Tumgik
heathenrytribal · 7 years
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Reconstrucionismo
Como existe muita controvérsia sobre “o que” é o reconstrucionismo e muitas pessoas o criticam sem sequer entender, vamos tentar apresentar o que ele é, e o que ele não é, do nosso ponto de vista enquanto reconstrucionistas.
O reconstrucionismo é um método de análise. A maioria das religiões que conhecemos possui uma longa tradição ininterrupta, e fontes escritas como livros, que lhes servem de guias na vida e como códigos morais. O Heathenry reconstrucionista não tem isso.
Assim, é necessário saber o que nos irá informar sobre nossa prática nos dias atuais. As fontes primárias que temos são quase todas registros produzidos por convertidos ou produzidas muito tempo após a conversão. Entre as principais das fontes destacadas temos: Eddas, Sagas, poemas e épicos medievais, registros históricos em latim, códigos de leis, com nórdicos ou anglo-saxões, folclore, grimórios mágicos, achados arqueológicos e pedras ou objetos com runas gravadas.
Muitas dessas fontes possuem ou influência cristã, ou necessitam de um aparato técnico e de conhecimento específico para serem interpretadas, os reconstrucionistas consideram de grande valia também livros, artigos e teses acadêmicas sobre o assunto. Essas fontes são capazes de nos colocar o mais próximo possível do entendimento do que elas significaram de fato para os povos antigos.
Nenhum reconstrucionista toma (ou ao menos não deveria tomar) opiniões acadêmicas a ferro e fogo, silenciando o debate com argumentos do tipo ad verecundiam, ou seja, apelando à falácia de autoridade. Como nosso conhecimento é baseado no entendimento que temos, e sempre que surgem novas evidências mais ele se aprimora, algumas vezes ideias são revistas e deixadas de lado. A ideia do reconstrucionismo não é usar os textos para justificar ideias, muitas vezes falaciosas, pré-concebidas, mas checar se o que entendemos está de fato em conformidade com o que é mais provável ou possível de ser verdade.
O reconstrucionismo, partindo desses pressupostos desenvolve toda uma nova abordagem da religião. Em vez de se focar em preencher os espaços aparentemente vazios com opinião pessoal ou UPG (sigla em inglês para Conhecimento Pessoal Não-Verificado), o reconstrucionista busca entender firmemente a estrutura daquilo que sobrou e através de seus estudos remover a influência cristã e objetivos políticos (muitas vezes contrários ao Heathenry tribal antigo) da informação, visando lapidá-la para torná-la novamente utilizável.
 O método reconstrucionista
Questão
O primeiro passo é a dúvida. É necessário se querer compreender algo. A dúvida pode ser tão objetiva quanto “como os antigos entendiam sorte?”, ou tão genérica quanto “quais deuses os antigos cultuavam?”.
Pesquisa
O bom e velho google.com é um dos seus melhores amigos aqui. Infelizmente, a grande e maior parte da informação encontra-se disponível em inglês. Muitas vezes as fontes em Português são simplesmente insuficientes para entender a grossa maior parte da religião e visão de mundo dos povos antigos. É aqui onde junta-se e lê artigos acadêmicos, fontes primárias como Eddas, Sagas ou outras. Esta etapa no começo é lenta, ao passar do tempo o reconstrucionista terá encontrado vários assuntos extras quando pesquisava coisas diferentes e esse trabalho ficará cada vez mais rápido.
Hipótese
Baseado nas fontes pesquisadas, desenvolva uma hipótese inicial que tente responder à pergunta que motivou o início da pesquisa.
Teste das fontes
Em vez de simplesmente ficar com as fontes que mais agradam a opinião pessoal, é importante olhar a data, entender o background político por trás da confecção do trabalho, e ver se outras fontes contestam as opiniões expostas. Muito material produzido no século XIX está disponível gratuitamente na internet, só que no século XX as ciências humanas deram um salto gigantesco, e tais fontes tornaram-se amplamente desatualizadas na maior parte das suas ideias, para se pegar apenas um exemplo. Esse cuidado é necessário para se evitar erros ou acreditar em fraudes como o Homem de Piltdown.
Recorte Histórico
Muitas vezes, a depender do contexto a que a informação se refere, as respostas podem variar. Uma boa alternativa é fazer um recorte histórico em determinado povo, local ou período. Mesmo que se consulte outras fontes, relativas a outros períodos, esse recorte auxiliará a guiar e direcionar as respostas, de forma a perceber padrões e entender a evolução dessa ideia através do espaço e tempo.
Análise e Conclusão
Aqui é feita a análise de toda a informação, e, se necessário, o retorno à etapa de pesquisa e prova de fontes, procurando por mais informações para aclarar, sintetizar e embasar as ideias. A partir das opiniões mais atualizadas sobre assunto, é possível desenhar paralelos, e frequentemente essas pesquisas terminam sendo compartilhadas por pagãos através de blogs na internet ou terminam compondo livros. Essas informações assim podem ser adotadas pelos heathens tribais em seu processo de reconstrução, garantindo que sua prática se aproxime o máximo possível da prática dos antigos pagãos.
 E por que o uso desse método?
