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Nada Programado
A gente acha que sabe tudo. O jeito que a pessoa tira a roupa antes do banho, a forma que o remédio desce quando você tá nervosa e a conversa fluída com a psicóloga pelo WhatsApp. Sinto lhe dizer, mas é tudo enganação e umas ideias bagunçadas que a sua mente te faz acreditar. Calma. Não estou dizendo que você é louca.
Aí você toma o remédio no horário certinho e toma a mesma quantidade de água de todo dia só que dessa vez você engasga de leve e precisa quase que virar um balde de água para descer o negócio. Ok, desceu e vai fazer efeito. Santo Dr. Vitor que entendeu que você tem problemas para dormir desde, sei lá, 8 anos. Essa idade já conta como problema para dormir¿ Ele disse que sim. E gostaria de aproveitar para dizer que em 1996 não tinha nada para fazer de madrugada. Então eu pegava o meu diário com cadeado e escrevia como havia sido o dia e como estava sendo mais uma madrugada. Com o tempo eu aprendi a gostar do silêncio da casa e cada vez aquele momentinho era especial: eu, o diário com perfume infantil e minhas ideias de criança de oito anos. Eu me imaginava adulta sendo escritora e com uma mobília de couro no meu apartamento na Paulista. Ah, sim. É importante também dizer sobre a conversa que você achou que teria com a psicóloga e que acabou sendo quase um término de relacionamento porque você adorava aquela coisinha de 24 anos e quando digo “coisinha”, por favor, entenda que não é uma forma de diminuir, mas de dizer o tamanho do carinho que tenho por ela e o quanto ela cabia dentro do meu coração.
E aí nosso relacionamento acabou, e eu entendo. Estamos vivendo uma pandemia e nem vou entrar em detalhes sobre isso agora porque já existem muitas crônicas e livros sobre isso agora e minha intenção não é falar sobre isso hoje. É dizer que ela precisou trabalhar em hospital e eu entendo, não tinha como atender pessoas enfermas desse vírus num hospital e ao mesmo tempo pacientes com ansiedades ou o que quer que fossem em uma clínica. Enfim, meu relacionamento com essa coisinha linda que sempre estará no meu coração acabou. Mas a ironia é que acabou na mesma semana em que eu terminei meu casamento e me dei conta de que não sabemos nada. Nem a forma de tirar a roupa que a pessoa parece ter cotidianamente, nem a quantidade certa para o remédio descer, nem as frases combinadas com a psicóloga. Coisas acabam e a gente acha que sabe como agir, mas só o que sabemos fazer nesses momentos é um café forte e tomar encostada no batente da porta pensando consigo: a vida é mesmo uma fotografia que a gente emoldura, mas depois fica amarelada.
_ Por Gabriele Marques
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Separação
Quando separamos dois cômodos, duas pessoas ficam em cada espaço, como se dissessem: aqui você não entra, aqui é somente o meu lugar. E eu sempre vi essas histórias acreditando que separações podem ser mais fáceis, basta negociar – como se fosse possível – negociar um sentimento. Da primeira vez vi meus pais se separando sem negociação – apenas os móveis e bens que hoje simplesmente parecem tão idiotas. Mas, bem, aconteceu mesmo assim. Agora falando de mim, acho que senti que acabaria um dia, lá pelo mês de junho. Ele, analítico e tão racional deve ter percebido o mesmo. E é ridículo porque quando você percebe que é inevitável, você pensa sim em coisas que depois se tornam supérfluas, tipo a panela elétrica e o jogo de jantar. Mas, no meio das brigas e do choro soluçado, alguém que não me lembro me perguntou: até quando¿ Depois das caixas cheias com minhas coisas, postas no carreto e em seguida na casa do meu pai, eu me senti uma mulher malvada. Afinal, levei a panela elétrica e o jogo de jantar. E minhas duas amigas dizem (sim, são poucas, sou meio introspectiva): - Imagina, Gabi. Você não fez nada demais! Afinal, foi sua avó que presenteou e o que raios ele iria fazer com canequinhas cor de rosa¿ Realmente, isso faz sentido. E é uma cor de rosa tão linda, meio “rosa antigo”. Mas enfim, voltando ao ponto. Concordei com elas.
Mas ainda assim me senti meio aqueles tipos de ex-mulher malvadas, sabe¿ “mulher malvada, daquelas que deixa o marido sem nada e vira exemplo na mesa de bar. “Você viu a fulana¿ Tirou tudo do sujeito. ” Só que se eu estivesse presente na conversa responderia: Tirei o que¿ Nós nem casamos. Nem houve divisão e essas coisas que ele entende mais do que eu porque é advogado.
O amor acaba, mas ficam as panelas. E todo adulto deveria saber disso.
Ele não quis casar. Como ele me dizia: nada é para sempre. E de fato essa relação não foi. Mas bebo café nas canequinhas cor de rosa todo dia.
Por Gabriele Marques
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Não ia mais dormir sozinha, quer dizer, sozinha ao lado de outra coisa. Não tinha receio caso um dia ele quisesse ter uma arma e atirasse para testar o gatilho, só de brincadeira.
Sentiu certo alívio com o silêncio no quarto e os planos que faria consigo mesmo. Respirou sobre o conforto das cobertas e soube que não estava indo dormir sozinha, estava indo dormir consigo mesmo. E ela era sua melhor amiga. ❤️✨

Yumikrum, Skeleton Knit, 2016
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Obs.: este não é para ser um texto bonitinho, apenas real.
