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catherine de moraes
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cdemor · 2 years ago
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Naftalina
Quando eu tinha dois anos, engoli uma naftalina. Essa, quase sempre é minha história quebra gelo e normalmente vai assim: “Oi, meu nome é Catherine, tenho vinte e dois anos, e quando eu tinha dois, engoli uma naftalina” o que sempre me rende mais tarde, o momento em que respondem “Ah, então é por isso que você é assim”. Então, novamente, eu e minha mãe estávamos visitando amigos durante o período de separação dela e enquanto eles conversavam do lado de fora, a criança boba achou uma “balinha” no chão e engoliu sem pensar duas vezes. Por sorte, um dos amigos viu o momento, me levantou do chão já gritando para minha mãe chamar uma ambulância porque eu tinha que ir para o hospital imediatamente. Chegando lá, em meio a gritos informando o que me ocorreu, fui encaminhada para emergência onde enfiaram um cano pela minha garganta e lavaram o meu estômago.
Nos anos seguintes eu contaria essa história da qual não tenho nenhuma memória, rindo, enquanto lembro do rosto sério de minha mãe quando me contou sobre, ela, que seguiria me recebendo de outros braços pronta para lavar o veneno do meu estômago.
Quando penso em porque conto essa história, penso em como é impossível falar de mim mesma sem falar de minha mãe e como ela raramente fala de mim para falar dela mesma. Como minha vida inteira eu fui a filha dela, sempre tentando fugir disso eu me tornei de outras pessoas Eu tentei ser filha do meu pai, eu fui namorada sete vezes seguidas, eu fui ficante diversas vezes, eu raramente era amiga mas no final de todas as semanas das quais às vezes eu passava dias sem aparecer em casa, eu sempre voltava a ser a filha dela, cheia de veneno, chorando para que ela lavasse meu estômago.
Eu li uma vez uma citação que dizia “O desejo de estar doente, de provar que você está doente, é o próprio indicativo da doença. Uma pessoa saudável não deseja adoecer." e fui lembrada de todas vezes durante a minha infância que eu sorria com febre porque sabia que seria cuidada, que chorava alto na esperança de que o namorado do momento fosse olhar pra mim, que gritava por socorro sem saber que o doce era veneno. Será que eu não sabia? Será que aquela pequena Catherine, livre de traumas e problemas, já ansiava tanto por afeto que bebeu veneno por conta própria na esperança de atenção?
Os anos passaram e eu continuei bebendo, conscientemente apodrecendo e agora cada vez que eu conto essa história eu me pergunto como o gosto pode ter se tornado tão fraco que continuo bebendo, procurando essa cura, esse anseio, em lugares onde só encontro doença e como me curar se sempre que tento ser algo além de filha, eu acabo de volta na cama de minha mãe. Talvez a pior reação que já tive a essa história foi a mais sincera, um ex namorado que em meio a uma frase disse “...mas faz sentido, já que tu é uma pessoa triste." E eu simplesmente não soube, e não sei, reagir a isso. É uma frase que me assombra e define, como o cheiro de naftalina e o anseio de ser alguém que reconhece o gosto do veneno para cuspi-lo, e ser alguém completamente de mim mesma.
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