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Réquiem à linguagem
Senhora, filha dos Celtas; do Lácio, das dores.
Labores parnasos de pena e cinzel.
Impiedosos, deixaram escorrer em tuas cores
O cinza obscuro evocado do fel.
As fúrias de Hades em ébrio se apinham.
A megera da língua enfim renasceu.
Moribundas normas de ti se aproximam.
Líber est verbum. Ou não, Filisteu?
Impotente serás em comum dialeto
E dos brados sensíveis virá o seu fim.
Só a loucura encobre a linguagem, decerto
Um ourives em frase blasfema assim:
A ideia envenena o sufixo discreto,
Desgastando a rima de ouro e rubim.
Rafael Rodrigo
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Poemas e confissões
Soneto l
Oh! morena dos ardentes beijos
Que me trouxeram sonhos concretos
Não enxergam os olhos incertos
Enganados de simples desejos.
Oh! pequena estrela brilhante
Escondida em solo sagrado
Se tu sonhas um sonho acordado
Me condena a ser seu amante.
Não plantemos às margens dos rios
Os narcisos que exalam o perfume
Embriaga o vício do brio
Quem à casa trouxe azedume.
Corpos quentes mascaram o frio
Onde o eterno amor se reúne.
Rafael Rodrigo
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A última nota
Hélio chegara em casa cansado e foi direto ao banho. O olhar desconfiado de Meire denunciava resquícios da discussão que tiveram no dia anterior. Ela não deu muita atenção e continuou cortando com dificuldade o músculo que preparava para o jantar. A televisão ligada no volume mais alto a impedia de ouvir o som do chuveiro, o que também não a fez escutar seu marido resmungando sobre algo ao chegar. Não importava, era o último capítulo da novela e ela tinha que descobrir quem matou a personagem que levou uma facada pelas costas lá no segundo capítulo da trama. Por vezes se desconcentrou da TV tentando cortar a carne com a única faca de casa que o marido tomou emprestado do vizinho para fazer um churrasco de acém. Hélio não comprou uma nova, tampouco se preocupou em devolver, nem queria amolar para que não se gastasse.
O casal não tinha um relacionamento convencional e os vizinhos rotineiramente pediam para que o camburão intervisse antes que acontecesse algo. Apesar dos conflitos, ambos terminavam se entendendo, já que as discussões eram apenas verbais. Hélio tentava amenizar a situação em meio aos insultos que Meire direcionava aos guardas e a plateia, que assistiam das janelas de suas casas. Dizia que nunca bateria em sua esposa e logo ela se acalmaria. O policial colocou a mão no ombro de Hélio e complacente foi atender outro chamado. Revoltados, os vizinhos se voltaram ao que faziam de cenhos franzidos e com a mesma sensação de decepção das outras vezes. Um mais exaltado assustou o PM com a batida brusca que deu no portão de ferro.
Após o banho, Hélio saiu do banheiro e foi direto ao lado da cômoda onde costumava deixar seu violão Tonante com cordas de nylon. Lembrou que tinha comprado uma revista de cifras e não havia sequer folheado aquelas páginas. Gostou das três primeiras músicas, mas odiou as outras, pois as notas eram muito complicadas. Tocou um acorde clichê que todos do seu antigo grupo de acampamento pedia para ele tocar. Esboçou timidamente cantar junto, mas se engasgou com a própria saliva. Desistiu.
Quando era mais jovem costumava ser acompanhado pelo coral semi-desafinado, embora ritmado, dos seus amigos de viagem. Deixava sempre para tocar quando todos estivessem embriagados para que pudesse disfarçar os desvios dissonantes das suas palhetadas. A tática funcionara até o dia em que Meire foi convidada para acampar com eles.
Desde o dia em que se conheceram, Hélio trazia consigo as marcas guardadas daquele acampamento, – foi picado ferozmente no corpo todo por infinitas espécies de inseto que vivia naquela região, deixando suas costas e pernas tingidas de um rubro nojento – era a aventura que trazia suas maiores lembranças. Nesse dia, tinha bebido um garrafão de sangue de boi e se esqueceu de fechar a barraca antes de desmaiar de sono. Durante a madrugada, Meire escutou alguém roncando forte e foi investigar quem não a deixava dormir. Encontrou-o com metade do corpo fora da barraca, com os dedos dos pés enterrados na terra fofa e com a cabeça deitada em cima de um pacote de miojo de carne meio aberto. Sem muito esforço, a corpulenta levantou as duas pernas do moribundo e as jogou para dentro da barraca. Ao sair ouviu um resmungo agudo e, logo em seguida, o ronco voltou mais alto que antes. Acendeu um cigarro amassado que pegou escondido do seu pai e aproveitou o fósforo para queimar um incenso de almíscar. Torceu para pegar logo no sono porque começava a cair pingos de chuva e sua barraca tinha vários furos remendados com fita crepe.