O método reconstrucionista é comumente criticado pelas divergências de opinião que é capaz de gerar entre os pagãos reconstrucionistas e o resto da comunidade (e mesmo entre os reconstrucionistas entre si). Mas o reconstrucionismo é uma metodologia, e não uma prática religiosa em si mesmo. O reconstrucionismo não é uma espécie de dogma ortodoxo, ele é uma tentativa de aproximação o melhor possível das crenças dos heathens reconstrucionistas nos dias atuais com aquilo que foi pensado pelos antigos heathens antes da conversão.
A ideia básica do reconstrucionismo é reunir tanta informação segura quanto seja possível, e a partir daí, decidir o que fazer com a informação coletada. Só que comumente quando reconstrucionistas chegam a esse estágio de aquisição de informação, eles formam um background que diverge amplamente das práticas esotéricas e ecléticas.
O grande primeiro aspecto é que o paganismo é cada vez menos enxergado apenas em seu aspecto mágico ou de forma iniciática, passando a ser cada vez mais entendido como um conjunto de costumes e visão de mundo, indissolúvel de uma certa sociedade, e que requer que mais fatores, não apenas religiosos, sejam trazidos à tona. Isso levou nos anos 70, 80 e 90 nos Estados Unidos cada vez mais à divisão entre os pagãos reconstrucionistas e outros tipos de pagãos, uma vez que tais conclusões tornavam as práticas e ideias de ambos praticamente sem ligação, por mais que fizessem uso de alguma ou outra fonte mitológica em comum e ambos intentassem trazer um antigo culto para os dias atuais.
Isso porque muitos reconstrucionistas entendem a diferença entre religiões modulares, que podem ser levadas durante o espaço e o tempo sem tantas alterações, e as religiões tribais, às quais estão associadas a uma determinada paisagem, à historicidade e costumes populares de um determinado povo. O Heathenry reconstrucionista possui muito menos espaço para certas práticas atuais, porque ele reconhece que elas surgem muito posteriormente, ou têm origem muito alheia ao conjunto de ideias que está sendo reconstruído. Na verdade, o grosso das informações necessárias à recriação de tradições reconstrucionistas heathens dos povos germânicos pode ser retirado de fontes específicas sobre os povos germânicos, sem a necessidade de se misturar visões de mundo de outros povos.
Mas, mesmo quando necessário acessar tais informações estrangeiras, os reconstrucionistas o fazem muitas vezes sem mais dor de cabeça, apenas quando é necessário. Para reconstrucionistas interessados em práticas de culto à lareira ou culto doméstico, culto aos ancestrais e culto aos espíritos da terra, é inevitável o uso de informação comparada indo-europeia ou mesmo de outros povos mais distantes. A diferença é que esses conceitos não são simplesmentes importados, eles são adaptados dentro do contexto germânico, visando complementar algo que se sabe que esses povos tinham.
Daí que alguns grupos e indivíduos reconstrucionistas prefiram o termo retro-heathen, no sentido de que se veem como pagãos germânicos que visam continuar uma tradição germânica o tanto mais próximo do contexto nativo possível, se fazendo a pergunta “e se os antigos heathens não tivessem se convertido, a partir de todas as informações que temos, como poderíamos vivenciar a religião deles hoje?”, ao passo que muitos neopagãos não tem esse cuidado em recuperar a visão de mundo e continuar uma tradição, apenas buscar ferramentas religiosas que supram suas necessidades imediatas.
Comumente reconstrucionistas têm uma visão mais diacrônica, visando um projeto multi-geracional de desconversão e reavivamento da visão de mundo, entendendo que todo povo possui uma visão de mundo e incentivar o desenvolvimento da reconstrução da visão de mundo não é um processo de forçar ideias religiosas, apenas de substituir o background de pensamentos próprios do cristãos por um heathen. Reconstrucionistas comumente compreendem que a influência do cristianismo é muito mais profunda que meramente a aparência do culto, ela promoveu uma mudança radical na forma de pensar, e eles visam combater também isso, enquanto neopagãos ecléticos, que misturam várias tradições visando encontrar respostas pessoais, geralmente consideram isso algo impositivo (sem perceber o próprio background cristão que fundamenta seus pensamentos).
A crítica final a ser rebatida é que os reconstrucionistas possuem uma prática menos autêntica por ser aparentemente desespiritualizada, destituída de misticismo, ou mesmo morta. Com o estudo profundo das informações restantes é possível perceber que o heathenry não é impossível de se recuperar, e nem mesmo possui tantas lacunas assim, ao menos se falamos dos germânicos continentais, anglo-saxões e nórdicos, e usando informações desses três grupos sob um determinado viés, para a recriação de uma visão de mundo particular a um deles ou
O problema é que quando todas essas informações são reunidas e o culto entra em prática, percebe-se que ele diverge claramente das formas de religião atual. Afinal, não era de se esperar que um idioma usado no século V fosse compreendido por pessoas que falam idiomas que descendem desse idioma antigo, mesmo morando na mesma região. Religiões modificam-se com o tempo como idiomas, e quando você recupera boa parte da “gramática” e das “palavras” de uma religião antiga ela se torna incompreensível para quem não conheça essa estrutura interna. Para os reconstrucionistas a efetividade é sensível.
