guilhermefrodrigues
guilhermefrodrigues
O diário
35 posts
Alguns pensamentos para compartilhar.
Don't wanna be here? Send us removal request.
guilhermefrodrigues · 11 years ago
Photo
Tumblr media
412 notes · View notes
guilhermefrodrigues · 11 years ago
Text
Em celebração aos homens estranhos
Esta é uma tradução do editorial de abertura da revista Esquire deste mês de Fevereiro, escrito por David Granger:
“Eles estão tentando espremer a esquisitice de nós. Uma seminal – talvez a seminal – característica da masculinidade americana [e de todos, devo acrescentar,] é o impulso de ser diferente. Quando eles são jovens, homens e meninos americanos geralmente definem quem eles são em oposição àautoridade. Sempre foi assim, e eu espero que sempre seja. Meninos querem limites, eles queremregras, mas o meio que eles definem seis limites e estabelecem suas regras é intensamente pessoal. Eles estendem os limites e desobedecem as regras a fim testá-las, para ver o que faz sentido, para determinar o que é justo. É como nós aprendemos. Nós temos que saber o que é possível e do que nós somos capazes – testar extremos – antes de nós decidirmos obedecer.
Nosso padrão, quando somos jovens, é o provocação. Se nós somos afortunados, a provocação nunca morre – ela apenas se concentra nos tratos de personalidade que nos fazem únicos e, se somos realmente afortunados, nos força a provocar a convenção em atos de grandiosidade. Que homem interessante não é estranho? Que homem interessante não se definiu em oposição à sabedoria convencional?
Eu me lembro quando eu escutei uma música de Bob Dylan pela primeira vez: eu estava deitado no chão do porão do meu amigo Ken Brautigam, minha cabeça entre dois falantes, e pensando por que Dylan escolheu cantar sua letra assim: ‘But I was so much older than [Mas eu era tão mais jovem antes] I’m younger then that now. [Eu sou mais jovem então que agora]‘
Ken e eu discutimos sobre minha percepção de sua pronúncia eternamente [as palavras em itálico possuem, em inglês, uma pronúncia muito parecida], mas eu estava convencido que ele só estava tirando uma comigo e com a língua inglesa pq ele podia. Eu fiz uma nota mental. E eu me lembrei disso porque isso era estranho.
Mais e mais, porém, eles – a cultura, o sistema, o estabelecimento, as regras, os regulamentos, nós, os sacanas – somos determinados a espremer a esquisitice dos meninos antes que ela tenha a chance de ser focada em algo produtivo. Nós estamos criando agora os meninos defensivamente, tentando medicar suas peculiaridades  e sua natural impetuosidade. Meninos fazem merdas estúpidas de maneira exclusiva; nós temos que ver o mal comportamento pelo o que ele é – crescer – em vez de automaticamente tomá-lo como evidência que eles são futuros ratos de shoppings.
Duas grandes bênçãos que os meninos possuem, porém, são sua desmemória e seu otimismo inerente. Elas os fazem resilientes, mas essa elasticidade natural tem seus limites.
Nós vamos escrever muito sobre meninos e garotos neste ano, 2014. Eles são determinados a galvanizar os homens como nós mesmos para ver o poder que eles têm como pais e modelos e mentores. E nós vamos escrever sobre a realidade de como os meninos são criados. O editor de artigos Ryan D’Agostino esteve investigando o entorpecimento por drogas de meninos americanos, e em algum meses nós escreveremos sobre isto e outras questões sobre garotos americanos.
Então, de qualquer maneira: estranho.
Uma das grandes coisas que alguém já me falou – foi o grande ator Peter Boyle, depois ele involuntariamente me lançou a uma apaixonada investigação sobre a indústria automotiva americana – foi:  ’você é um personagem, não é?’ Isso é uma de três declarações que eu consideraria para minha lápide.”
0 notes
guilhermefrodrigues · 11 years ago
Quote
PERSEU: Ó donzela, se te salvar, vir-me-á gratidão? ANDRÔMEDA: Leva-me, ó estranho, se desejas uma serva ou esposa ou espólio … Não expondo esperança me excite lágrimas: Pode acontecer muito do que não é aparente.
Eurípides, Andrômeda Provavelmente 412 AC
7 notes · View notes
guilhermefrodrigues · 11 years ago
Text
Trecho do diário (janeiro de 1899)
Tumblr media
(…) ἔχω πόσιν καὶ πιστὸν ἡ τάλαιν' ἐγώ,
εἰ φεύξομαί γε γαῖαν ἐκβεβλημένη,
φίλων ἔρημος, σὺν τέκνοις μόνη μόνοις, (…) - Eurípides Medeia
Quem seria capaz que não Eurípides em construir tão bela poesia?
A narrativa de Medeia na tragédia de Eurípides é um dos exemplos mais belos da construção poética da belíssima língua grega, e, é claro, de seu manipulador, o mestre poeta Eurípides. Diz-se que poeta era tão famoso, que marujos do mar Egeu já escaparam dos grilhões por recitarem seus versos, que seus escritos alcançaram a eternidade especial e temporal - o que de fato acredito. É apenas tão infeliz pensar que pouco restou-nos das belíssimas palavras, e ainda dúbias em outros aspectos, e, em todo momento em que aprecio o seu grego, me recai a infelicidade da perda, mas a iluminação da antiguidade. Tenho ainda a felicidade de poder compreender parcamente sua língua materna, e, sempre com a dificuldade que me cabe - e a todos os outros que apenas estudam a língua helena antiga -, me emocionar com a sua elaboradíssima construção, e, ainda, com a dificuldade praticamente impossível de versá-la à nossa modernidade tão fria. Encontrei-me com o texto da Medeia não tão jovem, o que me foi vantajoso, já que o escrito é composto de uma diversidade que talvez um jovem pouco possa apreciar, mas deve lê-lo de maneira mais moderna (o que acredito que também o façam os mais velhos). O li ainda em uma tradução para a língua moderna por um antigo preceptor meu, ainda das propriedades de meu pai, habilidoso com a língua helena. O texto, à primeira impressão, me soou fabuloso, e a narrativa de Medeia me fez vê-la como o ponto mais alto da figura feminina de toda a literatura, toda a arte talvez, mais que Lady Macbeth do espetacular Shakespeare, Giselle de Gautier, ou a belíssima e sedutora Anastássia Fillipovna do senhor Dostoiévski. Mas foi somente no meu primeiro contato com o texto original de Eurípides que pude de fato perceber a beleza desta mulher: a sofredora máxima. Seduzida por Jasão, trai o pai e a pátria - como diz ela própria na poesia - mata crianças e seus pais em prol do sedutor e no auge de seu escape e refúgio na ilha de Corinto, o então marido a troca por outra, mais nova, mais sedutora, e, ademais, não uma bruxa - a pior palavra para descrever o que de fato é Medeia. Desesperada, ou, na melhor palavra que existe no grego para esta situação, ἐν ἀπορίαν, executa os próprios filhos para atacar o seu agressor moral.
A desilusão de Medeia é configurada durante toda a peça, e a poesia desta tragédia é extraordinária, como mencionei. Neste três versos, a protagonista chora sua desgraça enquanto o marido é “digno”, e, colocada em exílio, em iminente fuga, se diz erma de amigos (φίλων ἔρημος) e, na mais bela construção: σὺν τέκνοις μόνη μόνοις. Literalmente com os filhos sozinha [Medeia] sozinhos [os filhos]. A sintaxe desta construção é indizivelmente bela: a exilada é nomeada sozinha (μόνη), e jogada com os filhos, que também estarão sozinhos (μόνοις); mas ela está entre os filhos, que sintaticamente a cercam: σὺν τέκνοις (…) μόνοις, mas, igualmente se encontram em exílio, deixados como pobres mendigos, atestado pelo próximo verso (πτωχούς). A assassina de seus filhos os ama, os únicos que a podem proteger da desgraça total, do desamparo total de qualquer conhecido ou pessoa; mas, ao mesmo tempo, o assassínio é inevitável.
Sem dúvida, Medeia é a maior mulher da literatura, amparada por um dos maiores poetas da história.
0 notes
guilhermefrodrigues · 11 years ago
Text
Impressões sobre o basquetebol
Tumblr media
Não há qualquer tipo de dúvida que o futebol é o grande esporte-rei, acima de todos os outros por todas as suas capacidades - entre elas a financeira (em aspecto mundial, e não apenas regional) -, e há histórias e momentos inesquecíveis neste esporte, um dos quais tentei redigir uma pequena narrativa; mas na noite de ontem, pude vislumbrar um momento esportivo que não fazia parte do esporte-rei, mas sim de um que me agrada demais: o basquetebol. Sou fã deste, definitivamente divertido e fácil de se praticar com poucos colegas, ou mesmo nos quintais e ruas; mas o indubitável melhor de todos os jogos são aqueles que tomam seu lugar na liga norte-americana de basquetebol, a NBA.
O momento que menciono aconteceu ontem a cerca de seis minutos faltando para acabar o primeiro tempo da partida entre Miami Heat (atuais campeões) e Washington Wizards, jogo que acontecia na capital dos Estados Unidos da América no ginásio dos Wizards: Greg Oden entre em quadra para jogar cerca de oito minutos do jogo de quarenta e oito totais. Nós brasileiros não somos muito familiares com histórias paralelas de outros esportes como o basquete, e é muito provável que poucos tenham ouvido falar de Greg Oden, então tomo o meu tempo para introduzir o rapaz em algumas palavras.
