Tumgik
dapazaocaos · 7 years
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Capítulo Catorze
Terça, 10 de março de 2009.
As sete horas da manhã seguinte, o despertador começa a tocar. Gustavo se mexe e abre os olhos, desliga o despertador enquanto Luiza ainda dorme tranquilamente na mesma posição que pegou no sono. Ele sorri, sua vontade era ficar o dia todo exatamente daquele jeito. Deposita um beijo na testa da loira, que se mexe e abre os olhos. – Bom dia! – Ele a cumprimenta com um sorriso aberto, Luiza também sorri ao vê-lo. – Preciso mesmo levantar? – Ela esfrega os olhos, a cama e o quarto de Gustavo eram terrivelmente aconchegantes. – Infelizmente… Eu não sabia que horas você acorda, deduzi que seria a mesma hora que eu, já que a gente sai no mesmo horário. – Você acertou! – Ela ri e Gustavo sela seus lábios. – Eu vou tomar banho e me arrumar. Acho que o Alex e a Gabi vão direto pro trabalho, se quiser eu te dou uma carona. – Não precisa, eu vou com o meu carro… Mas obrigada mesmo assim! – Luiza se senta na cama e Gustavo consente ao se levantar. – Então a gente se vê hoje no almoço? – Claro! Me manda uma mensagem quando estiver saindo. Ele confirma, balançando a cabeça positivamente. Luiza também se levanta e, antes de Gustavo ir tomar banho, ela o puxa pelo braço e o beija. Assim que cessam o beijo, Gustavo a encara sorridente. Luiza também sorri quando diz: – É meu jeito de te desejar um bom dia de trabalho. – Eu quero todos os dias! – Se você se comportar pode ter muito mais, Samurai… – Luiza o encara com malícia e se afasta. Gustavo suspira, estava nas nuvens. – Ah, Preciosa… Não me provoca, que eu te pego e a gente vai perder a hora de ir trabalhar! – Ele sorri com a mesma malícia, Luiza solta uma gargalhada e manda um beijo, se despedindo. – Até mais tarde, Samurai! – Ela sai do quarto e ele permanece mais alguns segundo parado, antes de entrar no banheiro. Aquela mulher o deixava louco e ele estava completamente apaixonado. Num estalo caminha até o banheiro para tomar um banho gelado e espantar a vontade que crescia dentro dele.
Ao sair do quarto, Luiza encontra André e Rafael tomando café. Eles se entreolham ao verem a loira sair do quarto do amigo. – Errou de quarto, Preciosa? – Rafael provoca, fazendo André rir e Luiza revirar os olhos. – Não. E se você começar a me irritar logo cedo eu pego algum cd na estante e jogo bem no meio da tua testa, sem erro! – Os rapazes cessam os risos, Luiza vai até o quarto de Alex pegar seus pertences. – Samurai se deu bem essa noite! – André comenta enquanto toma café, Rafael concorda. Luiza sai do quarto de Alex e passa por eles. – Pelo jeito já fizeram as pazes, né? – Rafael pergunta, sorridente. – Já foi tomar no cu hoje? – Luiza fala com uma naturalidade excepcional. – Eita! – André exclama, quase derrubando sua xícara de café, Rafael ri de como Luiza reage quando está apaixonada. – Falou, otários. – Ela fecha a porta e segue até seu apartamento para se arrumar. [***] A manhã passou rapidamente. Na clínica, Luiza ficou a maior parte do tempo na sala de internação, monitorando dois gatos que haviam sido intoxicados. A suspeita era de envenenamento criminoso, a dona dos bichanos era uma senhora de setenta anos que chorava na recepção, acusando o vizinho abusivo de ter cometido tamanha maldade. O estado de saúde dos gatos era estável e ainda inspirava cuidados. Luiza apoia o cotovelo na mesa de alumínio ao lado das gaiolas, descansando o queixo sobre a mão direita. Não entendia como alguém tem coragem de fazer mal á um ser que só sabe dar amor… Sua Emília era prova disso e seus olhos se enchem de lágrimas ao lembrar da cadela. Lembra das palavras de Gustavo na noite anterior e a esperança de dias melhores acalmam seu coração, ela suspira aliviada. Seu celular toca e é Gabi do outro lado da linha. – Que história é essa que a senhorita dormiu no quarto do Gustavo essa noite? – A amiga mal cumprimenta Luiza e já quer logo saber o que houve. – Caralho! A notícia chegou rápido aí, hein? – Esqueceu que eu trabalho com ele? – Gabi ri ao lembrar de Gustavo chegando como se estivesse ganhado na loteria. – Verdade! – Agora Luiza ri do seu próprio esquecimento. – E o que ele disse? – Que te ama. – O QUE?! – Luiza exclama tão alto que um dos gatinhos intoxicados levanta a cabeça e a encara, assustado. – Não com essas palavras, mas contou que chegou e ficou enciumado vendo você e o Rafael na sala, e que foi dormir inquieto por saber que você estava tão perto. E então ele acordou e te viu parada na porta dele e achou que estava vendo coisas. – Enquanto ouve a amiga contar, Luiza sorri lembrando-se da noite anterior – E você tinha que ver o brilho nos olhos dele quando contou que dormiram juntos! Sério, Luiza, ele está muito feliz. – Ele é maravilhoso. Me acalmou como ninguém, ficar lá com ele me deu uma tranquilidade… Sempre foi assim, desde que o conheço, ele é dono do melhor abraço do mundo. Agora tenho certeza que sempre será… É um porto-seguro pra mim. Quando ele foi viajar eu me senti um pouco orfã daquele abraço. E daqueles olhos. E de tudo o que ele me proporciona. Argh! O Gustavo mexe demais comigo, misericórdia! – Luiza confessa do seu próprio jeito. – Você o ama. – Sim… – A loira suspira. – Então agora vocês vão ficar juntos, né? – Gabi estava empolgada e Luiza pode ouvi-la bater os pés no chão. – Calma, Gabi! Também não é assim… Esqueceu que ele beijou a ratazana na praia? – Põe uma pedra nisso, Preciosa… Ele já deu a maior prova de amor essa noite. Mal entendidos acontecem! E você pode ter certeza que o Gustavo nunca mais vai deixar que duvide do que sente por você… A expressão dele está totalmente mudada, só por vocês estarem numa boa ele se iluminou, contou pra mim com um sorriso enorme e com aquele brilho nos olhos que só você causa nele. Luiza engole seco. Gabi estava certa, ultimamente estava muito dramática e sabia que tudo poderia realmente ser um mal entendido. – Não prometo que vou correr para os braços dele como se nada tivesse acontecido, mas eu vou nos dar uma chance. Afinal, eu me sinto muito bem quando estamos juntos e ele é o único que me proporciona tudo isso. – Ótimo! Fico muito feliz por vocês dois, Preciosa. – Gabi sorri enquanto estica