Isso porque o reconstrucionismo não é meramente reproduzir receitas de bolos antigos, o nome disso é recriacionismo histórico, reenactment. Reenactment não é reconstrucionismo. O que o reconstrucionismo busca não é copiar um rito na íntegra,  não é apenas repetir o “como” esse rito era feito, mas entender o “porquê”, a razão que motivava os povos germânicos a fazerem-no (ou não fazerem-no). Respondendo o porquê, o “como” pode ser mantido ou atualizado. O “como” fazer é resposta para recriadores, o “porque” para reconstrucionistas, porque o objetivo destes é trazer a visão de mundo heathen antiga de volta a vida tanto quanto possível, ligando-se assim a deuses, espíritos da terra e ancestrais nos termos deles, e não da forma que fomos ensinados por formas de religiosidade pós-cristãs ocidentais, embora elas pareçam comumente mais “corretas”, ou mais “espiritualizadas”.
Os heathens tribais reconstrucionistas partem dos mesmos problemas e perguntas que esotéricos, ecléticos, místicos etc. A diferença é que eles não olham apenas para a “efetividade” daquilo que fazem; eles olham também com respeito.
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heathenrytribal · 7 years
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Analisando papéis tribais
É importante analisar a organização social dos antigos heathens se queremos entender melhor como a sua sociedade, visão de mundo e Heathenry tribal funcionavam. Muitos grupos de heathens tribais hoje em dia usam nomes das hierarquias sociais germânicas antigas, com variados graus de proximidade das funções antigas, até onde isso seja possível em nosso mundo atual. Muitos títulos que nos dias de outrora possuíam um forte poder político hoje o possuem somente para a comunidade de heathens tribais que os reconhecem.
Þjóð
A palavra feminina þjóð do nórdico antigo, que significa “povo, nação”, não é exatamente um título, mas o status básico de uma pessoa livre nos tempos dos heathens antigos. Palavras similares nos dialetos germânicos geraram designações para os próprios povos, como Deutsch que significa “alemão” no idioma nativo dos alemães, ou Dutch que em inglês se refere aos holandeses.
No inglês antigo þēod tinha um sentido ligeiramente mais amplo, designando “povo, tribo, nação, etnia”, mas também “local de origem”, e até mesmo “gentios”. Os termos germânicos são possivelmente ligados ao latim tōtus, o qual ele mesmo deu origem a palavras no português moderno como “todo, tudo”. Termos como þēod podiam ser usados também para se referir ao rei, líder do povo, indicando que ele era a manifestação da tribo em si mesmo. No poema anglo-saxão Beowulf  encontramos o composto þēodcyning, o qual pode ser traduzido como “rei tribal, cyning tribal, rei (vindo) do povo”.
Mas þēod não era a única palavra usada tanto para povo quanto para o líder máximo do povo. Entre os anglo-saxões lēod, quando feminina, significava geralmente “povo, nação”.  Mas quando estava na forma masculina, lēod era sinônimo de “chefe tribal, rei”, sendo ainda usado para referir-se ao wergild, o pagamento por ter-se cometido o crime de assassinato, visando evitar o início de um feudo de sangue, indicando claramente assim uma justiça, recompensa pacificadora.
Diferente dos dias atuais, ou mesmo da época das monarquias absolutistas que destroçaram os cyningas tribais do mundo heathen tribal antigo, o povo identificava-se com o cyning e com a estrutura social que os reunia. Uma pessoa que integrava o þēod era alguém que havia sido criado dentro do þēaw tribal, alguém que era protegido pela ǣ (lei) e alguém que, mesmo que não fosse exemplarmente dono de uma reputação importante graças aos seus þēawes (virtudes) era ao menos encaixado dentro daquilo que podia ser considerado bom (ou, como agindo conforme o que beneficia a tribo), alguém em quem o sidu da tribo era culturalmente perceptível.
Cyning, reiks, þiudans
Existiram diversas palavras para lideranças máximas tribais, que em português são todas rústicamente traduzidas como “rei”. Nossa palavra, em português, nos dias atuais carrega todo o peso do medievo tardio, renascença e grandes navegações: reis absolutistas, monarcas, nobres que não fazem nada a não ser disparar ordens e exibir ouro. Não que os reis tribais não fizessem em alguma escala essas mesmas coisas. Mas na parte tribal germânica da Europa as coisas eram mais complexas do que parecem, à primeira vista.
“Rei” vem do latim rex, significando “rei, monarca, soberano”, e sua forma plural era reges. Um rex para a sociedade civilizada era literalmente “aquele que rege”, no sentido de ser uma entidade separada, transcendental e intocável em relação à sociedade. Ele era o rei de coroa, que veríamos se popularizar mais tarde no mundo medieval, no contato entre romanos e germânicos, e a assimilação da cultura romana pelos povos tribais germânicos.
