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Do Recrudescimento do Mundo
21 posts
Não destruirão nenhuma outra rosa. A primavera chegou.
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doredom · 2 years ago
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Eu não sei bem comoquando começou.
Talvez, da vez
que , apressada,
Cabelo loirondulado,
Nos corredores de tijolos à vista -
Sorriso largo e reservado,
Você despontou
Talvez, na vez
em que sugeriu a rede social,
Botão adicionar…………………………………...por clicar
Mas, seu álbum de fotos aberto:
aquela em branco e preto,
enquadramento sensual
você fulgurou
Ou talvez, noutravez,
Algum tempo atrás,
discussão sisuda e imponente
Como é que se faz?
Crise econômica e tudo o mais,
Emissão monetária é patente?!
você replicou
Talvez, dessa vez:
Naquele contexto recluso,
adicionado seu número
pra um contato de(i)fuso
Intimidade, Stout, Amora.
E uma ligação de 6 horas
você confidenciou
Provavelmente, na vez
do girassol e das tantas visitas
(cozinhando, trocando, beijando)
Seguidas d’um hiato-ultraje
Findado com o reencontro na laje
e, na cama, a conversa prevista
você, a gente, completou
Dessa vez, sem talvez:
após a chegada da estrada escura e fria,
ainda tremendo de moto e fobia:
“Cada vez tenho mais certeza
que meu sentimento é enorme e flama”
É comoquando - nessa e todas as demais vezes -
você, a gente, recomeça e ama
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doredom · 4 years ago
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Baixa, estima
Óculos, olheiras, pés-de-galinha, cansaço, marcas de cravo e espinha.
Barba rala, barba falha, pêlos brancos, proeminência laríngea.
Cifose, cicatriz abdominal anterolateral, manchas de sol e de parto.
Rugas, pele oleosa, ausência de melanócitos, cabelo mal-ajambrado.
Gastrite nervosa, ansiedade, insônias encasteladas no quarto.
Mal humor, ranzinzice, timidez, coração candente e dessaibrado.
Características que me constituem, muitas das quais sou cúmplice.
Na lente apropriada, na ótica certa, poderiam ser, antes, poesia.
Mas não agora, sob o signo de Ftisis, Ania, Lipe e Frice.
Não hoje. Talvez noutro dia,
Numa ode, não na elegia.
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doredom · 4 years ago
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Checkpoint – 15/08/2021
(...)
Sobre o país, respiro fundo antes de registrar. Era abjeto naturalizar mil serumanos assassinados em vinte-quatro-horas. Mais que triplicamos esse crime. Hoje, os números voltaram a ser próximos daqueles da última data de registro. A diferença é que, antes, isso ainda chocava os sobreviventes e legitimava a adoção de medidas de restrição de circulação e combate à propagação do vírus. Agora, você e todas as escolas públicas e privadas voltaram a funcionar presencialmente. Mil assassinatos diários. Escolas abertas. Vidas que não seguem. Corações (de ferro) que não sangram. Economia que não circula. Estado suicidário. Capitalismo fundiário. Liberalismo financeiro.
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doredom · 4 years ago
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Sobre luta e ditaduras
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Essa foto enquadrada é minha companhia vespertina (das manhãs e noites também. Mas as tardes geralmente são intermináveis e vazias) de autoquarentena. Conquanto seja pouco efetivo diante das circunstâncias, o distanciamento é parte do que posso fazer para cuidar dos meus e dos nossos – dos seres humanos. Cercado de pessoas incríveis, aprendi que a humanidade é tudo o que temos. E isso é bom.
Emoldurei a imagem para me lembrar que o futebol é uma construção/relação cultural e humana. E que, como todas as demais, pode ser disputado e utilizado para promover transformações sociais e políticas. Também gosto dela porque o fotógrafo capturou um intelectual nortista, um jovem e um ex-operário negro unindo suas forças e comemorando os frutos dessa união.
Intelectuais, jovens, trabalhadores e trabalhadoras lutaram mais de duas décadas contra o regime que contextualiza meu quadro: um governo autoritário, capitalista, elitista, burguês, militar e apoiado por alguns setores civis bastante influentes.
Aquela ditadura iniciou-se há 57 anos ou um pouco menos. E não me refiro à querela vulgar quanto ao dia (31 de março ou 1º de abril) da deposição de Jango. Alguns dos atores sociais golpistas só notaram a ruptura institucional bem depois, em dezembro de 1968, momento de outorga do AI-5. Definitivamente, é preciso muita minúcia jurídica e alguma dose de empatia para precisar quando a democracia burguesa deixa de ser democrática.
