Tumgik
contos-criancas-vf · 3 years
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Na terra dos tigres
Um tigre, dois tigres, três tigres,
três tigres adormecidos,
e um outro tigre tigrado
acordado.
Tigre tigrado trincou
um tremoço que encontrou
e uma perdiz que voou
não a trincou por um triz,
não trincou porque não quis.
Tigre tigrado ao luar,
sozinho põe-se a caçar:
corre para a frente,
caça um pente;
corre para trás,
caça um cabaz;
corre para o lado
e caça o rabo.
https://www.youtube.com/watch?v=4DNjwH0bUUM
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contos-criancas-vf · 4 years
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O rato Músico voltava alta noite de uma serenata quando foi apanhado pelo Gato. Teve sorte de trazer às costas uma pandeireta: enquanto as garras do monstro se cravavam no couro esticado, ele pôde livrar-se e fugir para o buraco!
Na toca morna todos dormiam, só o avô estava desperto, a um canto, no seu sofá de trapos.
-- Donde vens tu a correr, meu neto?
-- Venho das unhas do Gato.
-- Conseguiste escapar ao monstro?... Isso é uma glória para a nossa tribo!
Mas em vez de se alegrar, o rato Músico escondia o focinho entre as patas.
-- Que é isso, neto? Que é que tens? Estás ferido? Dói-te alguma coisa?
-- Tenho saudades da minha pandeireta...
Ai o que ele gostava daquela pandeireta! Estava habituado a chiar serenatas com ela.
-- Vamos lá a ver se te posso consolar -- disse-lhe o avô.
Passando por entre a rataria adormecida, foi à arca buscar uma casca de noz. Em menos de nada, pregou-lhe um cabo e umas cordas de tripa.
-- Experimenta este banjo, neto.
Então é que se viu como o pequeno rato Músico tinha jeito: ao fim de poucos minutos já dedilhava o hino da tribo.
Todos os ratos da toca acordaram. Puseram-se a chiar em coro aquela lengalenga que conheciam desde bebés:
Quando um gato encontra um rato,
foge o rato e corre o gato.
E se o gato apanha o rato,
chora o rato e ri o gato.
Mas se o rato escapa ao gato,
chora o gato e ri o rato:
“Sape-gato! Sape-gato!”
Era da tradição repetir o hino, cada vez mais depressa. Erguidos sobre as patas traseiras, os ratos Sape não só chiavam como também representavam a história com as patas de diante: a pata direita a fazer de gato e a pata esquerda a fazdr de rato. Quem aguentasse mais tempo sem se enganar, ganhava!
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contos-criancas-vf · 4 years
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contos-criancas-vf · 4 years
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contos-criancas-vf · 4 years
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contos-criancas-vf · 4 years
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contos-criancas-vf · 4 years
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contos-criancas-vf · 4 years
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ORELHA E MEIA, o Gato das Botas
Era uma vez um moinho de velas paradas, no alto de um monte. O moleiro tinha morrido e agora os seus três filhos faziam partilhas, sentados a uma mesa manca. O assunto ficou resolvido num instante.
-- O moinho é para mim, com todos os seus pertences! — declarou o mais velho.
-- Nesse caso, eu fico com o burro – disse o do meio.
-- Então e eu?! Fico com quê?— perguntou o mais novo, aflito.      
-- Tu ficas com o Orelha e Meia. Podes fazer um casaco com a pele dele, ah, ah!, ah! – responderam-lhe os irmãos, apontando para o gato, um bicho tigrado muito feio, com uma orelha rasgada numa luta. Estava sentado a um canto a lamber os baixos da barriga e a escutar a conversa. Percebeu logo que teria de mudar de casa quando ouviu o dono pedir:
-- Deixem-me ficar convosco, queridos manos... Eu faço-vos o comer...
-- Isso é que era bom!— enfureceu-se o irmão mais velho. Para te esqueceres do sal e esturrares tudo, como de costume?...
-- Conto-vos histórias ao serão...
-- Para dizer a verdade, estamos fartos das tuas histórias parvas cheias de palavreado que ninguém entende – confessou o irmão do meio. E depois aconselhou-o a ir tentar a sorte no reino vizinho que ficava a um dia ou dois de viagem, sempre a direito. Lá gostavam de palavras caras.
-- Estás a ver aquela montanha azul cor de veneno ao fundo do horizonte? Trepas por ela acima, desces do outro lado, a seguir atravessas as terras do Ogre e pronto, estás lá.  
“O quê? Trepar a uma montanha azul cor de veneno? E depois atravessar os domínios dum Ogre comedor de gente?” Só de pensar nisso o rapaz tremia. Sentia-se desamparado, sem protecção nem abrigo.
Mas não tinha alternativa, os irmãos esperavam de pé que ele se decidisse a partir. Limpando as lágrimas, arrumou na mochila os seus poucos livros, alguma roupa e um pedaço de pão; a seguir, com um aceno, saiu porta fora sem sequer lhe passar pela cabeça levar o gato. Mesmo assim, o bicho saltou logo atrás dele, escapando aos outros dois que o queriam rasteirar só por maldade.
“Coitadito do meu dono, que vai tão triste...”