Todavia, o que chamamos de “rei” tribal era um cargo bem mais complexo; o rei tribal era muitas vezes um cargo militar, jamais um rei com coroa, mas um rei com elmo de guerra, e em vez de um cetro, carregava uma espada com um anel preso ao seu cabo, onde a tribo pronunciava juramentos, aumentando a sorte tribal como um todo. O king (rei) era alguém do kin (parentes). Como podemos ler no dicionário de inglês antigo Bosworth-Toller, na entrada sobre o cyning, o “rei” anglo-saxão, do qual a palavra king deriva:
“Ele é a representação do povo, e brota deles, como um filho faz a partir de seus pais. O rei (king) anglo-saxão foi eleito pelo povo; ele era, portanto, o rei (king) do povo. Ele era o representante escolhido das pessoas, sua personificação, a criança, e não o pai do povo. Ele não era o senhor do solo, mas o líder de seu povo. Ele completava a ordem dos homens livres e era o ápice de sua classe. Como o homem livre [ceorl] era para o nobre [æðele], o mesmo era o nobre para o rei (king). O rei (king) anglo-saxão era o rei (king) de uma tribo ou de um povo, mas nunca da terra. Lemos sobre os reis (kings) dos saxões ocidentais ou dos mercianos, mas não de Wessex ou da Mércia. O rei (king) era, na verdade, essencialmente um com o povo, por eles e pelo poder deles ele reinava; mas a terra dele era como a deles, propriedade privada. Não era o sistema feudal, e nunca permitiu-se que o rei (king) fosse dono de toda a terra em um país”.
A descrição do cyning anglo-saxão já o coloca em campo completamente oposto a qualquer ideia de “rei” a qual estejamos acostumados. Tácito na Germânia (cap. VII) faz questão de sublinhar as diferenças entre o tipo de poder que ele estava acostumado a ver, e aquele dos povos germânicos:
“Os reis são escolhidos entre a nobreza, os generais pelo mérito. Nem os reis desfrutam de infinito e livre poder, e os generais mais pelo exemplo do que pela autoridade se impõem; se forem prestos, valorosos, se atuam na vanguarda, despertam admiração.”
Podemos assim traçar uma grande diferença entre a liderança sagrada dos povos germânicos e romanizados. Da mesma forma que a noção de sacralidade romana era expressa na victima pela sua separação do mundo terreno, o seu rex era separado da sociedade, dando-lhe transcendentalmente as leis, ou seja, o rex era *wīhaz. Por outro lado, o conceito de sagrado germânico era *hailaz, fazer completo, inteiro, unido com o povo. Assim o seu rei não estava acima, mas em igual escala enquanto humano, diferenciando apenas na quantidade de mæġen, reputação e importância que tinha.
Podemos olhar essa diferença na própria palavra para “povo” entre romanizados e germânicos. O termo proto-germânico *fulką, de onde vêm palavras modernas nos idiomas germânicos como o inglês folk e o alemão Volk, este último designando inclusive um forte movimento e sentimento político no composto Völkisch, que representa o ápice da ufanização do sentimento “racial” europeu (em especial alemão), carregado orgulhosamente, por muitos. *Fulką parece estar relacionado etimologicamente ao latim vulgus, que significa alguém comum, mas que está na origem de palavras modernas do português como “vulgar”, que possui o mesmo sentido pejorativo de “plebe”. Mesmo que a ligação etimológica seja improvada, a semântica existe. Mais uma vez destaca-se a “separação” da noção romanizada em oposição ao “fazer inteiro”, “fazer completo”, quando o assunto é povo, sacralidade e liderança.
Já em The fluidity of barbarian identity: the ethnogenesis of Alemanni and Suebi, AD 200-500 (pgs. 9-10) de Hans J. Hummer, vemos uma descrição mais detalhada dos vários tipos de “reis” germânicos:
“Tácito descreveu uma divisão entre os povos germânicos entre reges baseados no nascimento nobre, que governavam em paz, e duces baseados em proezas militares, que comandavam no campo de batalha. Esta divisão de funções pode ter existido para os alemanni em teoria, mas Chonodomarius atuou tanto como rex quanto como dux, e muitos dos outros reges em toda a história de Ammianus são vistos tanto fazendo guerra e intermediando a paz com os romanos. Talvez seja mais apropriado situar as noções de liderança dos alemanni no contexto das tradições políticas germânicas ocidentais e orientais. De acordo com Herwig Wolfram, grupos germânicos do leste, como os godos e os burgúndios, distinguiram o þiudans — um rei tribal e sacro dos povos no passado — do reiks , que era rex de um grupo constituinte. Em tempos de emergência, os vários reiks investiram um dos seus por um tempo limitado com a autoridade monárquica do antigo þiudans. O reinado (kingship) do reiks prevaleceu entre os povos germânicos do leste, já que esses reis guerreiros estabeleceram sua reputação e dominância durante o processo de migração e fundaram reinos bárbaros em solo romano.
Em contraste, grupos germânicos ocidentais, como alemães, francos e saxões, e seus vizinhos celtas abandonaram a alta majestade (kingship) do þiudans na época de César, e os destinos de Orgetorix, Dumnorix, Vercingetorix, Arminius e Civilis demonstram a resistência destes grupos ocidentais para fortes reinados (kingships) de um reiks. Durante o período de migração, os grupos germânicos ocidentais deixaram de usar o termo reiks para descrever seus reis (kings). O equivalente, derivado do anglo-saxão, era o “cyning” ou “kyning”, que se tornou o termo político mais abrangente dos francos. Cyning entrega os fundamentos sociais sobre os quais o senhorio (lordship) germânico ocidental repousava. A palavra deriva de cyn (kin, parentes) e do sufixo -ing, o que significa “alguém que pertencente a” (por exemplo, earthling no inglês moderno) e atua como patronímico. O cyning literalmente era “o homem do cyn, ou representante do cyn”, daí então era aquele que incorporava o poder do cyn e protegia seus interesses. Dentro de um pagus (distrito), o cyning aplicava-se especialmente ao líder do grupo de parentes (kin) mais poderoso. Se a influência de um rex foi herdada ou conquistada, seu poder repousava na força e coesão do grupo de parentes (kin)”.
