Tumgik
folha-manchada · 6 years
Text
Uma abundância de Lígias
Tumblr media
Nesse momento, acabei de ler o livro Tartarugas até lá embaixo. A personagem principal, Aza Holmes, possui transtorno obsessivo compulsivo, ansiedade e provavelmente outros transtornos que eu, uma leiga, não pude identificar. O autor, John Green, também possui esses transtornos, assim como outra autora que eu admiro muito, Jenna Lawson, que trata em seus livros sobre suas experiências com seus vários transtornos mentais. Eu nunca fui diagnosticada com nada desse tipo, na verdade, nunca fui a um terapeuta ou psiquiatra, mas posso dizer que me identifiquei com as espirais de Aza. Sei como é estar em uma sucessão caótica de pensamentos que parecem, ao mesmo tempo, fazer parte do mesmo assunto e serem totalmente conflitantes. Sei como é estar paralisada por esses pensamentos e não conseguir fazer parte de uma conversa normal enquanto todos eles não se acomodam no meu cérebro. Sei como é ficar congelada pelo medo e por isso deixar de fazer coisas que eu realmente gostaria. Sei como é se achar uma aberração e sentir que todos que te rodeiam estariam melhores se você parasse de existir. Sei como é precisar inventar mais e mais metáforas para explicar para você mesma (pois não falo sobre isso com os outros) que dor é essa que você sente no meio do seu ser. Sei o que é achar que você divide o corpo e a alma com um monstro que vez ou outra, ou quase todos os dias, vem à superfície e chega bem perto de destruir toda a lucidez que você construiu brick by brick. Sei o que é estar impotente diante da ansiedade que te desloca para um buraco negro que só existe nos recantos da sua mente, e sei o quanto tudo isso é angustiante, doloroso e, sejamos sinceros, vergonhoso. Mas também sei que às vezes, eu consigo vencer. Ou melhor, a parte de mim que deseja respirar depois de tanto tempo submersa nessa água turva caótica da minha consciência consegue vencer. Sei que às vezes, consigo interromper o desfile de ideias repetitivas e enjoativas, e sei que quase sempre, consigo adormecer o monstro após algum tempo de luta brutal. Mais importante, eu sei que todos os eus que carrego aqui dentro são difíceis de lidar, tanto para mim quanto para meus amigos, família e companheiro, mas também sei que essas pessoas continuam ali. E que nos entendemos, apesar de.
Crédito da imagem: https://twitter.com/johngreen/status/892826467020746752
0 notes
folha-manchada · 6 years
Quote
Suave companheira de passos discretos, abundante leite dos ceús, avental imaculado de minha escola, lençol de silenciosos viajantes, que vão de pensão em pensão com um retrato enrugado nos bolsos. Ligeira e plural donzela, asa de milhares de pombas, lenço que se despede de não sei que coisa. Por favor, minha pálida bela, cai amável sobre Neruda em Paris, veste-o de gala com teu alvor, traje de almirante, e traze-o em tua leve fragata a este porto onde sentimos tanto sua falta
O carteiro e o poeta
1 note · View note
folha-manchada · 9 years
Text
Ao grande pessimista
Não tem sido fácil, Carlinhos. Acho que você até possuía alguma esperança, apesar de seus poemas pessimistas. No meio de toda aquela angústia da guerra, havia uma luzinha o fim do túnel, não é? Um lampião com o querosene nas últimas, mas que ainda dava um caldo. Só que as notícias não são boas, poeta: o mundo mudou pouco.
A tecnologia está a toda, é claro. A cada dia, um aplicativo se torna obsoleto, e os aparelhos precisam ser trocados semestralmente. Podemos escolher um parceiro – amoroso ou sexual, apenas – através de um catálogo online, onde três linhas definem toda uma vida e excluem os defeitos adquiridos ao longo dos anos. Durante as refeições, os pais disputam o espaço de diálogo com o barulho estridente de um grupo de conversas embutido nos celulares de seus filhos; na verdade, às vezes os pais foram contaminados pelo vírus da indiferença bem antes dos tablets chegarem à prole.