as pernas. – Agora você tem que falar isso pro Gustavo. Gustavo volta da sala de Flávio, segurando alguns papéis. Ele escutou as últimas frases de Gabi e franze as sobrancelhas, até as amigas se despedirem e Gabi desligar o telefone. – Falar o que pra mim? – Que te ama. – Ela diz naturalmente, mexendo nos cabelos. – Quem? – A Luiza. – Tá bom! – Ele solta uma gargalhada irônica e ela revira os olhos. – Gustavo, a Luiza é completamente apaixonada por você desde sempre. Na época da escola ela já te tratava diferente, depois quando aconteceu tudo aquilo do João e da Raíssa, e ela ficava super preocupada com você! E aquele brilho nos olhos dela? Só você causa. – Gabi diz e Gustavo sorrri, suspirando em seguida. – Eu gosto pra caralho dela, Gabi. A Luiza é a única que me deixa louco e que me acalma ao mesmo tempo… Algo que nenhuma fez comigo. Eu gostava da Raíssa, mas a Luiza é… – O olhar dele ganha ainda mais brilho, inevitavelmente ele sorri de novo. – Incrível. É algo totalmente novo mas eu tô pronto pra entrar de cabeça nesse relacionamento. – Vocês são dois lindos, meu casal favorito no mundo todo! – Gabi confessa e Gustavo dá risada. [***] Ao meio-dia, Gustavo e Gabi chegam á frente do hospital veterinário e encontram Luiza e Alex os aguardando. – Wow, mas já? – Gabi exclama antes de cumprimentar o namorado com um longo selinho. – Sim, consegui sair no horário! – Luiza sorri e Gustavo sela demoradamente seus lábios. – Own, que lindos! – Gabi bate palmas rapidamente, fazendo o restante rir. – Vamos? Estou morrendo de fome! – Luiza avisa e os quatro saem em direção ao restaurante escolhido. Ela vai á frente, segurando a mão de Gustavo. Alex e Gabi vão mais atrás. Em poucos minutos entram no restaurante e sentam-se numa mesa perto da janela, mas um pouco afastada da porta principal. – O que você vai querer, Preciosa? – Gustavo olha pra Luiza enquanto segura o cardápio. – Um beijo seu, Samurai. – Ela responde e em seguida morde o lábio inferior. Ele sorri com certa malícia antes de beijá-la carinhosamente. Alex e Gabi se entreolham, ambos sorrindo e com os olhos arregalados. – Ei, parem com a putaria aí! – Alex joga uma pequena bolinha de papel nos dois, fazendo o casal cessar o beijo e rir. – Cala a boca e beija a sua namorada, idiota! – A hora do almoço é sagrada, né, pequena? – Alex se refere á namorada que concorda balançando alegremente a cabeça. – Vocês só pensam em comida. – Luiza volta a encostar o queixo no ombro de Gustavo e escolher algo no cardápio. – Tem coisa melhor do que comer? – Gabi pergunta. – Tem! – Gustavo e Luiza respondem num coro, ao mesmo tempo qe olham juntos pra Alex e Gabi. – Sexo, por exemplo. – Luiza diz verdadeiramente e Gustavo concorda. – Nasceram um para o outro mesmo, tá louco. – Alex comenta e eles riem. – Vocês tem que escolher o prato pra ter energia para mais tarde. – Gabi sugere e o novo casal concorda. Os quatro escolhem os pratos e fazem o pedido ao garçom. [***] Após almoçarem, os dois casais fazem o caminho de volta e perto do hospital veterinário, Gustavo e Luiza param para se despedirem. Gabi e Alex ficam do outro lado da rua. Gustavo fecha os olhos e suspira, não conseguia mais esconder o quão apaixonado está por Luiza. Ela, por sua vez, já não conseguia desfazer o sorriso. Eles deslizam os narizes um no outro e se beijam de forma apaixonada. – Vou sentir saudades… – Gustavo confessa assim que cessam o beijo. – Eu também! – Hoje você tem aula? – É janela, de terça não terei aula. – Luiza diz sorrindo e o rapaz consente. – O irmão do Rafa vai jogar hoje e o André vai com ele, posso pedir pro Alex e pro Felipe irem pro apartamento de vocês. Eu compro um vinho e a gente pede alguma coisa pra jantar… O que acha? – Perfeito! – Ela sorri e ele inevitavelmente retribui. – Então tá combinado. Assim que eu sair te mando mensagem e a gente se encontra em frente ao prédio. – Mal posso esperar. – Eles se beijam mais algumas vezes antes de voltarem ao trabalho com seus respectivos parceiros. [***] Já havia anoitecido quando Gustavo estacionou o Gol em sua garagem e seguiu para a entrada do edifício Aurora, como havia combinado com Luiza. Flávio pediu para que Gustavo ficasse até um pouco mais tarde para acertarem alguns detalhes do novo projeto, ele avisou Luiza e a moça consentiu, dizendo que aproveitaria esse tempo para elaborar três relatórios de pacientes e adiantar o trabalho do dia seguinte. Gustavo subiu do estacionamento até a frente do prédio, segurando a sacola com o vinho, e encostou no cerco que protegia as pequenas flores da fachada do prédio. Estava com a cabeça encostada no muro do prédio e de olhos fechados, por causa do cansaço, quando foi surpreendido por uma voz estridentemente familiar. – Oi, Gus! – Raíssa se aproximou e foi cumprimentar o ex com um beijo no rosto, mas Gustavo desviou. – O que você quer? – Quanta hospitalidade! – Raíssa não sabia que encontraria Gustavo ali naquela hora, mas aproveitou a oportunidade para fazer saber mais sobre o que João havia lhe contado no dia anterior. – Como foi a viagem para Ubatuba? – Foi ótima. – Gustavo mantinha o cenho franzido mesmo sem a intenção. – Claro que foi, ficou dias com a sua querida! – Raíssa riu com certo deboche. – Vocês estão namorando? – Sim. Ao ouvir a confirmação de que havia realmente perdido o ex para a sua maior rival, Raíssa sente seu corpo tremer. – E já teve tempo de trair a Luiza? Caramba… Você mudou mesmo! – Eu não traí a Luiza! Quem te disse isso? – Gustavo manteve as sobrancelhas juntas ao encarar a ex namorada. – As notícias voam, Gus. Gustavo desvia o olhar ao tentar imaginar como Raíssa já sabia do mal entendido na festa. Tinha certeza absoluta que nenhum de seus amigos tinha contato com sua ex, muito menos Valéria. Deduziu que Luiza possa ter comentado com alguém do hospital veterinário e chegou até os ouvidos de Raíssa. – Voaram errado, afinal eu não a traí. Agora dá licença. – Gustavo faz menção de voltar para o prédio e é impedido por Raíssa, que segura seu braço. – Você acha que isso vai durar, Gustavo? Se o João insistir mais um pouco a Luiza cede e você se fode! – Quanta preocupação vindo de alguém que sempre me meteu chifre, hein? – Gustavo volta á posição que estava antes, de