Na manhã seguinte, seu humor resumia como fora a madrugada passada. Ainda ouvia o grupo de maconheiros que passaram a noite toda falando de túnel do tempo e sobre uma cidade em Minas Gerais que transmitia um sentimento transcendental metafísico atemporal. Sentiu um forte cheiro de macarrão instantâneo com sardinha que vinha do lado de fora da barraca de Hélio. Olhou-o com reprovação e ele com as costas vermelhas de picadas continuou indiferente mexendo a gororoba com uma vareta de árvore. Ela insinuou uma indireta sobre a noite anterior a qual ele não conseguiu entender muito bem. Ofereceu, a contragosto, achando que ela tinha pedido um pouco do seu cozido. Meire virou os olhos e foi escovar os dentes na beira da cachoeira.
No fim daquela tarde, todos que estavam no acampamento já estavam bêbados e Hélio sentiu que era o momento oportuno para buscar seu violão. Sentou-se em volta da fogueira e exigiu atenção para demonstrar suas virtudes musicais. Tocou a clássica que todos sempre pediam, mas no intervalo de um gole na garrafa de coquetel doce para a segunda música ouviu-se um pedido de uma jovem. O violeiro, assustado, disfarçou e disse que aquela não estava no repertório dele. Provocativa, Meire pediu aos amigos que insistissem, já que aquela música era o hit do ano. Todos concordaram uníssono. Hélio ficou irritado e decidiu que não tocaria mais nenhuma música até o dia de irem embora. Uns continuaram conversando sobre drogas e misturas alcoólicas, enquanto outros, ignorando a vaidade de Hélio, formaram casais e se dispersaram pela mata.
Durante os dias de acampamento Hélio e Meire discutiram bastante, até que numa outra noite de bebedeira ela o beijou confundindo com outro rapaz que paquerava durante a fogueira. No começo, ele até pensou em revelar quem era para sair daquela situação constrangedora, mas ela estava extremamente fora de si. Envergonhado, ficou a maior parte do tempo limpando a saliva quente que ela insistia em deixar em seu pescoço e orelhas. Parecia indiferente à situação de abuso, embora desse-lhe um certo prazer a sensação de vingança após o constrangimento musical daquela outra noite. Com muito esforço ele a carregou pela trilha em meio aos intermináveis beijos encharcados de bílis e tropeções. Dormiram apertados na barraca dele. Às vezes, durante os roncos se escutava o som de uma corda avulsa do violão no movimento de uma perna que se esticava ou uma cabeçada nas tarraxas desafinadas do Tonante.
O relacionamento demorou a engrenar porque Meire não assumia tê-lo seduzido, o que era motivo para ele provocar sempre que houvesse oportunidade. Também dizia que o safado a embebedara para se vingar da situação ridícula passada na fogueira. A troca de acusações eram constantes e isso não fazia sentido aos amigos, porque eles já estavam juntos há cinco anos e sempre relembravam tal situação para denegrir um ao outro. Eram os únicos daquela turma que se casaram e ninguém entendeu como isso acontecera.
Meire sentiu o forte cheiro da loção pós barba se impregnando na casa, e só assim percebeu que Hélio saíra do chuveiro e estava sentado no sofá tocando violão. Sarcástica, perguntou a ele se aprenderia a tocar antes que o ensopado de músculo ficasse pronto. A faca insistia em não cortar o último pedaço da peça de carne. A panela de pressão já fumegava o óleo com o alho e a cebola inteira cortava o ar trazendo lágrimas involuntárias. Tudo se misturava ao cheiro do vapor de banho. Concentrada no fazer culinário e atenta ao diálogo ultra dramático vindo da telenovela, Meire sentiu uma forte pancada na cabeça simultâneo a um acorde de mi menor vibrante. Atordoada, tentou se levantar, porém caiu mais uma vez ao som, sem dó, de madeira e crânio se estilhaçando pelo chão.
Hélio pegou o pedaço de músculo, colocou na panela, acrescentou uma taça de vinho de Bordeaux e fechou para dar pressão. Completou sua taça com o tinto até quase derramar. Escorregou levemente no chão enquanto ia onipresente em direção à TV. Colocou um pedaço de palha de aço na antena e sintonizou calmamente um canal de vídeo clipes. Tocava She loves you, dos Beatles.
Acordou com um forte aroma de carne cozida e a camiseta de sua banda preferida manchada de vermelho. Foi até o fogão e fechou o registro de gás. Voltou ao sofá e pensou seriamente que já estava mais do que na hora de fazer aulas de música.