Quando o alcançou, pôs-se a caminhar a seu lado, alçado sobre as patas traseiras como uma pessoa, a ver se o fazia rir. Ai senhores, só ele sabia o que aquilo lhe custava!... Finalmente, aleluia!, o dono virou-se para ele; mas não foi para o gabar, não.
-- Achas-te com muita graça?...
Nem parecia o mesmo. Pelo caminho adiante não parava de resmungar, sempre a chamar-lhe Orelha e meia, coisa que nunca fizera antes.
-- Um desgraçado dum Orelha e Meia com o pêlo todo esturrado de dormir ao sol!... Nem para fazer um barrete serve quanto mais para um casaco!...
Aquilo eram unhadas a rasgar o peito do gato. Esteve quase-quase a voltar para trás, mas depois acabou por desculpar o dono. “Coitadito, é o desespero que o faz falar... Ele sempre foi meu amigo, ensinou-me a andar de pé quando eu era pequeno, fazia-me festas, às vezes dava-me uma pinguinha de leite, um rabinho de sardinha... Coitadito, não posso abandoná-lo neste momento difícil!”
Um atrás do outro, horas a fio, cada qual metido nos seus pensamentos, dono e gato alcançaram enfim a montanha azul, a célebre montanha azul cor de veneno que defendia os domínios do Ogre. O dia acabara há muito, mas nem assim eles podiam parar, obrigados a romper caminho pela encosta bravia acima, por entre silvados que despedaçavam roupa e pêlo. Na escuridão oscilante, vultos de longas orelhas surgiam de todo o lado para os espreitar. Apareciam e desapareciam...
Até que de repente o matagal perdeu a força. Gato e dono tinham alcançado o cume do monte. De pé sobre um penhasco, podiam avistar a paisagem da outra encosta, iluminada pelo sol nascente. Talvez estivessem sonhando: searas e vinhas a perder de vista, pomares floridos... toda a planície lá em baixo era um jardim cultivado. Muito ao longe, no fim da estrada de areia, na última volta do rio, levantava-se um palácio branco, rodeado de árvores. Alguma coisa cintilava no alto da sua cúpula caiada. Era um O! era a letra O, a letra inicial de Ogre.
“Como é que é possível que um monstro viva num lugar assim? Como é possível?”, repetia o filho do moleiro de si para si, maravilhado. Esquecera a fadiga e a raiva.
O gato, esse, dava pulos, de peitaça aberta ao vento. Às tantas pôs-se a bradar:
-- Vida nova, meu amo!
Por essa é que o rapaz não esperava. Quase se engasgou:
-- O quê, então tu agora falas?!...
-- Foi por termos chegado ao país das histórias, meu amo.  
Não só falava como conseguia andar de pé à vontadinha sem lhe doer a barriga. Sentia-se capaz de ir longe, atravessar toda a planície até às colinas do lado oposto, onde o reino vizinho começava. Ah que colinas suaves, fáceis como almofadões!
Bom, mas para já ainda havia que descer até às terras do Ogre.
-- Ei! — berrou ele para um homem e uma mulher curvados a sachar lá em baixo no campo. Eles nem levantaram a cabeça, não tinham ouvido nada, pareciam bonecos entre a erva verde.
Gato e dono recomeçaram a andar e logo na primeira curva do caminho deram de caras com um barracão: nem mais nem menos que uma oficina de sapateiro, com banca, ferramentas, couros e calçado. Sapateiro é que não havia. O bilhete que ele deixara na porta estava manchado, a desfazer-se de velhice: “Volto já, fui entregar calçado ao Senhor D. Ogre”.  Ao ler aquilo, o rapaz perdeu a vontade de prosseguir a jornada.
Entretanto o gato examinava as prateleiras de calçado, à procura de qualquer coisa a seu gosto. Acabou por escolher umas botas altas de espadachim que quase lhe chegavam à cinta. Quando o viu naquela figura, o dono teve mesmo de rir-se apesar das preocupações: Ah, ah, ah! Uh, uh, uh!
-- Ria-se, ria-se, meu amo, que eu volto lá acima ao mato caçar, para termos de comer.
E sem medo nenhum tornou atrás, a embrenhar-se nos silvados da montanha azul cor de veneno. Ia caçar coelhos, já que o dono, coitadito, não apreciava ratos.
Sabia muito bem o que tinha de fazer: armadilhar o saco entre as ramagens rasteiras e depois esperar escondido até que um coelho resolvesse investigar o que havia naquela estranha toca. O mato estava crivado de coelhos, todos a quererem ser os primeiros a entrar no saco.
De volta à oficina do sapateiro, o gato cozinhou para si e para o dono um coelho só. Os outros pô-los de lado.
-- Estes aqui, meu amo, são para uma pessoa que eu cá sei.
Depois de jantar, quando o rapaz bocejava, cansado de tanto ter comido, o gato saiu-se com uma pergunta esquisita:
-- O que é que lhe soa melhor, meu amo: Perlifum, Perlifunfum, ou Carabás?
-- Hã?...
-- Tem razão, meu amo, Carabás soa melhor.
Passado um bocado despediu-se. Ia de viagem, só regressaria no dia seguinte.
-- Vossa mercê, meu amo,  fique aí quietinho até eu voltar e não se rale com nada.
Caminhando na escuridão com os seus olhos amarelos acesos, atravessou as colinas e chegou ao palácio à hora em que o rei tomava o pequeno-almoço.