frente para Raíssa, e cruza os braços. – Qual é a sua? O que quer aqui á essa hora? – Nada! Isso foi apenas coincidência. – Raíssa se defende, mas o ex não acredita. – Igual aquele dia em frente ao restaurante japonês? Você não me engana mais, não! Fala logo o que você quer. – Eu queria saber se era verdade que você tinha traído a Luiza. – Raíssa sorri com malícia. – Coitada, nasceu pra ser usada. – Não fala assim dela! – Gustavo altera o tom de voz. – Eu não sou como você que sai por aí traindo e achando isso normal! Se era isso que queria saber, agora sabe: Eu e a Luiza estamos namorando e eu nunca a traí. – Impressionante como você defende essa menina… – Raíssa desdenha e olha para as unhas antes de voltar a encará-lo. – Acorda pra vida! Ela logo mais te chuta e você vai lembrar da única pessoa que te aguenta. – Raíssa, põe uma coisa na sua cabeça. – Gustavo abre as mãos em frente á ex. – Eu gosto da Luiza e estou namorando com ela, nada do que você falar vai mudar isso. Agora faz o que te pedi e some da minha vida. Raíssa sorri da mesma forma maliciosa e entrelaça os dedos nos de Gustavo. – Você sabe que mesmo pedindo pra sumir, eu sempre volto… Antes de Gustavo responder, eles ouvem passos furiosos vindo em direção dos dois. A espinha dorsal de Gustavo é arrebatada por um arrepio gelado ao perceber a expressão no rosto de Luiza vindo na direção do prédio. – Luiza! – Gustavo a chama ao se desvenciliar da ex, mas a loira passa direto por eles. – Sai daqui. – O que foi? Ei, me espera! – Ele segura o braço de Luiza a fazendo virar e encará-lo. – Sair mais tarde do trabalho? Essa é velha! Precisa mudar suas desculpas. – Não foi desculpa! A Gabi tá de prova. – Cansei de você, Gustavo. Quer ficar com a rata de praia, fique! Agora voltar a falar com a satanás aí já é demais pra mim. – Não houve nada demais, ela me parou e eu falei que nós estamos… Luiza então o interrompe, perdeu totalmente a paciência: – Não deveria dar ouvidos pra essa vagabunda! – Está com ciúme do namoradinho, Luiza? – Raíssa cruza os braços e sorri vitoriosa. – Você é uma dissimulada mesmo, hein? – A loira a encara, fechando os punhos. – Só vim checar se a fofoca que saiu do novo casal de São Paulo é verdade. Luiza franze o cenho e logo se lembra da conversa que teve com João. Ela fecha os olhos e balança negativamente a cabeça. – Eu disse que não é verdade! Nós estamos namorando… – Gustavo tenta acalmar Luiza, então ela abre os olhos brilhantes e o encara. – Não sei porque você dá tanta moral pra essa mina ainda. – Que moral eu dei pra ela? – O rapaz fica indignado com a acusação de Luiza. – Ela me perguntou uma coisa e eu respondi! Foi só isso. Não percebe que ela só quer causar? – Ah, claro, você nunca tem culpa de nada… – A loira debocha e faz Raíssa se realizar ao presenciar uma briga dos dois. – Você que está dando o ibope que a Raíssa quer. – Gustavo diz para a ira de Luiza, Raíssa continua apenas observando a briga. – Ela não vai fazer mal algum á nós dois se a gente não deixar! – Tá na hora de você saber uma história, Gustavo. Quando mudei para uma escola no centro de São Luis do Paraitinga, eu me esforçava bastante, gostava da escola e das pessoas, então sempre tirava notas boas e ganhei até alguns prêmios. Claro, também fiz amigos e estava realmente feliz. – Lá vai contar a história de sofrimento… – Raíssa fita as unhas e Gustavo observa a loira. – Aquele ano estava sendo maravilhoso! Além da Yasmin e da Manu, tinha mais uma amiga que ficava sempre ao meu lado, ía ver o dvd das Spice Girls na minha casa, minha mãe fazia bolo pra nós, era tudo lindo. Eu morava perto da escola, então ía e voltava a pé. Um dia, quando voltava pra casa, fui parada por três meninas da oitava série, que me perguntaram até quando eu ia continuar sendo a piranha metida da quinta série. Raíssa abafa com a mão a risada que não consegue evitar, Gustavo franze a testa ao prestar atenção na história. Luiza começa a contar sobre o pior dia da sua vida. Ela usava a camiseta branca com listras azuis, as cores da escola, quando foi empurrada para uma espécie de beco. As três meninas eram o dobro do tamanho dela e a cercaram antes de uma delas lhe acertar com um soco no nariz. A voz de Luiza começa a embargar ao lembrar dos chutes que levou na barriga, lágrimas escorrem ao contar que perdeu três dentes laterais quando bateram sua cabeça forte no meio fio e lembra-se perfeitamente da camiseta banhada em sangue. Ainda pode sentir a dor da canelada que quebrou seu braço, quando ela tentava se defender caída no chão. – Levei um chute tão forte no rosto que os ossos da minha bochecha se quebraram e meu nariz foi esmigalhado. Esse foi um dos motivos para eu operar o nariz, além do desvio de sépto que já tinha e só piorou depois da surra. A maioria dos meus dentes são pivôs porque eu perdi vários… – Luiza ainda soluçava e podia sentir toda a dor física de novo. – Antes de irem embora, elas cortaram e arrancaram meu cabelo á força, me deixaram falhas na cabeça, ainda me ameaçaram caso contasse quem foi. Gustavo estava boquiaberto, não sabia que Luiza havia sofrido tamanho abuso. – Caralho… – Ele se aproxima e abraça a loira, que chora como se ainda estivesse na quinta série. – Se não fosse a nonna da Gabi eu estaria morta, minha boca sangrava e eu estava sem forças pra levantar! Ela foi buscar a Gabi e o Tiago na escola e me achou desmaiada, chamou socorro e ficou comigo. Foi assim que eu conheci a Gabi. E o estrago foi tão grande que minha mãe desmaiou quando me viu na ambulância. – Fica calma, já passou! – Gustavo aperta Luiza nos braços e carinha seus cabelos mas ainda não tinha entendido o porquê de Luiza contar essa história. – Eu acordava no meio da noite berrando, isso quando conseguia dormir… As únicas pessoas que ficaram ao meu lado nesse período, além da minha família, foram as meninas e aquela amiga minha.  – Luiza se solta do abraço e limpa as lágrimas com o dorso da mão. – Se já te conhecesse naquela época, pode ter certeza que eu acabava com quem te bateu! – Gustavo esbraveja enquanto Raíssa revira os olhos. – Eu fiquei louca para descobrir quem foi! Até hoje não consigo entender o porquê de tudo aquilo. Jamais quis ser melhor do que alguém, eu era apenas uma criança. – E descobriram quem foi o imbecil que mandou fazer isso? – Sim. Enquanto eu me recuperava, quase dois anos depois, a Manu ouviu uma conversa no banheiro e contou para a minha tia. A mandante de tudo foi aquela menina que se dizia minha amiga. – Pegaram essa menina? – Gustavo arregala os olhos, aquilo parecia roteiro de filme. – Ela foi punida? – Ficou uns meses indo na delegacia, mas, como já havia passado dois anos, não tinha muito o que fazer… A minha vontade era socá-la até ela desmaiar e sentir na pele todo o horror que é levar uma surra num beco e não ter pra onde correr! – Luiza cerra os dentes e fecha o punho, o rancor ainda estava vivo dentro dela. – Pode ter certeza que essa menina ainda vai pagar por tudo que fez. – Gustavo tenta confortá-la. – Estou esperando ansiosamente por isso. Inclusive, ela é a sua extraordinária ex namorada! – Luiza sorri ironicamente. Gustavo se vira e encara Raíssa, que mantem a expressão de desprezo. – O que!? Você fez isso, Raíssa? – Gustavo exclama, realmente não dava pra acreditar. Na verdade não sabia o que mais lhe espantava, o fato de Luiza ter apanhado tanto ou elas terem sido amigas na infância. – Ela já era vadia desde aquela época! – Eu era uma criança! – A loira berra, as lágrimas voltam a escorrer pelas bochechas rosadas. – Você destruiu minha adolescência, por dois anos estudei em casa pois tinha medo de sair e ser atacada de novo. Tomei remédios pra sindrome do pânico até os dezessete anos! – Raíssa, o que você tinha na cabeça?! – Gustavo ainda tentava assimilar tudo. – Ai Gustavo, já se passaram anos e ela ainda fica se martirizando por isso. – Se eu te chutar até você desmaiar tenho certeza que nunca vai esquecer. Você não passa de uma piranha desalmada que merece sofrer e morrer sozinha! – Luiza diz com tanta raiva que Gustavo teme alguma agressão física entre elas. – Calma, Luiza! – Gustavo a segura pelo braço, puxando-a para perto dele. – E você, Raíssa, mandar bater numa criança? – Milhões de mulheres no mundo e você quer a Luiza! – Raíssa não se conformava, o único cara que a quis como namorada agora estava completamente apaixonado pela maior rival de sua vida. – Quero! E nós estamos juntos e vamos continuar, independente do que você pense ou do que fale. Eu quero mais é que você se foda! – Ela ficou com o Rafael! Pode ter certeza que deve ter mais babacas como você correndo atrás dela enquanto pisa em todo mundo. É ISSO QUE A LUIZA FAZ! – Você tá se doendo porquê o Gustavo finalmente desencanou de você! Está se cagando de medo de ficar sozinha! – Luiza diz e Raíssa olha para ela novamente. – Quem vai morrer sozinha é você! Todo mundo te usa e te deixa, só querem pra aproveitar seu corpo. O Gustavo não é diferente! Só está assim porque é um idiota que acredita em tudo, mas logo vai cansar da sua grosseria e você vai acabar sozinha, enchendo a cara. Os olhos de Luiza se enchem de lágrimas, sua garganta parece que vai fechar. – Luiza, não dê ouvidos à ela! Você sabe que não é verdade! Tem um monte de gente que se preocupa com você e te ama. E eu nunca vou enjoar de você, que vou ficar do seu lado independente do que aconteça. – Ah, Gustavo, tá bom que você vai ficar do lado dela! – CALA A BOCA, RAÍSSA! Você é a maior vagabunda que eu conheci na vida. A única coisa que sabe fazer é destruir tudo o que toca, puta que pariu! – E VOCÊ É UM BABACA QUE TODO MUNDO PISA E FAZ DE TROUXA! O que ela iria querer com um cara como você? Enquanto os dois discutem, Luiza sai correndo e sobe as escadas pisando forte em cada degrau. Todas aquelas emoções eram demais pra ela, um tornado de sentimentos arrasando seu peito e ela mal podia respirar. Se senta em um dos degraus e chora, queria expulsar tudo aquilo de dentro dela. Em frente ao prédio, Gustavo deixa Raíssa dando chilique sozinha, só conseguia se preocupar com o bem estar de Luiza. Ele sobe rapidamente os lances de escada até encontrar a loira sentada perto da porta do apartamento dos garotos, apática. – Tá vendo porque eu odeio essa biscate?! Não é só porque ela te traiu e te fez de idiota, é porque ela não passa de uma dissimulada que tem o dom de enganar todo mundo e tenho certeza que conseguiu te convencer que eu sou uma desalmada. – Eu conheço muito bem vocês duas e sei em quem devo confiar, Luiza. – Gustavo senta-se ao lado dela. – E mesmo assim estava falando com ela. – Luiza ri debochadamente. – A Raíssa veio falar comigo e eu disse que estamos juntos, aí ela surtou. – Você nunca muda, né? Assume logo o que faz, Gustavo! Quer ficar falando com um monte de garotas e usa sempre essa desculpinha idiota. – Caralho, eu estou contando o que houve! Dá pra acreditar em mim? – Ele a encara com as sobrancelhas levemente arqueadas. – Como?! Sempre que eu quero acreditar acontece alguma coisa me mostrando o contrário! – Luiza, você me conhece há anos! Sabe muito bem como eu sou. – Ainda não percebeu o porquê da minha dificuldade em confiar nas pessoas?! – Eu percebi, claro que percebi, mas eu nunca fiz nada pra você desconfiar de mim… Deixa eu te mostrar que pode confiar em mim! – O olhar dele suplica pra que Luiza o ouvisse. – Não, você se declarou pra mim e ficou com outra na mesma noite. Aí quando eu penso que está tudo bem, te flagro de conversinha com a tua ex. – Eu estava falando pra ela que estamos juntos, ela surtou e eu me mantive firme. Só quero ficar com você! Mas tem que acreditar em mim. – Ah, foda-se! A gente nunca vai dar certo, não adianta insistir nisso! Não consigo confiar em você. – Luiza se levanta bruscamente e Gustavo a segue. – O que eu tenho que fazer pra mudar isso? – Ele a segura pelo braço, eles se entreolham. – Nada. Eu vou embora pra Porto Alegre, vou cuidar do meu irmão que precisa de mim! – O que?! – Dava pra ver a decepção e tristeza no olhar dele. – Você vai desistir assim? – Vou, estou cansada de tudo isso. – E o que eu sinto? – Você se importou com os meus sentimentos quando ficou com a ratazana? Não! Então pode pegar seus sentimentos e enfiar na bunda. – Ela finaliza e se vira em direção aos degrais da escada, mas Gustavo segura em seu braço e a faz olhar pra ele de novo. – Para de ser tão teimosa, Luiza! Chega desse show. Eu já disse que vamos para Porto Algre no fim de