Análise de todos os Combinados do restaurante Galeto, em Lisboa. Por Luís Leal Miranda e Ana Markl
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Combinado n.º1 - Tosta c/manteiga, frango, alface, tomate, fiambre e mostarda………….….5,05€
À primeira vista parece um elaborado expositor de carnes frias. Uma pilha de alface desfiada e pão que tem como único objectivo exibir três fatias lustrosas de fiambre da perna extra. Esta deselegante curadoria esconde, por baixo, um amontoado de frango cozido. Ficamos com a sensação de que vários pedaços de carne fugiram de uma canja e vieram parar ali, escondidos entre uma fatia de pão de forma e uma manta de fiambre. Podemos chamar-lhe uma sandes desconstruída? Um hors d'oeuvre colossal? Ou estamos perante o plano maquiavélico do dono de uma fábrica de talheres que tentou impor à população mundial uma sandes que não se pode comer com as mãos? Há a lamentar a ausência de mostarda, um item que está no menu mas não compareceu neste festim de carne. Nota positiva para o tomate coração de boi que, tal como o resto da salada, não veio temperado para que o comensal possa fazer bom uso da extensa gama de molhos que a casa fornece.
Avistamentos: António Lobo Antunes e Bagão Félix
Nota: ** (duas estrelas)
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Combinado n.º2 - Tosta, salsicha, ovo estrelado, rodelas de tomate, fiambre e molho tártaro..5,15€
Podemos descrever o segundo combinado da lista como um “simulacro de francesinha”, um diorama construído com a finalidade de exemplificar a arquitectura dessa especialidade portuense. Infelizmente, a infraestrutura de carnes e enchidos é muito pobre neste esquisso: limitada a uma fatia de fiambre e uma salsicha Isidoro cortada ao meio, juntas numa espécie de tributo às refeições em parques de campismo. Nota positiva para o ovo, estrelado na perfeição, e para o tomate maduro e ligeiramente adocicado, a dispensar qualquer tipo de tempero. Certamente que a ausência de sal, azeite ou vinagre na salada é um sinal da grande confiança do chef nos seus ingredientes.
É importante notar que a edificação deste combinado nos coloca perante um paradoxo interessante: dá vontade de molhar o pão no ovo, mas o único pão que o acompanha está debaixo do ovo. Se queremos desmanchar o ovo com esse pão temos de o extrair debaixo do ovo. E ao fazê-lo corremos o risco de rebentar a gema e comprometer toda a operação. O abundante molho esbateu as fronteiras entre a maionese e a receita que um tártaro deve seguir, e talvez por isso a sua presença não tenha sido muito solicitada. Para sobremesa, depois de informados que já não havia Bolo Papão com Molho de Maracujá nem Fatia da China, vimo-nos obrigados a pedir um pudim. Era um bom pudim.
Avistamentos: António Lobo Antunes a tomar um batido de morango e uma tosta mista.
Nota: ** (duas estrelas)
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Combinado n.º3 - Tosta, fatia de presunto, queijo, ovo estrelado, tomate e alface………..5,60€
Demasiado feminino para ser um croque monsieur, demasiado modesto para se assumir como croque madame, este combinado agrega o mesmo tipo de ingrediente mas não funciona como um conceito per se, não fosse ele um “combinado”. No máximo, fora do contexto, poder-se-ia chamar-lhe “meia tosta mista de presunto com ovo a cavalo”, se as tostas mistas se prestassem a ser cavalgadas por algo que não manteiga. A fórmula parece não implicar grandes riscos, mas o seu sucesso depende de alguns pormenores vencedores na confecção: o ovo não apresenta galadura e o presunto foi limpo de qualquer vestígio de gordura. Tudo pode ser ingerido em garfadas, à confiança, sem ser necessário descolar o queijo derretido para espreitar. A gema está no ponto, fornecendo, quando rebentada - se possível a meio da degustação - uma humidez relutante, porém necessária à quebra de uma monotonia anunciada. Acompanha com alface ripada e uma rodela de tomate que deseja secretamente perscrutar os entrefolhos do combinado - e, fica a sugestão, talvez faça sentido lá entrar.
Avistamentos: António Lobo Antunes e Bagão Félix
Nota: *** (três estrelas)
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Combinado n.º4 - Tosta, perna de porco assada, tomate, alface, rabanete e molho tártaro..5,60€
O combinado nº 4 obriga à reflexão que tentámos evitar até agora: o que separa, afinal, um combinado de uma sandes? Neste caso, a especificidade anatómica da perna não impede a comparação entre este combinado e a clássica sandes de carne assada, ainda que sem a camada de pão superior a tapar eventuais vergonhas.