Os guardas, pasmados, deixaram-no entrar quando ele declarou que vinha da parte do poderoso marquês de Carabás, vassalo da fronteira leste. Tique, tique, tique, lá foi ele pelos corredores de mármore do palácio, muito aprumado, como se o saco dos coelhos lhe não pesasse nada. Só o largou aos pés do rei, com uma grande vénia:
-- Saiba Vossa Majestade que o mais fiel dos seus súbditos, o senhor Marquês de Carabás, lhe manda esta caça de presente.
Antes que o demorassem, foi logo saindo às arrecuas, deixando o rei e os cortesãos a examinarem aqueles super-coelhos que vinham mesmo a calhar para reforçar as despensas do castelo, esvaziadas por muitos anos de guerra.
-- Marquês de Carabás? Nunca ouvi falar... – admirava-se o rei. – Mas se ele diz que é meu súbdito, é capaz de ser verdade.
-- Deve ser um descendente do ilustre cavaleiro de Arrabás, que se tornou independente no tempo do décimo avô de Vossa Majestade — explicou o duque mordomo-mor. – De Arrabás a Carabás, a diferença não é grande...
Como estava preocupado com o dono, o Gato das Botas fez a viagem de regresso a toda a velocidade, primeiro pela estrada real e depois mais cautelosamente pelos carreiros escondidos das colinas.
Felizmente não havia novidade. O rapaz estava como de costume sentado à mesa, a copiar palavras difíceis do dicionário para o caderno.
--  Escreva, escreva, meu amo, que ainda há-de ser marquês.  
Daí por diante, não se passava semana sem o Gato das Botas viajar até ao palácio real.
Mal o via chegar, o rei já nem o deixava acabar a vénia nem começar o discurso do “Saiba Vossa Majestade que o mais fiel dos seus súbditos, o senhor Marquês de Carabás, lhe manda esta caça de presente”. Perguntava-lhe logo o que trazia:
-- São coelhos ou lebres?
-- Saiba Vossa Majestade que são lebres.
-- Tão macias! – exclamava a princesa, afagando com a sua mão cheia de anéis a barriga branca dos bichos.  
-- Saiba Vossa Alteza, senhora Princesa, que estão assim lustrosas por só comerem trigo. Isto porque nos domínios do senhor marquês de Carabás, meu amo, os trigais não têm começo nem fim. Sem querer exagerar, aquilo é uma farturinha pegada!
Estas informações deram ao rei vontade de visitar as terras do marquês no final das colheitas, que era a melhor época para cobrar impostos.
-- Diz lá ao teu amo, que um dia destes o vamos visitar para lhe agradecer.
Logo que tal ouviu, o Gato das Botas não sossegou mais. Até já se aventurava a caçar em campo aberto pela imensa planície do Ogre. Aqui e além cruzava-se com camponeses, mas assim que os cumprimentava: “-- Bom-dia, passaram bem?”, eles largavam a fugir.
-- Por que é que fogem? Olhem para mim, sou um gato, não sou nenhum tigre.
Ninguém lhe respondia. Só duma vez é que um miúdo lhe gritou, de longe, antes que a mãe o calasse com um sopapo:
-- És o Ogre, és o Ogre disfarçado! Ele disfarça-se do que quer.
Já se acabara o mês de Agosto quando finalmente o Gato das Botas escutou música de clarins. Era o rei que viera passear para aquelas bandas, com guarda a cavalo e grande cortejo de coches.
O gato correu a chamar o dono:
-- Meu amo, salte já daí, venha comigo!
-- Para onde?
-- Lá para baixo, para a planície!
-- E o Ogre?...
-- Agora não é tempo de ter medo, meu amo. Corra, mexa-me essas pernas, que temos de chegar à ponte antes do rei.
Assim que lá chegaram, o gato disse:
-- Dispa-se, meu amo, e atire-se ao rio.
-- Para quê?!
-- Faça como lhe digo, e é se quer ter boa fortuna!! – bradou o gato, fora de si.  
Mal viu o rapaz na água, escondeu-lhe a roupa esfarrapada e largou a correr direito à estrada, ao encontro das nuvens de pó dos coches.
-- Ai real senhor, que grande desgraça! Ai o senhor marquês de Carabás! Ai o meu rico amo! Ai que fico só no mundo! Ai! Ai!
--  Pára de te arrepelar! Que é que foi que aconteceu ao marquês? – perguntou o rei, debruçado da portinhola do coche.
--  Foi tomar banho ao rio e uns ladrões roubaram-lhe a roupa! É aquele rapaz além quase a afogar-se! Ai o meu rico amo! Ai que estou desgraçado!
O filho do moleiro aguardava, metido no rio até ao peito, cercado por libelinhas atraídas pelos seus cabelos claros.
--  Por que é que ele não sai da água?
Sim, por que não saía ele da água? Bastava-lhe dar uns passos até à margem.
-- Saiba Vossa Majestade que ele está nuzinho em pêlo. Uns ladrões roubaram-lhe a roupa e a bolsa e tudo, sem eu ter tempo de acudir. Ninguém diga que está bem neste mundo!
-- Mandem um dos meus fatos ao marquês – ordenou o rei.