Assim, o que chamamos de maneira simplista e longe de entendimento de “rei”, não tinha poderes e regalias infinitas, mas uma série de obrigações, e carregava a sorte de seu povo em sua espada. Ele era o responsável pelos cultos aos deuses e espíritos em esfera aberta. Ele não estava de forma alguma acima da lei, e nem podia agir de maneira tirana, sem o risco de ser sacrificado, se o seu governo não trouxesse ferilidade e friðr. Foi o que aconteceu, por exemplo, com Domáldr um rei dos suecos.  A ǣ (lei) equivale ao innangarðr, este é igual à tribo, a tribo era igual ao þēaw e sidu (costume, ética, moralidade, cultura, visão de mundo), e estes visavam a friðr. O cyning tribal precisava ser a encarnação de tudo isso. Mas para entender melhor os limites do poder de um rei, que em última instância deveria expressar o desejo da tribo ou þēod e materializar seus þēawes ou virtudes, e como ele não poderia constranger a friðr da þēod, é necessário analisar outro cargo, o lǫgsǫgumaðr, juiz ou lawspeaker.
Lǫgsǫgumaðr
Literalmente o “homem que fala as leis”, sua função era intermediar disputas e memorizar e recitar toda a lei tribal, principalmente nos povos germânicos do norte durante a þing, a assembleia tribal que reunia todo o grupo. Um exemplo clássico ocorreu quando o lǫgsǫgumaðr Þorgnýr de Gamla Uppsala, Suécia, atendendo o clamor da þēod, obrigou o rei Olof Skötkonung a declarar paz para seu inimigo, rei da Noruega, Olaf o Forte (Olavo II). Não sendo isso o suficiente, o rei Olof Skötkonung ainda foi obrigado pela þing a dar sua filha em casamento.
Como juiz, intermediador, o lǫgsǫgumaðr servia como um grande contraponto tanto aos membros da tribo, quanto aos reis, equalizando interesses entre ambos. Entre os antigos germânicos o rei era e deveria ser expressão do povo, e não o contrário. O lǫgsǫgumaðr era quem garantia isso. Comumente seu mandato durava três anos.
Ġebūras
No theodismo um novato é chamado de þræll ou escravo. Particularmente a ideia de escravidão ou servidão espiritual não agrada a todos. Se está certo para um determinado grupo tribal e as pessoas que querem participar dele usar tais denominações e relações, tudo bem. Mas aqui usaremos ġebūr que é o tipo básico do homem livre na sociedade anglo-saxã.
Ele dependia da terra de superiores nas classes sociais. Isso para ascender socialmente, e isso era algo que demandava muito esforço.
Embora hoje as coisas sejam diferentes, e o tipo de esforço necessário é mais intelectual e comunitário, é importante separar pessoas que estão conhecendo e experimentando, aprendendo mais sobre o Heathenry tribal e aquelas que já fazem parte do innangarðr, isto é, entre os quais já foi se estabelecido laço sincero de friðr.
Isso para o bem do innangarðr e para o bem do próprio ġebūr ter a liberdade de sair quando quiser, caso não se acostume ao þēaw da tribo. O esforço para aprender a visão de mundo deve ser feito de maneira espontânea, por se compreender de fato a necessidade e o desejo de vivenciar isso, e não por pressão do grupo.
Goði
Nos dias atuais um goði é quase sempre referido como um sacerdote, mas esse não era exatamente o caso nos dias dos heathens antigos. Ele não era apenas uma contraparte pagã de um líder da religião monoteísta de Roma. Um goði, todavia, não era poderoso como um jarl ou um cyning. Sua função e importância política eram esparsas e confusas, comparadas a outras lideranças germânicas. Isso se deve ao fato de que a Islândia havia sido povoada há bem menos tempo que a Escandinávia, e que os primeiros noruegueses que foram para a Islândia o faziam fugindo do reinado absolutista de Harald Cabelo Belo. Grupos tribais que formam-se em torno de um goði geralmente não possuem jarl ou cyning.
Jarl
Um jarl ou earl é um cargo nobilitário abaixo do de cyning. Para tribos maiores, que possuem vários núcleos de membros, é viável a divisão em subdistritos com seus próprios jarlar submetidos ao cyning de todo o grupo tribal.
Þyle
O Þyle ou Þulr em nórdico antigo, é uma espécie de sábio, conselheiro da tribo e principalmente do chefe tribal, e, no caso do sumbl (libação) funciona como um moderador, impedindo que juramentos impróprios que prejudiquem a wyrd e a sorte da tribo sejam pronunciados. Também é parte de sua função zelar para que os ritos ocorram dentro do esperado, e que todos saibam como agir propriamente.
Cabe ao Þyle ser uma espécie de moderador durante cerimônias mais religiosas e menos ‘políticas’ do grupo tribal.