Gregory Wayne Oden nasceu em Buffalo, nos Estados Unidos, em Janeiro de 1988 e teve durante a sua infância e adolescência uma carreira invejável no basquete dos colégios que frequentou, principalmente em Indianapolis (centro-nordeste do país). A carreira interessantíssima de Oden começa em 2005, quando anuncia, com seu colega de High School que frequentaria a Universidade do Estado de Ohio, em Columbus, próximo do estado de Indiana, onde morava com sua família. O começo de sua carreira universitária começou com uma lesão na mão direita, o que o fez entrar em quadra somente em Dezembro de 2006, quando saiu do banco para fazer um jogo espetacular, nada muito diferente do restante dos jogos que atuou (todos os outros trinta e um como titulares). Com uma campanha excelente, levou o time da Universidade do Estado de Ohio para a final do torneio, a qual saiu derrotado pela Universidade da Flórida, no jogo em que teve vinte e cinco pontos, doze rebotes e quatro tocos, estatísticas muito boas, para quem não conhece de basquete. Acaba assim sua carreira universitária com médias estatísticas boas e diversos prêmios como melhor defensor, nomeações para o time do ano; além de carregar a história de nunca ter perdido em casa na sua carreira toda. Em Abril de 2007, Oden anuncia que participará do Draft (o recrutamento de jogadores, prática comum nos esporte norte-americanos, que não tem a prática de produzir categorias de base, fazendo-as nas universidades e colégios do país) e, juntamente com seu colega da Universidade do Texas Kevin Durant, entra no processo com expectativas de ser a primeira seleção do recrutamento. Uma aura de estrelato e altíssimo potencial circundavam tanto Durant quanto Oden durante os anos de colégio e universidade, e ainda mais nas semanas anteriores ao recrutamento, com direito a votação dos fãs dos Portland Trail Blazers (time que possuía o direito da primeira escolha) e outras discussões em torno de quem seria selecionado; e em Junho de 2007, Oden foi escolhido na frente de Durant, que foi pego pelos Seattle Super Sonics.
Mas todas as expectativas da carreira de Oden não se cumpriram, apesar de ser um ótimo jogador: em Setembro do mesmo ano em que fora selecionado, o rapaz de 2,13 metros teve uma microfratura em seu joelho direito e perdeu toda a temporada. Durante cinco temporadas, de 2007 a 2012, Oden foi assolado por uma série de seguidas lesões no mesmo joelho, após também sofrer com seu pé e seu outro joelho; o rapaz, então, somente conseguiu jogar oitenta e dois jogos (ironicamente o número de jogos que há em uma temporada na liga) durante os cinco anos de atividade, até ser cortado pelo time de Portland. Chamado de uma “lenda” por um comentarista da NBA, além de ter o rótulo de “um tipo de jogador que somente aparece uma vez a cada década”, sua carreira falhou de maneira estupenda, enquanto seu comparsa de Universidade, Mike Conley, virou uma âncora de seu time em Memphis, e seu companheiro de Draft, Durant, se tornou a mais nova estrela da liga.
Ao final do ano passado, porém, Oden assinou um contrato com o Miami Heat, o time da Flórida, atual campeão; baratíssimo de apenas um ano para se recuperar e jogar, possivelmente. Não há um que não fale do jogador com ressalvas de sua saúde óssea, mas sempre se comenta de sua capacidade no jogo e sua habilidade indiscutível. O rapaz entra em quadra faltando seis minutos para acabar o primeiro tempo, joga até o final, e, em sua primeira atividade, pega um rebote de ataque e enterra a bola. Em sua próxima posse de bola, sofre uma falta, acerta os dois lances livres. Pega mais um rebote, e no ataque recebe um passe livre e enterra mais uma bola. O segundo tempo começa ainda com Oden em quadra, ele joga mais dois minutos e sai de quadra para sentar no banco de reservas até o final do jogo.
Greg Oden está novamente jogando. Até quando?
A resposta não é de fato importante agora, apenas para quem quer ganhar dinheiro com isso. Para os amantes do esporte, nada é mais emocionante que uma história de um jogador como este.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Impressões sobre os últimos três episódios de South Park
Tumblr media
Nunca antes eu havia me atentado à produção genial de Trey Parker e Matt Stone na série de televisão South Park até no ano passado, quando, hipnotizado pela progressão atualíssima e ao mesmo tempo imortal da série e seus personagens, assisti praticamente toda a série composta até hoje de dezessete temporadas. As temporadas, que passam a cada ano, então datam de dezessete anos atrás, quando os dois criadores, produtores, levaram à televisão o episódio primeiro Cartman gets an anal probe. A evolução da intelectualidade da série é indiscutível durante esses dezessete anos e a abordagem dos temas absolutamente geniais levam à irrevogável conclusão de que Parker e Stone são de fato criadores geniais da arte popular de nossa geração: as séries de televisão (que no nosso querido país fazem parte as novelas).
Para quem não conhece a série (difícil alguém que ao menos não tenha ouvido falar), apresentam-se quatro personagens principais: Stan Marsh, Kyle Broflovski, Kenny McCormick e Eric Cartman; quatro garotos pobres de nove anos que vivem na cidade de South Park no estado do Colorado, centro-norte dos Estados Unidos. Todos eles estudam em uma escola municipal e enfrentam diariamente as realidades da vida mundana em contato com adultos estúpidos, colegas alienados e uma cidade afundada nas montanhas ermas e solitárias, redneck e jogadas ao desconhecido e à total ignorância - cultural, política, social - da sociedade. De uma maneira impressionante, constrói-se nos quatro garotos simplesmente a imagem dos habitantes mais intelectuais do local, onde só é possível vislumbrar atos de estupidez em todos os níveis; além disso, os meninos são de fato simulacros de grandes personagens e teorias da literatura mundial: Kyle e Stan são duplos, agem como se fossem os mesmos e se completam em suas ações durante o seriado, além de trilharem os caminhos da verdadeira amizade e fraternidade que a sociedade deveria buscar* - isso também reflete a imagem de seus pais. Kenny é o garoto mais pobre da cidade que vive com pais alcoólatras e o resto da família problemática; ele então cresce como realmente o homem da casa enquanto seu pai desfila com um boné estampado Whiskey (o rapaz é também desenhado como um super-herói na cidade - símile ao Batman dos quadrinhos recentes - em busca de proteger a irmã mais jovem indefesa dos males da sociedade e do bullying na escola). Reza em Eric Cartman, porém, o maior papel de todos: o garoto é o reflexo de todos os preconceitos da humanidade e assim é pintado como o pior ser humano de todos. Cartman: antissemita, racista, psicopata, sociopata, fascista e nazista, escravista e todas as outras qualidades que podem trazer os piores males que a humanidade já viu são personificadas por Eric Cartman; mas, acima de tudo, sua mãe não se casou e também não sabe - até certo ponto na série - quem é o pai de Eric, por sua vida promíscua, sendo assim, cria o filho na base de dois empregos e usos constantes de crack fazendo do rapaz um menino mimado, solitário, extremamente ganancioso e, o pior que se pode esperar de uma pessoa assim: intelectualmente genial. Eric tem consciência de tudo que faz e acredita e assim elabora os planos mais cruéis, vis e elaborados que já foram engendrados por um personagem em desenho animado: Eric Cartman é a personificação do mal em um garoto gordo de nove anos.
O que mais assusta a audiência ignorante deste programa de televisão é a linguagem violenta e agressiva, que, sem dúvida nenhuma, existe. Mas não somente existe: essa faz parte da construção da realidade da série e é absolutamente necessária para a própria; mal esses moralistas falam de tais fatos e se viram para vislumbrar suas novelas que são tão violentas quanto, em seus diálogos mal elaborados repletos de escândalos de uma aristocracia que não existe, além de preconceituosos como Eric Cartman, porém o personagem de Stone e Parker é uma ironia, as novelas realmente planejam que o telespectador devore e compre suas ideias preconceituosas e racistas. A linguagem violenta de South Park não é ofensiva, mas construtiva para a série e para seus personagens; ofensivo sim é o que fazem outros programas da televisão aberta, inclusive a típica comédia veiculada pela rede Globo de televisão, com seus estereótipos destrutivos e diálogos de alienação que beiram (ou atingem de fato?) a lavagem cerebral.