semana. Agora vamos sentar e conversar como adultos! – NÃO QUERO CONVERSAR COM VOCÊ! – Luiza grita mais uma vez e se vira, subindo as escadas. – Me espera, cacete! – Gustavo segura o braço de Luiza com força, eles se entreolham com os dentes cerrados e a respiração rápida. – Pára de agir feito criança. Porque é tão difícil tentar se acalmar e me deixar falar? – Porque você fala uma coisa e faz outra totalmente. Eu cansei! – Vem aqui, vamos conversar! – Gustavo entra no apartamento que divide com os amigos e os dois seguem até seu quarto. – Vai, Gustavo, fala. Fala o que eu já estou cansada de ouvir! – Luiza cruza os braços, parada em frente á televisão. Ela bate o pé direito no chão demonstrando toda a sua raiva. – Me dá uma chance! Eu vou provar que nunca fiz nada pra te magoar, eu não sou esse filho da puta que você acha. – A voz dele começara a falhar. Realmente, não sabia mais o que fazer para mostrar o quanto a queria ao seu lado. – Já te dei uma chance e você jogou fora. – Não, eu não joguei! Não dei moral nenhuma pra Raíssa e disse que estamos juntos. – CARALHO, CALA A BOCA! – Ela grita tão forte que o faz cerrar os olhos – Eu já falei, não quero mais saber de você nem de nós dois, isso nunca vai dar certo. Pára de tentar, está mais do que claro que não nascemos pra ficar juntos. – Não quero estragar tudo de vez! – Ele a encara e Luiza percebe lágrimas discretas se formando nos olhos dele – Eu não quero te perder. Demorei anos pra finalmente ficar com você e não quero que um mal entendido estrague tudo. – Estou desgastada! Estamos desgastados demais pra ficarmos juntos, Gustavo. – Ela diz com a voz embargada, relutando pra não começar a chorar. – Eu vou pra Porto Alegre cuidar do Victor. – Não se faça de vítima como se estivesse indo viajar porque eu sou um bosta. Você está cansada de ouvir de todo mundo que foi um mal entendido, mas não quer acreditar em ninguém! Agora vai para outro estado e vou ficar aqui pra lidar com isso tudo o que eu estou sentindo, porque é muito difícil pra você baixar a bola e ver que tem sua parcela de culpa! – Parcela de culpa? – Luiza cruza os braços e o encara, indignada. – Sim! Você é muito cabeça dura e não quer ceder de jeito nenhum, por isso a gente não está dando certo. – Vai se foder, Gustavo! Você sempre age como se só você tivesse problemas! É o mundo contra o Gustavo, e você é um coitado que todos enganam! – Ela altera a voz, seu rosto suava e suas mãos tremiam. – Você fica agindo como se o mundo girasse em torno do seu umbigo… Eu já me coloquei no seu lugar milhares de vezes, mas está na hora de descer do pedestal e ver o meu lado também, caralho! – Pedestal? Não existe outra pessoa que seja vítima nessa situação além de mim! Eu fui verdadeira com você e só tomei no cu! – Luiza continua e Gustavo respira fundo, olhando pra cima por longos segundos. – Qual é a sua dificuldade em parar de falar mais que a boca e me ouvir!? – Ele a encara, respirando forte. – Ontem eu te prometi que iriamos para Porto Alegre visitar o Victor, estava tudo numa boa e agora você quer ir embora sozinha. – Não quero ficar vendo você se fazer de santo e enquanto dá trela pra Raíssa. – Eu já falei que não dei trela pra Raíssa… Ela veio falar comigo! Eu não procurei. – PÁRA DE SE VITIMIZAR! Pára de se lamentar que foi um injustiçado! Quando eu realmente pensei em te dar uma chance você estava dando trela pra sua ex! – Luiza volta a elevar o tom de voz e Gustavo revira os olhos. – Você que fica se lamentando toda hora! Já tem vinte e quatro anos, está na hora de amadurecer e ouvir as pessoas. Se não quer me ouvir, beleza, mas ouve suas amigas! Elas jamais mentiriam pra você. Por mais amigo que eu seja amigo delas é obvio que elas são mais ligadas a você e, enfim… – Ele suspende os ombros pra trás. – Escuta as outras pessoas, não só a si mesma. – Tá, eu ouço elas e vejo você fazendo totalmente o contrário! – Cacete, eu não faço nada de errado! Aliás, tudo o que eu fiz até agora foi ficar correndo atrás de você e levando patada, sempre todo mundo tem que correr atrás da preciosa porque ela não desce do trono! – Gustavo levanta o tom de voz e Luiza cerra os dentes ao encará-lo. Ele prende a respiração por alguns segundos, esperando levar um soco. – Quer saber? Foda-se! Foda-se você, foda-se a Raíssa, foda-se São Paulo, FODA-SE TUDO! – Ela grita com tanta força que as veias de seu pescoço saltam instantaneamente. – Eu vou embora! Pra mim já deu. – Pode ir! Não sou eu que vou te impedir… Você é adulta, sabe se virar. Só não sei se as coisas serão iguais quando você voltar. – Ele a encara e Luiza franze a testa. – Eu não vou voltar. – Como não? – Vou me mudar definitivamente pra Porto Alegre. Gustavo continua a encarando, sua expressão é de total desaprovação. Ele sente como se fosse atingido por um carro em alta velocidade, sua boca instantaneamente seca. – E a sua faculdade? – Vou trancar e continuo o curso lá. – Mas aqui já está tudo certo… Você tem seus colegas e tem a gente aqui. E seu estágio? – Era difícil pra ele assimilar que Luiza queria ir embora. – Eu recomeço a minha vida em Porto Alegre, o Victor precisa de ajuda e é isso que vou fazer. Gustavo a encara com os olhos brilhantes e mordendo levemente o lábio inferior. Não queria acreditar que mal começaram e Luiza desistiria de tudo. Nunca havia gostado de ninguém assim e saber que ela iria embora pra outro país fazia seu coração apertar. Após alguns segundos ele suspira, apoiando as mãos nos quadris. – Pra você é muito mais fácil fugir do que sentar aqui e conversar. – A expressão de inconformismo na cara de Gustavo é nítida. – É tão mais fácil partir do que encarar toda essa dor e me deixar aqui sozinho. Luiza engole seco, uma lágrima solitária escorre pelo seu rosto. – Não é mais fácil pra mim, Gustavo. Eu vou deixar minha vida pra trás! Meus amigos, minha faculdade, meu estágio… – PORQUE VOCÊ QUER! – Ele exclama, apontando o dedo na cara de Luiza. – NÃO APONTA ESSE DEDO PRA MIM! – Luiza grita e com um forte tapa afasta a mão do rapaz de seu rosto. – Eu vou embora pra não ter que ficar ouvindo essa sua ladainha de Maria Madalena arrependida! – Claro, fui eu que apareci ontem no seu quarto em plena madrugada querendo carinho e tô fugindo que