Þing
Uma Þing não é um papel tribal, todavia, ela é essencial para a manutenção de qualquer tribo. Aqui todo grupo familiar possui um representante, e cabe ao lǫgsǫgumaðr formular as decisões tomadas pelo grupo e as transformar em leis, e as registrar ou memorizar, bem como ao cyning servir de garantidor da lei, e portar-se como expressão da vontade e þēaw da tribo. As decisões aqui devem ser tomadas por consenso, e há de se supor que os membros pratiquem a relacionalidade, o dividualismo, e que o cyning carregue e aumente a sorte do grupo através da responsabilidade, bem como lidere pelo exemplo, e não pela força.
Sumbl
Aqui os humanos celebram com os deuses, fazendo juramentos, e não é uma mera bebedeira, só deve-se beber ritualmente. O sentido do sumbl é reforçar os laços de ligação e friðr, e não é apenas diversão. Uma sugestão é que um membro faça um juramento, e o chifre ou copo cerimonial passe com a bebida para que todos os outros provem um pouco da bebida sobre onde foi jurado. Juramentos não cumpridos, desnecessário lembrar, além da sorte individual, prejudicam a sorte grupal.
Blót
São oferendas maiores, em geral envolvendo sacrifícios, aos deuses, e ancestrais, principalmente. Aqui as forças sagradas são chamadas para receberem presentes de toda a comunidade, e compartilharem da comida com os humanos. Sacrifícios humanos e animais aconteciam antigamente, mas nos dias de hoje, se puder ofertar a vida de um animal, faça isso de maneira limpa, sem dor e sofrimento ao mesmo.
***
Essa é apenas uma análise inicial e não visa cobrir tudo que possa ser dito no tema de organização tribal.
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heathenrytribal · 7 years
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Sagrado
Quando fala-se de sagrado para os povos germânicos, existem essencialmente duas noções. A primeira delas é o sagrado como separado, colocado a parte. A palavra proto-indo-europeia *weyk- “separar, por de lado como sagrado, consagrar, sacrificar” está no latim victima, “aquilo que está para ser sacrificado”. Ela liga-se também ao proto-germânico *wīhą “local ou objeto sagrado”, o qual dará  origem a termos como vé em nórdico antigo e wēoh na língua dos anglo-saxões com o mesmo sentido, além de *wīhaz, “sagrado”.
*Wīhaz é assim consagrado por ser separado, o ato de separar equivale ao ato de consagrar determinados objetos. Quando um animal (ou humano, no tempo dos antigos heatens) é morto, quando parte da colheita é queimada, quando um objeto de valor é quebrado e enterrado ou queimado, está se fazendo dele *wīhaz por separar ele do uso humano, tornar inutilizável para a comunidade terrena (como no latim victima). Ao fazer isso, o que foi sacrificado é imbuído de poder numinoso, e sua mæġen torna-se acessível aos deuses, ou ancestrais, ou a quem foi ofertado. O innangarðr tribal é sagrado pelo mesmo motivo, isto é, por ser feito separado do útangarðr, por ser colocado à parte.
O próprio espaço sagrado para esse tipo de atos deve ser demarcado, isto é, separado do uso mundano. Comumente pilares ou outras formas de marcação eram usados para locais de culto abertos, sendo o vé em si imbuído em poder numinoso, e separado para purificá-lo e torná-lo o innangarðr onde os poderes não-humanos entram em contato com a comunidade humana, ligando assim o innangarðr tribal ao tempo mítico, novamente. Esse é o conceito de sagrado “enquanto sagrado”.
A segunda forma de sagrado é sagrado enquanto “holy”. Holy vem do proto-indo-europeu  *kóh₂ilus e do proto-germânico *hailaz, ambos significando “healthy, whole”, ou “saudável, completo”. O inglês antigo hǣlan significa “to heal, curar, salvar”, assim como o gótico hailjan. Nesse sentido, tornar completo, sagrado, saudável, é imbuir com sorte (tribal) e mæġen. 
Aqui o poder numinoso é projetado sobre aquilo que se consagra; o que é sagrado não é dado aos poderes mais fortes que aqueles humanos, ele é fortalecido, feito completo a partir da mæġen, e assim tornado sagrado para uso humano.
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heathenrytribal · 7 years
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Culto à lareira
Os povos proto-indo-europeus, dos quais os povos germânicos descendem, eram cultuadores do fogo. Aparentemente a maior parte dos cultos era desenvolvido em torno da lareira, do fogo que aquecia as pessoas e as mantinha unidas, numa época em que não haviam dezenas de distrações diversas.
O culto doméstico ou culto da lareira (hearth cult) era o culto privado, no qual a família cultuava unida os seus ancestrais, os vættir da casa e da terra, e os cōfgodas  ou deuses do lar. O Heathenry tribal pode ser definido como uma série de cultos, sendo que o culto da lareira é a forma mais básica dessa série.
Alguns podem argumentar que hoje em dia os tempos são outros e que não precisamos do fogo. Mas é certo que todos eles possuem ferro na estrutura de suas casas, em aparelhos eletrônicos e uma diversa quantidade de produtos processados através do fogo. Também é certo que ninguém nos dias atuais coma comida in natura e uma das marcas do homem civilizado seja o alto nível de processamento de comidas através do fogo. Além disso, nossos próprios corpos nunca pararam de emanar calor, e nós mesmos precisamos estar a uma certa temperatura, mantendo o fogo que há em nós vivo, ou nós mesmos morremos.
