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fragmentosdetododia · 4 years
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SOBRE CONSTRUÇÕES
Sou construção. Processo. Sequência. Espiral. Tenho trilhos nos pés que já foram raízes; e janelas no peito que substituem as paredes a cada dia menores em mim.
De tempos em tempos reparo as rachaduras da alma com todo o cuidado que necessitam,  antes que comprometam as fundações. Estas são discretas, nunca visíveis:mas sustentam e estabilizam todo o resto. Merecem atenção constante.
Às vezes são necessários restauros que não planejei: alguns problemas são trazidos de fora para meu interior. Recupero-me depois de um temporal que levou algumas telhas com o vento. Depois da chuva torrencial que encontrou goteiras desconhecidas por mim para se infiltrar. Depois do sol escaldante de verão que desbotou minha pintura. Aproveito e procuro tirar vantagens destas interferência externas: me tornando mais forte, prevenida e colorida. Mais bonita e funcional.
Arquiteta de mim mesma, aprendi que uma obra nunca termina realmente: é esta a mais assustadora e reveladora verdade. A beleza está em fazer do processo o motivo para seguir em frente. Adaptando-me. Aprimorando-me. Completando-me. Ressignificando-me.
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fragmentosdetododia · 4 years
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SOBRE SÁBADOS
De todas as certezas que um dia possuí sobre meu futuro, o sábado pela manhã era a mais lúdica e inquestionável delas : ele seria o elo que me permitiria reviver episódios de minha infância feliz, com minha nova família.
Idealizava acordarmos todos juntos, ligarmos o som bem alto com uma de nossas músicas preferidas, abrirmos as janelas deixando o sol entrar e, naqueles momentos mágicos, termos somente uns aos outros. Exatamente como era na casa de meus pais, enquanto criança e adolescente. Uma rica e divertida bagunça: se eu fechar os olhos, nossas risadas ainda ecoam em minha mente e nossas pantufas e pijamas consigo descrever em detalhes.
Mas a vida é brincalhona... E no nosso percurso aprendemos que planejar o futuro é algo de uma ironia sem tamanho. Meus sábados pela manhã são sim especiais: mas bem diferentes daqueles que imaginei lá atrás. São mais preguiçosos e bem menos barulhentos. Um café na cama, uma leitura rápida, abrir as janelas, planejar um passeio, jazz ao fundo... Somos dois a construir uma rotina só nossa, inédita para ambos, já que vivenciamos durante boa parte de nossas vidas os dias movimentados e barulhentos que as famílias grandes proporcionam.
Porém nos últimos tempos, nossos sábados pela manhã  tem sido “perfumados”... antes mesmo de abrir as janelas, ouço conversas baixas e sorrisos infantis. Imediatamente fecho os olhos e revivo um pouco  minha infância: as brincadeiras com a Nana, as confidências trocadas, as discussões em voz baixa para não provocar nossos pais. Sorrio e abro, olhos e persianas, para observar minhas vizinhas, duas irmãs, repetindo aquele mesmo ritual: a cada final de semana que inicia, no sol do pátio repleto de árvores e recantos, uma nova brincadeira é descoberta, um novo cantinho é explorado. A música toca, a mãe as chama... Tão trivial, e tão especial. Percebo que as meninas terão também as referências que tive destas manhãs ensolaradas: e sorrirão quando lembrarem delas em suas vidas adultas.
Nestes momentos agradeço por ter nos meus sábados, afinal, tudo o que idealizei: algumas coisas as tenho vivenciando, outras contemplando. Às vezes da forma que menos imaginamos, nossos desejos são atendidos... ❤️
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fragmentosdetododia · 5 years
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SOBRE MEDOS
“O que te move?” Quando li esta pergunta, há algum tempo, ingênua e rapidamente pensei: o desejo. A vontade. O querer mais - mais alegrias, mais histórias, mais encontros, mais possibilidades. Seria desejo o que nos impulsiona diariamente a levantar da cama, planejar o dia, o ano a vida, trazendo tesão suficiente para ligarmos os motores com força total. Ou deveria ser.
O mundo como ele é nos trouxe algo mais imediato do que o desejo: a necessidade. Com ela, deixamos o querer em segundo plano: porque precisamos. Precisamos ao acordar pensar nas contas a pagar, nos prazos que estão vencendo, nos padrões sociais a seguir. Sabe aquele tesão? Esquece. Ele fica para depois, quando sobrar o tempo (que nunca sobra) para pensarmos nisto.
Nos últimos dias, porém, acordamos assombrados por um sentimento, que embora estivesse sempre em nossos inconscientes, interferindo em nosso ser e agir, ficava guardado, reservado aos momentos de solidão. Não se falava dele: era sinal de fraqueza, e o mundo era dos fortes. O medo. De repente, o medo teve permissão para se tornar público, compartilhado, assunto principal das conversas. Sobrepôs necessidades e desejos. Tornou-se o motivo principal de nos levantarmos pela manhã. Tememos pela família, pelos amigos, pelos negócios. Por nós e pelo outro. Pela vida como é, ou pela vida simplesmente. Assumimos e abraçamos nossos medos, sem vergonha deles, e estamos aprendendo a conviver abertamente com suas implicações e consequências.
Espero que o medo conscientize. Revolucione. Sirva como motivação para entendermos quais deveriam ser nossos desejos e vontades, nossas prioridades e importâncias reais. Para que, passada a tempestade, possamos abrir os olhos nas manhãs pelos motivos certos.
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fragmentosdetododia · 5 years
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Sobre Presentes
“Feche os olhos e imagine sua vida.
Não, não desta maneira. A brincadeira é outra.
Quero que você imagine sua vida em forma de pessoa.