nem um cachorro medroso. – Ele ironiza e ela revira os olhos. – Ontem eu realmente queria ficar numa boa com você, só que percebi que você nunca vai mudar! Sempre vai ter alguma biscate em volta e você com essa cara de tonto me falando que foi um mal entendido. – Mano… – Gustavo respira fundo e fecha os olhos por alguns segundos. – Você sabe, mais do que ninguém porque quase morreu espancada á mando dela, que a Raíssa faz de tudo pra te foder! É óbvio que ela ia querer causar quando soubesse que estávamos juntos! Você não está querendo ir pra Porto Alegre por causa disso, deve ter algum outro motivo. – Gustavo, a gente NUNCA vai dar certo! – Luiza o encara como se dissesse algo óbvio. – Sempre vai ter a Raíssa, o João, o caralho a quatro pra infernizar nós dois! – E desde quando você liga para que os outros pensam? – Ele cruza os braços e a deixa sem saber o que responder. – O problema não é nenhum deles! É você que ainda não tem maturidade pra sentar e assumir seu erro. – Que erro, Gustavo? – Luiza, você sempre reclama que sua mãe não gosta de ser contrariada e está exatamente igual. – Gustavo agora mantinha o tom agradável de voz, na intenção de conversar civilizadamente com a moça. – Entendo que você tenha ficado chateada lá na praia, eu no seu lugar também ficaria, mas você não me deu chance de conversar com você. – Pra ouvir de novo a mesma coisa? Não, obrigada. – Luiza dá de ombros. Gustavo respira fundo e continua: – Eu só disse a verdade, mas você só escuta o que quer. A Raíssa me traiu um monte de vezes e eu jamais faria a mesma coisa com você… – Ele se aproxima. – Olha pra mim, eu não tô mentindo! – Juro que queria muito acreditar nisso, Gustavo, mas não dá. É o mesmo discursinho do João! – EU NÃO SOU O JOÃO! Tira isso da sua cabeça, caralho! – Gustavo altera o tom de voz e Luiza retruca: – É SIM! VOCÊ ME USOU! ME ILUDIU COM UM MONTE DE PALAVRA BONITA, BEIJOU A RATAZANA, TAVA DE CONVERSA COM A RAÍSSA E VEM DIZER QUE NÃO FARIA O MESMO? – VOCÊ TAMBÉM ME USOU! – Ele já havia perdido a paciência que ainda lhe restava. – Apareceu ontem lá no meu quarto sabendo que eu queria fazer as pazes, a gente transou e você fez eu acreditar que tudo ficaria bem e agora me diz que vai abandonar tudo por minha causa??? – EU NÃO TE USEI! VOCÊ ME USOU PRIMEIRO! – PUTA QUE PARIU, LUIZA! EU NUNCA USEI VOCÊ! Tô há meses criando coragem e quando consigo você diz que eu sou igual ao babaca do teu ex? Porra! Você conversou com a Manu sobre a festa? Ela tava do meu lado e viu! Luiza permanece o observando por alguns segundos. As lembranças de quando João mudava toda a situação e a culpava pelas brigas do casal fizeram seus olhos encherem de lágrimas. No fundo ela sabia que Gustavo dizia a verdade, mas tinha tanto medo de ser usada novamente por alguém que engoliu o sentimento e manteve sua decisão. – Eu vou fazer minhas malas e ir pra Porto Alegre. – Luiza… – Gustavo tenta mais uma vez e a loira exclama com a voz embargada: – Vai se foder! – Vou me foder mesmo, vou me foder pra caralho! – Gustavo sentia a garganta queimar e os olhos arderem. Luiza se vira em direção a porta e a abre com força. Gustavo a observa até a porta se fechar com a mesma força que foi aberta. Ele se senta na cama, deslizando as mãos pelos cabelos. Luiza cruza o corredor e abre brutalmente a porta do apartamento, assustando Manu, Felipe, Gabi e Alex. Yasmin e Mateus estavam na cozinha arrumando os alimentos que compraram para o jantar e se entreolham intrigados ao ver a fúria da amiga. Todos observam a loira entrar com força em seu quarto. – Luiza! – Gabi chama e corre até o quarto, seguida por Yasmin e Manu. – Eu vou embora dessa merda de lugar! – A loira grita quando abre o guarda-roupas, começa a retirar as roupas dos cabides e as joga em cima da cama. – Calma, prima! – Manu estava claramente preocupada. – Calma o caralho, Manu! Cansei de ficar ouvindo merda do Gustavo! – Você precisa se acalmar, Preciosa… – Yasmin se aproxima e envolve seu braço esquerdo nas costas de Luiza, que recua. – NÃO ME CHAMA DE PRECIOSA! ODEIO ESSE APELIDO RIDÍCULO! – Yasmin se afasta, ela e Manu a encaram com os olhos arregalados. – Pedir calma é muito fácil quando todas vocês tem seus namorados maravilhosos e eu continuo me fodendo cada dia mais! – Mas, Luiza… – Gabi se aproxima com cautela. – Ficar nervosa desse jeito não vai adiantar. – Por isso que eu vou pra Porto Alegre e não vou mais voltar! – Agora Luiza começa a jogar os sapatos em cima da cama. – É certo isso? A gente sabe da sua dor, pelo Gustavo e pela Emília, mas não adianta fugir daqui. Só vai piorar… – Gabi morde o lábio inferior. Luiza se vira e encara Gabi: – Eu já tenho vinte e quatro anos e sei muito bem o que é melhor pra mim. Ficar aqui vendo o Gustavo todos os dias vai me corroer por dentro. E ele nunca vai se distanciar da Raíssa! Não vou ficar aqui sofrendo e me martirizando… E mais, meu irmão precisa de mim. – Nós também precisamos de você! – Manu diz com os olhos marejados e Yasmin a abraça. – Se quer ir ver seu irmão, tudo bem, eu apoio! Mas não vá pra fugir do que está sentindo, você nunca vai conseguir fugir de si mesma. – Gabi encara Luiza, que suspira. – Saindo daqui pra cuidar do Victor consequentemente vai fazer eu mudar o foco. Não estou fugindo de mim mesma, estou fugindo do que o Gustavo faz comigo. – Se você acha assim… – Yasmin dá de ombros quando se solta de Manu. – Eu não tenho escolha! Meu irmão está cheio de pinos nas pernas, não anda, tá fazendo fisioterapia todos os dias. Precisa de ajuda até pra usar o banheiro! Meus pais não tem condições de ir pra Porto Alegre, e eu seu que o Tiago está ajudando, mas é minha obrigação de irmã ir pra lá. Não vou deixar meu irmão mais novo se fodendo sozinho enquanto eu fico aqui por egoísmo de vocês. – Não é egoísmo! – Gabi exclama, incrédula com tudo aquilo que estava acontecendo. – Não estamos indo contra você viajar pra cuidar do Victor, todas nós apoiamos! Acontece que você quer ir embora sem data pra voltar, a gente te conhece! E é pra fugir sim, Luiza, porque o Gustavo feriu o seu orgulho. – E você não quer baixar a guarda e conversar com ele, prefere ir embora e culpá-lo de tudo. – Yasmin completa. Luiza apoia as mãos na cintura. – Se um dia