=============
Os últimos três episódios da série trataram de uma paródia da famosa série de livros que se tornou um best-seller junto com sua adaptação para a televisão: Game of Thrones. Não posso dizer que já me aventurei em ambos, pois não o fiz, não por falta de vontade ou asco, mas simplesmente por desinteresse; assim, não posso julgar o conteúdo da obra de George R. R. Martin como o fazem Stone e Parker em suas últimas produções. O que posso dizer sobre esta produção, na verdade, é como os autores tocam em um dos pilares mais fixos da nossa civilização: o consumismo desenfreado a qualquer ponto e a perda de personalidade que isso nos leva. Durante os três episódios, vimos os garotos divididos em dois grupos a esperar pela black friday, o evento de ofertas original dos Estados Unidos que é usado para impulsionar as vendas nos feriados de Ação de Graças, Natal e Ano-Novo. O shopping da cidade será anfitrião de uma grande liquidação, e a cidade toda se junta em frente ao mesmo para buscar pelos melhores produtos, o que, ao final, leva a uma sangrenta batalha com diversos mortos e uma brutalidade imensa, contando com imagens de crianças sendo espancadas por tacos de madeira, homens e mulheres jogados em cacos de vidro para a morte, além de pancadarias, brigas e pisoteamentos diversos. Enquanto isso, os quatro protagonistas da série se dividem em uma guerra em finalidade de comprar os novos video-games que serão lançados exatamente no dia da promoção; envolvendo então uma trama de traições, dramas entre os garotos, tensões (liderados pelo maligno Eric Cartman e a “bela” princesa Kenny McCormick) que nos carrega ao clímax extremamente insólito - como é de se esperar das produções de Stone e Parker - uma luta entre Bill Gates (ex-dono da Microsoft) e o atual dono da Sony (não nomeado na série). A briga brutal, leva à morte do mencionado presidente da Sony e à vitória de Bill Gates, assim simbolizando a vitória do video-game da Microsoft. Os garotos terminam o épico de três episódios jogando o video-game comprado na promoção (deve-se mencionar que comprado em um rio de cadáveres e sangue), mas Cartman se cansa propondo uma brincadeira a céu aberto, que lembrasse de fato uma juventude brincante, longe do consumismo, sonhadora que se contenta com pouco, ao melhor estilo de Bill Watterson e seu personagem Calvin; tudo é encerrado com Eric Cartman, a personificação do mal, mudado pela brutalidade do consumismo desenfreado e o vazio completo da juventude perdida dentro de casa, levantando um graveto para o alto urrante junto aos outros garotos.
=============
É claro que nada podia terminar sem a ironia máxima e absolutamente verdadeira de Stone e Parker, promovendo seu novo jogo de video-game que será lançado para os novos consoles: South Park: The Stick of Truth.
_______________________________________________
*Em um episódio memorável da décima quinta temporada, Stan sofre de envelhecimento e a puberdade, e assim começa a escutar tudo como flatulências e tudo que vê são fezes: as músicas, os diálogos dos amigos, a comida. Nesse caminho para o conhecimento da “vida adulta”, o garoto se encontra com homens que lhe prometem revelar o verdadeiro mundo em oposição ao mundo ilusório (uma clara paródia do filme The Matrix), assim lhe dando o uísque escocês Jamison. Ao final do episódio é possível interpretar o vício no álcool do garoto para poder de fato suportar a realidade em que vive.
2 notes · View notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do diário de Vanka Markélitch (novembro de 1898)
Ontem estive com a arma em minha têmpora. Pensei em colocá-la em minha boca, mas ao mesmo tempo me veio o pensamento da sujeira e o gosto de ferrugem em minha língua e decidi pela têmpora. Fiquei parado por alguns minutos, mas nunca em minha vida estive tão próximo do assassínio. Houve a minha sensação de vazio e minha mão tremeu demais, como se de fato eu não fosse ver mais a parede azulada que olhava, nem mesmo a fraqueza nas pernas que me abatia; pensei em meus colegas, pensei pesadamente em meus colegas e chorei. Pensei nas palavras de Adrasto: βαρυσυμφορώτατος. Eu já atirava em pensamento, e o cano frio da arma que tocava a minha têmpora não tremia, minha mão, porém, não seguraria uma pena naquele momento. Lembrei-me naquele exato momento de meu desespero na fatídica cena do suicídio de O Idiota de Dostoiévski, e a cena praticamente se repetiu. A arma caiu de minha mão e minha empreitada faliu, simplesmente faliu. Não posso descrever como o meu coração se sente apertado neste momento em que a tinta corre este papel… Talvez seja o único motivo de escrever que minha mão parece firme, mas se solto a pena, como soltei a arma, desfaleço e desmaiarei, não ficarei mais de pé. A sensação de como pesa a arma na têmpora e a morte próxima de mim é de fato desagradável.
ἀπολλύοιμι.
O desespero se abateu em mim em momento que recordei dos passados tempos em que acabara de chegar em Petersburgo, tempos em que ainda me restava minhas habilidades artísticas: eu tocava piano, tocava. Era, ainda jovem, pianista nas terras de meu pai, e servia de grande orgulho para a casa, de bom entretenimento para todos, esta arte é de fato agradável a todos que a apreciam. Mas mal fadada arte que sofre da vingança divina. Não é possível ao homem comum ter o dote do piano e exercê-lo honrosamente, os músicos são relegados ao desprezo de todos, apenas a arte é agradável para os ouvidos, o músico mesmo não é de grande importância para qualquer um. Seria a melhor de todas as coisas se o piano pudesse tocar sozinho para os outros e que não houvesse o artista, que inexoravelmente seria jogado na desgraça assim que levantado do instrumento divino, pois ele mesmo não o é. Abandonei, não é preciso dizer, esta arte há algum tempo; e decidi há dois dias atrás sentar-me novamente no piano que está no hall de entrada: abri-o e a poeira se levantou e passeou arranhando minhas narinas e meus olhos, toquei duas notas e ele ainda etapa afinado, apesar da aparência completamente abandonada. Mas foram as duas notas, meus dedos não acompanhavam o meu pensamento enquanto lembrava da sonata que dedilhava ainda infante tão habilmente aos ouvidos e olhos de meus amigos e parentes; como meu pai gostava daquilo, mas também como lhe enfurecia o fato de ter me colocado neste caminho das artes. Por um certo momento, ainda com os dedos em fá menor, caiu-me a lembrança de quando decidira brevemente poder seguir o caminho das partituras para Moscou; conhecia um violinista que me levaria a trabalho em uma orquestra da cidade e lá conseguiria, talvez, continuar meu aprendizado e ainda ganhar um ordenado - acredito que honroso - com minhas mãos sobre teclas. Meu pai, porém, amaldiçoou minha escolha, virou-se de costas para mim e deixou o salão às pesadas, como se seus pés pudessem tirar-me o destino. Fatal. Daquele momento, caiu-me a desgraça do desconsolo e simplesmente o fatalismo me deixou fora do caminho o artista por tantos motivos que eu simplesmente não posso escrever. Meu caminho se mudou para a nossa capital, e lamento, por a fatalidade em si não foi causada pela maldição paterna, mas por inúmeros desvios de conduta de minha parte. Sou Adrasto, o pior homem para os destinos.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do diário de Vanka (outubro de 1898)
Ontem estive em uma solenidade a um colega que recebera um título de magister emeritus em uma universidade das proximidades. Não posso deixar de mencionar o meu lamento em seu discurso, que não posso me recordar agora em sua totalidade, pois não anotei nada e mesmo não me parecia interessante o suficiente. Falava da honra do magistério, das mentes brilhantes as quais passaram por sua tutela, dos rapazes que se transformaram por suas aulas; e também me lembro de dizer ainda do carinho que lhe fora demonstrado durante sua carreira por parte de seus próprios mestres, o czar e também seus pupilos. Qualquer blábláblá lamentável tanto comum em festas solenes como tal. Para sustentar meu ponto quero lembrar de uma noite em que passei com o querido magister emeritus na taverna perto de meu apartamento.
Chegamos por lá cedo, sentamo-nos peto das janelas pois o sol escaldante queimava o couro de nossas roupas e nossas peles no verão de Petersburgo, e eu suava às bicas, me sentia logo cedo da manhã pegajoso do calor, e o cheiro dos homens e das mulheres nas ruas também característico da época. Bebíamos insaciavelmente as cervejas que servem no calor, mais alguns cálices de vodca e comíamos igualmente alguns pastelões de repolho. Em uma temperatura do tipo, é difícil conhecer um homem que não se embriague por todas as ocorrências: o calor, a necessidade da bebida e a fome; e como nos embriagamos. Contávamos anedotas de todos os tipos, não escutávamos as vozes nos arredores, apenas o soar dos copos batendo nas mesas da taverna e, mais importante, em nossa mesa. Meu colega, neste dia, contou-me um acontecido em uma de suas lições sobre não sei o quê: lecionava, discursava, lia e se remetia a tudo que lhe era competente para fazer da lição a mais clara e mais bela possível. Posso dizer, que sei exatamente como isso poderia acontecer, os alunos da universidade mostravam pouco ou nenhum interesse nisso ou em qualquer outra lição, como é típico do aluno comum do nosso tempo, os próprios Maksim Maksímitch. Aplicara em momento anterior sobre a própria lição um teste com os rapazes com resultado pífio, e incomodava-no tal resultado, mas aos rapazes nada lhe tocava, ainda no mesmo lugar, o czar ainda havia há pouco tempo aplicado uma redução considerável do ordenado de praticamente todos os homens do magistério. Vivia já há certo tempo apertado por tamanhas desgraças, e não é nada de se assustar que se envolvera em discussão com um rapaz que dormia durante a lição. O rapaz, de maneira que é comum do herói do nosso tempo, levantou-se e desafiou as acusações do mestre, e ainda lhe sugeria de alguma maneira um duelo - fato que ainda não compreendo. O professor se prostrava à cadeira, mas ao mesmo tempo não estranhava a atitude do herói de nosso tempo; olhava para o rapaz atônito. Contou-me que juntou o que tinha na sala de aula e partiu, apenas para retornar semanas depois e o fato passou como desapercebido por todos.