O pesadíssimo carro das reais roupas vinha na cauda do cortejo, logo a seguir ao carro das arcas dos impostos. Foi um instante enquanto os pajens correram até à margem com uma fatiota completa, incluindo sapatos de fivela, meias de seda, chapéu de plumas, espadim e luvas. E todos aqueles luxos perfumados serviam à maravilha ao filho do moleiro, apenas os calções destoavam, largos de mais, pois tinham sido talhados para a pança do rei.
Foi a princesa que achou a solução. Desatou a sua faixa de seda e mandou que a levassem ao senhor marquês de Carabás.
Que belo rapaz ele era. E tão eloquente, a agradecer de joelho em terra a bondade de Sua Majestade:
-- Atlante excelso, monarca maior de todo o orbe!
Durante os dez minutos que durou o discurso nem os pássaros cantaram, embatucados com tanta palavra difícil.
Entretanto o Gato das Botas já ia longe, a correr pelos campos. Cada vez que encontrava ceifeiros nas searas, antes que eles pudessem fugir, gritava-lhes com voz grossa de ogre:
-- Ouçam bem! El-rei vai passar por aqui, livrem-se de lhes dizer que estas terras são minhas! Digam-lhe que são do marquês de Carabás! Perceberam? Marquês de Carabás! Se não transformo-vos em pedra!  
E aos vindimadores espalhados pelos vinhedos repetia o mesmo ou pior:
-- Nada de dizerem ao rei que estas terras são minhas! Digam-lhe que são do marquês de Carabás! Ouviram? Marquês de Carabás! Marquês de Ca-ra-bás! Se não transformo-vos em pedra para sempre! Nunca mais mexem um dedo sequer! Marquês de Ca-ra-bás, hã?! Marquês de Ca-ra-bás!
Só acalmou quando chegou ao palácio do Ogre. Entrou de mansinho, pisando os tapetes com cuidado.
O Ogre parecia dormir a sesta, espapaçado numa poltrona vastíssima, com um olho meio-fechado e o outro meio-aberto, à maneira dos ogres.
-- Senhor D. Ogre – murmurou o Gato.
O Ogre abriu ambos os olhos, incrédulo: “Só me faltava mais esta, um gatarrão falante com botas de espadachim... Isto deve ser partida do meu primo Ogrino. É melhor não me dar por achado”.
-- Senhor D. Ogre – continuou o gato. – Vim de muito longe para ter o prazer de conhecer Vossa Excelência e lhe fazer uma pergunta.
-- Que pergunta? – disse o Ogre, inclinando-se para o Gato e quase o derrubando com o seu hálito a carniça podre.
-- É verdade que Vossa Excelência se consegue transformar em qualquer animal que seja?
Ouviu-se um clique e zás: de um momento para o outro já não havia ogre nenhum na poltrona. Em vez disso havia um leão a todo o comprimento do sofá.  
Pelo sim pelo não, o Gato enfiou-se debaixo da poltrona vazia e de lá é que falou:
-- Grande prodígio esse, senhor D. Ogre, transformar-se assim num leão. Mas ainda seria mais extraordinário se Vossa Excelência se transformasse num rato. Num ratinho muito pequenino, então, isso é que era! Mas claro, deve ser muito custoso, mesmo para Vossa Excelência...  
Palavras não eram ditas, ouviu-se novo clique e zás: desapareceu o leão, deixando em seu lugar um ratinho que o Gato das Botas logo abocanhou, estraçalhou e engoliu, sem precisar de fazer clique nem nada.
Bem almoçado, lambendo os beiços, dirigiu-se à cozinha, para preparar um banquete.
Entretanto, o cortejo real avançava pela planície. O calor era tanto que os músicos desafinavam e os cavalos fatigados avançavam a passo, hipnotizados pelo amarelo das searas de ambos os lados da estrada.
Os ceifeiros acorriam de longe, ajoelhavam-se na berma, assustados.  
-- Boa gente, – perguntava-lhes o rei – a quem pertencem estas terras?
-- Ao senhor marquês de Carabás.
Por onde iam passando, fossem searas ou vinhas, a resposta dos camponeses era sempre a mesma: tudo pertencia ao marquês de Carabás.
-- É rico, o moço... – dizia o rei à princesa.  
Ela acenava que sim, muito corada. Desconfiava que o pai a trouxera com ele de viagem de propósito para a casar com o marquês e poder assim anexar à Coroa novos territórios.
-- Ai Paizinho, que lindo palácio branco, além, com um anel de ouro na cúpula!...
As grades do parque eram de ouro também. Alguém as tinha aberto de par em par.
Em breve o cortejo entrava pela alameda de tílias. O ar tornava-se delicioso de respirar, com o aroma das rosas misturando-se com um cheiro a ervilhas guisadas.  
À porta principal estava o Gato das Botas, para dar as boas-vindas ao rei, à princesa e aos fidalgos da real comitiva, entre os quais se incluía o senhor marquês de Carabás, seu amo.
-- Isto aqui parece o palácio do sultão da Turquia! – exclamava o rei, caminhando admirado de sala em sala até ao salão do banquete. Nem ele próprio possuía uma morada assim magnífica.  
Sobre a mesa havia pão, água, vinho, ervilhas guisadas, terrinas de rojões e conservas de frutas a brilharem de cores extraordinárias na baixela de prata do Ogre.