Correram seis décadas, mas identificar um golpe de Estado ainda parece “complexo”. Para toda uma classe, que aqui chamaremos de burguesa (mas talvez você a conheça como Mercado, Empresariado, Agronegócio e demais entidades/conceitos amorfos), uma ruptura democrática só ocorre quando o sagrado-direito-à-propriedade-e-ao-lucro-capitalista está ameaçado. Outro segmento social percebe o coup após a ocupação abrupta do Planalto, do Congresso e das ruas pelas fardas (verdes ou cinzas). Nesse caso, a brusquidão é fundamental: se a ocupação for lenta-gradual-e-segura, o véu (semi)ótico da normalidade institucional se mantém.
Talvez o possível recrudescimento do regime e do bolsonarismo, tal qual fez o AI-5, desnude a “normalidade institucional” para segmentos mais amplos da sociedade. Mas não estamos na iminência de um golpe. Já estamos nele: um golpe parlamentar, “com o Supremo, com tudo”. Lidamos, uma vez mais, com um governo autoritário, capitalista, elitista, burguês, militar e apoiado por alguns setores civis bastante influentes.
Ontem, a bolha em minhas mídias sociais reproduziu dezenas de vezes: “Ditadura não se comemora, se combate”. E nós, estamos combatendo a nossa?
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doredom · 5 years ago
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Hoje não é um dia bom
Ao contrário, é um dia especialmente ruim, numa semana dolorida, num país machucado.
Essa manhã tive que ler durante uma aula online:
- Muito chato acordar e não ter pra onde ir e ter que ficar em casa por obrigação...
- e muito chato e quando levanta da  cama e nao ten nada para come
Na semana em que voltamos para o Mapa Mundial da Fome. No país que destrói mil vidas humanas, milhares de outras animais e centenas de hectares vegetais a cada 24 horas. Tive que ler que meu aluno passa fome.
Hoje não foi um dia bom.
Mas não foi o último.
Campinas, 23 de setembro de 2020
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doredom · 6 years ago
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Procrastino-me
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Tenho colecionado assuntos procrastinados:
Uma consulta a marcar,
Os cafés adiados,
A discussão política deixada pra outrora.
A conversa que deveria ser,
Junto aos conselhos, postergados.
O texto que, ainda há pouco, ia escrever.
A reportagem aberta na guia do navegador por duas semanas para que não me esquecesse.
O convite que não se fez,
Vilipendiando a gramática:
Voz passiva analítica e sintética pra eximir a culpa.
(Será pior do que o outro, que fiz mais de uma vez?)
O projeto acadêmico não submetido,
Por não lograr existência...
Arquivado meia década
Nas gavetas da impotência.
O e-mail com 5 mensagens não relidas,
E os áudios ouvidos-não-escutados,
Engano, nas setas azuis, propositado.
Ambos viraram hábitos, habito.
A vontade de permanecer a( )dentro com todas as forças,
Que nem Bandeira, Guimarães ou os russos podem mapear.
Elegia tosca, parnasiana, covarde.
Procrastinar é romantizar a angústia,
Tal qual a resiliência é o emburguesamento da passividade
Perante a exploração de classe.
Ciente da elegia,
Ciente da assimetria
A par da exploração.
Procrastino-me.
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doredom · 6 years ago
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Aos 30
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Um fim aos 20 e poucos não é difícil. Claro que a puberdade potencializa o sofrimento, mas tem o álcool e a resistência que ele confere ao pesar. Dez anos depois, há muitos espinhos mais: seu fígado não resiste bem ao tal emplastro, e a verdade é que desde a infância você não precisara lidar, sóbrio, com a dor.
Fisiologicamente, as noites tornam-se (ainda mais) longas. O sono, que nunca foi um operário diligente, tira férias indevidas. Mas você já se acostumou a seguir, apesar dele. Os dias é que são problemáticos. Você desperta após hiatos de descanso. Ingere café até sua urina exalar torrefação. E enfrenta a rotina.
Ela te amortece. O cotidiano te esmaga.
Não se engane, você não está mais maduro, convicto ou racional. Está anestesiado. Essa é a mazela que a dor impõem. A anestesia impele a continuar, retraçar planos, mudar o cabelo, dedicar-se a um novo esporte e adotar um mascote. Mas o efeito colateral é a obliteração da sensibilidade.
Isso devasta, quando precisa-se escrever.
Não me assusta sentir falta da segurança de tua presença, do seu toque e das covas de seu sorriso. O que me amedronta é como o cotidiano diminui sua ausência.
Não entenda mal, jamais diminui o que foi, e fomos. As receitas, as conversas, os projetos e sonhos. Tudo o que foi, tudo o que seria, não se perde em meio ao café, à faxina, aos cursos, aos boletos, ao ciclo monótono de afazeres do dia-a-dia.