Disse Pushkin: amável, infeliz.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do diário de Vanka Márkelitch (outubro de 1898)
A minha penitência vai bem. Estou me sentindo cada vez mais cansado, mais do que jamais estivera... Acho pouco. Os meus hábitos etílicos diminuíram consistentemente de frequência - isto, porém, devo admitir que se deve mais à presença de meus camaradas mais caros a mim do que por outros motivos, mas não posso falar que a penitência também tem alguma responsabilidade -, mas a cada momento alcoólico ele aparenta me ser mais potente. Não que esteja me afogando em garrafas,  pois não estou, mas os poucos cálices já me cansam ou me embebedam, e, assim, rapidamente devo parar. A bebida parece me abandonar conforme me corrói o estômago, como se a cada encontro estivesse mais próximo do derradeiro; ademais as tavernas se tornaram algo cansativo - apesar de que as mais simples parecem me chamar cada vez mais para o carteado e os cálices infindáveis. Mas devo dizer que isso não é de todo ruim, os meus encontros com meus caros estão entre os meus momentos mais jubilosos.
Agora me recordo de duas passagens que li há muito tempo em alguns escritos de Platão, se não me engano do Górgias, um diálogo sob o qual passei tutela da vida e de muitas outras coisas. A primeira, Sócrates diz ao companheiro Cálicles que:
“(...)ἀνάγκη ταῦτ' εἶναι οὔτως.
καὶ μὴν περὶ μὲν ανθτρώπους τὰ πράττων δίκαι' ἂν πράττοι, περί δὲ θεοὺς ὅσια(...)”
Ou seja, os homens devem agir justamente, essa é a sua prática, já os deuses, piamente. Assim isso é necessário. Pois bem. Estive sob a pena dos deuses, mas é claro perante culpa individual, foram pios, e me executaram nessa piedade, acredito. A minha execução, porém, ainda se dá em vida, e eu continuo. Os homens, por outro lado, devem ser justos. Mas há muito custo, procuro este homem, não nego que acho, mas sempre é a muito custo; sinto-me, até certo ponto, Diógenes de Sínope com sua lanterna. Mas não serei a tal ponto injusto, pois me sinto em situação incomparável ao filósofo, mas talvez a sua parábola seja bem compatível com a situação em si. Somos injustos, e quem não o é? Conheço poucos, não posso me dizer justo, acredito, pois meus atos dizem o contrário da minha pregação. Falhei, fui excomungado, rejeitado; e ainda cobro de outro seu ajuste, sua conduta e obediência ao julgamento - mas eu mesmo devo dizer que ao julgamento sou um servo-, enquanto a mim próprio não me chegam estas qualidades.
ἄδικος.
Sou eu, um injusto, como a grande maioria. E, ainda como essa mesma maioria, sou perseguido pela necessidade de pregar a δίκη, a justiça.
*
Ainda me recordo de outra passagem do Górgias, já em seu final, quando Sócrates narrará o mito do julgamento da alma pelos juízes do Hades. Dizia da seguinte maneira o filósofo:
“(...)ὁ θάνατος τυγχάνει ὤν, ὡς ἐμοὶ δοκεῖ, οὐδεν ἄλλο ἢ δυοῖν πραγμάτοιν δυάλυσις, τῆς ψυχής καὶ τοῦ σώματος(...)”
Sócrates menciona a morte como a simples separação do corpo da alma, uma dupla, δυοῖν, em diálise. Isso me recorda um momento de minha infância nas terras de meu pai. Lá havia um homem que viera há muito tempo, muito antes mesmo de eu nascer, no casamento de meu pai e se ofereceu para o trabalho nas terras: um tártaro, não de nossa origem, não de nossa língua, não de nada nosso. Este homem trouxe consigo sua filha de nove anos, também tártara, que mal falava o russo então. Foi criada, porém, em conjunto com meus irmãos, mas afastada de qualquer educação superior, apenas sabia o que lhe era necessário, como cozinhar, limpar, preparar e servir o chá, mandar em outros subordinados da cozinha e da limpeza e outras coisas do tipo. Quando eu nasci, já era uma moça de certa idade, e temo dizer que não soube sua idade até o momento derradeiro, não soube, em tese, nada sobre sua vida, nem sequer seu nome real - que ainda me recai a dúvida de sua veracidade -, sabia apenas como era chamada pelos outros de casa: Mamurát (óbvia brincadeira com qualquer nome tártaro que não sabiam pronunciar os russos). Mamurát me criou, mais que a mulher de meu pai e minha mãe. Teve um filho (que também temo dizer não sei a origem) ainda jovem que tinha claros traços de montanhês, mas que fora adotado pela minha família e, este de fato, criado junto comigo e meus irmãos, educado no liceu comigo, mas malfadado por sua origem, seu destino foi infeliz. Meu pai a tinha como filha e cuidava dela como tal, apesar de sua posição na casa; e jamais conhecera em minha vida mulher tão simples e amável como Mamurát: dizia-me todas as vezes que chegava do liceu como minha roupa estava arrumada, como meu cabelo bem penteado e meu corpo bem perfumado, apesar de chegar desgrenhado da viagem. Nunca, porém, vivi uma conversa prolongada com a tártara, nem mesmo com seu filho - deste sentia um distanciamento quase que proposital, talvez por vergonha, ou por querer se resguardar de sua origem montanhesa.
Houve porém o momento em que passei na universidade de Moscou, e foi exatamente neste momento que Mamurát recaiu de uma doença febril, que lhe corroeu a vida aos poucos. Suas pernas incharam, seu rosto ficou magro e seu andar cada vez mais corcunda. Quando visitava a casa de meu pai notava-lhe os braços cada vez mais esqueléticos. O definhar chegou finalmente ao momento derradeiro quando lhe atacou um momento febril e Mamurát acabou mesmo por cair na cama e nunca mais se levantar. Meu pai, porém, esteve a seu lado até o momento final: mandara-me um telegrama e eu parti às pressas de Moscou à terra dele, mas quando lá cheguei Mamurát já havia morrido. Contou-me, depois, um dos rapazes que trabalhava na casa que o tártaro, filho de Mamurát, esteve ao seu lado enquanto a moribunda perdia todos os sentidos. Aquela mulher simples e bondosa perdia o ar e mal conseguia pronunciar as palavras que lhe saiam da boca, se incomodava com a posição da cama por dores nas costas e nas pernas enquanto meu pai a arruava constantemente. O estado de febre da moribunda havia atingido os momentos de delírio quando o filho já estava ao seu lado, e dizia que apenas o seu braço direito se movia para cima e para baixo, e os olhos mal se abriam; o corpo magro mal deformava o lençol da cama, e as pernas inchadas cheias de ataduras vazam por debaixo do leito. O filho, porém, por via do destino, precisava se lançar daquele lugar, sob pena de perder o ordenado daquele mês; meu pai, então, mandou-lhe ir. E foi neste exato momento, quando o tártaro estava na escadaria para sair de casa que Mamurát perdeu completamente a vida e o médico, o padre e duas mulheres entraram correntes no quarto. Meu pai correu na direção do tártaro para evitar sua saída e avisar-lhe da morte de sua mãe, mas neste momento o médico já não permitia a entrada de qualquer um no quarto. O filho se recostou na porta e não lhe caiu uma gota de lágrima, mas apertava a maçaneta como se fosse os braços magros da mãe. No enterro vislumbrei o corpo, que, como dizia Tolstói, “tinha o rosto mais belo e, sobretudo, mais significativo do que fora no momento da morte”.
Não houve exéquias por engano de meu pai, que se esquecera de ordenar que servissem a comida e o chá, mas esta, quando se juntaram todos ao redor da mesa, foi a única vez que vi meu pai rezar por alguém.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do diário (Setembro de 1898)
Agora é noite. Já é a quarta ou quinta vez que acordo durante a madrugada, já não me recordo mais. Existe um estado de semidemência que me está assombrando por causa da sonolência e também pela insônia que me bate nos olhos. Nestes últimos dias tenho pensado e trabalhado em minha novelinha sem muito sucesso, por isso me volto ao diário. É um grande transtorno quando um trabalho que se realiza tão arduamente se mostra falho; seja por um motivo ou por outro. Aparentemente luto contra os deuses, que, insaciáveis por natureza, se mostram devotos à minha obliteração... delere, como diziam os romanos. Recordo-me de uma passagem de Platão, neste sentido, da República, em que são mencionados os jarros de areia de Zeus. Este despeja-os aos homens, algumas vezes mais areias de infortúnios, outras mais afortunadas. Para alguns, dizia, o porta-égide lança somente infortúnios, para outros o xenófilo mistura-os com as fortunas; mas jamais para alguém apenas fortunas. Que seja dita a verdade: ultimamente tenho pagado algumas penas que devia ao destino. Minha improdutividade é uma delas, talvez a rejeição de meus escritos outra. Ainda nas terras de meu pai, frequentei um Liceu, e lá fui dos mais insubordinados. Apesar de me dedicar sobremaneira à uma ou duas disciplinas, e passar um bom tempo na biblioteca; não realizava o que era preciso para um estudante exemplar, nem mesmo para um regular. Devo confessar que quase fora excomungado do lugar por um problema ou outro. Pois bem, devo dizer que pago, pago e sou merecedor da pena. É exatamente neste momento que me lembro das palavras do mestre de minha grande produção e talvez das grandes lições de vida: "Com a força que sinto em mim, creio-me capaz de suportar todos os sofrimentos, contanto que me possa dizer a cada instante: 'Eu existo'. Entre tormentos, crispado pela tortura, mas existo! Exposto à perjúrios, eu existo apesar de tudo, vejo o sol e, se não o vejo, sei que está lá. E saber isso já é toda a vida!" E me jogo agora inutilmente na vontade de chafurdar novamente nas palavras de Dmitri Fiódorovitch Karamázov, acusado de parricídio. Lembro-me também que fora condenado à Sibéria, sofreu a sua pena. Mas nada me adiantam essas palavras, apenas como uma breve esperança de olhar pela janela e ver o sol, e sabê-lo pairando no céu, levado pela carruagem. Eu existo, mas como existo também eu preciso pagar pelos desmandos, pela inutilidade e pelo atraso que eu mesmo me causei, e mais ainda: a pena é pública, mon cher, e serei exposto à praça como um anônimo, como o condenado de Vitor Hugo que anda em sua carruagem em direção à bicètre sob os olhares dos homens e mulheres que babam pela execução. Les derniers jours d'un condamné est passè. Sou Dmitri Fiódorovitch, condenado por um crime que não cometeu, mas acima de tudo, culpado por todas as outras coisas.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do Diário de Vanka Márkelitch (Setembro de 1898)
Há alguma semanas atrás havia mandado um certo escrito à revista para a publicação. Não as recebi de volta, apenas com um telegrama rápido que me dizia que os escritos não foram aceitos. Não ouse mesmo reproduzi-lo aqui, já que me traz a amargura de não saber os motivos dessa reprovação. De todos os lados da falha, o pior deles é a ignorância: saber por que se falhou é algo que considero sobremaneira essencial, não para o fato de superá-la, que em alguns momentos é até mesmo impossível, mas sim pelo simples fato do conhecimento. Estive em conferência ainda com um amigo na taverna na esquina sobre tais questões; não lhe mostrei meus escritos, mas falei sobre eles, fato que se provou aprazível para ambos. A rejeição deste escrito me é algo doloroso. Bebo neste exato momento alguns últimos goles de um conhaque que comprara antes de enviar o malfadado, não sei há quanto tempo, mas o suficiente para a minha vista se turvar e não conseguir ver claramente nem mesmo com meus óculos.