Toda a gente comia com vontade menos o marquês de Carabás, que habituado à sua colher de pau não sabia como usar tantos talheres. Olhava de esguelha para a princesa: bem bonita, com o seu narizinho de águia real. Ela também olhava para ele:
-- Não tem apetite, senhor marquês?
-- Senhora, a luz do vossos olhos me sustenta.
Pela mesa adiante tudo era alegria. O rei tinha decidido experimentar os vinhos velhos do palácio. Por alturas da sobremesa já se mostrava excessivamente animado, a ponto de se esquecer totalmente das boas maneiras.
-- Duque, chama-me o capelão para casar aqui estes dois.
A princesa protestou pouco:
-- Oh paizinho, com franqueza...
Contente estava ela por lhe caber um noivo como o marquês de Carabás, desajeitado de modos, sim, mas tão bem falante, com aquele sotaque engraçado da fronteira leste. E depois era um acto patriótico, fazer voltar à Coroa tão ricos domínios.
Só meses mais tarde é que o filho do moleiro, agora feito marquês e genro do rei, se lembrou de quanto devia ao Gato das Botas:
-- Gato, desculpa lá ter-te chamado Orelha e Meia...
-- Está desculpado, meu amo – respondeu-lhe o gato, de boa vontade. E voltou para o terraço, para continuar a dormir a sesta ao sol. O seu peito enchia-se de compaixão pelo amo que, coitadito, era apenas um ser humano, incapaz da dedicação total dos gatos.
Lá em baixo no jardim, à sombra, brincavam gatinhos de raça, de pêlo fofo. Pertenciam às damas da princesa. Alguns ostentavam uma orelha ratada, porque ter uma orelha despedaçada tornara-se o cúmulo da moda.
O Gato das Botas ria-se dessas vaidades. Pensava nos tempos que se aproximavam e arquitectava já a melhor maneira de salvar o amo quando fosse proclamada a república.
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contos-criancas-vf · 4 years
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A VERDADEIRA VIDA DA FORMIGA RABIGA
Pela montanha das Urtigas viajavam três formigas. Iam para muito longe, para a toca do Coelho Branco, que as tinha convidado para jantar daí a um mês.
As duas formigas maiores olhavam para todos os lados, com medo da Cabra Cabrês. E a mais pequenina, chamada Rabiga, também ia a olhar para os lados, mas era porque lhe cheirava a comida.
-- Ai, quem me dera umas migas... -- disse ela às outras formigas.
-- Esta menina está sempre com fome! Olhe, coma urtigas! Quem tem fome, urtigas come!
Prosseguiram a subida e ao fim de mais três semanas a  roer folhas de urtigas, a formiga pequenina chamou as manas formigas: “Psst... Psst...”
-- Que foi? Que é que houve? Viu a Cabra Cabrês?!
-- Não... Cheira-me a migas de couve com broa...
-- Esta menina não está boa da cabeça!
Puseram-se a andar depressa, para alcançarem o cume. Mas lá no alto a Rabiga fez a fita do costume:
-- Estou mais que farta de urtigas! Daqui não saio sem migas!
-- Veja se atina, menina, não fale outra vez em migas! Siga lá pelo carreirinho que lá em baixo já é a toca do Branquinho...
--------------Episódio 2-------------
Tinha o coelho ido à horta com as formigas, buscar couves para migas, quando ao regressar à toca achou entaipada a porta.
-- Quem está aí dentro?
-- É a Cabra Cabrês, que te salta em cima  e te faz em três!
Assim que ouviram a Cabra, as duas formigas grandes encolheram e o coelho deixou cair as couves. Mas a Formiga Rabiga avançou. Não conseguia suportar que lhe atrasassem o seu jantar de migas:
-- Saia daí, Dona Cabrês...
-- Saio se eu quiser! Eu sou a Cabra Cabrês, ao Coelho faço-o em três só com um soco. E a ti, Formiga Rabiga, faço-te em quatro só com um sopapo!
A Formiga Rabiga não deu troco. Passado um bocado, entrou na toca por uma frincha da porta , trepou pela cabra acima e pic!, mordeu-lhe a barriga.
Por essa é que a Cabrês não esperava. Saltou da toca para fora como uma mola! Largou aos pinotes a direito, sempre a eito... Fugiu, fugiu, nunca mais ninguém a viu!
------------- Episódio 3 ----------------
Assim que soube desta história, o detective Carraça foi logo entrevistar a Formiga Rabiga:
-- Desculpe V.ª Excelência a impertinência, mas custa-me a crer que V.ª Ex.ª, Super-Formiga Rabiga, tenha furado a barriga da Cabra Cabrês... É que eu vejo à evidência que V.ª Ex.ª não tem nem ferrão, nem dentes nem patas potentes!
-- Detective Carraça, eu não preciso de peças dessas. Eu estico as mandíbulas em bico e pic!, pico.
-- Pica com esses picos? Desculpe V.ª Ex.ª a impertinência: não acredito.
-- O senhor Carraça não acredita, não?... Então dê-me cá a sua mão, para uma experiência.
-- Ai-hi!... Isso é coisa que se faça? V.ª Ex. ª precisava de me picar?...
