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Bruna Sanro
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"A flecha do tempo é, quando muito, uma espiral." - Boaventura de Sousa Santos
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furchten · 9 months ago
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Eu não sei conviver em sociedade. É a única explicação possível. Por que será que as pessoas ficam tão a vontade ao falar com desconhecidos sobre a chuva, e o ano que passa rápido, a mudança no clima, a sexta-feira que não chega e outras coisas genéricas?
Eu quero falar o que tô pensando de verdade, talvez isso seja errado. Minha mente é estranha e muitas vezes me dizem: eu nunca sei o que vai sair da sua boca. Eu também não sei o que vai sair, mas às vezes queria falar coisas mais esperadas para me acharem normal.
É muito chique ser normal, sociável e não achar desesperador que desconhecidos queiram chegar perto a ponto de receber abraços. Como seguraria naturalmente nos braços alguém que mal sabe a cor dos meus olhos? Prefiro aperto de mão que permite respeitosamente uma avaliação inicial. Afinal, eu não quero ter amigos com mãos de alface.
Sempre que falo do tempo, sai algo como: um frio desses só pra gente congelar igual bosta no Everest. Inclusive, você sabia que as fezes no Everest ficam congeladas/preservadas e por isso começaram a obrigar as pessoas a levarem seus excrementos embora? Pois é...Talvez por isso eu fique calada. E as pessoas riem, nem sempre estou fazendo uma piada. Mas rio também que é para não ser mais estranho.
Um dia um rapaz me disse no primeiro encontro: pode me perguntar o que quiser. Perguntei como foi a primeira vez que ele ejaculou, porque como mulher eu não sei se você sabe antes que aconteça ou se descobre na hora essa possibilidade. Ele riu muito, me contou como foi a primeira vez e nos casamos. Talvez se ele fosse completamente normal, repreenderia a pergunta.
Espero que, no final, a gente consiga viver sem esperar as sextas-feiras ou falar sobre elas.
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furchten · 1 year ago
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furchten · 1 year ago
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Quando falo sobre o que acontece embaixo das lâmpadas amarelas, contemplo aquilo que não deveria ser minha obrigação dizer.
Quem me dera falar apenas de como o sol estava bonito ao meio dia, mesmo que eu só o tenha visto da janela. Não senti nenhum raio de luz me aquecendo. Porém, saber que lá fora o mundo gira normalmente, fornecendo frio e calor, faz com que alguma coisa por dentro se alegre.
No vento sintético e gelado, ando muitos passos sem reclamar. Tenho me esforçado para falar cada vez menos para fora.
Sei que debati muito comigo em frente ao espelho, encarei meus problemas como sabia fazer na época, procurei trabalhar neles como deveria desde então. Aceitei as fragilidades mentais e físicas, encontrando força na capacidade de lutar por mim.
Agora é mais difícil precisar trabalhar pela paz que não depende de mim. Ser protagonista das angústias alheias é como ser forjado e ainda assim sentenciado.
Sento e espero que o sol de amanhã me dê forças para continuar carregando apenas o que é meu. Distancio-me do caos e de qualquer conflito, já não tenho o anseio de resolver os outros. Um coração calmo é uma conquista obtida à duras penas.
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furchten · 1 year ago
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Queria contar a história. Espero que consiga me lembrar, já que ela se impôs na minha mente várias vezes hoje, atrapalhando meu trabalho.
Tudo começa com um menino que entra pela porta e se depara com seu pai fazendo coisas com a enfermeira. O menino fecha rápido a porta, sai para o quintal e senta embaixo de uma árvore, tentando entender o que tinha visto. Ele sabia que seu pai só devia beijar sua mãe, mas desde que ela não se levantava da cama, tudo havia mudado. Aos 7 anos não há muito o que pensar sobre adultos: eles explicam pouco, pedem silêncio, seguem a vida enquanto as crianças descobrem o que há no mundo ao redor, as coisas palpáveis aos dedos da mão, aos lábios e aos pés.
A mãe do menino morreu jovem. Ninguém ao menos explicou o que era esse negócio de câncer. Ele só sabia que o peito de sua mãe adoeceu e ela definhou. Agora estava morta. Seu pai se casou com a enfermeira, alguns anos se passaram até que ele percebesse o que aconteceu na história enquanto protagonista. Muitas brigas foram geradas antes disso, algumas muito violentas com surra de bambu para o negrinho endiabrado que vivia aprontando. Ele cansou disso, bateu com um bambu nela de volta.