De fato, mais irremediável que o fato do escrito não poder ser publicado, é que no fundo do copo, e ao fim desta garrafa, a profissão do preceptor ainda me espera pela manhã, ignorante, intransigente e mesmo imutável perante qualquer tipo de adversidade: “Hoje em dia, nas escolas, por causa de versinhos, chegam até a açoitar a meninada.” foi o que li hoje ainda pela manhã à jovem que aprendia o francês comigo.
*
Tenho um pequeno livro de anotações em que nele escrevi, há alguns anos quando ainda estava no meu aprendizado com os padres da propriedade de meu pai, um fragmento de Heráclito que dizia o seguinte:
“ἐὰν μὴ ἔλπηται ἀνέλπιστον, οὐκ εξευρήσει, ἀνεξευρένητον ἐον καὶ ἄπορον.”
Eu traduzi da seguinte maneira: “Se não se espera o inesperado, sendo inapurável e sem saída, não apurará.”
Que fragmento tão autoexplicativo como esse. Digo que quase sem saída é sua tradução, com algumas possibilidades óbvias, mas tantas indispensáveis e inexplicáveis. Temo que não tenha sido capaz de fazer uma tradução à altura; mas os fragmentos são impressionantes por isso, talvez nunca haja uma tradução de fragmento, afinal, seu teor fragmentário os fazem quase sem possibilidades de tradução - ademais quando a língua é morta como o grego. Heráclito de Éfeso.
Inesperado. Sem saída. Inapurável.
Estive em conferência comigo mesmo quanto a este último termo. Sua raiz é a mesma da palavra anterior  - o verbo - ἐξευρίσκω (algo como descobrir); mas anexo o alpha privativo seu sentido é imediatamente antônimo. Além disso, está flexionado na neutro singular juntamente com ἄπορον, o que me traz a opção óbvia de entendê-los como adjuntos adverbiais de ἀνέλπιστον (o inesperado - neutro) ou ainda interpretá-los como qualquer outra coisa que poderia se seguir após este fragmento. A verdade é uma solução, como diz o próprio fragmento, sem saída. Nada mais.
ἀνέλπιστον.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Trecho do diário de Vanka Márkelitch
Retirado de www.facebook.com/diariodevanka
Trecho do diário de Vanka Márkelitch:
Estive recentemente envolvido em alguns cansaços por causa do dinheiro. Digamos que meu pai não me relegou qualquer tipo de herança fortuita; acabou-se, por dizer, em dívidas com o estado. Toda aquela terra, toda aquela união, me foge como se nunca tivesse sido de minha família, não posso nem começar a demonstrar meu desgosto com tal. Quando cheguei aqui na capital, porém, imaginava que nada seria tão difícil, afinal há diversas possibilidades para um rapaz como eu, jovem e disposto - dizia assim meu querido Iliúcha amigo do campo de verão. Mas nada tem sido algo tão fácil desta maneira. Ontem perdi o que me restava no whist da madrugada na casa do capitão; devo-lhe ainda uma quantia razoável, que me ajudara recentemente na minha locação no novo apartamento que estou alugando de velhos senhorios há algum tempo.
Na verdade devo dizer que os últimos copeques foram sim em uma taverna que está nas proximidades da casa do capitão. E devo dizer que ótimo foi, nada é tão tranquilo se não for aos goles de conhaque da taverna. Este último trabalho de preceptoria que faço tem me rendido bons honorários, mas nada é tão difícil quanto o próprio trabalho. Não há alternativas, senhores, não há alternativas. Lembro-me, então, de Dubróvski de Púchkin: “Kirila Pietróvitch examinou todos estes documentos, e somente não ficou satisfeito com a pouca idade do seu francês, não porque supusesse tão amável defeito incompatível com a paciência e experiência necessárias para a infeliz condição de professor, mas por causa de dúvidas de outra natureza.” amável... infeliz...
Não compreendo como é possível que um senhor possa de fato realizar tamanha tarefa com um rapaz como eu que tenho apenas a vontade de ensinar um francesinho pouco proficiente às suas queridas filhinhas. Em minha febre pela manhã delirava, mas não pude de maneira alguma me ausentar sob pena da falta do meu honorário e reprimendas do senhorzinho. Delirava mesmo com algumas mulheres, andava pelos arredores do Nievá e encontrava minha antiga prometida, aquela, e mais duas raparigas que acabei por conhecer no balé para o qual fora convidado pelo capitão. Elas me abraçavam molhadas da neve recém precipitada, e seus lábios estavam molhados - não conseguia definir se eram lágrimas quentes ou a neve quente em contato com a pele das belas mulheres. Em algum momento, porém, como é típico das ilusões e delírios de febre doentia, nos transportamos para um quarto que é exatamente aqui em Petersburgo, mas que de toda maneira eu reconhecia ser o meu antigo do casarão de meu pai no interior (mesmo tendo nada que se assemelhasse a tal). Imediatamente eu olhava-me no espelho com as mulheres e seus rostos estavam mascarados com alguma coisa que as faziam parecer cachorros: e meu senhorio as retirava de mim e me empurrava pela janela em direção ao Nievá.
Mesmo em febre, saí da aula de francês para a garota e parti para a taverna e gastei até o último copeque em conhaque, e o resto no baralho.
“οἶνόν τοι, Μενέλαε, θεοὶ ποιήσαν ἄριστον
θνητοῖς ἀνθρώποισιν ἀποσκεδάσαι μελεδώνας.”
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Photo
Tumblr media
Se você ainda não viu esta tirinha nova do Bill Watterson (autor de Calvin e Haroldo que não os ilustra desde 1995), leia. Principalmente para meus alunos vestibulandos.
2 notes · View notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Quote
Mas de fato é doce já salvo recordar o sofrimento.
Eurípides - Andrômeda
9 notes · View notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
O elefante
Tumblr media
I
et elefantis ostenderunt sanguinem uvæ et mori ad acuendos eos in prœlium
Bíblia sagrada. Macabeus I -6:34
Pedro morava na quase metrópole C. havia mais de dez anos e nesses dez anos estabelecera relações profundas com praticamente todas as pessoas que conhecera. Conhecera a todos, absolutamente todos, se não, cumprimentava-os em meio a passeios nas calçadas sem percebê-lo, por mais que não o cumprimentassem de maneira igual. Pedro não media suas relações, não por descaso, mas por esquecimento, não procurava contar, medir ou retomar, simplesmente estabelecia essas relações, e cada vez mais elas apareciam e se desenvolviam, mesmo sem querer. Encontrar as pessoas na metrópole não era nada difícil, afinal, coloca-se a ponta do nariz para fora e é possível tocá-lo ao do vizinho, e assim se estabeleceu a relação. Muitas vezes essas relações de ódio, de descaso, de indiferença, a maioria das pessoas não percebe, mas quando se conhece alguém a primeira coisa que se sente é o ódio: afinal para que se conhece? Não se dá a desenvolver uma relação sem esse início. E seja por qualquer fenômeno, desenvolve-se o ódio e, ao mesmo tempo, o indivíduo procura aquele pequeno fato, um pequeno indício e está lá: qual é o ódio, o desgosto, a inconformidade, o desconforto. E a relação se desenvolve desta maneira, o ódio se desenvolve e evolui, algumas vezes para uma amizade, outras para o fraterno, ainda outras para o terror odioso (o máximo do ódio um dia fundado no primeiro encontro), mas a grande maioria se esquece e o ódio é guardado nas profundezas, para jamais lembrá-lo. Porém para Pedro não.