alguma de vocês for traída ou feita de trouxa duas vezes seguidas, aí a gente conversa. Vocês não tem moral nenhuma pra falar pra mim o que é melhor a ser feito quando te metem um chifre, porque as três nunca passaram por isso! – Luiza volta a gritar e as amigas se entreolham. – Para de chilique, Luiza! Quanta teimosia! – Gabi altera o tom de voz. – A gente quer o seu bem, caralho! Okay, nós nunca passamos pelo o que você passou, mas não quer dizer que não temos moral pra te alertar. A gente se conhece há quanto tempo? Você é minha melhor amiga, eu sei que está fragilizada e que agindo por impulsividade não adianta nada! – Se querem meu bem me deixem ir e parem de enxer meu saco! – Luiza volta a retirar os sapatos do guarda-roupa. – Você vai ir e ser infeliz, escreve o que eu estou te dizendo. – Gabi dá de ombros, Yasmin e Manu apenas observam as duas discutindo. Luiza joga um par de botas com força na cama, se virando para a amiga. – Está jogando praga, Gabi? – Ela cruza os braços, parecia fora de si. – Você, sempre muito possessiva! Só porque sou sua amiga não posso ter outros amigos? Sempre foi assim! Você nunca aceita ninguém de fora pro nosso grupo, e colocou na sua cabeça que eu devo ficar aqui com o panaca do Gustavo. Gabi respira fundo. Os ânimos já estavam exaltados, iniciar uma nova briga só iria piorar as coisas. – Se você pensa assim, eu não vou forçar a barra, até porque não te fazer mudar de idéia. Só quero que saiba que eu quero o seu bem e, te conhecendo, sei que vai se arrepender. Antes de começar a gritar e dar showzinho de criança mimada, a gente sai e te deixa em paz por um tempo – Ao finalizar, Gabi sai do quarto, seguida de Yasmin e Manu. Luiza permanece parada pensando nas palavras da amiga, antes de começar a dobrar as roupas e colocá-las em malas de viagem. [***] Enquanto Luiza distribuia gritos para as meninas, os amigos foram até o quarto checar como Gustavo estava. Pela fúria de Luiza, até cogitaram a hipótese de encontrá-lo ferido ou desacordado. Por sorte, o encontraram sentado em sua cama, com testa apoiada nas mãos. – Você está bem? – Mateus vai a frente, se aproximando dele. Os outros o encaram, preocupados, Gustavo então levanta a cabeça e revela sua expressão cansada. – Sim… Só estou cansado. – Sua cara não nega, Samurai. – Felipe comenta e o restante consente. – Vocês viram como ela está? Parece possuída pelo demônio. Cara… – Ele esfrega as mãos no rosto, balançando levemente a cabeça. – Eu odeio isso. A Luiza não me escuta, continua só berrando e não desce do pedestal, como se só eu fosse o errado. Porque ela não para um minuto e age como uma adulta?! Que caralho! Mateus, Alex e Felipe sentam na cama a frente de Gustavo. André e Rafael permanecem em pé ao lado dos amigos. – É difícil, mas dê mais um tempo. Não vai atrás, deixa ela sentir sua falta e ver sozinha que está agindo como uma criança mimada. – Mateus aconselha, apoiando o braço direito no ombro do amigo. – Eu gosto pra caralho dela, mas assim não dá! É muita grosseria, é muito stress… E ela só sabe gritar e mandar tudo se fuder! – É o jeito dela. – Felipe tenta amenizar a situação. – Isso é mimo! Ela sempre quer tudo do jeitinho dela, aí quando é contrariada começa a dar show. Não custa nada me ouvir! Se vai acreditar ou não, foda-se. Só queria que ela agisse como uma mulher adulta! – Vocês ainda estão de cabeça quente… Se afasta um pouco, deixa os dias passarem e aí vocês conversam de novo. – Alex sorri e então Gustavo suspira profundamente. – Ela disse que vai embora pra Porto Alegre cuidar do Victor e nunca mais vai voltar. – Ah, você conhece a Luiza! Ela resolve as coisas de cabeça quente e depois volta atrás, não esquenta com isso… – Rafael se manifesta na intenção de ajudar o amigo. A porta do quarto se abre e Manu coloca a cabeça para dentro do cômodo. – Meninos, a Luiza quer falar com a gente lá na sala do nosso apartamento. Felipe, Alex e Mateus se levantam e vão caminhando com André e Rafael até a porta, Gustavo continua sentado na cama. Os rapazes passam por Manu e saem do quarto, quando a moça vê Gustavo sentado na cama. – Tudo bem aí, Samurai? – Sim. – Certeza? – Manu senta ao lado do amigo e apóia o braço esquerdo em seu ombro. – Se ela quer ir, que vá. Eu tô cansado de ficar correndo atrás e só tomando no cu. – Tenta mais uma vez fazê-la ficar… Diga que a ama! – Eu perdi a batalha, Manu. – Ele fita o chão com tristeza no olhar e Manu suspira. – Tenho certeza que ela vai mudar de idéia logo e então vai voltar correndo pra você. – Eu não espero isso… Sinceramente, tô tão cansado de brigar e ouvir ela gritando que nem sei mais se vale a pena. Gustavo respira fundo e Manu o encara, com compreensão. Realmente não devia ser fácil gostar tanto de alguém e essa pessoa não acreditar em uma palavra que você diz. – No final tudo vai dar certo! – Manu abraça Gustavo com força e ele sorri sem muito ânimo. Ela se levanta e segue para o apartamento, ele permanece sentado na cama fitando o chão. Estava tão cansado e com tanta raiva da infantilidade de Luiza que sentia a cabeça pesar e não conseguia pensar num futuro depois daquela decisão dela. [***] Todos já estão na sala, alguns sentados no sofá e outros se acomodaram no chão. Luiza está parada, em frente á televisão e virada para os amigos, aparentemente mais calma. – Bom, agora que a quadrilha está completa, preciso contar algo pra vocês. – A loira esfrega as mãos. – Estamos prontos. – Mateus franze o cenho e junta as mãos perto dos joelhos. – Como vocês sabem, meu irmão ganhou alguns pinos na perna após o acidente e está com uma certa dificuldade de locomoção. – Luiza fala e se porta como uma palestrante. – O Tiago têm ajudado muito, mas eu não me sinto bem estando aqui enquanto tudo está nas costas dele. Então, resolvi me mudar para Porto Alegre e cuidar do Victor. As expressões dos amigos são de tristeza. Sem Luiza ali a quadrilha, como ela mesma chamava, nunca estaria completa. – Porto Alegre é longe pra caralho! – Felipe lamenta e Manu consente. – É realmente necessário? – Mateus pergunta e Luiza confirma ao balançar positivamente a cabeça. – Mas vai ser por um curto período, pra ajudar o Victor, você vai continuar morando aqui… Quer dizer, você vai