O café coado enquanto a louça é lavada; as roupas balançando no varal, a gata pedindo colo. Tudo isso aconteceria em uma manhã de sábado, sem pretensão, sem o cardápio do almoço pronto, sem o filme para cogitar ver a tarde.
Mas a vida, como é, às vezes funciona como bala de festim. Nem me venha falar de arma de fogo, sou da paz e gosto de beijinho.
Mas ok, voltemos à manhã que parecia fresca como o ar entrando pela casa, e acabou comigo descendo uma rua escura com duas malas. Veja bem, minha intenção não é culpar ninguém. Aliás, culpa ficou lá atrás, quando os católicos tinham vez. Mas aqui, agora, neste sábado frágil e só mesmo tempo forte, escrevo sobre a dor de caminhar rumo ao desconhecido, enquanto o já conhecido ficou atrás do portão com as roupas, o café e a gata pedindo colo.
Repito, não me coloco nessa posição clichê de vítima. Também não tenho como intenção acusar ou magoar ninguém. Como disse sou paz. E prefiro cantar Fleetwood Mac que perder tempo causando atrito. Por isso mesmo desci a rua.
Só tô dizendo com a humildade que me cabe, que doeu e que dói.
E, no final do sábado, depois de todo o café, varal, miado, briga, rua escura, metrô e meu chá antes de dormir no sofá, penso comigo: Às vezes a gente precisa se olhar de fora para se reconhecer por dentro.
-
Gabriele Marques

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Silêncio, não chore
Entrelace os dedos
Respire o calor que fica
Debaixo no edredom.
Só você e o barulho da chuva
De lá de fora.
Aquieta, respira de boca aberta
Dorme
Sonhe que é possível
caminhar sobre pastos
E sentir o aroma da flor
Perto da meia noite.
Você não quer briga
Ou choro
Você quer fingir silêncio
Aquietar o coração acelerado
Você está só.
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Toda mulher já foi "aquela ex doida", a "amiga invejosa" ou a "vadia egoísta".
Fomos criadas para pensar em primeiro lugar nos outros, para cuidar de qualquer um que aparecesse perdido e para juntar os caquinhos de homens quebrados.
Ensinadas à amar com zelo e não com paixão. A ouvir e pouco falar. Crescemos sabendo que uma mulher que muito fala não faz falta e ainda apurrinha os homens e suas ocupações.
Tentaram a todo custo nos dizer que devemos ser fortes, mas não mais que os homens e que devemos aceitar sempre a fragilidade como forma de se submeter.
Por isso, a maneira mais urgente de ajudar uma mulher é incentivá-la a pensar em si e a juntar os pedaços que dela foram retirados.
- Gabriele Marques
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The Prado Museum, Madrid, Spain, photo by jhdelassalas
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O PESO DO CASULO
Se eu já tivesse as asas coloridas de uma borboleta sobrevoaria flores, contornaria caules e olharia lá de cima as formiguinhas no jardim. Se eu já pudesse voar, nesta tarde, conheceria outros insetos, ouviria a cigarra e beijaria um beija-flor. Mas, veja, eu ainda não posso voar. Mantenho meu corpo de lagarta ansiosa dentro do casulo e daqui de dentro imagino um céu azul e quase consigo sentir o aroma de uma macieira. Se parar para pensar um instante, talvez meu casulo esteja no tronco de uma árvore antiga, próximo de crianças e debaixo de um céu estrelado. Não sei, talvez eu já esteja muito próxima do vôo. E voar deve ser mesmo libertador, até porque eu teria apenas meu corpinho fino e cintilante passeando entre as nuvens e pousando delicadamente em roseiras e dedos de moças bonitas. Não haveria um casulo cor de castanha e razoavelmente pesado onde guardei meus momentos de metamorfose. Seria pela primeira vez apenas uma linda borboleta decorando quintais e posando para as fotografias das crianças. E por ser apenas eu seria leve e fluída, ágil e suave, rodopiando no azul e no cor de rosa. Não haveria o peso do casulo a perturbar outros insetos, não seria vista com estranheza por joaninhas e gaivotas. Seria apenas eu, uma borboleta leve fora do casulo. _ Gabriele Marques
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O cheiro da infância
Lápis de cor e giz de cera
Mesinhas coloridas
Suco de laranja no recreio
Queria poder voltar
E começar de novo
Queria ter sabido o que sei agora
Na noite de uma segunda-feira
Em que não existem grades
Mas me sinto presa.
Queria a cor, o lápis, o giz, a laranja
Mas tenho um silêncio espancando o meu peito.
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Nervos de Chiclete
Prazer, eu tenho nervos de chiclete. Tudo estica e encolhe feito mola colorida de criança brincar. Boa tarde, eu digo, quando abrem a porta e eu estou aqui, parada, morna, pensativa, cansada. Tudo bem, me perguntam, enquanto eu olho para os meus pés e para o céu cinza de inverno. São nesses instantes que eu sei que os meus nervos são de chiclete e nenhum livro, disco, poema, chocolate quente ou frase bonita podem apaziguar.
Quando as folhas são encontradas já secas e o ar seco arranha as narinas, eu me encolho feito uma lagarta em seu casulo. Até gosto da sensação de dormir aquecida sob a proteção de uma envolvente natureza que só me acorda quando já é hora de voar. O problema é que noutro dia, quando o céu estiver alaranjado e queimar com apenas 25º, eu vou desejar também ouvir miudinha aquele disco da Clarice Falcão.
Nesse caso, não preciso dizer que me enrolar num abraço apertado é pílula que equilibra a mente e o caos. E também assim poderei responder que eu sou uma mulher com nervos de chiclete e ombros doloridos.
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