eu precisava de um lugar para despejar as palavras que meu coração vomita
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abissal, obscuro e turvo
ABISSAL
Sento.
Tento.
Nada.
Não sei como fazer pra tirar isso de mim.
— É mais fácil escrever sobre amor.
Talvez porque eu nunca mergulhei tão fundo; aqui é região abissal, só imensidão de coisas intocadas e pertences dos quais me desfiz exatamente por não saber como manejar. A luz não existe, não vejo o que me assusta e me assusto pois não vejo. Será que eu alcanço o chão?
Aqui no fundo, mais quinquilharia. Me guio pelo tato e o resto é de memória. Uma bicicleta desgastada, uma tv de tubo, pilhas de tampinhas de garrafa, um dvd com cenas repetidas, uma chave de seta quebrada… e, como alguém que sinaliza para a esquerda, me dou conta do que me cerca. Desesperada, eu tento respirar. Erro meu.
O teor queima por onde passa, sem piedade. O cheiro é quente e familiar — por um segundo, quase aconchegante; inclino o pescoço sobre seu braço e fecho os olhos, confortável, esquecendo que estou deitada no colo do meu pesadelo. Salto, tentando me desvencilhar.
Não há ninguém pra me salvar — ninguém está salvo. Eu não sei nadar.
Tento chorar, mas já estou encharcada, quero vomitar, mas meu estômago está vazio.
Não enxergo.
Não respiro.
Apenas sinto.
OBSCURO
Talvez, se você sucumbir…
Abra a boca.
Aceite.
Essa é a parte obscura de mim. O pedaço do meu cérebro que foi carcomido por todas as pequenas coisas gigantescas. É a minha porção que cogita. (Um, dois, três. Diferentes. Unidades. De medida). Esse é o lado do qual eu fujo, com o que eu brinco incessantemente de esconde-esconde.
Eu tenho medo de me tornar o que abomino, porque sei que me tornaria.
E se isso fosse fato, então quem eu seria? Pra onde iria minha própria metade?
— Ei! Ei, garotinha! Pra onde você vai?
Não posso fazer isso com ela! Está machucada. Posso ver através do seu peito; o pedaço que falta é tão grande. Eu sei que ela só está de pé por minha causa. Eu sei do que ela precisa — o tipo de coisa impossível de ser obtida de outra forma.
— Ei! Me desculpa! Eu não vou mais soltar a sua mão, garotinha.
— Você vai esquecer que estou aqui. De novo! Isso dói, sabia?
— Me perdoa.
— Você não escuta quando eu falo.
— Talvez se você gritar…
— Eu já tentei! Você me deixou sozinha. Não confio em você.
— Mas se você não confia em mim, como vai confiar em alguém?
Sinto doer em mim o que falta nela.
— Não vou.
Esse é o ciclo.
Ela corre de mim, enquanto eu me esquivo do meu medo.
E nenhum de nós perde o outro de vista.
Eu me pergunto quem vai cansar primeiro.
TURVO
É por isso que eu não desço tão fundo.
Respiro o ar denso, agora em “terra firme”. Tudo dói. Percebo novamente que esse hálito infernal nunca vai sair do meu corpo, está impregnado na minha alma, vou carregar comigo mesmo que eu saia daqui.
A ilha é minúscula. Quando a maré subir outra vez, não haverá pra onde ir.
Olho para o céu turvo — nada além daquela rachadura, nenhum sinal, ninguém virá, nunca. Desisto de esperar por terceiros. Mas não desisto de mim. Só preciso descansar.
Me encolho no chão e me corto no ato (não é areia, é caco de vidro).
Eu sangro.
Eu volto a dormir.
Até que a maré suba outra vez e, outra vez, eu não saiba o que fazer.
Até eu descobrir como sair de dentro dessa garrafa onde me prenderam.
— grl ✶
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decreto número 1
Ontem me levantei e fui atrás de um sonho.
Saí de casa com o desejo de sentir aquela realização em mim, sabe? Caminhei lentamente, aproveitei o percurso que me levaria até meu destino, observei bem o céu e o que mais surgia ao meu redor — a rota importa, porque sem ela nada se alcança, afinal; e é nela que todas as outras coisas incríveis acontecem: ver um cachorro fofinho, uma borboleta, receber um elogio inesperado de um estranho simpático, encontrar uma sorveteria e fazer uma breve parada. Pequenas coisas também são incríveis, já notou?
Enfim, desci pela rua como se não estivesse ansiosa por aquele momento, como se não vibrasse de excitação e não sentisse igualmente um pouco de medo. Medo de que toda minha expectativa fosse por água abaixo; pisei em cada ladrilho meio solto, consciente de que essa sempre foi e sempre será uma opção, durante toda a vida. Já cantava Billy Joel: dream on, but don’t imagine they’ll all come true (sonhe, mas não pense que todos os seus sonhos se realizarão).