Rafael Rodrigo
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Música autoral que já avisava como seremos vigiados sem nos darmos conta.
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Posso falar?
Por: Rafael Rodrigo
AVISO! Pode conter ironia.
Nesse momento não tenho a mínima ideia como começo esse texto. Sim, eu sei que já comecei, mas essa linha é instintiva e estrutural. O que quero dizer é que não sei por onde começar a discursar as ideias que tenho aflorando na cabeça porque tem alguma coisa me dizendo para não as escrever. Estou consciente da enxurrada de pessoas que não entenderão 50% do que estou expressando, e mesmo assim apontarão meus erros, na esperança que o meu discurso entre em acordo com os deles. Certamente, alguns entenderão o que eu disse, mas serão contra, porque já está no subconsciente deles toda a minha personalidade, afinal alguns adjetivos dirigidos a mim mesmo podem ter conotação de privilégios. Também sei que muitos pensarão: “cara eu penso a mesma coisa, me identifico com isso”. E grande parte está cagando para esses assuntos porque já desistiram do seu papel político-social.
Agora vamos lá! atentem-se aos adjetivos, pois é com base neles que serei julgado.
Sou um homem branco. Heterossexual daqueles que gostam só de xoxota. Sou paulista e corintiano. Sou onívoro. Já sente o que está por vir? Aposto que muitos já pensaram algumas palavras com sufixo “ista”. Também sou roqueiro e barbudo. Acho que já é o suficiente. A descrição ajuda as pessoas a criarem uma perspectiva e uma imagem em relação às coisas.
Isso posto, sobre o que eu vou falar afinal não explicitarei, pois após sua publicação cabe ao leitor se esforçar para reconhecer suas nuances argumentativas e quiçá filosóficas.
Por que sou branco?
1º opção: porque meus pais por algum motivo se apaixonaram e por razões genéticas eles também são claros e tiveram a decisão de me fabricarem;
2º opção: sou branco porque sou exemplo da adaptação genética que meus ancestrais me passaram devido às mudanças hostis do ambiente em que eles viviam;
3º opção: na verdade não sou branco, pois o mundo que enxergamos não existe cor. É tudo criação do nosso cérebro para poder distinguir o que é o quê;
4º opção: nasci branco, mas isso é uma maneira maquiavélica que decidi antes de nascer para inferiorizar as outras cores do arco-íris;
5º opção: se eu soubesse nasceria opaco.
Por que sou heterossexual?
1º opção: porque bundas quadradas com furos de espinhas e pelos não me atraem;
2º opção: na verdade estou na dúvida se posso considerar homem quem nasce com pênis ou se o pênis não define sua masculinidade..., mas ainda tenho o meu;
3º opção: sou heterossexual porque a sociedade me impôs desde a infância. E meu pai falava que preferia ter um filho ladrão a um filho viado;
4º opção: porque desde a infância sentia que o perfume, o toque, as curvas, as expressões, a inteligência desses seres sem saco seria o motivo pra eu deixar de lado aqueles outros que não gostam de tomar banho, retos feitos uma tábua, cujas expressões se limitavam a “arrombado, bora jogar e bora beber;
Por que sou paulista e corintiano? Roqueiro e barbudo?
Quanto ao paulista a resposta é óbvia. Agora ser corintiano é pela tendência criminosa...brincadeira...isso não se explica. Inclui o roqueiro barbudo para dar um ar machista e para provocar dizendo que sou roqueiro e não sou de esquerda.
Por que diabos dizer que sou onívoro?
Já pensei em respostas politicamente corretas mas a única coisa que me vem à cabeça é porque gosto pra caralho de carne, não me preocupo com a vida de um ser que não criei vínculo afetivo, isso serve para alguns humanos também, e entendo que na natureza tudo deve servir a algum propósito. Para alguns animais, o propósito deles é ir para uma panela ou churrasqueira. Afinal, se não nos alimentarmos como teremos força para matarmos uns aos outros?
Após essa longa introdução explicativa e definidora, talvez, do meu caráter, fica mais fácil para se entender a receptividade do assunto a ser discutido.