Aos doze, eles foram embora, levaram suas irmãs, uma mais velha que ele e outra dois anos mais nova. Deixaram o menino sem aviso, sem desculpas, sem um ponto final. E ele viveu o suficiente sozinho para um dia querer ter uma família, filhos e uma nova casa, pessoas que o amavam e jamais iriam embora. Não fomos mesmo, estamos aqui pai, junto ao seu bom coração, seus afetos desajeitados com mãos grossas, sua lealdade feroz... Isso me fez questionar de onde veio a força que te habita. Assim descobri que minha vó era cigana, vivia num acampamento na Bahia, acabou caindo na conversa de um homem e foi levada embora. Não terminou bem para ela, infelizmente
Agora eu não tenho uma foto dos olhos de minha vó ou a menor ideia do que a cultura cigana é além do estereótipo no National Geographic Channel. Sei que ela era uma mulher alta, com dentes de ouro, pele clara, olhos claros. Meu avô era um homem negro retinto nascido e criado em Piritiba, Bahia. Eles trabalhavam na roça. Ele gostava de música e morreu na cidade de Morro do chapéu muitos anos antes do meu nascimento.
Quer saber o que sei sobre mim de verdade? Por parte de pai meus avós morreram e não os conheci. Meu pai mal passou a infância com eles, então, somos desde então apenas netos de negros com ciganos.
Observação:
Se vocês tiverem por aí, tia Osmarina Batista de Souza ou tia Ivone Batista de Souza, meu pai, Cicero (naecido em 10/03/1963) te espera em Poço de Uibai, Bahia.
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furchten · 2 years ago
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Um galho seco para quem vê. Mal sabem eles que nele havia presa uma fruta, ela era doce como cafuné de mãe no cabelo antes de dormir. Sua cor era viva, rosada, pequenos espinhos grossos em sua casca. A abri inteira, puxei a casca num único pedaço e a levei à boca. Poucas coisas são tão doces quanto descascar uma fruta apenas com os dedos e a sentir absolutamente deliciosa. Mas pra todos será apenas só mais um galho seco mesmo.
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furchten · 2 years ago
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Um galho seco para quem vê. Mal sabem eles que nele havia presa uma fruta, ela era doce como cafuné de mãe no cabelo antes de dormir. Sua cor era viva, rosada, pequenos espinhos grossos em sua casca. A abri inteira, puxei a casca num único pedaço e a levei à boca. Poucas coisas são tão doces quanto descascar uma fruta apenas com os dedos e a sentir absolutamente deliciosa. Mas pra todos será apenas só mais um galho seco mesmo.
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furchten · 2 years ago
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Chico, se tu me quiseres, sou dessas mulheres para se admirar. Sabe aquelas mulheres que seguram seus ombros num abraço caloroso antes de te ver sair todos os dias? Alguns deles, você soltará o peso do corpo por saber que sempre estarei lá. Outros, o abraço será mais rápido, atrasado, enquanto você dá um último gole de café naquela caneca que compramos juntos num bar moderninho. Eu vou dançar Chico, vou cantar para você sorrindo enquanto faço uma comida bem temperada. Nós falaremos de tudo, riremos das peripécias de Flávio Dino, te mostrarei o quadro que pintei enquanto você tomava banho. Antes de dormir, falarei dos espíritos, dos contos, dos livros e ouvirei todos os detalhes que você quiser compartilhar sobre sua vida, conhecimentos e memórias. De vez em quando até falarei em outra língua só para nos divertimos traduzindo os dizeres populares de nossos avós. Em mim queima um fogo de igualdade, uma curiosidade pelo mundo e a força de quem só herdou o sofrimento de outras gerações para plantar no jardim. A minha voz não é doce, falo alto e rio sem parar com meus lábios grossos de batom vermelho, chamo mais atenção do que deveria; espero que você nunca me peça para falar mais baixo, nem para ser alguma Luiza que você viu na TV. Porém Chico, veja bem, também sou a mulher que precisa se admirar com você, sentir o calor do seu peito antes de dormir. Meu amor será sim sempre seu, desde que sinta a segurança em sua escolha quando eu acordar descabelada com aquela camiseta de vereador que você tinha no fundo do guardarroupa.