E há recaídas, em que a dor é quase física. Dias em que seus abraço e beijo são o único caminho e prenúncio de bem-estar.
Mas também estou preparado pra isso. O simulacro engrossa, ao passo em que os vazios se acumulam.
Dia desses, recordo de ter aconselhado: “viver é o que ocorre enquanto aprendemos a lidar com nossos monstros”. Ontem, argumentei confiante que viver “não é cumprir uma lista de tarefas colocadas ou organizadas ao despertar”.
Talvez sejam autoconselhos. Desabafos, quiçá.
Por ora, o plano é enfrentar os grilhões do cotidiano, as armadilhas em mim e a dor da sua ausência. Desnudar a solidão, e inquerir os motivos do pavor por detrás. Penetrar a casca e o simulacro. Talvez eu seja os vazios.
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doredom · 6 years ago
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15 retratos de desespero (por Neil Gaiman)
#9.
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O beijo dela é o oceano profundo.
 O beijo dela não é o oceano profundo.
O beijo dela é o céu cinza.
 O beijo dela é um beco sem saída.
 O beijo dela é seu toque, é seu hálito são
seus dedos é o que resta depois que a
gargalhada termina.
 O beijo dela são as trevas
O beijo dela não são as trevas
 Com esta dor
eu te sinto
O beijo dela é o cão negro que
o segue nas trevas
 Há um cão negro abaixo do céu cinza, nas cercanias
do beco sem saída, à beira do oceano profundo.
Não é o beijo dela. Chegue mais perto...
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doredom · 9 years ago
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Sobre a PEC55 e o fim do “longo século XX”
Definitivamente assistimos o ocaso do longo século XX, o século dos “direitos sociais”.
Depois das distopias literárias, o rebento mais belo e mais revolucionário do século XX foi sua preocupação com os direitos sociais, garantias fundamentais de igualdade, dignidade e proteção ao trabalho, geralmente atreladas à observância e execução do Estado.
Ao cidadão não mais bastava a liberdade de contrato, o direito à propriedade e alguma participação política limitada. A “cidadania plena” passou a ser reivindicada por projetos de poder que, mais tarde, foram classificados nos prismas generalizantes da “socialdemocracia” ou do “socialismo”. A cidadania plena: o acesso simultâneo aos direitos individuais, direitos políticos e direitos sociais.
Na América Latina, no leste europeu e no extremo Oriente, onde poucas vezes era possível sonhar além, a cidadania plena foi expectativa, desejo e projeto de futuro.
Ao longo de décadas de lutas, os trabalhadores brasileiros alcançaram, um-a-um, alguns expoentes dos direitos sociais: educação gratuita, legislação trabalhista, direito à greve, previdência social, programas de saúde pública, proteção à maternidade e à infância, programas de moradia, iniciativas tímidas de distribuição de renda.
Na tarde de hoje, 53 senadores enterraram a garantia desses direitos históricos.
“Precisamos garantir o pagamento das despesas”, dirão os incautos, reverberando as manchetes e análises do jornalismo tupiniquim.
“Precisamos garantir nossos dividendos”, gargalham os rentistas do capital.
JK pretendia-se aos 50 anos em 5. Mostramos que podemos ir além. Literalmente dobramos sua meta. Retrocedemos 20 anos em 1.
Os anos vindouros serão amargos, como foi o começo do século XX. Mas duas certezas o esperam: só a luta e só a rua mudam esse sistema socioeconômico torpe.
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doredom · 12 years ago
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Pintura
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Foram quatro olhares dispersos no tempo,
Confluindo num espaço-palco
Porque, inevitavelmente, aquilo haveria de ser uma peça.
(Poesia, de La Fontaine;
Talvez um drama, shakespeariano,                                         
Ou realismo machadiano, regado a bukowskismo pessimista)
Pouco importa,
Pois o visceral – agora – não são as consequências.
Só as primeiras impressões.
Quatro olhares,
Um sorriso da boca vermelho-batom,
Alguns beijos, mas antes
O velho problema das borboletas no estômago
Pintura.
Ele logo notou.
Você, querida, é um quadro.
Cubista-hermético, apesar das tantas e tão perfeitas influências
Porque, cada vez que se olha,
Vê-se a mesma beleza,
Mas elementos diferentes e infinitos que a compõem.
Quer-se olhar pra sempre.
E isso, faz bem.
Querida,
Pouco importa a duração em dias terrenos.
Ou as circunstâncias em que se termine – ainda que há de se terminar.
Pintura, minha cara, é arte fugaz.
E o efêmero, sempre dura o suficiente.