Dizendo assim, pode parecer a você, Carlitos, que evoluímos que menti quando afirmei que o mundo pouco mudou. Evoluímos, e não menti. A medicina avançou e o ser humano regrediu. Os aparelhos tecnológicos são inteligentes e capazes de nos aproximar e nossas atitudes são impensadas e egoístas. O organismo vivo deste planeta azul gigante está perdendo para os seres inanimados de 7 a 1.
Somos individualistas. Sim, Andrade, fazemos guerra por petróleo, armas, gás natural e religião. Não respeitamos limites alheios e estimulamos a competitividade exacerbada. Olhamos a aparência, meu caro modernista, e ignoramos os detalhes pessoais que tornam o ser humano realmente atrativo, como o jeito de andar e a forma como olha para o ser amado. Ainda colocamos o dinheiro em primeiro lugar, o prestígio e a comodidade. Esquecemos (novamente) da felicidade, não a grande, trazida por projetos de longuíssimos prazos, como a viagem para a Europa que acontecerá daqui dez anos, falo dos pequenos momentos felizes, como assistir a um filme muito aguardado ou reservar uma tarde para uma leitura no jardim. Estamos tão ocupados estudando demais, trabalhando demais e nos preocupando tanto, que negligenciamos o pouco tempo que temos neste plano terreno.
Mas, olha... Não se desespera,não. Eu resolvi te deixar um consolo: continuamos atrás do amor. Pelo menos, alguns de nós. Procuramos em livros, filmes, músicas, histórias contadas em botequins barulhentos, em pessoas. Pessoas de verdade, aquelas que aceitam quebrar a cara e abrir o coração, que constroem  sonhos compartilhados. Seres dispostos a sentirem toda contradição dolorosa que é o amor.
É, Drummond, talvez ainda haja solução. O amor ainda está aí, afinal. Há os que não o acharam, è vero, mas há tantos outros que já sabem usufruí-lo... Talvez não devêssemos ser tão negativos, amigo escritor, talvez estejamos exagerando... Ou talvez a vida só esteja complicada. Para nós dois. Talvez estejamos apanhando mais do que podemos e sejamos fracos demais... Acho que só enxergamos o lado encardido da moeda. Será que conseguiremos ver o lado dourado, Cacá? Será que cuspiremos os sentimentos amargurados do mundo? Quem sabe juntos, Drummonzito, alcancemos a paz de espírito dos realizados?
0 notes
folha-manchada · 9 years
Text
Obrigada, Tati
Eu comecei a assistir Mad Men um dia desses, entre exercícios de matemática e vídeos literários, e percebi que essa é uma série rara. Confesso que antes, quando assistia episódios esporádicos nas madrugadas da TV Cultura, julgava o enredo meio parado, as cenas um pouco forçadas, e nem mesmo a entrevista do Jon Hamm (intérprete do Don Drapper) na Rolling Stones mostrando-se um marido atencioso – algo que sempre me cativou muito – serviu como inspiração para eu abrir mão do meu sono para acompanhar a saga da Sterling Cooper. Hoje, vejo que toda essa resistência foi fruto da constante exposição a cenários vibrantes e bem humorados de séries como How I Met Your Mother e Once Upon A Time (neste caso, mais vibrante do que engraçado). Posso dizer que não fui acostumada a cenas silenciosas destinadas a focalizar expressões faciais e linguagem corporal entre os atores do ambiente.
Digo que Mad Men é rara porque seus produtores optaram por criar camadas em seus personagens, mesmo quando o cenário em que eles estavam era completamente definido, como uma sala de reuniões, por exemplo. Don é contemplado com esse mosaico psicológico através de declarações descrentes sobre o amor e um comportamento carinhoso com sua melhor, mesmo que tudo isto estivesse contraposto a uma cena sensual logo nos primeiros minutos do primeiro episódio, envolvendo nosso protagonista e uma morena bem diferente  de sua esposa loira.
