Tumgik
gimmelcve · 4 years
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O som alto da música eletrônica repetitiva era ensurdecedor, ainda mais depois de alguns shots de tequila que faziam a cabeça de qualquer um ecoar, girando num ritmo totalmente desconexo. Por mais que incômodo, Camila não reclamava - era justamente aquilo que ela fazia todos os finais de semana, sem exceção, desde o término marcante e, àquela altura, a sensação de estar bêbada era quase que reconfortante, como um ato de amor próprio muito conturbado. O apartamento repleto de rostos desconhecidos se fazia pequeno demais para guardar as lamúrias de um coração partido, então ela não tinha outra saída a não ser afogá-las em rodadas e mais rodadas do que quer que fosse, bastava ter álcool. Já estava mais do que acostumada e era sempre um ciclo: chegar na festa que não conhecia absolutamente ninguém, nem o dono do estúdio que estava uma bagunça, encher a cara com alguns desconhecidos, ficar com literalmente qualquer pessoa e, no dia seguinte, tudo seria um borrão, como se nunca ao menos tivesse vivido o que viria a parecer apenas um sonho distante, porém muito real. E, naquele final de semana de inverno onde o calor da aglomeração no ambiente fazia parecer verão no pequeno loft, nada seria diferente.
Como esperado, Camila já estava mais alegre do que o normal. Pulando de rodinha em rodinha de completos desconhecidos, a americana já tinha perdido a conta de quantos brindes tivera feito com shots de gosto ardente sem ao menos saber o que era, além das eventuais brincadeiras que ela odiaria se estivesse sóbria. Não sabia ao certo quem era o dono do abdomen bem marcado do qual ela tinha tomado dois shots de vodka, muito menos a dona do batom vermelho que tinha marcado não só os lábios, mas também o pescoço antes alvo. Enquanto quem quer que estivesse controlando a música a agraciou com o ritmo latino o qual ela tanto gostava, o convite daquele moreno de olhos verdes parecia inegável. Afinal de contas, Camila tem bons modos e sabe que um perreo não se nega a ninguém. No entanto, o que ela não esperava era ser deixada sozinha enquanto dançava - não o culpava, já que ele parecia estar tão bêbado a ponto de ao menos se lembrar o que estava fazendo ali. Frustrada porém satisfeita com a bagunça que fizera naquela madrugada, ela decidiu voltar para casa, isso se ao menos descobrisse onde ficava a saída daquele apartamento que mais parecia um labirinto.
Uma vez do lado de fora, mais precisamente no corredor ainda um pouco tumultuado, Camila tateava a bolsa a procura de um cigarro; depois de noites como aquela, bastavam apena algumas horas para que o corpo esfriasse novamente como o inverno lá fora. O suspiro logo em seguida era de alívio - finalmente. Ali, com o cigarro entre os dedos e ansiando pelo isqueiro perdido na bolsa, ela temia que o formato já encaixasse entre os lábios secos ou os dedos magros. Já afastava os pensamentos fora de hora quando, antes mesmo que pudesse colocar fogo no fumo, a avistou ao longe. Sabia que os olhos não estariam a enganando apesar da bebida, já que a última coisa que sua mente projetaria era ela, ali, no pior lugar e na pior hora. Camila estava visivelmente acabada, mas não seria a insegurança que a pararia, não quando elas se olhavam pelos cantos do corredor que, naquele momento, parecia longo demais, como se o universo implorasse para que ela não se aproximasse. Teimosa, é óbvio que Camila o faria.
Em passos lentos enquanto guardava o cigarro no bolso de trás da saia, Camila logo estava de frente para ela. Madelyn não tinha mudado nada e continuava exatamente como aparecia todas as noites nos sonhos dela, tal pensamento deixando um sorriso de lado escapar dos lábios bem delineados de Camila. “Nós duas na mesma festa, é isso? Jeez, o destino deve amar a gente mesmo, viu...” Aquela era a hora certa para flertar descaradamente, já que tinha a bebedeira recente como álibi caso as coisas não caminhassem como o esperado. Na verdade, as coisas ali tinham tudo para darem errado - o término das duas fora repleto de brigas e provavelmente não seria uma conversa embriagada repleta de abertura que resolveria. Pelo menos era o que Camila achava. “Aproveitou a noite ou já tá de saída?” Talvez fosse atrevimento, mas ela não dava a mínima; o sorriso ladino dizia tudo. As chances de começarem mais uma briga ali era imensa, mas Camila não deixaria que a oportunidade escorresse entre os próprios dedos.
@mumuwpami
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