Ele entendeu que não é perene,
Mas que pintura é a arte do efêmero.
Em dois atos,
Logo recobrou a premência de escrever
(Outrora perdida em becos secos das tardes vazias.)
Pintura e boca vermelho-batom.
Dificuldade e um quê de indecisão
Que seja efêmero, dane-se.
Desde que seja.
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doredom · 12 years ago
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Tributo a Bukowski
Coloquei novamente a foto dela na carteira enquanto procurava cigarro e fogo num dos bolsos. Nunca a indecisão fora tão grande. Estava eu ali, dois anos depois, encostado num balcão, na frente da casa em que passei os melhores e piores dias da minha insignificante vida, decidindo se empurraria ou não o maldito portão de entrada.
Resolvi pedir mais um uísque com água enquanto refletia sobre o que fazer. O garçom era um sujeito gordo e desajeitado, provavelmente careca, embora o boné desgastado escondesse a suposta calvície. Ele me trouxe a bebida sem balbuciar um monossílabo e eu a recebi de forma idêntica.
Aquele bar mudara algo nos últimos dois anos. Quando fui embora, ainda era uma panificadora decadente onde, não raro, o pão era um artigo escasso. Agora era um bar, também decadente e às moscas, mas, ao menos, a bebida era farta e gelada.
Conheci Joana numa noite quente de verão, embora, antes disso, tenha topado constantemente com ela por nove meses. Ainda que você conviva por cinco anos com o mesmo filho-da-puta, no trabalho ou num bar, você realmente só o conhece depois das três, quando o completo esgotamento físico e mental permite que ambos abandonem as convenções sociais e regras de etiqueta. Foi assim que a conheci, em meados de novembro, já depois das três. Eu fazia um esforço colossal, levando um carregamento de cervejas pra um bar universitário clandestino; ela interceptou-me no caminho, pegou parte da carga e sorriu pra mim. Por anos tomei aquilo como metáfora: ela me ajudando carregar o fardo que é a droga da vida. Hoje percebo que foi apenas a porra de uns engradados de cerveja... Não obstante, ainda me pego com cara de adolescente parvo quando lembro daquele sorriso.
Não foi amor a primeira vista. Aqueles eram tempos complicados pra mim e só me recordo de ter reparado naquelas coxas. Joana era daquelas meninas inseguras, que provavelmente morrem sem saber que são realmente mulherões. Mas como disse, eram tempos difíceis e nem um par de peitos como o de Winits seriam o suficiente pra me despertar algo próximo da atração.
Por azar ou pela sorte, Joana se manteve próxima. A periodicidade dos encontros “casuais” aumentaram, os sorrisos também. Sem demora, ela tinha meu número de telefone. Não causou grande surpresa, embora fosse algo inesperado, seu primeiro convite, que com a recusa virou sucessivos, para sairmos.
Aconteceu, finalmente, numa noite cinzenta de dezembro. A tempestade castigava a maior parte da cidade, mas eu estava bem coberto, a meia-luz, num barzinho indie e mal frequentado. Esperava por ela, embora jamais fosse admitir sequer essa possibilidade. Algumas vodkas depois, Joana entrou acompanhada de amigos. Sem qualquer cerimônia sentou-se ao meu lado e sorriu, cumprimentado. Estava absolutamente fantástica e, dessa vez, suas coxas disputavam minha atenção com os peitos.
Falamos de banalidades enquanto terminava a vodka. Descobri que, assim como eu, ela tinha péssimo gosto para livros e filmes, e uma queda duvidosa pra quadrinhos e subliteratura. Logo percebi algo que me perseguiria por longos anos, talvez perpetuamente: os dois malditos exemplares dos olhos “irremediavelmente estreitos e envolventes”, pelos quais passei parte da vida relembrando, bastava deitar na cama, enquanto enlouquecia em quartos escuros, fosse com ou sem mulheres.
Um ruído do portão em frente ao bar atraiu minha atenção. Desloquei os olhos do generoso decote de uma das garçonetes e voltei-me à rua, mas não a tempo de identificar quem entrara na casa. Embora o cheiro teimasse em denunciar, descartei qualquer hipótese de ela continuar a usar o velho perfume depois de tantos anos. De qualquer forma, a presença de mais alguém na casa deixava minha tarefa ainda mais árdua. Não tive outra opção, a não ser pedir outro uísque com água.
* * *
Enquanto o balconista, a contragosto, servia a dose, voltei meus pensamentos ao tosco bar indie. Lembrei que em dada altura, naquela noite, minha mão deslizou por entre suas cochas e ali permaneceu. A despreocupação de Joana em afastá-lo demonstrara que a tática fora bem sucedida. O assunto já estava escasso, e os tais amigos não me davam qualquer brecha pra um avanço. Minha bexiga implorava por uma urinada, mas minha mão digladiava com o resto do corpo pra permanecer ali, onde estava.