O culto da lareira é o culto da família, o culto da vida diária, possível através do fogo. É a ressacralização do espaço que foi nos tirado após a conversão, uma vez que o friþġeard era um elemento comum nos lares e dificílimo de ser substituído pelo monoteísmo, que requeria a ida aos seus templos.
O altar
O elemento básico no altar é certamente o fogo. Caso um altar não possa ser mantido, ao menos uma vela deve ser acesa durante os ritos em algum local especial da casa, e uma limpeza básica como lavar rosto e mãos purificando-se mentalmente antes do ato. Também são muito úteis um incenso e uma vasilha para se depositar ofertas.
Ancestrais
Fotos ou objetos que pertenceram aos ancestrais que se pretende honrar são muito úteis. As ofertas para os ancestrais geralmente incluem coisas que seriam do seu gosto em vida. Seu culto está intimamente ligado à abundância, prosperidade e fertilidade.
Vættr da casa
Geralmente ele é cultuado dentro do lar e ao redor do fogo também, como um espírito bem-vindo que guarda a casa. Através do folclore germânico, leite, mel, pão com manteiga são algumas das ofertas mais comuns. É bom arriscar e descobrir o que o espírito do lar de cada heathen particularmente prefere.
Vættir da terra
Estes são espíritos do útangarðr e a intenção é mais pacificá-los e mantê-los sem raiva do que propriamente trazê-los para dentro do lar — da mesma forma que não se traz estranhos para casa. São então geralmente cultuados em árvores, pedras, ou qualquer espaço fora do lar que possa parecer possuir grande poder. As ofertas aqui geralmente tem a ver com as preferências de alimento e bebida locais.
Cōfgodas 
Os cōfgodas  são os deuses específicos do lar de cada heathen e não precisam ser dezenas. É melhor construir uma boa relação com poucas divindades, entrando num ciclo de presentes e reciprocidade com elas, do que invocar todo o suposto panteão com dezenas de divindades dos germânicos. Uma estátua, imagens impressas ou símbolos relacionados à respectiva divindade são objetos interessantes. Geralmente deusas de aspecto materno são preferidas, bem como deuses de aspecto paterno. Eles configuram em geral o centro dos cōfgodas  e a eles se seguem dois ou mais deuses da preferência de cada família ou heathen em seu lar.
Ancestrais femininas
Elas estão ligadas à tessitura dos destinos dos membros vivos de sua família, bem como à sorte e a proteção daqueles que possuem seu sangue. Em todo o mundo germânico elas eram cultuadas amplamente, configurando a parte mais importante do culto local que temos notícia. Tratá-las respeitosamente e reconhecer sua relevância ajuda muito no desenvolvimento da vida do heathen, no dia a dia.
Sugestão de Rito
A ideia básica é separar uma parte do espaço e do tempo com uma frequência, como uma vez ou duas por semana, e invocar aqueles a quem se deseja presentear com alimentos e/ou bebida, chamando-o por seus títulos e então apresentando-se, e declarando a intenção do porque chamou (nem que seja um simples “vim te oferecer x oferta”). É aconselhável estabelecer uma relação, oferecer mais do que se pede. Não se trata de puro interesse; ajudamos quem nos ajuda, e o mesmo é com os deuses, ancestrais e vættir. Acenda o fogo do altar após a limpeza ritual, faça a oferta, o discurso, e ao sair apague a vela. Caso não possa manter um altar, descarte as ofertas na natureza (esteja certo de que não está fazendo ofertas que poluam o ambiente natural!) caso possa mantê-lo, deixe as ofertas ali por um período simbólico, como 24 horas, e então descarte.
Esteja certo de que o fogo do lar irá responder, quando honrado e lembrado de sua importância.
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heathenrytribal · 7 years
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Outlawry
Outlawry é uma palavra da língua inglesa para o costume de colocar alguém na posição de fora-da-lei. Bastante diferente das noções românticas que temos de indivíduos vivendo sobre seu próprio desígnio em algum cenário de velho oeste, o fora da lei no mundo heathen antigo estava submetido a uma grave pena: a exclusão social.
Outlawry significa não apenas ser colocado fora da lei, da proteção seja da ǣ, seja da friðr do innangarðr. Outlawry é também “banditismo”, “banimento”, “expulsão (da sociedade ou grupo tribal)”, ilegalidade e ausência de lei. Outlaws ou foras-da-lei eram comumente vistos como gæfuleysi entre os islandeses, pessoas sem sorte no sentido tribal.
O banimento da tribo era uma espécie de castigo severo pois permitia que a parte ofendida pelo outlaw fosse capaz de se vingar sem nenhum tipo de consequência penal. Se o innangarðr é igual à lei, ao þēaw e ao bem, ser privado de tudo isso era ser posto, na melhor das hipóteses, na posiçõ de alguém que sofrerá de uma morte impune, e, na pior das hipóteses, a uma forma de ostracismo tão severa — lembrem do clima do norte da Europa e da dificuldade para sobreviver sozinho fora do conforto do grupo tribal — que o outlaw era obrigado a morrer por si mesmo, desprezado ao ponto de sequer valer a pena ser morto pela tribo.
Raramente um outlaw decidia realmente abandonar o grupo tribal, apesar de perder seus direitos. Eram assim comumente mortos, o que lhes parecia menos penoso do que morrer lentamente fora da tribo. Alguns casos nas sagas, todavia, narram pessoas vivendo como outlaws por décadas, o que eram certamente exceções absurdas às regras.