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furchten · 2 years ago
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O casamento é como uma âncora, me disseram. E eu só pensei que pode ser, desde que você não perceba que para haver uma âncora, há também um barco. Nesse barco, navegamos vários dias em marés que vão de calmaria à tornados, alguns dias em poucas horas.  Resta saber a hora de seguir em frente, puxando a âncora daquele momento, para viver outros. Mas não se engane, para toda descida, tem uma nova subido no caminho. Desde continuemos a zarpar para novos horizontes, perspectivas e significados cada vez mais íntimos, ainda valerá a pena. Caso o contrário, pegue o bote salva vidas e saia sozinho. Nem todos poderão se salvar antes que o barco afunde. E de náufrago na vida, já basta aquele cara que viveu numa ilha conversando com uma bola.
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furchten · 2 years ago
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Sento-me perto da janela, no braço do sofá e olho para cozinha do vizinho; tenho 18 anos. Ele, um homem sério, religioso, casado com Ivete; moram com seus dois filhos naquela casa desde 2012. Quando chegaram do nordeste, tinham tão pouco quanto nós. A casa era pequena, em formato retangular, com dois quartos, cozinha, sala, enfeites de Jesus de Nazaré no rack, uma foto das crianças brincando numa banheira de cueca, um pano de prato pintado com galinhas brancas e vermelhas.  Os meninos tinham 3 anos de diferença; o mais velho era Márcio, tinha 5 anos. O mais novo se chamava Wiliam, era um negro claro de olhos verdes como o pai. Márcio era retinto como a mãe, com as mesmas sobrancelhas e pernas grossas. O homem que vejo da janela parece inquieto, anda pela casa com o celular na mão, coloca-o no bolso quando ouve algum barulho. Percebo agora que ele está esperando alguém as 2h da manhã. Estou na janela porque os mosquitos inúmeros da represa me acordaram, o calor forte fazia com que o cheiro de esgoto aumentasse de forma sufocante. Então a janela era o único lugar para tomar algum ar vindo do lado oposto à represa. Ele pega sua mala, abre a porta lentamente, sobe as escadas e não posso mais vê-lo. Penso que em breve ele estará de volta, deve ter ido visitar seus parentes em Pernambuco. Refrescada volto a me deitar na cama, tento ignorar os mosquitos, cubro o rosto e durmo. No dia seguinte acordo com barulho de conversa, música evangélica da vizinha que mora na casa debaixo, ouço crianças já na rua jogando bola de forma que minha janela de alumínio treme levemente com o impacto.
Minha mãe reclamará novamente da bola jogada contra nosso portão. Sento na mesa para comer os pães assados na frigideira que minha mãe faz, tambem tenho um copo de leite com achocolatado excessivamente doce. Pergunto o porquê de seu silencio, não cantou nada hoje. Ela me disse que está triste porque viu Ivete chorando toda a manhã. O marido havia partido sem dar adeus, apenas deixado ela e os filhos em casa sem dinheiro nenhum. Ela não trabalhava mas pediu que minha mae a indicasse como diarista. Minha mãe diz que não saberia como explicar para crianças tão pequenas a ausência do pai. Sinto a dor dela ao falar, a dor de Ivete chorando em meio à tantos outros sons de final de semana na favela. Anos depois de me mudar, ouço que Márcio morreu num acidente de moto gerado por uma troca de tiros, Ivete é testemunha de Jeová e nunca se casou novamente. William passa os dias dormindo e as noites acordado cheirando pó. Essas são as histórias que me lembro antes de dormir, histórias são feridas à céu aberto.
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furchten · 2 years ago
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Dentro de mim um vendaval se forma todo dia de manhã. Nele vejo arrastada caoticamente minha motivação para sair de casa em meio à tempestade. O passado aparece em milésimos de segundo, cenas que já vi, algumas inventei, outras esqueci. Vou caminhando e a dor no estômago aperta, sei que sentarei de novo diante do trabalho que sustenta meus devaneios. A cadeira não me cabe, mesmo que eu pese cada vez menos. Todos parecem confortáveis, e eu me equilibrando na cadeira torta que parece avessa à minha presença. Levanto e vou beber uma água gelada mineral numa garrafa vedada que fica ao lado das porções de frutas. Não acredito que disponibizam as frutas já cortadas para mim e ainda assim nenhuma delas parece ter gosto. Fingir ser parte do novo normal é andar com uma nuvem preta sobre a cabeça quando todos parecem estar felizes que o sol saiu hoje.