Sem saída. Levantei e fui ao banheiro, mijar com calma enquanto pensava numa brilhante ideia para afastá-la daquela mesa. Urinei durante minutos, saboreando cada jato mal direcionado. Entre todas as sensações, a de melhor custo-benefício irrevogavelmente é aquela imediatamente antes e durante a mijada. Estar o tempo todo bêbado é a segunda. Ambas não me saiam da cabeça, quando fui até o balcão e me servi de outra generosa dose de vodka com gelo.
Voltei à mesa. Joana é quem tinha ido urinar. Sabia que era a única oportunidade da noite. Contei intermináveis vinte e cinco segundos, levantei e fui de encontro a ela. No meio do caminho, a sincronia: ela acabara de sair do banheiro e vinha em minha direção. Nos cruzamos, e eu a interceptei: “Aqueles putos querem ir embora, sinto muito... medidas drásticas”. Encostei-a contra uma parede. Inclinei minha boca em direção a sua e esperei a resposta. Não sei ao certo por quantos tempos nos beijamos, talvez durante toda a chuva... talvez ainda mais... E, droga, devo acrescentar aquilo à tal lista de boas sensações da vida.
Quando afastei minha boca, tinha a certeza de que algo tinha fodido e as coisas jamais seriam iguais. Parte de mim ficara presa pra sempre naquela sinestesia de incompreensões. No outro dia tive vontade de vê-la. E no outro. E mais um. A cerveja foi uma boa companheira, mas logo eu percebi que nem todo álcool do mundo preencheria uma lacuna tão latente e, paradoxalmente, nunca notada até então. E, em pouco tempo, a abstinência joanina venceu o excesso de álcool no sangue. Foram tempos estranhos. Logo eu, que jurara tantas vezes não deixar o coração, crápula que é, interferir nos assuntos mundanos, em quaisquer assuntos. Agora me pegava forjando situações hipotéticas pra encontrá-la.
Continuamos nos vendo, numa periodicidade indecisa. Não é exagero dizer que a situação se invertera completamente e a necessidade do contato era toda minha. Criei táticas e ocasiões, mais ou menos triunfantes. Meu maior trabalho foi fazê-la ver que, de toda aquela merda que tinha sublimado – e eu não fazia ideia do que era – pouco ou nada fora unilateral, ao contrário, fora recíproco. Joana relutou, mas teve de entender: pra porra do coração, não se abrem, nem se fecham exceções, situações.
A cartada final viera numa festa decadente, quase que propositalmente armada pra forjar outro encontro. Tive de convencê-la que, dentro do parâmetro burguês-monogâmico, aquele caralho tendia ao amor – ou, se quiser simplificar, eu disse que a amava. Ela sorriu e recuou... Demorou intermináveis duas semanas para trazer a confirmação.
Continuamos saindo, não sem interrupções, por quase dois anos. E, a cada maldito dia, eu tinha a confirmação de algo realmente sublinhara. Alguma coisa tinha dado extremamente certo, ou completamente errado, mas tinha feito tudo valer a pena. Não sei quando as coisas começaram a se perder. Incerteza, indecisão, era a palavra que melhor definia Joana e os assuntos a ela relacionados. Pensava nisso quando terminei o drinque numa virada.
O último gole de uísque vagabundo embrulhou meu estômago, da mesma forma que, cedo ou tarde, faz o amor. O desajeitado balconista, mecanicamente, aproximou-se pra servir outra dose, mas eu precisava de um cigarro. Deixei três notas de cinco e sai à rua, em direção à estação de trem, ou, talvez, em direção ao maldito portão.
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doredom · 13 years ago
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Praias montanhosas, leste da Sensatez. Estavam sentados, fitando-se há algum tempo. Ao horizonte, pequenos barcos e veleiros começavam a baixar âncora; a correnteza subia vagarosamente e isso não parecia perturbá-los. Era daquelas conversas que, ao menos uma vez, ambos desejaram ter.
- Às vezes, lembrando como aconteceu... Droga, poderia ter sido diferente não acha?
Não era bem lamentação que seu rosto expressava. Eles continuavam se olhando, compenetrados. Ela, loira, cabelos longos, ondulados nas pontas, e olhos visceralmente verdes. Ele, cabelos escuros, disformes, olhos de um castanho que alternava, sem qualquer padrão, entre claro-escuro. Deveriam ter falado sobre aquilo décadas, séculos atrás.
- Sempre pode ser diferente, eis a graça. Mas não sei se eu mudaria muita coisa...
