Gabinete de crise
Em meados de 2018, uma reunião de emergência é convocada.
- Crise. Cri – se. C. R. I. S. E. Do latim crisis. Do grego krísis. Substantivo feminino, dissílabo, paroxítono. A conjuntura requer elaboremos um plano enérgico no sentido de reverter essa tendência negativa. Sê-lo-ia conveniente o quanto antes. Sugestões de pauta positiva: aceitá-las-ei.
O clima é de tensão. Os assessores estão preocupados. Afinal, outros membros do entourage já foram demitidos por muito menos. Um a um, apresentam seus planos:
- Bem... – um deles titubeia, enquanto cria coragem – Temos aquela lista de sugestões heterodoxas.
- Confessar-lhes-ei que não posso afirmar que heterodoxia me agrada. Entretanto, adequar-me-ei à situação de premente necessidade. Enumerem-nas a mim.
- Certo, chefe. A primeira opção é estender o DPVAT para carroças de tração animal. Cobertura completa para os cavalinhos. O pessoal dos direitos dos animais vai vibrar.
- Não sei não, poder-se-ia dizer que aumento de impostos impactaria negativamente a nossa popularidade.
- Podemos melhorar o déficit fiscal revendendo toda a droga apreendida para outros países. São toneladas de drogas que estamos incinerando e poderiam estar gerando receita.
- Não sei não, acho que pode piorar ainda mais a nossa imagem no cenário internacional. E quando eu digo nossa, estou referindo-me a mim mesmo de maneira acadêmica, erudita, letrada.
- Outra opção seria legalizar os bingos e permitir aquisição das cartelas via empréstimo consignado. Chamaremos de “pacote de cultura e entretenimento para a terceira idade”.
- Não sei não, dir-lhes-ei que nossos aposentados já estão tão endividados que se aumentarmos a margem consignável, temo não serem capazes nem de conseguirem pagar o imposto de renda. E renúncia fiscal está fora de cogitação, por óbvio.
- No front do combate à corrupção, nossa pesquisa interna mais recente indicou que a maioria dos políticos e empresários sequer sabe conceituar o crime de corrupção. Daí surgiu a ideia de elaborarmos uma cartilha ilustrada para instruir esse público.
- Não sei não, essa história de cartilha pegou muito mal na última vez. Temo também que o público-alvo seja resistente a atividades de leitura.
- Para melhorar a autoestima do povo brasileiro e dar uma repaginada na nação, podemos elaborar uma emenda constitucional para renomear o país. República Federativa do Brasil soa antiquado, sisudo, muito anos 80.
- Não sei não. Nossos marqueteiros já estão todos presos e não tenho
criatividade nem para batizar meu filho, que dirá rebatizar o país.
- Acreditamos que uma mudança de postura da família pode melhorar a opinião pública até mesmo do governo. Antenados às novas tendências mundiais, levantamos que uma mascote oficial inusitada poderia atrair marketing positivo. Estamos sugerindo a aquisição de um mini porco como nova mascote, exímio nadador. Temos inclusive uma lista de sugestões de nomes.
- Perfeitamente. Mas esse porco não pode vir com vice, senão meu pimpolhinho vai ficar aborrecido.
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