As relações de Pedro se desenvolviam de maneira individual e única. Em primeiro momento a indiferença. Não se sente indiferença, sente-se ódio; mas não Pedro, o rapaz é indiferente. E a partir desta indiferença, o rapaz criou suas relações em uma evolução diferente do comum. Do ponto de partida da indiferença, Pedro se achou em relações fortemente fraternas com quase todos seus conhecidos. Seus colegas de calçada, todos: frateris. E quem dirá de suas outras relações. O rapaz não tinha opção, ser simples fazia-o desta maneira, e seu desenvolvimento da sua relação aos terceiros o fazia assim. Dessas relações vale se lembrar a que teve com uma mulher que lhe salvou a vida: Madalena. Acho interessante dizer já neste primeiro momento os motivos que juntaram Madalena e Pedro; para tanto, preciso contar ao precioso leitor a proveniência do herói desta narrativa.
Pois bem.
Nasce Pedro em uma família que pouquíssimo poder aquisitivo, em uma posição social degradante e largada às injúrias da nossa metrópole minúscula. Seu pai trabalhava em uma grande empresa que ficava nos arredores, mas a vida do trabalhador impedia que o contato com o filho fosse constante, ou mesmo esporádico: saía de casa perto das cinco horas da manhã quando o sol ainda não dava as caras e voltava perto das dez horas da noite, quando o filho já estava dormindo. À mãe, então, era delegado todo o trabalho da criação do rapaz e de sua jovem irmã, assim, não havia qualquer tipo de respiro à progenitora. Ademais, as visitas de duas tias solteiras e de sua avó viúva eram bem frequentes, dada a desocupação dessas outras que ainda possuíam algum tipo de dinheiro proveniente do casamento que falira ou mesmo de algum empreendimento que necessitava de poucos cuidados. Cresceu então aos cuidados de mulheres, e sem qualquer possibilidade de frequentar outros tipos de ambiente, resultado da escassez de dinheiro que havia na família, criou, até certo ponto, hábitos femininos, como uma afeição demasiada por roupas e sapatos diferentes, maquiar-se levemente pela manhã, cruzar as pernas a fechá-las... Tudo isso causava nenhum tipo de estranheza ao rapaz, mas era absolutamente comum, já que convivia neste ambiente. Ainda quando criança, brincava com a irmã de como eram atores do grande teatro da cidade - minúsculo e caindo aos pedaços, se posso dar a minha opinião sobre o assunto - e se preparavam longamente no camarim antes de entrarem em cena. Passavam cerca de uma hora ou mais se maquiando no quarto para depois armar qualquer tipo de espetáculo em completo improviso para apresentarem no tapete da sala para as tias e a avó. Pedro, então, nunca mais perdeu o hábito de se maquiar logo depois de seu banho pela manhã, passava pó e um lápis que contornava seu olho, segundo ele próprio pois seu rosto sem isto lhe parecia de um morto vivo. Ainda mais perdera o pai ainda jovem, em acidente um acidente de ônibus enquanto se dirigia ao trabalho, foi ao enterro, sentiu a ausência do pai por alguns instantes. Ainda criança, por influência da tia e um velho piano que era da avó, aprendeu a tocar o instrumento junto com a irmã, esta se cansou já nos primeiros meses em que começou a praticar, a tia insistia, mas ela apenas não levava jeito para o ofício, já o rapaz era absolutamente natural seu talento; tocava magistralmente todas as polcas já bem pequeno e jovem se mostrava mestre para tocar as sonatas que sua tia lhe ensinava: diziam-lhe que era um rapaz absolutamente capaz. Mas para desgosto da tia, uma mulher que era a mais descrente talvez de toda a região onde moravam, sua mãe viu o potencial do rapaz e o colocou em pronto para demonstrar seu talento em frente aos crentes da igreja que frequentavam todo final de semana, o padre, é claro, quis logo o garoto como um frequente ali para lhe tocar as músicas de fé durante as missas, e como o rapaz poderia de alguma maneira recusar o pedido? Tocou por muito tempo na igreja. A mãe ficava orgulhosa, a irmã apontava-o às amigas da igreja, a avó chorava e a tia resmungava em casa. Quando já na juventude, sua mãe adquiriu não sei que doença que a levou a uma morte lenta: foi cerca de um ano em um estado moribundo e já com a avó morta, assim é de se esperar que os irmãos entrassem em uma empreitada de cuidar da mãe; já que as tias haviam já há algum tempo partido para outro lugar, viajar, se mudar ou qualquer coisa parecida com isso. A irmã passava, então, a manhã na escola e logo no começo da tarde partia para a casa e logo se dirigia à cozinha para preparar bolinhos bem pequenos de diversos sabores que vendia às amigas, nas ruas, de porta em porta nas vizinhanças e nas missas da igreja pelo preço de dois reais cada; enquanto isso seu irmão usou de seu talento para angariar um pouco dinheiro que era necessário para outros cuidados. Tentou começar a cobrar do padre da igreja, que negou absolutamente qualquer tipo de poder para pagar por este serviço do rapaz, afinal era uma igreja o lugar onde tocava, fato que tornou a busca pelo ganho a partir do talento musical do rapaz algo mais difícil do que ele esperava, afinal, um piano não é algo que se carrega facilmente pelos arredores. Não posso dizer que ele não tentou, arrastou o piano  pela sala de casa, desafinando-o completamente e sacrificando, assim, cerca de algumas semanas sem praticar nada até conseguir dominar a arte de afiná-lo novamente (gastou ainda uma pequena fortuna em um ou outro diapasão, um metrônomo e um livro sobre o assunto). Arrastando-se, então, pelas ruas do centro até a loja de música (sobre a qual ainda vou narrar um belo momento) passou por um restaurante, já morto de fome, típico do centro: uma pequena porta que levava ao segundo andar, lá encontrou um piano fechado. Timidamente o abriu e tocou o dó central que lhe soou como se ainda tivesse arrastado seu próprio piano até o local. Sugeriu ao dono do lugar, que se posicionava no caixa, afiná-lo e tocar durante o jantar daquela noite mesmo. Fê-lo e ficou por lá durante alguns meses sob um ordenado razoável. É desnecessário dizer que praticamente todo o ordenado desaparecia já no recebimento com os remédios da mãe e a comida de casa que retirava do próprio restaurante para si, para sua irmã e ainda para a progenitora. Foi no mesmo mês em que esta morreu que Pedro recebeu uma proposta de ir tocar em um grande bar nas proximidades do restaurante, mas de muito mais renome. Trocou seu emprego em luto pela morte da mãe e durante alguns meses tocou em suas piores noites, chegando mesmo a ser ameaçado de demissão após uma noite muito ruim em que esquecera praticamente todo o seu repertório, improvisando qualquer tipo de sinfonia que não agradou uma alma sequer que estava apreciando seu caro chopp daquele bar. Voltava naquelas noites apenas para sua irmã já acordando para fazer os bolinhos que levaria naquela manhã à escola. Também aconteceu de completar sua maioridade naquela época, enquanto sua irmã, ainda menina, parecia ainda ser mais velha que ele próprio. Parou de frequentar a igreja nesta mesma época, pois era bem aos fins de semana que trabalhava de maneira mais árdua e varava as madrugadas, entrando ainda mais cedo no bar, impossibilitando qualquer tipo de frequência na casa santa - isto não posso dizer também que não fora sua própria vontade, por um desgosto do padre, que recusara de lhe pagar, como o ouvi reclamar certa noite mesmo no bar -, sua irmã, porém, ainda continuava uma frequente lá, onde as velhinhas, as senhoras e os senhores mais bem arrumados eram seus principais clientes.
Foi neste mesmo bar em que conheceu Madalena, em um destes finais de semana, depois de sair de casa e cumprimentar todos os conhecidos da rua que já o viram tocar no bar, ou mesmo a andar pelas ruas do centro com sua bolsa carregando seu diapasão, metrônomo e uma camisa surrada com a mesma gravata de sempre; com o rosto maquiado da manhã, uma noite que fazia o calor que é costumeiro na metrópole de C.
1 note · View note
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
O Elefante
Tumblr media
“ἔνθα Πυλαιμένεα ἑλέτην ἀτάλαντον Ἄρηϊ
ἀρχὸν Παφλαγόνων μεγαθύμων ἀσπιστάων.
τὸν μὲν ἄρ᾽ Ἀτρεΐδης δουρικλειτὸς Μενέλαος
ἑσταότ᾽ ἔγχεϊ νύξε κατὰ κληῗδα τυχήσας:
Ἀντίλοχος δὲ Μύδωνα βάλ᾽ ἡνίοχον θεράποντα
ἐσθλὸν Ἀτυμνιάδην: ὃ δ᾽ ὑπέστρεφε μώνυχας ἵππους:
χερμαδίῳ ἀγκῶνα τυχὼν μέσον: ἐκ δ᾽ ἄρα χειρῶν
ἡνία λεύκ᾽ ἐλέφαντι χαμαὶ πέσον ἐν κονίῃσιν.” 