Lá no finalzinho, na esquina, finalmente avistei onde o meu sonho (talvez) me esperava. Cruzei os metros que faltavam, entrei pela porta da frente, olhei por todos os lados à procura dele e, por fim, precisei perguntar à atendente. Enquanto eu aguardava a resposta, segurava minha respiração, e, quando a moça finalmente, após checar na prateleira mais baixa do balcão, disse que sim, havia um, o último!, comemorei. Fiz uma dancinha ridícula no meio do estabelecimento e falei: é esse mesmo que eu quero!
Na mesa daquela padaria, me sentei e saboreei, com todo prazer do mundo, meu sonho de creme: pão macio, coberto de açúcar, com recheio doce e suave. Foi como engolir uma nuvem. Um momento sublime. Simples e tão maravilhoso — “e por que não posso ter outros sonhos assim?”, me questionei.
Existia em mim a mania de dizer que eu não cultivava muitos sonhos na vida, contudo, recentemente me dei conta de que isso é um pouco mentira, porque sonhos pequenos também são sonhos! Nos é explicado, dito e reafirmado, que é bom sonhar alto (e eu concordo, sim), mas quando é que alguém vai olhar nos meus olhos e contar que “tudo bem ter sonhos triviais”? Nunca? Ok. Eu decreto aqui, por mim e por todos que pensam de forma semelhante, que sonhos pequenos também são incríveis!
— grl ✶
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oitenta e quatro anos em três meses
E se eu fingir que é pra sempre? (Só enquanto você ainda estiver aqui. Durante os últimos dias). E se, por acaso, eu fizer meu próprio calendário? (As quartas teriam o dobro do tempo, talvez). E se eu imaginar que uma noite vale por três? (Não é tão difícil depois que a gente acorda. Você faz existir tanta coisa dentro de mim que cada detalhe parece uma vida, cada minuto contigo é uma história inteira, começo, meio e fim).
É errado? Que eu minta para mim e fantasie que nós dois estamos compartilhando noites e manhãs por anos e anos ao invés de apenas poucas semanas? Se for tão mau não me diga. Me deixe sonhar por mais um instante, você pode me internar depois. Permita-me enlouquecer de amor um pouquinho, por favor.
Se lembra do dia em que acordamos entre abraços e beijos e toques mais quentes? Foi há eras atrás. Três anos, no mínimo. Mas tudo bem, pois recentemente você me fez café da manhã — eu nem gostava de tapioca, gostei da sua. E houve aquela vez, ah!, essa eu tenho fresca na memória: você me puxando para dançar forró no meio da sala e eu, terrível, pisando em seus pés mesmo que quase sem me mover — isso foi há cinco anos, quatro? Me parece semana passada, mas não pode ser. Na semana passada fomos à praia, nos sentamos à sombra do guarda-sol, lemos nossos livros e apreciamos o mar.
No ano antes desse pintamos um quadro e dançamos no chuveiro. No outro, passamos a madrugada no quintal porque eu queria apreciar o céu e você gostou da ideia. Há alguns meses, te ouvi tocar violão para mim, cantar com a voz que eu jamais irei superar. E, acredito que há uns seis anos, se não me falha a memória, assistimos o sol se pôr na carroceria do seu carro.
Existiram esses e milhões de outros momentos.
Você me deu tudo que eu precisava, que eu nem sabia que precisava!, dentro do tempo que tivemos — oitenta e quatro anos, vividos em exatos três meses —, agora não quero mais nada. O que vivi contigo durou uma eternidade, já estou velha. Há rugas na face da minha alma, os sentimentos que existem em mim se apoiam em bengalas. E estou bem assim. Me aposento aqui! Tudo que preciso é deitar na rede em minha varanda e apreciar as nuvens — como fizemos juntos há oito anos, tentando descobrir que desenhos elas formavam.
Eu tive você, que teve a mim. E, por uma vida toda (no nosso tempo), te amei. Alcancei tudo que havia desejado: não estar sozinha para sempre, mas estar sozinha, afinal.
Não preciso de mais nada.
— grl ✶
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sobre querer
Quero superar o que me assusta e deixar que seu abraço seja a única coisa importante aqui, ao redor do meu pequeno e frágil corpo, enquanto sua respiração canta no silêncio do quarto para que eu descanse em seu calor.
Certa vez, uma garota tatuou em minha alma uma questão que eu finalmente acredito ser capaz de responder: que medo de amar é esse que você tem?
"Querida H., eu vivo desgraçadamente no futuro. Minha mente é uma máquina do tempo com a alavanca emperrada em "avançar" e esse é o motivo do meu enorme receio — ver o fim sempre que vejo você. Por pânico de te perder mais tarde, prefiro me poupar e fazê-lo agora, enquanto o impacto será mínimo, enquanto não me apeguei demais a ti. Me perdoe por acabar o que nem começou, eu só quero proteger meu peito recém fraturado."
A verdade é que eu me perdi em algum lugar entre o que eu antes desejei e o que recebi, então me tranquei: agora eu quero, mas não sei como me deixar querer. Há em mim parte que anseia todo o afeto, e há, simultaneamente, uma parcela que enche os pulmões para gritar "pare, por favor!" quando você me observa doce demais, ou me beija com tamanha delicadeza.