Enquanto falava, ela levantava mecanicamente punhados de areia, deixando-os cair novamente no chão. O vento fazia seus cabelos dançarem, ela se irritou e prendeu-os num nó.
- Você ainda “amarra” os cabelos?
- Amarrei por muito tempo. Às vezes me pego fazendo isso de novo, é quase involuntário...
Conheceram-se por acaso, quando jovens. Ele era do tipo mal-humorado, ela, esquipática. Ninguém nunca soube exatamente o que um vira no outro, mas todos sabiam que existira uma ligação mútua. Poucas vezes falara alto a ponto de ser ouvida, mas por anos causou uma sensação estranha de estarem presos num elo quase inexplicável de atração; nem forte a ponto de mantê-los unidos; nem fraco o suficiente para esquecerem.
- Nada? Você não mudaria nada?
Ela continuou em silêncio, desviando o olhar. Ele prosseguiu:
- Você não nos daria uma chance? Eu mudaria isso. Teria dito sim, teria feito você dizer sim...
- E o que acha que teria acontecido? Viveríamos felizes para sempre, num mundo perfeito? Você sabe o quanto eu era diferente. Você mesmo, melhorou muito desde então... E isso não quer dizer que tenha sido fisicamente...
Pela primeira vez sua expressão se alterou. Um misto de raiva e angústia tomou conta de seu rosto, e Ela prosseguiu:
- Você era tão inseguro...
- Me arrependi diversas vezes disso. De não ter dito nada, ou de não ter tentado nada. Era tão fácil ter você ali, do meu lado, sem maiores preocupações... E então...
A angústia ainda tomava conta da voz Dela: - E então o quê?
- E então a gente se distanciou – Ele falava numa voz baixa, quase sussurrando, talvez com medo de prosseguir – E quando nos reencontramos... Você já estava... Já não dava mais... Você sabe...
- Foi assim que você viu as coisas? É um processo tão óbvio, não? – Ela levantou numa explosão. Ele permaneceu sentado, fitando os movimentos quase mecânicos dos barqueiros no horizonte. A maré continuava a subir e em breve águas do Mar da Aflição os alcançariam. – Como tudo era cristalino: você desaparece e eu, crápula que sou, destruo uma coisa que nunca sequer foi verbalizada, explicitada...
- Eu gostava de não ter que verbalizar – Ele a interrompeu, com um tom de voz que não demonstrava fúria ou ressentimentos. Ela voltou a se sentar, ainda mais perto Dele. Suas mãos se encontraram. – Veja bem, eu não quis dizer que foi sua culpa. Na verdade, por um longo tempo eu convivi com essa culpa. A culpa de não ter tentado. Olha, também não era tarefa das fáceis: você sempre foi fascinantemente complicada. E a cada certeza que deixava transparecer, havia sempre tantas dúvidas.
Um silêncio que pareceu perpétuo se estabeleceu. As ondas se chocavam com violência contra as rochas e seus dedos se tocavam em movimentos entrosados. Ela levantou os olhos verdes e o fitou com alguma ternura:
- Olha bem pra gente. Teríamos combinado. Embora jamais confessasse, sempre gostei de seus instintos bobos. E você tinha um jeito de me olhar e falar comigo... Nunca mais os encontrei.
- Pensei em você em diversos momentos, ao longo de toda a vida. A cada etapa, geralmente de angústia ou profundas apreensões afetivas, eu imaginei como teria sido. E, confesso, nunca achei que seria bom o suficiente pra você – Ele falava num tom espaçado, mas nunca a ponto de deixar-se interromper – Aprendi a amar de diversas maneiras, e isto não necessariamente tem a ver com intensidade. Aprendi, e até hoje tenho certeza disso, que eu te amei de um jeito tenro e imbele... Mas um jeito que não acabou nunca.
Ele esperou por alguma resposta, alguma palavra qualquer. Talvez, se tivesse levantado os olhos, teria percebido que, de ambas as bocas, palavras não eram precisas, ou antes, eram impedidas por um princípio de lágrimas... Ele as engoliu, e prosseguiu:
- E se eu te pedisse uma chance agora? Se rogasse pra você desistir de tudo? Te convencesse de que a faria feliz com todas as forças? Que minha barriga se remexe toda, só de pensar o contrário? Se...
Uma onda chocou-se violentamente contra seu rosto e Ele levantou-se, engasgado. O céu fúcsia denunciava um crepúsculo recém-encerrado. Olhou em volta e viu os pequenos barcos e veleiros ancorando nos portos. Abriu os olhos e procurou desesperadamente por alguém de quem não se lembrava. Alguém com quem talvez tivesse conversado, ou sonhado. Levantou-se, logo anoiteceria. As praias montanhosas da Incerteza eram ainda mais hostis na escuridão. Caminhou a leste, no sentido contrário ao mar, tentando lembrar sobre o que conversara. Talvez, adentrando nos Jardins do Pesar, encontraria o rumo de seu eterno vagar.