Homero. Ilíada. 5.576-83
Prólogo
Elefante é uma palavra que deriva do grego. Em alguns dicionários, coloca-se a etimologia diretamente do latim elephante, mas a palavra em latim, por sua vez, é de origem grega ἔλεφας, logo, tomemos como origem típica da palavra o grego clássico, mais especificamente o homérico e o dórico. O homérico porque de Homero é a primogênita das línguas ocidentais, com a sua Ilíada; e dórico por causa de duas citações bem interessantes sobre tal.
Heródoto, por sua vez, é uma peça interessante da história. O pai da historiografia ocidental nasceu aparentemente em Halicarnasso, atual cidade turca, logo, a sua origem grega já não é fortemente influenciada pela cultura ática, mas sim por um pensamento dórico: e que pensamento! Heródoto tinha o curioso hábito de caminhar errante pelas terras da magna Grécia para coletar materiais e os catalogar, para criar, talvez, uma das primeiras enciclopédias do ocidente. Esses materiais catalogados viriam, então, a se transformarem em narração, uma daquelas que pessoas falam serem verossímeis. E a palavra - já que estamos mesmo discutindo uma palavra - que quero tocar é verossímil: parece com a verdade, é de todos os modos semelhante, mas nunca alcançará o nível da verdade; afinal estamos tangendo o ponto da narrativa, e se a narrativa não for ficcional é apenas uma conversa de bar, uma historinha da vovó na hora do almoço de domingo. E é por isso que Heródoto é tão fabuloso, suas narrações historiográficas estão repletas de narrativas verossimilhantes tão fantásticas que dão a qualquer narrador como Homero vontade de voltar-se a escrever e escrever e escrever… Histórias. Coitado de Plutarco que taxa tão veemente Heródoto como um malefício; para mim, o malefício é não existir tal coisa, tal narrativa tão próxima da verdade, mas que nunca conseguirá ser verdade. Afinal, já ouvi que a vida é mais dura que a literatura. Em uma dessas aventuras de Heródoto, ele relata a visão de uma besta magnífica, monstruosa, enorme: ἔλεφας. Na Etiópia, como diz o narrador, a terra que se inclina para o Sol, nesta terra se criam pessoas grandes, belas, longevas; muito ouro, árvores selvagens e enormes elefantes. Como são os elefantes! Colocados ao lado do ouro, dos longevos, dos selvagens… Sem embargo, já em suas viagens para a Líbia, Heródoto mostra uma imagem um tanto horripilante: nômades, homens sem cabeça e cinocéfalos, com seus olhos no peitoral, figuras bizarras e absolutamente reais, não advindas de fábulas, como diz o narrador; nesta terra em que se vê leões e cobras, vespas e ursos ao longo do rio Triton, aparecem os elefantes.
Para além de Heródoto, tanto em prestígio quanto em poder narrativo, Homero, porém, coloca seu elefante não em forma de animal, mas a sua arma é a presença única a se narrar. A presa do elefante aparece em algumas citações do cantor épico; em uma das suas mais célebres, Antíloco, filho de Atímnio, cavalga bravamente em direção a Mídon, quando este o atinge com um elefante… Não! Marfim brilhante. Atinge-lhe, então, o marfim de elefante, e a força o joga do cavalo para o chão na terra. O elefante acaba com o poder da investida do cavaleiro, a poeira cobre o herói antes de ele matar seu atacante, bem como Avarã, em bélica passagem bíblica no Macabeus, que, para salvar seu rei, jogou-se futilmente para baixo do gigante animal, somente para ser amassado pela enormidade de sua massa.
E já é, o elefante é maior que o cavalo, maior que o homem, maior que o espírito humano. A nenhum animal é mais abestalhadamente colocado o termo besta como ao elefante, uma palavra - e como já é mais uma das palavras - que indica um terror, ou mesmo uma monstruosidade. A besta é espetacular, ou seja, causa temor de quem o vê; nenhum outro animal consegue encarar só o espetacular elefante, e nenhum homem, como animal, se sente absolutamente à vontade ao lado de tamanha massa, e ainda mais uma massa viva que respira, olha e pensa. Os mitos em que se está envolvido o elefante são diversos, e esta narrativa, não fabulosa, ἀκατάψευστη, provem de uma dessas supostas fantasias, mas estou me adiantando, não quero estragar a narrativa para leitor. Ao elefante é atribuída a capacidade de gigantesca memória, talvez mais que sua própria massa, mais do que de qualquer outro animal. Imagine, pois, um animal que consegue se recordar dos eventos mínimos de épocas e épocas anteriores, reconhecer faces, relembrar caminhos antigos, rememorar lugares longínquos; que fato absolutamente extraordinário, nada que pode se assemelhar a uma besta, que jamais reconheceria faces, nem mesmo aquelas que se viu muitas e muitas vezes, mesmo como nós homens que não recordamos rostos que vimos todos os dias; uma besta jamais recordaria, mas o elefante não, ele rememora. E ainda se lembra de lugares de antes, localidades a muito deixadas para trás; eles são capazes de traçar caminhos enormes e nunca se esquecerem de onde vieram. Ao elefante também é atribuído uma gentileza acima das expectativas para um animal gigantesco como tal; para Moby Dick jamais fora lançada tal, as baleias, os monstros do oceano,  tão ou maiores que os elefantes, devoram os homens e são marcas do terror marinho, como o próprio Leviatã. Aos elefantes não, encontrados no ermo sempre em paz, precisam ser incitados à batalha com uvas e amoras, armados com conchas espinhudas e homens desvairados em suas costas, aos homens são colocadas a violência, não aos animais. Li uma vez em Dostoiévski que a besta não é bestial, mas sim o homem que é capaz de pregar um homem pelas mãos, ou um dos seus pelas orelhas; a uma besta jamais será capaz tal feito, nem se realmente fosse o animal capacitado de realizá-lo; e a um elefante, que necessita ser incitado com uvas e amoras, a batalha mais parece um jantar, e o sangue suco antes da ceia; não uma besta, mais um animal monstruoso.
Outro mito que se atribui ao elefante é o seu cemitério. Existe um local para o qual vão os senis animais monstruosos, morrer. E sabem eles o momento de perecer, e por isso partem, aos caminhos desconhecidos do homem, quando o animal passa por sua memória, erra nas andanças que nenhum homem jamais será capaz de fazer. Após a morte do animal, seu grupo pode encontrá-lo, e ao encontrar claramente o reconhecerá, dada a imensa memória que possui o animal. Não a carcaça, mas os ossos, a carne já decomposta, já deixada ao gosto dos animais devoradores de cadáver; os ossos serão lembrados pelos seus companheiros de viagem, lembrados até o momento em que eles, ao reconhecerem a ossada do perecido, juntam-se à volta, e ao formarem a sombra em cima do cálcio a longo deixado pelo anterior vivo, elevam suas trompas, levantam suas patas ao céu, descem-nas vagarosamente para simplesmente tocar-lhe o crânio em sinal de memória; e após o rito, repetem o feito e tocam-lhe os ἐλέφαντοι, as presas de marfim que não foram recolhidas pelos homens, nem por Homero, nem por Heródoto, nem pelos bons cristãos: estas são bestas.
0 notes
guilhermefrodrigues · 12 years ago
Text
Sobre futebol e bebida
V
O segundo tempo do jogo pouco teve de interessante em seu início. As emoções, diluídas durante a corrente do jogo, somente se exaltaram em um cruzamento que passou rente à nossa trave e uma série de chutes barrados pela defesa albiceleste.
O verdadeiro jogo, porém, começou somente aos 40 minutos. Neste momento, conversávamos nem mais tão alegremente, apesar do bar ainda se conturbar com o barulho. Aparentemente todos ali já haviam desistido de qualquer salvação que viesse antes de uma prorrogação do tempo normal de jogo ou mesmo de cobrança de penais. Meus amigos, porém, assistiam apreensivos ao jogo, com os copos americanos suando à mão, não se sabe se pela própria cerveja que esquentara ou se de fato pela excitação. Àquelas mulheres, às quais fiz menção já anteriormente, se dispôs o tédio e mal abriam suas bocas para mencionar qualquer que seja o assunto; em compensação todas as outras pessoas do boteco conversavam de maneira absolutamente sem qualquer tipo de alteração emocional.
Tudo corria absolutamente como qualquer jogo normal ao seu final, diluído. O homem, porém, que esbarrara em meu cotovelo cambaleante, voltando do banheiro após pouco do início do segundo tempo, voltava-me o olhar em ritmo e o desviava assim que eu o olhava de volta. Aparecia o homem como que assustado segurando em uma mão um copo de pinga envelhecida no barril do boteco (esta que era de fato uma pinga barata que o Gordo comprava no supermercado no final da rua e somente a colocava no barril por motivos estéticos) e um maço de cigarros na outra mão completamente amassado, à sua espera estava no balcão mais um copo de cerveja e a garrafa de onde provinha. De qualquer maneira, eu estava à sua frente, logo não era algo sobremaneira difícil estar a me olhar: talvez estivesse de fato na frente da televisão; mas ele sequer vislumbrava qualquer passe ou caminhada dos jogadores no televisor. Os albicelestes roubaram uma bola no meio campo, tocaram e a colocaram nas costas do nosso lateral esquerdo;  o hermano cortou, passou para o vértice da grande área para o cruzamento que chegou às mãos do nosso arqueiro.
- Você se importaria? - disse o homem com uma rouquidão em minha direção levantando a mão onde estava o maço de cigarros em minha direção. Tornei-me e vislumbrei seu rosto completamente embriagado, seu bigode protuberante parecia falar sozinho enquanto o boné velho balançava para frente e para traz num movimento flutuante.