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furchten · 3 years ago
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Acordei atenta ao que preciso para olhar as coisas de forma diferente. Parece óbvio mas tive que me explicar: preciso sentir. O medo é o receio de ter sentido ou alimentado um sentimento. A insegurança nada mais é que entregar algo seu, repensar a decisão, ver que já se foi e deixar a incerteza nos castigar; a maior expressão de sentido da palavra "deveria". Já a decepção é colocar todas as suas economias num bolso, perceber que este estava furado e ver abrir um vazio no peito por confiar que estariam seguras ali.
Caminhei com medo pelas calçadas da vida que nunca foram acolchoadas para mim, entreguei muitas vezes este algo que produz meus momentos de alegria mais sinceros, me decepcionei amargamente comigo por ter acreditado mais que uma única vez. Mas quem na vida não acreditou? Com isso me lembro que para reviver meu espírito, terei que aceitar ter feito as coisas como escolhi.
Tenho sentido apenas as emoções-consequências, deixei todas as causas paradas. Preciso lembrar de sentir as coisas que me alimentam, tenho apenas retirado coisas do prato e reclamado da fome.
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furchten · 3 years ago
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Não sei onde depositar o amor e a ausência de tudo que já foi um dia. Penso e enxergo rapidamente imagens do passado. Agora, sinto um poço de solidão do qual não consigo sair. Procuro abraços na memória, momentos em que apertaram minhas mãos e secaram minhas lágrimas, momentos em que não eramos apenas eu e cachorro esperando algo mudar, alguém notar verdadeiramente a realidade do último ano, alguém que sinta por mim e comigo as dores de decepções que jamais me preparei para materializar. O porto seguro está tão morto quanto o interesse das pessoas em notar as coisas estranhas acontecendo nas ruas. Todos olham pro chão enquanto olho em volta esperando que alguém mais esteja vendo o que observo, alguém que consiga olhar pra fora de si por alguns minutos. O mundo anda estranho e eu ando sozinha
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furchten · 3 years ago
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Os dias começam e terminam como querem, talvez regidos por deus ou outra forma de destino. Em nenhum momento podemos concordar com o futuro, escolher não participar.  Gostaria de acordar hoje e olhar a previsão do dia assim como olho a do tempo; agasalhar melhor minhas dores e tragédias para evitar que lategem com a frente fria que se aproxima.  Procuraria também um abrigo resistente. Já não consigo ser este abrigo e assim rogo por ajuda usando as menores distrações ao redor. Procuro por mim e por todos aqueles que estiverem, acidentalmente,  diante do ódio cego que dedico ao mundo vez ou outra.
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furchten · 3 years ago
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Talvez eu esteja sentada num trem que nunca para, pois eu paro antes. Com o tempo, o trem percorre trilhos feitos de minutos, dias, meses. Ao meu lado sentam desconhecidos, e alguns permanecerão apenas como um rosto familiar. Outros querem conversar, contam suas vidas, tristezas, pequenas conquistas, contam quadros inteiros de cores bonitas com toques obscuros. Eventualmente me encantam a ponto de reservar um lugar ao meu lado, passamos horas conversando e rindo. De repente se tornam familiares no vagão que ocupo, ganham cadeira cativa enquanto corremos pelos trilhos. Sei que chegará a estação em que descem, prevejo e choro antes dessa hora. E então elas descem, fico sentada por muitos quilômetros pensando se não havia alternativa para evitar despedidas. Despedidas são quase tão ruins quanto o café frio, feito ao amanhecer, que tomo para me reanimar a noite. Pisco algumas vezes e há outras pessoas ao meu lado, é hora de começar tudo de novo. Limpo o chão e coloco tudo que estava caído num achados e perdidos da memória. A locomotiva segue mesmo quando não vejo mais o tempo passar.