-- Ora, foi uma coceguita no ar, só por graça... Torne cá a sua mãozinha, detective Carraça, torne cá a sua mãozinha que eu esfrego e passa.
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contos-criancas-vf · 4 years
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A VERDADEIRA VIDA DA FORMIGA RABIGA
----------- Episódio 4 -------------
Nunca mais ninguém viu a Cabra Cabrês, a não ser o detective Carraça. O detective Carraça foi de propósito à serra do Gerês só para entrevistar a Cabra Cabrês.
-- Engenheira Cabra Cabrês, desculpe V. Ex.ª a impertinência, mas custa-me a crer que V. Ex.ª, com toda essa corpulência, tenha sido vencida por uma ferroadita de formiga...
-- Ó detective Carraça, a ferroadita da formiga salvou-me a vida! Eu tinha ido meter o bedelho na toca do coelho e fiquei lá entalada, sem poder sair, sem nada! Se não fosse a tal rabiga fazer-me cócegas na barriga, eu morria, está a ver?
-- Estou a ver, Excelência. E depois desse momento de imprevidência seguido de um salvamento de emergência, que tal se dá V. Ex.ª no Gerês?
-- Mal. Já não me habituo ao clima. Só verdura e água pura, que há cá em cima que preste?... Aqui nem plástico cresce!... Farto-me de ler histórias para passar o tempo se não rebento, percebe?
------------- Episódio 5 -----------
A história preferida da Cabra Cabrês:
                        OS QUATRO CANTORES DE BREMEN
Um burro pelado, um trôpego cão, um gato escaldado e um galo ancião, todos cantores amadores, acharam-se num dia feriado num descampado. Puseram-se a ensaiar em coro a canção dos animais abandonados:
-- Não temos eira nem beira,
nem um dono que nos queira!
Tanto cantaram que anoiteceu. Viram uma luzinha ao longe e dirigiram-se para lá. Era uma casa arruinada, toda abafada pela hera. Lá dentro, muito contentes, três ladrões repartiam os roubos:
-- Moedas de ouro para ti,
e para ti outras tantas, 
e umas para mim também
mas das maiores, ora bem...
Esmeraldas para ti, 
para ti lindos topázios,
e para mim rubis gigantes
com bónus de alguns diamantes...
Zum-catrapum-pum-pam! Soprou o vento, escancarou-se a janela, apagou-se a vela e os quatro cantores de Bremen, todos ao mesmo tempo, saltaram sobre os ladrões com couces, zurros, patadas, cacarejos e bicadas, uivos, miados, latidos, arranhões e bufadelas, repelões e mordidelas nas canelas.
Fugiram logo os ladrões sem quererem saber de mais nada, nem da casa arruinada nem do tesouro:
-- São fantasmas, são fantasmas! Fujam!
E os quatro cantores-fantasmas, cobertos de hera e de ouro, ainda hoje lá estão cantando, afinadinhos, em coro:
-- Corram, ladrões, pelos caminhos
e deixem-nos por cá sozinhos
viver à nossa maneira,
sem um dono que nos queira!
----------- Episódio 6 -------------
Depois de ter lido a história d’ “Os quatro Cantores de Bremen”,  o detective Carraça foi logo fazer a sua investigação. Depois contou tudo à Cabra Cabrês.
-- Ó senhora engenheira, quanto a mim a coisa não se passou bem assim... O que eu apurei foi que os quatro cantores amadores foram ajudados pela Formiga Rabiga...
-- Não me diga! Foram ajudados pela Formiga Rabiga?
-- Foram ajudados pela Formiga Rabiga que com eles zurrou, ladrou, miou, esgatanhou, mordeu, bufou, arranhou, escouceou, deu bicadas e terríveis caneladas. No meio da confusão ainda houve um ladrão que se defendeu com uma vassoura, e outro que reacendeu a vela e outro que agarrou num balde e deu um banho de água fria aos cantores amadores e à Super-Rabiga. Ah mas a Formiga não desistiu! Daí a bocado, passou por debaixo da porta e foi de cama em cama picar os ladrões adormecidos: pic-pic, pic-pic, pic-pic...
Os ladrões ainda saltaram mais alto que V.ª Excelência, senhora engenheira! Atravessaram o telhado destelhado e foram aterrar ao outro lado do planeta! Com a Formiga Rabiga ninguém se meta... 
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contos-criancas-vf · 4 years
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------------  Episódio 7 ------------
Com as pulseiras todas a tilintar, a Cabra Cabrês chama o detective Carraça. Quer-lhe emprestar um livro.
-- É uma história sensacional. Comi-lhe a capa, mas não faz mal, porque é na outra folha que começa...
-- O quê, senhora engenheira? “A velhinha, o lobo e a cabaça”?...  Que título este!... Espero que seja uma história verdadeira, senhora engenheira. Porque a mim só a verdade é que me interessa! Essa é que é essa.
-- Quer que eu lhe empreste o livro ou não?
-- Quero, senhora engenheira, quero... Muito agradecido a V.ª Ex.ª
------------- Episódio 8 ----------------
        HISTÓRIA DA VELHINHA, DO LOBO E DA CABAÇA
Ia uma velhinha ao casamento da filha quando a meio da montanha há um lobo que a apanha.