- Como? - respondi.
- Você fuma?
- Não.
- Mas você se importaria? - estendeu novamente o maço de cigarros em minha direção com o braço flutuante como o boné. O nosso goleiro lançou a bola, com um corte e um passe em profundidade, nosso lateral direito avançou em grande velocidade pelo flanco, cruzou a bola na área e ela foi desviada de maneira equivocada pelo zagueiro albiceleste para trás, ainda mais dentro da área para a perseguição de nosso atacante; algumas mesas do boteco se levantavam, ouvia-se já um pequeno silêncio tenso apenas para se transformar em decepção depois de um chute em direção à linha de fundo bem longe do gol para o tiro de meta e uma dúvida do narrador do jogo. Eu, em estranhamento do homem, peguei um cigarro. Ele largou o maço no balcão, buscou um isqueiro em seu bolso da camisa tão velha e suja como o boné e acendeu-me o pucho. Tremendo, largou o isqueiro no balcão e em um movimento cambaleante pegou um cigarro para si, colocou-o nos lábios mas não o acendeu. Deu uma talagada em sua pinga, respirou fundo e trocou de copo para a cerveja.
- Está gostando do jogo? - perguntei-lhe em estranhamento ainda enquanto me perfurava a fumaça da primeira tragada.
- Você disse que não fuma mas fuma como um profissional. - Apontou para o cigarro em minha mão. - Acabei de chegar de viagem e logo parei aqui: aquele é meu carro - apontou para um velho escort de cor branca. - A primeira vez que cheguei aqui também vinha de viagem e, muito engraçado isso, passei pelo posto que fica na primeira entrada aqui da cidade e ela também me atendeu como uma profissional, mas dizia que era sua primeira semana no trabalho. Ela era linda, a menina, bem mais nova que um velho como eu, mas linda. Ela me serviu um cafézinho, me tratou com tanta beleza, não posso dizer que eu não mostrei também o maior interesse de todos, mas ela mesmo... Que beleza era aquela. Eu tinha saído em viagem, sempre saía naquela época de fato para trabalhar, e em tanto amor com a minha mulher passava a grande parcela de minha vida em disposição para saciar o amor: não é que eu não a amasse, eu amo! E como trabalhei por este amor, só Deus sabe como eu o fiz. - O arqueiro hermano laçou a bola ao ataque resultando em um dos fatos que mais existem em futebol cansado: disputa aérea de um e outro, cabeceios que não levam a nada que não uma bola para fora, uma falta ou qualquer coisa parecida com isso. - Mas eu viajava demais, e quando não viajava eu deveria ainda trabalhar por aquele amor, frequentávamos os restaurantes que sugeria para ela, íamos aos botecos que eu sugeria para ela... Mas as viagens eu até algum momento poderia me sentir afastado do amor: era o que eu queria naquele momento. E ela me serviu um cafézinho! Ó meu Deus. - Ele levou as mãos ao rosto e coçou a barba mal feita, tomou um gole de sua cerveja, trocou de copo e deu mais uma talagada na pinga envelhecida. - Nunca vou me esquecer da primeira vez que fui pegá-la no fim do expediente no posto. Ela saía da loja toda embelezada de uma maquiagem que eu tinha lhe dado algumas semanas antes (comprei a tal junto com um perfume para a minha mulher), estava com uma calça jeans tão ajeitada em seu corpinho. Entrou no meu carro e fomos a um bar da região arrumado, de bons tons. Que noite, meu amigo! Ela se serviu de comida, de bebida e de tudo que pude dar-lhe. Terminamos nosso encontro em amor. Digo-lhe que tão difícil é manter dois amores como é satisfatório. - Os albicelestes sobraram com a bola e partiram na cancha pelo seu flanco direito em lentos toques de bola até um bom toque em profundidade e cruzamento; uma disputa de cabeça fez a bola respingar dentro da grande área, os olhares das mesas então se tornaram apreensivos e um chute vazado do nosso zagueiro que atingiu em cheio toda a massa de ar que circundava a bola a fez passar por seu movimento e sobrar com um hermano: dominou belamente e com um voleio belíssimo fez nosso arqueiro saltar para também segurar as massas de ar e a bola sacudir a rede do interior do gol: 41’ 55” marcava o relógio do jogo no segundo tempo. O boteco caía em silêncio e um de meus colegas apertou meu braço como se tivesse perdido um filho. Quando o pênalti já era bom negócio. - Ela segurava nas minhas mãos, eu te digo, meu amigo. E ela chorava quando eu falava de minha família, e que era necessário partir. Noites depois me ameaçou, não a mim, mas a tudo que me era caro: em nossos amores se levantou da cama e escolheu um copo do quarto, jogou no chão colheu alguns cacos e apontou para o próprio pescoço me pedindo amor, me pedindo que eu não fosse embora nunca mais... Mas como eu poderia, diz-me! Eu a abraçava, beijava o pescocinho dela como se fosse o da minha mulher e ela chorava cada vez mais. - As pernas de meus companheiros tremiam, suas mãos não seguravam mais o copo firmemente enquanto lançávamos a bola na área para o domínio do goleiro albiceleste. - Mas escute, eu a peguei no colo em certa noite, levei para assistir uma bela peça de teatro, uma representação que me é tão cara quando me apaixonei por minha mulher, uma montagem de Ájax que me foi já tão cara. E ela se vislumbrou, se você ao menos tivesse visto isso! Saiu em lágrimas, e em nosso amor mais uma vez me ameaçou com os terrores do suicídio, me pedindo o meu amor único: mas como? Não posso amá-la unicamente, minha mulher ainda me é cara também. - Ele vai arrumar confusão. Os hermanos tomavam seu tempo com a vitória, bela experiência. O nosso boteco poderia apenas ouvir sussurros das mesas, provenientes das mulheres, e a voz do homem se direcionando a mim. Meus companheiros me seguravam ainda com força tremenda enquanto o time adversário se mantinha próximo da linha de fundo de ataque, prontos para que o jogo acabasse. É preciso saber perder. - Algumas semanas atrás fui marcado para viajar com minha mulher para longe. Sua família precisava de nós. Parti daqui, da entrada da cidade em um adeus, mas não pude, de qualquer maneira a comunicar sobre minha ausência. E como ela poderia saber? Eu disse que não poderia amá-la somente, mas poderia amá-la. Passei essas duas semanas em um amor profundo com a minha família. O remorso da garota do posto me trazia mais próximo de minha mulher, o arrependimento do adultério aproximou o amor primeiro neste momento, talvez. Seja como for, me apaixonei novamente. Quando passei novamente pelo posto somente me possuía de vergonha dela. E não pude abraçá-la de qualquer maneira, levei-lhe sapatos novos, um ramo de flores e fui trabalhar. Ela chorou pela minha ausência e talvez não tenha escutado qualquer menção sobre minha viagem com minha mulher, ou mesmo qualquer coisa que eu tenha dito sobre ela e meu carinho por seu rostinho tão belo. - Recuperamos a bola e o relógio já marcava 45’. O arqueiro saiu jogando da defesa, e o boteco em um sepulcro. Apesar da derrota já aceita por todos nós, era impossível descolar as vistas do televisor. Mais um cruzamento que desviado resultou apenas em um lançamento de lateral no meio campo: substituía mais um jogador os albiceleste que caminhavam para a vitória. - Mas escute, meu amigo. Voltei para cá hoje pela manhã mesmo. Passei pelo posto para tomar um cafézinho e poder avistá-la mais uma vez. Outra mulher mais velha se estava na porta da loja do posto chorando e segurando seu cigarro. - O homem começou a soluçar e a chorar baixinho, tomando mais uma talagada, trocando de copo e dando um gole em sua cerveja com o cigarro pendurado na boca. O boteco lhe olhava com complacência: chorar pelo jogo é o de mais nobre que existe no futebol. Lançamos a bola na área para o arqueiro adversário. - Dois carros de polícia estavam na entrada da loja e a mulher me olhou descendo, abaixou sua cabeça chorosa e tragou o cigarro me apontando com desdém. - O homem retirou seu boné com a mão vazia e o usou para cobrir rosto. Uma seleção que não poderia chegar nem na final mas chegou bem. - Entrei na loja e o corpo de minha garota estava no chão, ensanguentado segurando um caco de garrafa quebrado. - O homem se levantou, tomou um último gole e uma última talagada, não me olhou e começou a partir do boteco deixando o dinheiro em cima do balcão. Tropeçou duas ou três vezes. E perde num jogo dramático. Em uma corrida pela intermediária pela direita, cruzamos a bola na área. Mas pode até empatar. Nosso camisa sete dominou a bola de costas ao arco, se virou e bateu para o gol. 47’ 35”
O boteco se levantou em uníssono e uma gritaria e uma movimentação tresloucada de todos ali fizeram o boteco pular sozinho. O homem sumiu na multidão que se gritava. Meus colegas puxaram minha camiseta, outro me abraçou e gritou no meu ouvido tal maluco. Pode até empatar. Um dos rapazes que se sentava na mesa da frente se levantou em tamanho supetão que virou a mesa jogando tudo ao chão no colo das mulheres ali; tirou a camiseta verde e amarela e a jogou no chão gritando a ponto de saltarem as veias de seu pescoço e testa. Procurei pelo homem que partira, mas não o vi na multidão.
Ganhamos nos pênaltis.
0 notes