É óbvio que a série não vale a pena apenas por Drapper e seus olhos claros; há personagens como Pete Campbell e Peggy Olson que prometem futuros brilhantes nesse enredo calmo e calculista. Por essas e outras, agradeço à Tati Bernardi pelo seu texto, publicado em sua coluna semanal da Folha de São Paulo, que ressaltava as contribuições de Mad Men para felicidade. Sem esse texto, eu não teria presenciado o poder de um anúncio de cigarros sobre o caráter humano, não é, Pete?
0 notes
folha-manchada · 9 years
Text
Construção
Está chovendo. A janela está fechada, e a cortina aberta, para ver a chuva. É uma chuva forte, brava, barulhenta. Castiga o vidro uma vez, e outra, e outra... E bombardeia o telhado também. Se fechar os olhos, e deitar no chão vai parecer que o quarto é uma redoma de vidro finíssima, que pode se romper agora ou daqui uma hora.
A cozinha cheira a chocolate. É quente. Tem geleia de laranja em cima de uma mesa azul, e um livro também, embaixo da xícara lascada, xícara conhecida. É capa dura, verde, aveludada. A xícara está vazia e limpa. O livro está velho e usado. Amarelado. O bolo ainda está no forno.
Tem um jardim, alagado agora. O muro é alto, uma muralha. A esteira que fica no meio está embaçada por conta da cortina de água.  Tinha um livro na espreguiçadeira, mas tiraram antes da chuva começar. Poesia.
Agora o livro está na sala, que é onde quase todos os livros ficam. Mas eles não ficam nas prateleiras, na verdade, ficam em todos os lugares, menos lá. No banheiro, há pelo menos três romances policiais; no quarto, coleções e mais coleções de fantasias; a cozinha ficou com os clássicos, e o quintal, com os poetas. Na tal sala só estão os livro grandes, difíceis de carregar, que tratam da história do mundo, com guerras e descobertas de lugares. Pode-se dizer que a casa está abarratoda deles. Mas vazia de almas. Ela não está lá.
1 note · View note
folha-manchada · 9 years
Text
Eu não acredito que conheci você na seção de terror da locadora. Aquilo parecia um golpe danado do destino: um cara como você, segurando um dos meus chocolates prediletos na mão, e olhando para a capa de Invocação do Mal. Cara, eu odeio filmes de terror. Não assisto nem a pau. E nem adianta vir com esse papo de assistir a dois para poderem se agarrar que isso comigo não cola. Prefiro dar uma tirada e agarrar do nada do que ficar sem dormir depois. Mas apesar de toda a minha resistência à essas criações do demônio, lá estava você. Sinceramente, nunca imaginei conhecer O CARA no meio dos filmes de terror. Era pra você estar perdido dentro da locadora, esperando uma alma caridosa como eu te indicar uma comédia boa, ou um aventura aclamada, ou aquele romance que todo mundo fala mal, mas no fundo é de qualidade. Só que você estragou tudo, porque você resolveu que me conheceria entre o cartaz decrépito de Carry, a Estranha e a novíssima foto de Annabelle. Que promissor.Mas aqui estamos nós, não é? Apesar das tardes separadas pelos seus “bebês monstruosos”, está tudo bem. No fim, as suas esquisitices combinaram com as minhas; no fim, acho que era pra ter sido esquisito mesmo o nosso primeiro olhar, porque isso estabeleceu uma conexão entre nós. Quando eu vi você no meio daquelas imagens demoníacas e com meu chocolate favorito, e você me viu com a camiseta de um dos vlogers mais irados que você conhece e com o um filme da categoria “chorante”, e nós sorrimos, acho que já sabíamos que, apesar dos gostos cinematográficos irrevogavelmente opostos, seria através dos detalhes que nós conseguiríamos completar um ao outro.
2 notes · View notes