-- Ó senhor Lobo, não me morda! Deixe-me ir ao casamento da minha filhinha que eu depois volto mais gorda!
“Esta sujeita se calhar tem razão...”, pensou o lambão do lobo.
-- Podes seguir e não te esqueças de comer muito!
-- Não, senhor Lobo Mau. não me esqueço... (Ai a minha vida... Ai...ai...ai...)
-- Ainda estás aí?... Anda, vá, vai! Cá te espero no regresso!
Na festa do casamento, a velhinha comeu, bebeu, ficou cheia de coragem. Meteu-se numa cabaça e pediu à filha que a rolasse pela encosta, para a viagem ser mais rápida.
O lobo, que estava à espera, atravessou-se no caminho:
-- Ouve lá, ó bicho de pau, viste lá em cima uma velha?
-- Não vi velha nem velhão! Corre, corre, cabacinha! Corre, corre, cabação!
------------ Episódio 9 ------------
-- Super-Formiga Rabiga, perdoe V. Ex.ª a impertinência, chego agora do Gerês para lhe pedir um esclarecimento sobre a história da cabacinha e do cabação. É que não me cabe aqui na cabecinha que caiba numa cabaça uma velhinha, mesmo pequenininha. Terá tido V. Ex.ª alguma influência neste caso? Terá V. Ex.ª por acaso dado uma ferroada na velhinha para ela encolher e poder caber na cabaça?...
-- Por acaso dei. Mas quando a cabaça parou...
--- ... Já sei. A velhinha voltou ao tamanho normal! (Que lindo final, até estou engasgado). Assim é que se investiga... com persistência e firmeza! Desvendada mais uma proeza da Formiga Rabiga e explicada a trapaça da cabaça por mim, detective Carraça!
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contos-criancas-vf · 4 years
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Sape-Gato, o hino dos Ratos Sape
Numa noite de Janeiro muito fria, um ratinho músico regressava a casa com uma pandeireta equilibrada sobre o lombo. Vinha duma serenata ao luar, caminhava sem olhar para os lados, todo entretido a assobiar baixinho. Mas de repente calou-se: ah, que sombra enorme era aquela, projectada no muro?... Tarde de mais. O Gato do Pátio caíra-lhe em cima com todo o seu peso. O rato músico estrebuchava, à espera de ser engolido -- ainda tão novo, na flor da vida... Depois, sem perceber como, achou-se solto. Agora quem estava aflito -- mas mesmo muito aflito -- era o gato, a tropeçar de roda com um barulho de chocalho. Cravara as garras  na pandeireta! Tentava livrar-se dela como um doido, apavorado com o barulho: dlim, dlim, dlã, dlim! O rato já tinha disparado para a toca. Era muito tarde. Na sala subterrânea todos dormiam, à excepção do avô, entretido a mascar grainhas, reclinado no seu sofá de trapos. – Donde vens tu a correr, meu neto? – Fui assaltado pelo Gato do Pátio. O avô comoveu-se: era uma glória para a família Sape que um membro seu escapasse a um gato. E então ao brutamontes do Gato do Pátio que só com uma patada era capaz de matar um boi!… – Estou muito orgulhoso de ti, meu neto. Em vez de se alegrar, o ratinho chorava. – Que é isso, meu neto? Que é que tens? Estás ferido? Dói-te alguma coisa?… Fala! – Estou triste porque fiquei sem a minha pandeireta. Uma pandeireta feita com uma pele de cobra! Poderia passar-se muito tempo sem que ele voltasse a achar uma pele daquelas… Toda a gente sabe que as cobras não mudam de pele todos os dias.   – Vamos lá a ver se posso consolar-te– disse-lhe o avô. Passando por entre a família adormecida, foi à arca buscar uma casca de noz muito especial que tinha um cabo pregado. Atou-lhe umas cordas de tripa e depois fê-las ressoar com a unha do dedo mindinho, a única que lhe restava. – Grande som! É para ti, meu neto. Espero que sejas digno deste banjo com o qual eu próprio participei em  muitas serenatas. O jovem rato pôs-se imediatamente a dedilhar o Sape-gato, que era o hino da sua tribo. Saía ao avô, tocava mesmo bem! De um momento para o outro, todos os ratos da toca despertaram e vieram  chiar em coro aquela melodia que conheciam desde bebés:                                    Quando um gato encontra um rato,                                    foge o rato e corre o gato.                                    E se o gato apanha o rato,                                    chora o rato e ri o gato.                                    Mas se o rato  escapa ao gato,                                    chora o gato e ri o rato:                                    “Sape-gato! Sape-gato!                                    Sape-gato! Sape-gato!” De cada vez que repetiam o hino, os ratos Sape chiavam mais depressa. Levantados sobre as patas traseiras, não só chiavam como também representavam a história com as patas de diante: a pata direita a fazer de gato e a pata esquerda a fazer de rato. Quem aguentasse mais tempo sem se enganar, ganhava. Por falar nisso, há aqui algum menino ou menina que queira recitar o Sape-Gato depressa, com a mão direita a fazer de gato e a mão esquerda a fazer de rato? Também pode ser com a mão direita a fazer de rato e a mão esquerda a fazer de gato.                                     
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contos-criancas-vf · 4 years
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Chove, chove a toda a hora,
de fora de água ficou
só um choupo como um marco.
