sua amante da altura, Kiki, o limpa-neves decide pôr a questão a limpo e visitar o malfadado “Hotel Golfinho”. Esta visita desencadeia uma sequência de acontecimentos insólitos que culminam, com o tempo, no encontro de um novo equilíbrio e paz interior. Pelo caminho vem, naturalmente, uma porção de personagens excêntricas ao bom estilo deste bem-sucedido escritor japonês.
Dança, Dança, Dança é, em relação às restantes obras de Murakami, uma excepção: o ritmo hipnotizante do costume, que embeleza as tarefas mais banais e nos leva embalados pela narrativa fora, não se encontra neste singular romance. Admito, no entanto, a possibilidade desta ausência de um ritmo captivante se dever ao facto da personagem principal me ter parecido bastante desagradável e presunçosa. Imagino que, no início dos anos oitenta, os discursos sobre os malefícios do neo-liberalismo tenham sido bastante revolucionários, mas hoje em dia não passam de um clichê. No entanto, e especialmente tendo em conta que estava à espera de uma história semelhante à de A crónica do pássaro de corda, apreciei neste livro a relativa linearidade da narrativa e o facto de todos os acontecimentos culminarem em algo de minimamente concreto. Suponho que não se pode ter tudo.
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cclaudicante · 9 years
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Loin des hommes (2015)
O mais recente filme de David Oelhoffen retrata uma Argélia que, mal tendo ainda recuperado da sua última guerra, vê borbulharem no seu seio indícios de um novo conflito. Tendo por base o conto O hóspede de Albert Camus, Loin des hommes incide o seu foco sobre o encontro de dois argélios: um, professor do ensino primário, e de origem andaluza; o outro, um simples pastor de origem árabe, acusado de assassinar o seu primo. Encarregue de levar o Mohamed a Tinguit, onde será julgado e inevitavelmente executado, o andaluz Daru batalha a sua consciência num impasse em como agir.
Evidenciando desde já as impecáveis prestações de Viggo Mortensen e Reda Kateb, é também de destacar a singular perícia de Oelhoffen em transportar a profundidade do sintético conto camusiano para o grande ecrã. Oelhoffen cria peripécias nunca verificadas na obra original, mas que provocam nas personagens principais reações perfeitamente credíveis e compatíveis com o cânone. No fim do filme, quando a tomada de uma decisão se torna imperativa, o árabe faz a escolha oposta àquela feita no conto; no entanto, de modo algum isto afasta o filme daquilo que é a narrativa original, pois precisamente devido ao árabe não ter escolhido a abnegação, um sacrifício tem de ser feito por outrem. As narrativas coincidem uma vez mais.
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