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doredom · 13 years ago
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Envase
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          Gosto de imaginar que foi numa manhã de primavera em que Pessoa, depois de passar um café forte (o amor definitivamente não combina com vinho do Porto, a dois, numa noite fria) sentou-se numa poltrona macia e, ainda apaixonado (decerto não por uma libriana), formulou: “Amor não se conjuga no passado, ou se ama para sempre ou nunca se amou verdadeiramente”.
Tenho pensado nisso desde a primeira vez que vi a oração pronta, com um fundo musical numa apresentação de slides démodé. Não exatamente no verbo amar – que de transitivo direto ou de regular pouco tem – mas de quando (ou como) conjugá-lo no passado.
Se vivo, Bandeira discordaria da afirmativa. Com o convencimento que só ele sabe exercer, diria que só é possível se amar na infância, ou antes, amar a infância. Tudo isso que sinto agora seriam saudades do Recife que, algum dia, existiu em mim. De outro modo, Dostoievski, lancinante, decerto pactuaria com o poeta luso. Por um caminho sinuoso, faria crer que o amor não acaba nunca, que é preciso amar até o fim. Gabriel seria mais dúbio. Ora agarrar-se-ia sobre a secular incapacidade de amar dos Buendia, ora faria crer que, mesmo em tempos de cólera, o amor resistiria aos cem anos de solidão.
No meio disso tudo – entre o não existir e o não acabar – encontra-se a mim. Ou melhor, não se encontra: sou envase, simulacro, casca. Nada. Antes, ainda: um imenso vazio. Acho que entendi o que Orlando Porto quis dizer, talvez em meados dos anos 1950, quando vaticinou: “Melhor maneira de verificar, antes, se já não estou morto”.
Conheci Orlando como quando conheci Manuel, Gabriel e Fiodor. Numa noite solitária de cerveja, café e leitura. Claro, e a angústia sincera de estar fora dos trilhos, sem perspectivas de carrilar. Ele não me tocou com versos tristes, sentimentos pungentes em realidades fantásticas ou tramas dolorosamente psicológicas. De imediato pensei nele como um frasista alegre. Frasista dos bons. Depois descobri que era só anagrama de um francês, Roland Topor, este sim, deveria ser cruciante como o demônio. Com Pessoa foi diferente, afinal, ele é tantos. Mas não é Pessoa que dói. O que dói, mesmo, é o vazio.
Olha, eu estive ausente. Ausente daqui, de você, dos lugares. Estive escondido nas sombras. Escondido das sombras. Não ousei sair, nem de vezenquando. Mas, por favor entenda, antes e acima de tudo, estive ausente de mim. Há um buraco enorme aqui dentro, que não consegui preenchê-lo de novo. Ao invés disso, criou-se uma casca. Uma casca que, se em algum momento eu pensei que era cura – toda essa balela de que o tempo tudo conserta – agora vejo que só serviu pra conservar o espaço não preenchido que ficou.
Ainda há um vazio aqui, em mim. Um vazio... dói e é imenso... do seu tamanho.
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doredom · 13 years ago
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        (...) - E você, não se apaixona nunca? - Tem essas criaturinhas que eu tenho o hábito de criar... Paixonites gulosas, que se alimentam de ternura alheia. E você, menina, é um estoque infinito de ternura. A monstrinha já está crescendo demais...
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doredom · 13 years ago
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- Já jantou?
- Comi um sanduíche. E tu, não jantou?
- Não. É tarde né? Mas eu como qualquer coisa em casa
 - Eu faço um sanduíche em um minuto. Gosta de peito de peru?
- Gosto.
- Foi casado? Quanto tempo?
- Dois anos
- Rápido. Gosta de mostarda?
- Gosto, mas pouquinho. E tu?
- Eu adoro.
- Não, se tu já foi casada.
- Morei com um cara, um ano.
- Mais rápida que eu.
- Maionese?
- Não, não. Tô precisando emagrecer.
- Pra quê? Tá ótimo.
- Sério?! Pode botar um pouquinho então.
(...)
- E tu, separou por quê?
- Ele não gostava dos meus sanduíches.
- Não é o meu caso. O que mais tem aqui hein? Peito de peru, mostarda...
- Rúcula, tomate e o resto eu não digo... tempero secreto.
- Ah, não precisa contar, é ótimo. O cara que não gosta de um sanduíche desses tem algum problema sério.