Minha vida é uma garota. Tem cerca de dez anos. Uma gracinha: cabelos escuros e muito crespos, soltos ao vento, olhos de jabuticaba e nariz arrebitado. Magricela, usa vestido curto estampado e anda sempre de pés descalços. Sorri muito: para mim, de mim, comigo. É falante, inquieta e inconstante. Impossível não amá-la.
A toda hora sou desafiada pelas suas perguntas (crianças questionam o tempo inteiro!). Às vezes ela me olha resignada, tristonha, querendo atenção: geralmente no meio de um trabalho importante ou no supermercado, enquanto faço o rancho com a maior rapidez possível. Explico que estou ocupada. Peço que espere, só mais um pouco, pelas respostas que me pede.
Aí ela tem a ideia. E em um dia qualquer, sem motivo aparente, me presenteia com  o que eu mais queria. Tempo. Fico animada, empolgada, ansiosa, faço planos: um café da tarde na minha mãe, jantar com aqueles amigos que ganharam o mesmo presente- pediam há anos por ele também-, juntar os sobrinhos e levá-los para um piquenique, pensar em mais uma tatuagem... .O céu é o limite: temos todo o tempo do mundo.
Só que os planos da minha vida são outros. Ela quer meu tempo só para ela... Nós, uma com a outra. Não quer que eu aja ou interaja com mais ninguém: apenas que eu pense nela, em nós duas, na nossa relação. Sabe que somente minha solidão vai realizar seu desejo, por isto a colocou junto no pacote, lá no fundo, como menina esperta e brincalhona que é.
Resolvi aceitar meu presente, e pretendo aproveita-lo ao máximo - afinal, não me foi permitido  devolução ou troca. É usar ou jogar fora.
Neste instante, ela me espia por trás de uma  árvore no jardim. Pensa que não a vejo, mas seus cabelos perfumados denunciam de longe sua presença. Com um leve sorriso nos lábios e seus olhos brilhando de expectativa, espera sorrateira pelo meu próximo movimento...”
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fragmentosdetododia · 5 years
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Três Marias
“Eram três as janelas, dispostas lado a lado. Esbeltas, transformavam a parede em um painel de luzes e sombras, com seus rasgos  verticais unindo casa e paisagem. A rigidez de suas formas era quebrada pelos peitoris inclinados que avançavam para fora criando nichos: os esconderijos preferidos nas brincadeiras das crianças e, mais tarde, nos momentos solitários da adolescente, que escrevia freneticamente em seu diário enquanto as três a observavam, silenciosas e atentas.
A inércia não era problema, quando se tinha tanto a ver e sentir. Para elas, não haveria lugar mais bonito, cores mais vivas e aves mais cantantes do que ali.  De tempos em tempos, os reparos que seus donos caprichosamente faziam nas suas madeiras davam roupas novas ao trio. A lixa despindo e o pincel vestindo. O cheiro de tinta fresca e o colorido deixavam o conjunto jovem novamente, para mais uma temporada que se descortinava.
Durante os dias de semana, eram abertas e deixadas, solitárias, a contemplar as manhãs ensolaradas  e a vista do morro, de onde nasciam a lua e o sol. Na maioria das vezes, ninguém estava lá para assistir à dança das partículas de poeira que entravam nos vãos brincado com a luz, girando em torno de si mesmas ao sabor do vento. Nem às cortinas esvoaçantes que beijavam as cadeiras mais próximas da mesa de jantar. Ou ao passarinho narcisista que, enxergando o próprio reflexo, ia de encontro a elas, colidindo e perdendo os sentidos por alguns segundos, antes de seguir o vôo solitário. O conjunto de vidro e madeira se debruçava para receber a vida à sua volta, com ou sem platéia.
Já os sábados, estes eram esperados com ansiedade... Neles, a música tomava conta do ambiente ainda no início da manhã, com repertório cuidadosamente escolhido para celebrar a presença de todos na casa. A mãe cantarolava “Samarina”, dançando com as meninas pelo piso encerado de madeira, acarinhando cada cantinho do ambiente; enquanto o pai planejava o almoço, trazendo as compras para dentro, preparando a churrasqueira. As venezianas e cortinas abertas eram sorrisos escancarados...”
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fragmentosdetododia · 5 years
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“Queria te mostrar o sol. Te levar até a  janela de nosso quarto nesta manhã de inverno. Deixaria o calor dele te acarinhar, enquanto tu te encantarias com os reflexos da luz brincalhona. Daríamos risadas juntos das borboletas em festa, rodeando as folhagens do jardim.
Queria ter  vivido momentos como este contigo; já sinto saudades deles.
Queria ter te conhecido, e este dia ensolarado seria nosso em toda sua beleza e alegria. 
A cada acordar, luto para aceitar tua passagem tão breve; e para voltar a sorrir ao perceber que o sol segue nascendo para mim, trazendo tua visita a cada amanhecer.”
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fragmentosdetododia · 5 years
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Por Ivone Selistre
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fragmentosdetododia · 5 years
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fragmentosdetododia · 5 years
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Redefinindo
Enquanto aliso carinhosamente as roupas que guardo, penso na minha vida. Diferentemente da pilha organizada por cores e tamanhos que preparo, quanta desordem... Por trás de aparentes segurança e tranquilidade, um caos de pensamentos, vontades e inconformismos. Uma inquietude resignada: pois tenho tanto, e isto deveria bastar. Busco reencontrar aquele brilho, o viço de outros momentos, mas estou repentinamente cansada.
Tateio buscando respostas, significados; porque sei que sempre é cedo para desistir. E me ponho a juntar os caquinhos da antiga eu, buscando conhecer, reconhecer e me entender com a jovem senhora que me olha pelo espelho, esperando respostas que não posso dar.
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