voltar, certo? – Alex pergunta mesmo já sabendo da possível resposta. – Não, vou morar em Porto Alegre pra sempre. – Porque isso? – Felipe está com os olhos marejados, assim como Manu, Yasmin e Gabi. – Meu irmão precisa de mim. – Nós também precisamos de você! – Felipe exclama com a mesma expressão que Manu fez mais cedo. Luiza revira os olhos. – Pode parar com esse drama! Eu não vou me matar. Existe internet, nos falaremos sempre e… – Mas e você e o Samurai? – Quando Felipe finaliza, todos se entreolham. – Acho que ela não precisa responder, Fê. – Rafael diz para afastar qualquer briga que possa se iniciar. Felipe e as meninas suspiram. – Obrigada, Rafa. Enfim, amanhã eu vou falar com o Márcio, trancar a faculdade e depois vou para a casa dos meus pais. Pretendo viajar para Porto Alegre até sexta. – Você já vai embora amanhã?! – Gustavo havia acabado de abrir a porta e ouviu a última frase dita pela loira. – Eu acho tarde, por mim iria agora, mas não posso. – Luiza dá de ombros, Gustavo entra no apartamento e se aproxima da moça. – Pra fugir de tudo isso que a gente sente, não é? Fala pra todo mundo que você está fugindo em vez de deixar o orgulho de lado e fazer as pazes comigo! Agora os olhares se voltam pra Gustavo, que está visivelmente nervoso. Yasmin segura sua perna caso ele avance pra cima da amiga. – Nem tudo gira em torno de você, Gustavo. – Luiza diz com ar de superioridade. – Olha só quem fala, né? – Ele ri de forma debochada. – Vai sair correndo daqui como um bicho medroso. – Eu vou cuidar do meu irmão, caralho! Você é retardado?! – Não é pra cuidar do Victor! É pra fugir do que você está sentindo! Se fosse pra cuidar dele, você ficaria um tempo e depois voltaria. Quer fugir de si mesma e me deixar aqui, me fodendo sozinho pra esquecer tudo! – Gustavo aponta o dedo na cara de Luiza. Ela franze a testa e cerra os dentes enquanto segura no dedo do rapaz e o torce, o fazendo cerrar os olhos. – Escuta aqui, seu merda, você não é ninguém pra dizer o que eu estou sentindo ou não. Se você não fosse idiota e mentiroso tudo estaria numa boa, mas você cagou em tudo. E não vem me dizer que eu estou fugindo de mim mesma porque você não tem moral nenhuma, não é capaz de saber o que quer! – Gustavo finalmente consegue soltar seu dedo da fúria de Luiza. Os amigos assistem tudo como um filme de ação, prontos pra separar qualquer reação física de ambos. – Eu quero você, caralho! E houve sim um mal entendido, todo mundo aqui sabe, mas você é tão cabeça dura que não houve nem as suas melhores amigas, nem a sua prima! Se eu errei, eu assumo, não fico querendo fugir e inventando desculpas pra não ter que assumir minha parte e deixar o orgulho de lado. – Claro, sempre um mal entendido… – Ela ironiza e ri. – Só quero ficar com você! Quero você desde os meus quinze anos, quero como nunca quis ninguém. Será que é difícil entender isso? – Ele diz, com os olhos brilhando forte. – E eu quero que você se foda, Gustavo! – A frase dita por Luiza acerta Gustavo em cheio. Ele e os amigos a encaram incrédulos, Gustavo havia acabado de se abrir na frente de todos e não era justo ela responder com tamanha grosseria. Gustavo engole seco, a frieza e grosseria dela o fazem sentir um aperto forte no peito e um nó inevitavelmente forma-se em sua garganta. – Continua agindo assim que você vai longe. – Gustavo consegue dizer apesar do aperto na garganta. – Vou mesmo, vou pra Porto Alegre e ficar bem longe de você! Quero que você e suas mentiras vão pra puta que pariu! – Luiza grita e Gustavo respira fundo. Não aguentava mais as respostas e atitudes de criança que a loira andava tendo, nem parecia a mesma Luiza que ele conhece há anos. – Então vai, Luiza. Vai! Cansou de nós e da sua vida aqui? Vai embora! Já falei que não vou impedir. Mas depois não fique se lamentando ou chorando de saudade, porque o que tem aqui você sabe que não tem em outro lugar. E se eu não sou bom o bastante pra você, tudo bem, eu fico aqui me fodendo como sempre. Vai procurar quem te trate que nem lixo e te use, quem não está nem aí para o que você é e que não se preocupa com você mesmo quando só ouve insultos e gritos. Eu já cansei desse show, cansei de ouvir você gritando. Como você mesma disse, FODA-SE! – Gustavo finaliza ao dar bastante ênfase na última frase. – VAI SE FODER, GUSTAVO! SOME DA MINHA VIDA! – Luiza grita com todas as suas forças e o rapaz dá as costas, saindo bruscamente do apartamento e deixando todos os amigos boquiabertos com o que acabaram de ver. [***] Luiza fez exatamente o que havia planejado: Pela manhã foi até o hospital veterinário e conversou com Márcio. O chefe ficou muito chateado com a partida de Luiza, mas compreendeu que era por uma força maior e lhe desejou sucesso, reafirmando que ela sempre teria um lugar garantido em sua equipe. Luiza se despediu de Dodô e Raquel com lágrimas nos olhos e com a promessa que eles a visitariam em Porto Alegre sempre que possível. Apesar de decidida foi difícil cruzar os portões do hospital pela última vez sem a saudade prematura. Seguiu para a faculdade e trancou a matricula, na hora do almoço encontrou com os amigos em um restaurante na região da Paulista para a sua despedida, por volta das duas da tarde ela pegou a estrada rumo á São Luis do Paraitinga. Obviamente Gustavo não foi, se concentrou no trabalho e só saiu da agência depois das onze da noite, quando já não conseguia nem mais raciocinar por conta do cansaço. Sabia que era natural pensar em Luiza pelos dias seguintes, mas decidiu não se envolver com ninguém por um longo tempo e se dedicar apenas na carreira.
Na sexta-feira bem cedo Fernando levou Luiza até o Aeroporto Internacional de Garulhos e no mesmo lugar onde Gustavo desembarcou e teve certeza do que sentia, Luiza embarcava para Porto Alegre acreditando ser o fim da história deles. O avião decolou deixando um pedaço do coração dela em São Paulo e levando para a capital gaúcha um pedaço de Gustavo consigo. Enquanto lia os emails naquela manhã Gustavo ouviu um avião rasgando o céu acima de sua cabeça e suspirou, se dando conta que até nos mínimos detalhes a falta de Luiza se faria presente. Eles só esqueceram que o mundo dá muitas voltas.
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