- E tu, separou por quê?
- Não sei bem, ficou chato.
- De repente?
- Não, aos poucos. Acho que é sempre assim. Acontece aos poucos e a gente percebe de repente. Quando acontece alguma coisa, alguma coisa banal...
- Que coisa?
- Isso eu não conto.
- Desculpe.
- Tudo bem, é que é uma coisa que não faz sentido pra quem vê de fora. Fica complicado explicar.
- Claro, eu sei.
- É uma coisa que a outra pessoa faz e tu percebe, de repente, que ela é uma estranha. Pode até ser uma coisa que ela sempre fez e tu nunca tinha percebido que ela fazia, ou queria fazer.
- Conta logo.
- Quer que eu conte?
- Tu tá louco pra contar.
- Vamos fazer o seguinte. Tu me conta qual é o tempero...
- Não, não posso.
- Eu sei.
- Você também não.
- Eu sei.
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doredom · 13 years ago
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Da ternura
“Você gosta de mim?”. Ela sorriu encabulada, enquanto me encarava com os olhos de ternura. Foi a última coisa de que me recordo antes de adormecer ao seu lado. Ali, então, poderia, sem inverdades, ter respondido: “Nesse caos em que minha vida se tornou, você é a única coisa que faço questão de manter assim, constante”. Mas, é claro, não foi o que fiz. Dei uma resposta irônica, quase com um quê de áspera. Ainda me lembro de uma conversa a respeito de defesas, inevitáveis. Sobre montar botas de combate e estar sempre na defensiva.
Você achou que eu não as usava, não sei se é bem verdade. Acho que minha resposta-piada, abrupta, foi porque as estivesse calçando. E, também, porque eu realmente goste de você: sua estranha obsessão por apertões; a forma como você me encara com o canto dos olhos; e de como você deixa o cheiro do seu cabelo no meu travesseiro. (Aliás, não nos entendemos muito bem né, ele e eu?) Mas, antes e acima de tudo, gosto tanto do modo como você exala e é pura “fofura”.
A contragosto, confesso que nunca fui bom com defesas... Aquela velha tese do “sentir com todas as forças”, lembra? Mas a questão toda não é nem essa. É bem mais fácil deixar as coisas assim, abertas... descongestionadas. Sei que você não entende metáforas futebolísticas, mas acho tão desnecessário “embolar o meio campo” quando estamos sós, mim e você.
Óbvio que isso exige uma racionalização longa e complexa. E há sempre tão pouco de racionalidade nos territórios do caos. Mas é que, assim de repente, estar com você torna-se tons doces de carinho e café. E, então, só apertar-te faz sentido
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doredom · 14 years ago
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Do antônimo da Razão
Ok C., se é o que deseja ouvir, eu estava errado, você tem razão, ganhou. Mas não vou dar o braço a torcer totalmente, você bem me conhece. Acho até que tivemos avanços nesse meio tempo. Veja o meu lado, foi bom notar que a gente pode se interessar, diferentemente, por diversas pessoas, e quase que ao mesmo tempo. Das outras vezes, nossa prática comum foi deixar que se inflacionasse o mercado imobiliário, e com o nosso reduzido poder aquisitivo, na prática isso significava que passávamos tempos sem nos interessarmos por alguém.
Agora, você notou, foi diferente. Foi melhor e, acima de tudo, menos complicado. Por mais que tenhamos uma queda por complicações, simplicidade, às vezes, é fundamental. Não se queixe, tivemos ótimos momentos, alguns até se repetiram, e isso foi o que houve de errado com eles. Nisso, concordo que precisava melhorar: se de fato te ensinei que é possível se interessar por várias pessoas, faltou melhorar no quesito “mais de uma de cada vez”.  Repetir a mesma pessoa podia atrapalhar o projeto e, de fato, nem sempre ajudou.
Bem, C., mas o maior erro você já deve ter deduzido qual foi. Sim, sim o subestimei. E, claro, me superestimei. Assino onde você quiser, mas quero desfazer nosso trato. Não sei fazer as coisas desse jeito... na verdade, não sei nem me cuidar sem seus conselhos. Não sei, ou não quero, viver sem estar apaixonado. As coisas perderam parte da graça, preciso do tóxico tesão do amor. Meu tempo acabou, foi divertido, engraçadinho, aproveitei melhor do que esperava, mas não quero mais.
Então, por favor, C., quero que você pare de apenas bombear sangue e retome o controle. Se apaixone, faça de mim um parvo, bobo, impoluto e incauto. Aceito até amores platônicos ou impossíveis, mas quero, uma vez mais, estar apaixonado.
Ass.
R.
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