Reconhecer a incapacidade da sociedade moderna em interpretar um texto é o primeiro indício do quão está ficando difícil se expressar. A literatura expõe a realidade através da visão subjetiva em sua amplitude coletiva, e só poderia ser criticada observando o contexto a qual ela foi escrita. Infelizmente, não é isso que vemos hoje em dia. Não há literatura porque não há subjetividade. Estamos rumando para um mundo profundamente sensível as causas politicamente corretas, e que desconsidera quaisquer pensamentos que não siga a cartilha que nos são impostas. A confusão se generalizou a tal ponto que a pessoa ao fazer uma descrição de si próprio, uma autobiografia, ela é automaticamente carimbada com algum selo de potencialmente preconceituoso. A pergunta que fica é: se eu não posso ter a minha própria opinião, se não posso colocar as coisas da maneira como as enxergo, sendo elas erradas ou não, por que eu deveria ajudar resolver o problema dos outros? Por empatia? Por pena? Por obrigação? A impressão que fica é que todo discurso será usado contra si, mesmo quando se tenta levantar o problema para resolvê-lo. As pessoas não querem ser boas o tempo todo, muito menos são cruéis a ponto de não perceber os conflitos sociais. O problema é quando há uma esperança de mudar uma sociedade inteira em detrimento de outra, ou seja, grupos combatem problemas sociais concretos advindos de outro grupo abstrato, pois é isso que são. Se pensarmos na frase “a sociedade é machista e homofóbica” vem à mente algum ser, um rosto, alguma entidade física? Se não veio é porque a sua mente tem registrado aquilo que você apreende das relações psíquicas e materiais. A sociedade é composta por um grupo gigantesco de pessoas nas quais se incluem homens e mulheres reais compartilhando seus costumes. Mas quando necessita cobrar alguém por um ato criminoso é o indivíduo que é penalizado, e não a sociedade inteira. O que quero dizer é que essas estratégias de uso da linguagem não só são intencionais e politizadas, como prejudicam o debate público e ainda recaem sobre uma massa social que não sabe nem o que está se discutindo. Acusar uma sociedade de um crime é o mesmo que não acusar ninguém. Não há o que combater quando não se leva o criminoso à júri. A impressão que se tem é que a culpabilização por determinados preconceitos leva o indivíduo a não poder nem se defender daquilo que supostamente está sendo acusado. O filme Minority Report nunca esteve tão próximo da realidade.
O aprofundamento de algumas discussões está se desvanecendo com o tolhimento da opinião alheia. Alguns setores da sociedade devem decidir se querem combater os erros do passado dando a chance de ouvir aqueles que não fazem parte desse meio, mas que apesar das divergências nos argumentos, visam o bem comum, ou preferem que deixemos de lado todo esse conflito social simplesmente porque não temos o tal do “lugar de fala”. Opinar se é correto ou não a mulher fazer um aborto, ou defender um grupo de pessoas que sofrem atos discriminatórios são parte de uma batalha social dividida e plural, mas que envolve todos aqueles que seguem uma mesma direção. Se não for assim, o termo cidadão perde todo seu caráter de direitos e deveres políticos, ecoando as vontades de uns, silenciando as vozes dos outros. É difícil encontrar coerência quando se quer que a maioria combata todas as formas de preconceito, e em contrapartida, oprime a opinião de quem não faz parte daquela casta, por interesses coletivistas.
Chegaremos em uma época de nossas vidas que cada um conversará apenas com quem segue à risca a mesma linha de pensamento. Onde não haverá interação e as sensações de surpresa ao ouvir algo que não se esperava serão apenas indícios de uma sociedade democrática que se livrou das contradições humanas, que viveu em busca de uma harmonia utópica e pueril.
Finalizarei, para decepção de uns, entendimento de poucos e ódio da maioria, compartilhando uma receita gastronômica. Pois assim, a provocação não termina no campo da retórica. Todavia, se não servir para nada, pelo menos você aprende a cozinhar.
Bife à milanesa com machismo
Ingredientes
1 bife
1 ovo
200 g de farinha de rosca ou de pão
50 g de queijo parmesão ralado
Salsinha e cebolinha picada
1 dente de alho
Sal a gosto
Modo de fazer
Após receber do açougueiro aquele pedaço de carne que pertenceu a um animal que poderia ter uma vida pela frente e uma linda família, abra o bife do tamanho que couber na sua panela, de preferência grande. Amasse o alho e esfregue no bife. Jogue o quanto de sal você gosta, dane-se o que diz a medicina, é o seu bife, e assim como o boi, um dia você vai morrer. Bata o ovo com a salsinha e cebolinha picada. Passe o bife na farinha de rosca misturada com o queijo ralado. Frite no óleo bem quente, mas cuidado para não queimar a rosca, pode amargar. Caso você não consiga comer sozinho, chame o arrombado do seu amigo. Abra uma cerveja bem amarga e tenha uma conversa sem frescura com ele, aproveite o que lhe resta de liberdade machista nesse mundo desengordurado.
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Quote
Para um bom começo,necessita-se iniciar.
eu mesmo
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