Para que tanto arame farpado e caco de vidro e cerca elétrica? Por que fico te observando da janela, te assistindo passar por cada obstáculo, ao invés de desligar o alarme e desativar o campo minado, para que você simplesmente chegue até a porta?
Eu quero amar você, entenda. E me apaixonar por tudo, como no mais bobo filme de romance. Eu quero não precisar ignorar a vontade de fugir quando sua boca insiste em usar palavras que, para mim, são tão grandiosas — porque desejo que tal vontade nem exista. Quero não pensar em desistir só porque você me toca como se quisesse mais de mim; e não ter que respirar fundo pela ansiedade, e não passar a noite em claro por nervosismo inútil, e não te encarar tão séria (pois, se o faço, é porque, por trás dos meus olhos e dentro do meu peito, estão acontecendo um milhão de conflitos desnecessários).
Sonho em me entregar por completo. E, às vezes, em alguns fragmentos de tempo, eu até consigo. E é tão, tão bom...
Eu quero amar você, mesmo que minha cabeça insista em me mostrar o que está por vir. Eu quero! Mas eu preciso de paciência. Você estaria disposto?
(Eu estou. Estou tentando).
— grl ✶
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LIMBO III
Tenho medo de escrever demais. Você sabe o quão poderosas são as palavras? Eu sei. Por isso estremeço a cada frase que vai ficando para trás. E se você ficar junto com elas?, penso, um tanto desesperada. E se, nessa tentativa de ajudar meu coração, eu acabar o esvaziando? E se eu colocar tanto de ti nessa página e acabar sem nenhum resquício seu na minha mente?
Não quero.
Quero sim.
Não.
Mas preciso!
Preciso, não é? Tenho que te escrever até a conclusão. Até o ponto final que leva ao branco. E algo em mim clama para que seja agora! CHEGA! CHEGA DESSE TURBILHÃO DE PENSAMENTOS! CHEGA DE ACORDAR E DORMIR E RESPIRAR E INSPIRAR LEMBRANDO DA FORMA QUE ELE RI, DOS TOQUES, DAS HISTÓRIAS! CHEGA, EU NÃO AGUENTO MAIS!!! Só que…
Eu não quero... Quero ter você aqui dentro, se não posso lá fora. Quero não esquecer teu rosto — e entro em pânico quando vejo que minha memória já falha. Não quero esquecer sua voz, cantando para mim. Ou seus braços me contornando pela manhã. Nem você de avental na cozinha, me fazendo café. E você deitado na cama. Você, dirigindo por nós. Você me abraçando em frente ao espelho. Você dançando comigo no chuveiro. Você me olhando nos olhos. Você tomando minha mão. Você beijando minha boca. Você dizendo meu nome. Você. Você. Você. Você…
Não consigo parar de escrever você.
Isso me alivia.
Isso me dói tanto.
Eu tenho medo de escrever e te deixar ir cedo demais. E tenho medo de que você me deixe ir se eu te deixar…
Mas eu preciso, certo?
(Por favor, escreva que não. Qualquer um, por favor, escreva que não...)
— grl ✶
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chuva
Eu gostaria que você entendesse que eu preciso dizer. Mesmo que não exista o que contar, mesmo que não haja algo novo, mesmo que me faltem notícias: tenho que falar. A necessidade habita em mim sem que eu possa despeja-la (quem redigiu esse maldito contrato de aluguel?). O desejo de perguntar — qualquer coisa, alguma coisa, todas as coisas — é tão grande que às vezes sinto pesar sobre meu corpo, por pouco não faz ceder os meus joelhos frágeis.
E, dentro de mim, eu faço pirraça; esperneio, me jogo no chão do meu cérebro, choro lágrimas de pura frustração. Repito sagradamente esse ritual, ainda que seja inútil. O fim é sempre igual — digitando letra atrás de letra e me arrependendo ao enviar. "Eu não queria!", brado comigo mesma. Contudo, por baixo de todo o não-querer, eu queria, sim. Eu sempre quero. Eu anseio.
Eu tento mentir para minhas próprias células. E falho (eu sou uma péssima mentirosa). Mas eu tento, e continuo persistindo, porque não aceito. Porque não posso ser assim! Nada de bom veio disso. Foi dessa forma que o afastei, não foi? Foi desse jeito que o perdi, não é? Falando e falando e falando e falando e falando. E falando. Me diga que não foi por esse motivo que o amor fugiu de mim, eu te desafio!
Eu despejo um monte de palavras como uma nuvem de chuva que tem a necessidade de transbordar. E o que eu recebo em troca? … (silêncio).
Eu gostaria que você (eu) entendesse que eu preciso dizer.
(Eu gostaria que você (eu) entendesse que não é sua culpa se eles não carregam guarda-chuva e têm medo de se molhar).
Eu gostaria que você (você) me ouvisse. E falasse de volta, só um pouquinho — você garoa, eu tempestade, só não me deixe chover sozinha.
- grl ✶
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