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Tenho um amor que mora comigo
Maurílio, 2023.
(para ler com o pensamento em "Os dragões não conhecem o paraíso", conto de Caio Fernando Abreu).

As patas batendo,
os incêndios nos livros de cabeceira,
a solidão quando você me deixa
com a casa toda destruída.
Durante muito tempo
tento esquecer tua pele
e o teu cheiro de hortaliças,
te abracei tão forte sabendo de sua partida,
presença breve,
você me deixa sozinho.
Em vão reformei minha casa,
pintei paredes,
água para regar plantas,
Suculentas, Espadas-de-são-jorge,
Dinheiro-em-penca, tua Camomila e Alecrim,
espalhadas pela sala até a cozinha,
para dizer que está tudo bem,
para você apenas voltar, desfrutar
e destruir de novo quando quiser.
E se alguém me perguntar porquê eu gosto disso,
não sei dizer,
apenas preciso.
Eu nunca pude dizer que vivo contigo,
em nossos melhores momentos,
você em seguida me machucava,
bagunça de novo toda minha casa,
perturba nossa paz para logo ir embora
deixando-me sem rumo,
mas ainda te pedindo retorno,
trocando os móveis da casa,
pintura nova nas paredes, livros, plantas.
E você demora!
enquanto eu conserto móveis,
arrumo dinheiro pra reforma,
sinto teu cheiro pela casa,
muito mais agora, quando não está,
acendo incensos, óleos essenciais,
canela, sândalo,
vaporizando na sala.
Eu mudo os móveis,
os espalho pelos cantos da casa,
para que tenha espaço
em seu retorno,
para uma dança nossa
por toda sala,
noites de amor,
e que nessas noites você apenas me ame,
nada mais.
Eu mudo tudo
constantemente,
só não mudo tua saudade
e tua presença viva
em cada espelho, cadeira,
marcas em minha pele,
te desenho em cada passo,
cada banho lembrando de ti.
Apenas não mudarei de casa,
porque tenho medo
de um dia
você confundir os caminhos,
desistir de quem te espera,
e eu te perder para sempre,
antes de poder te enxergar como é,
antes de poder, enfim, te esquecer.
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