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furchten · 3 years ago
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Tem um monstro no meu quarto. Os dias passam, as coisas se condicionam normalmente, ainda o ouço se movendo lá. Acordo com sono, chuto rapidamente as partes que se sobressaem de volta para o escuro do chão de madeira embaixo do box do meu colchão. Arrumo a cama, arrumo as roupas, o quarto, finjo coragem abrindo o guardarroupa e organizando aquelas bagunças antigas que são exaustivas. Não ouso olhar para baixo, quero fingir pra mim e para todos que ele não está mais lá. Odeio quando puxam um fio de sua capa preta para fora do lugar, me arrepia a ideia de alguém poder trazer ele para superfície. Vou para o trabalho, depois caminho na rua vendo meu cachorro cheirar cada cantinho enquanto balança o rabo, ele não tem medo do que pode surgir no caminho, ele procura em cada esquina algo para fuçar. Inocente, ele revira pedras, mexe no lixo, entra no mato, anda sobre vidro quando me distraio minimente sem nunca se cortar. Eu ando na linha, piso com cuidado, me preocupo se meu joelho dói, saio do caminho das pedras para nao ter que tirá-las do lugar. Eu sou a única coisa que separa o cachorro da beirada do esgoto a céu aberto. Um dia me distraí e depois não quis mais brincar em beira d'água. Um escorregão e posso me afogar. Afasto tudo que me leve ao perigo de acabar sufocada, embaixo de uma caixa, embaixo de uma cama.
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furchten · 3 years ago
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Partindo do silêncio, da calma, da alegria sempre me faltam palavras. Familiaridade é o que me faz escrever bem e esta é uma conclusão mais triste que a falta de inspiração. Os textos são barulhos incessantes na minha cabeça, que se debatem para sair de alguma forma desesperada. Se não os escrevesse, explodiram como gritos que calçariam o caminho para um CAPS de bairro. O trabalho aliena, sempre me disseram. Mas estive alheia ao que isso realmente queria dizer. Lá proíbem os celulares, as conversas paralelas, o tempo de ócio depois do almoço, todos os segundos são contados para que as 44h sejam um deserto nos olhos de todos. Nós fugimos disso, escapamos conversando atrás das pilastras, usamos o banheiro por períodos mais longos, tudo isso para ouvir um áudio de zap longuíssimo sobre a vida de alguém que pareça estar fazendo mais que existir. O final de semana chega e seria impossível se inteirar de tudo que ocorreu, o cansaço físico e a fadiga mental dizem que é hora de relaxar e não tencionar a mente querendo saber quem está mais cotado para presidência. No final, restam os ecos de juventude que me dizem que algo precisa mudar, mas não serei eu o mais novo líder sindical porque estive muito ocupada comendo e tentando dormir.
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furchten · 3 years ago
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Separei algumas coisas na mochila: um chaveiro de tijolinho, um brinco dourado, manteiga de cacau, remédio pra dor de cabeça, álcool para as mãos e uma garrafa d'água. Cada uma delas me fala um pouco de situações em que estive desprevenida após sair de casa pensando não ter esquecido nada. O chaveira me foi dado faz alguns anos, brinde de uma loja de material de construção que me lembra como foi carregar os tijolinhos baianos da minha casa na infância. Fizemos tudo juntos, em família, cada pedacinho do espaço que morei por muitos anos. Tenho brincos desde criança, o segundo furo veio aos 8 anos porque eu insisti muito. Um pequeno barulho de disparo, ardor e mais um brincos na orelha. Mesmo querendo-o, chorei. Chorar era muito mais simples, pois podia ser feito na altura que eu quisesse em qualquer lugar. Hoje há uma grande burocracia para ser preenchida ao chorar, inúmeras justificativas, olhares, perguntas. Uso a manteiga de cacau para hidratar a boca enquanto seco as lágrimas no banheiro do trabalho, às vezes. De alguma forma, meus olhos odeiam chorar, me dão logo dor de cabeça, quase como uma punição pela atitude infantil de derramar lágrimas. Percebo o problema, lavo as mãos, as seco e  passo o álcool para ter certeza que estão limpas. Um gole de água e já consigo enfrentar o mundo. Um gole de água e está resolvido por mais algumas horas. Todas as horas não são minhas, meus são apenas os minutos em que contemplo o que tenho na bolsa para me lembrar do porquê estou ali.
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