Passei lá com o meu cavalo
mas tivémos de ir de barco,
eu aos remos, ele à poupa,
todo o caminho calado
com uma palhinha na boca.
Muito ao longe um gato bravo
miava cantando o fado.
Coitadinho de quem mia
de um galho dependurado,
ai!,
nunca sabe quando cai.
Ai ondas do verde prado
onde feliz eu vivia
com o meu cavalo Cansado!
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contos-criancas-vf · 4 years
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O MOSCARDO
O moscardo passou o Verão a inquietar com zumbidos os animais da mata. Todos estavam fartos dele:
-- Ó moscardo, vai ver se chove!
Tanto lhe repetiram “Ó Moscardo, vai ver se chove! “ que ele assim fez. Foi a Lisboa ver se chovia. 
Aterrou no Jardim Zoológico e já de lá não saiu, divertia-se que eu sei lá a assarapantar elefantes.
Aquilo durou mais de uma semana, até que uma manhã o moscardo acordou com saudades da mata, umas saudades tremendas. Faltavam-lhe as urzes em flor, o aroma da resina... Faltava-lhe o piar das corujas à noite. Precisava de voltar para casa.
Pôs-se a caminho, à boleia dum autocarro expresso. Nunca viajara a tal velocidade, montes e vales corriam ao seu encontro, z-z-z-z!.... Estava tudo trocado, agora era o mundo que lhe zumbia a ele, não era ele que zumbia ao mundo!
Z-z-z-z-z.... Uma rabanada de vento arrancou-o do tejadilho e levou-o pelos ares fora, às cambalhotas! Mesmo assim, ele lá se aguentou, conseguiu guinar em direcção a um rio. Pousou sobre uma folha que a corrente levava: era o seu barco!
Lá ia ele a navegar, todo satisfeito, à fresquinha.
-- Ai o parvo a assobiar, armado em marinheiro!-- exclamavam as libelinhas de asas azuis. -- Se calhar julga que é mais que nós!...
Em vão o desafiavam para combate, o moscardo conduzia a folha a direito, sem a deixar encalhar nas ramarias. Só havia um problema, é que a folha ia-se ensopando e amolecendo.
“Não me convém naufragar...”, assustou-se o moscardo. Viu ao longe um cavalo a atravessar o rio e levantou voo nessa direcção. Zzz, as coisas complicavam-se. O motor não ganhava altitude, as asas já tocavam a espuma dos redemoinhos... Avançou quanto pôde, depois caiu a pique: glu-glu-glu! O lodo do fundo remexeu-se para o engolir, mas o moscardo fintou-o, veio ao de cima a espernear. Tinha-lhe feito bem o banho gelado!
À flor da água, as crinas do cavalo flutuavam, estendidas... Antes que lhe fugissem, agarrou-se a elas. Passado um bocado já estava capaz de zumbir.
-- Zzzzz... Ó cavalinho, eu conheço-te. És o Cansado, és o cavalo da Mata. És ou não és? Zzzz...
-- Sou. E tu és o moscardo que nunca parava quieto. Pois agora fica sossegado e deixa de zumbir e de me arrepelar.
O moscardo teve de fazer o resto do caminho todo ensopado, a cavalo no pescoço dum cavalo, sem poder zumbir, nem badalar a tromba nem nada. Não lhe custou muito. Sentia-se tão feliz por regressar a casa! 
Passados uns tempos, já os bichos da Mata estavam outra vez fartos de o aturar:
-- Ó Moscardo, vai ver se chove!
Mas ele não ia, claro. Isso é que era bom!...
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contos-criancas-vf · 4 years
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O CAVALO CANSADO, AS TAINHAS E O SANTO FAQUIR ENGUIA
À hora do calor, desliza pelo rio um cardume de tainhas. O cavalo Cansado pára de beber e chama-as:
-- Onde vão vocês, tainhas?
-- Vamos rezar ao santo faquir enguia, para ele nos ensinar o melhor caminho a seguir na vida.
O cavalo Cansado também gostaria que lhe indicassem o melhor caminho a seguir na vida. Por exemplo: gostaria de saber se há-de ficar no prado ou se há-de viajar até ao hipódromo para ser um cavalo de corridas. 
Decide avançar pela margem, acompanhando o rumo das tainhas do rio. Ao chegar ao pego, deixa de as ver, pois elas desceram às profundezas.
Todas juntas nas águas escuras, esperam que o santo faquir enguia se desloque, dando-lhes um sinal acerca da melhor direcção a seguir na vida: para a esquerda? para a direita? para a frente? para trás?
Porém o santo faquir enguia nem se mexe. Está a meditar, a falar sozinho em pensamento:
“Há quinze anos que aqui vivo,
sou mais velho do que moço.
Não estremeço, não me rio, 
não me coço, não me torço.
E as tainhas que aí estão
vou fingir que não as ouço,
faço um poço de silêncio
no silêncio deste poço.”
Lá em cima na margem, o cavalo não sabe o que se passa. Mergulha a cabeça e o pescoço todo, tentando ver debaixo de água. Pelas narinas dele escapam-se bolhas de ar que sobem com ruído: blu, blu, blu, blu, blu... 
As tainhas fogem... e o santo faquir enguia também! Milagre!
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