Ora o combinado, por definição, não deve ter nada a esconder: é uma sandes às escâncaras. Mas quem é que deseja olhar para esta perna de porco assada de aspecto deslavado e sabor condizente? Ainda que finamente cortada e desprovida de gordura excessiva, peca por falta de carisma, prevalecendo apenas um travo a pano de loiça triste sem qualquer molho que o anime. E não se espera certamente que o tártaro - com muita maionese para poucos picles - seja incumbido dessa função, limitando-se a criar, junto do rabanete, uma mera manobra de diversão. Já a alface frisada e a rodela de tomate, que noutros combinados costuma assumir um papel secundário quase decorativo, transformam-se aqui num pretexto para que o galheteiro entre urgentemente no prato e lubrifique a equação.
No final, o palato, aborrecido, implorou por uma sobremesa - e assim aprendemos que nos confins de um menu com mais de 170 pratos há um belíssimo tiramisu.
Avistamentos: António Lobo Antunes, escritor
Nota: ** (duas estrelas)
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Combinado n.º6 - Tosta, bife hamburguês, fiambre, cebola frita e manteiga……....5,85€
O pão de forma não goza de grande reputação. Mas se há um sítio que o celebra, é o Galeto. Aqui, as fatias grossas deste pão branco servem de palco para todos os combinados, o elemento em comum baptizado carinhosamente de “tosta”. Vamos esclarecer uma coisa: aquilo não é uma tosta, é pão ligeiramente torrado. Mas a linguagem no menu do Galeto tem destas particularidades. Reparem, é sempre “bife hamburguês” e não “hambúrguer”, como se a sofisticação que falta às receitas pudesse ser compensada por uma escolha mais elegante de palavras. O combinado número seis é mais um tributo à versatilidade do pão de forma e ao seu papel enquanto alicerce para uma refeição. Lá está ele, a segurar um generoso hamburguer – bem cozinhado, no ponto certo – como Atlas, o deus grego, levando às costas um globo terrestre. Espalhados pelo prato estão pedaços de cebola frita, como confetti. Aros amolecidos, em órbita à volta do hambúrguer ou depositados toscamente no pão. Como sempre, uma fatia de fiambre da perna extra (ou será da pá?), cobre toda esta composição, como a cortina final num drama de três ingredientes.
Nota: *** (três estrelas)
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Combinado n.º7 - Tosta, tortilha de espargos com manteiga, tomate, morrones e molho maionese.....5,95€
O espargo é um legume nobre, bastante dispendioso, o que confere a este combinado uma intrigante ambição. Talvez por isso o menu se veja na obrigação de chamar “tortilha” a um pedaço de “omelete” - que, apesar de ser um termo francófono, perdeu há muito a sua patine. Se a vulgar “omelete” não é hoje mais que o último reduto dos indecisos nas mais modestas casas de pasto, a “tortilha” ainda oferece um certo mistério exótico, aqui ajudado pelo tímido porém desenjoativo morrone.
Filologia à parte, é mesmo o espargo que marca a diferença no prato, tornando o combinado 7 particularmente reconfortante. Além disso, a carga simbólica do número 7 pode proporcionar reflexão à refeição. Já a carga de maionese na borda do prato, essa é absolutamente dispensável.
Nota: *** (três estrelas)
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Combinado n.º8 - Tosta, bife hamburguês, fatia de queijo e ovo estrelado ………….…5,95€
Este hambúrguer descapotável desafia o cânone das sanduíches do género, de matriz norte-americana, ao dispensar a camada superior de pão. É um prato que convida ao uso dos talheres e dos molhos colocados à disposição do cliente – o bife hamburguês é alto e muito seco. E aqui e ali encontramos testemunhos dos ossos que em tempos estiveram agarrados à carne, um pormenor que obriga a uma atenção redobrada durante a degustação deste prato. A fatia de queijo, um enxarondo flamengo de barra, não acrescenta nada a uma combinação de onde destacamos o ovo estrelado: no ponto, com a gema prestes a rebentar, perfeito ao ponto de ficarmos felizes por não termos deixado que se viesse a transformar um dia numa galinha.
Avistamentos: Paulo Macedo, Ministro da Saúde do XIX Governo Constitucional de Portugal.
Nota: * (uma estrela)
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Combinado n.º 10 - Tosta de queijo, fiambre, tortilha de marisco e maionese.………………….7,05€
Guarda-se para último lugar o mais caro dos combinados, como seria de esperar pela inclusão do “marisco” num prato que se quer mais prático do que sofisticado. A desilusão chega apesar de não termos criado ilusões: “marisco” é termo lato e pomposo para designar meia dúzia de gambas promovidas pelo contexto de uma “tortilha” que, vai-se a ver, é uma omelete. Interessante até ao final a relação entre signo e significado nesta carta de combinados.
Resumindo: uma tosta mista em pão de forma (felizmente) aparado sustenta a pretensiosa tortilha de marisco a que se junta um monte de maionese que não sabe para onde ir: molha-se o pão ou o ovo? Nota negativa para a ausência da folha de alface e da rodela de tomate que, noutros combinados, funcionam como bode expiatório para maus resultados de análises. “Mas eu até como salada”, disse um cliente habitual antes de falecer.
Nota: ** (duas estrelas)
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