Havia essencialmente dois tipos de outlawry: a provisória, que durava três anos, e a vitalícia. Eram distribuídas de acordo com o peso dos crimes cometidos. Era impedido a alguém da tribo oferecer ajuda ao outlaw, o que nem sempre era possível garantir, mesmo com a pena pesada de outlawry para aquele que fosse descoberto ajudando quem foi banido.
Nos dias atuais, o outlawry serve como uma medida para a prática. Muitas pessoas temem ser obrigados a cultuar parentes que foram ruins, egoístas, machucaram a família. Tais pessoas certamente não seriam cultuadas, o culto ancestral é feito objetivando proteger o espírito da família, o que ele possui de positivo, não de negativo. Um outlaw não era cultuado, mas expulso.
Por outro lado, o outlawry serve também para medirmos nossos atos. Ser posto fora da lei tribal significa desrespeitar tanto a ǣ quanto o þēaw e era, portanto, uma atitude inaceitável, por destruir a friðr. E, sem projetar-se em direção à friðr, não há para que permanecer no innangarðr de uma tribo heathen tribal. 
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heathenrytribal · 7 years
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Wyrd e ørlǫg
No Heathenry tribal assume-se a ideia de que a wyrd foi tecida pelas Nornir na maneira que a ørlǫg as determinou.
É um postulado simples, mas não tão fácil de entender em seus significados mais profundos. Wyrd (literalmente “o que aconteceu”, cognato do nórdico antigo urðr) é uma teia que liga cada heathen às escolhas que ele pode fazer durante sua vida. Esta teia foi tecida pelas Nornir, que são três irmãs que vivem nas raízes da árvore do mundo Yggdrasill. Elas são “Aquilo que tornou-se ou aconteceu” (Urðr), “Aquilo que é” (Verðandi), e “Aquilo que deve ser” (Skuld), a cobrança do que se deve.
Assim, ørlǫg é uma lei que ecoa através do universo, resultado do modo como as coisas existem em si mesmas. Se você derramar água em um vidro quadrado, ela não assumirá uma forma redonda. Ela irá se acomodar ao formato quadrado. Esse vidro é a ørlǫg, as leis primitivas, as camadas primárias acima das quais ou dentro da qual a roda do tempo se desenvolve e gira incessantemente. Mas a ørlǫg também é entendida em um sentido mais estrito, pois os limites dentro do qual qualquer ser vivo pode desenvolver suas próprias vidas, ou seu destino ou determinação. Neste sentido, a ørlǫg é uma sorte e predestinação que nos é dada pelas nossas mães ancestrais.
Isso tem algumas implicações. Nossas escolhas não são totalmente livres. Podemos escolher o que queremos, dentro das opções disponíveis. Eu não posso decidir dar a alguém uma quantia X de dinheiro, se eu não tiver ganhado essa quantia em algum momento do passado. Não posso decidir colher o que não semeei anteriormente. Não posso escolher no presente o que não fiz possível no passado. Não consigo tirar da wyrd o que não armazenei lá.
Mas a ørlǫg é também é uma condenação ou determinação (doom). Você não pode escolher não morrer se você já estiver condenado. Você não pode escolher deixar uma situação já determinada pela ørlǫg. Seu livre arbítrio é então delimitado pelo que deve (shall) necessariamente acontecer, isto é, pela dívida (Skuld), tanto como resultado de suas ações armazenadas nas camadas da wyrd, como pelo que foi predestinado por suas Mães Ancestrais. Você sempre pode escolher a maneira mais honrada de aceitar seu destino, da mesma forma que você tem o livre arbítrio para escolher enfrentar a wyrd de maneira vergonhosa.
A wyrd é o que há de mais forte. Não existe um deus que possa mudar ou remodelar o que está determinado. Não existe um único ser que possa escapar dos resultados de suas próprias ações e determinação. Toda coisa nasceu num determinado momento, vive e evolui depois disso, e finalmente morrerá. Então, esses seres irão compor as camadas da wyrd em que seus descendentes desenvolverão eles mesmos as sementes que seus antepassados deixaram neste mundo. A morte e a vida, o bem e o mal, o livre arbítrio e a predeterminação, são apenas duas partes de um processo único que não pode impedir o seu próprio desenvolvimento, não importa como se tente impedir.
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heathenrytribal · 7 years
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Vættir
Um vættr (plural vættir), conhecido pelos anglo-saxões como wiht (plural wihta), e expresso em inglês moderno como wight, é um nome genérico para todos os seres que não são nem animais e nem humanos. A palavra vættr exprime uma ideia um pouco complicada de se colocar em palavras no português: seu significado dança por algo entre “criatura”, “espírito” ou “ser”, mas vættir não são expressos bem usando-se apenas uma dessas palavras.
Eles são seres pouco, raramente ou nunca vistos pela maioria das pessoas, mas que habitam árvores, pedras, determinadas paisagens, montes, o próprio lar dos humanos, e podem ser de diversos subtipos como dvergar, álfar, jǫtnar e até mesmo divindades. Não exatamente como outros povos animistas, entre os antigos heathens germânicos os vættir parecem ter sido vistos de forma independente dos locais onde habitam, como se este fosse a sua casa, e não exatamente o seu corpo. A categoria mais abrangente de vættir são os landvættir ou vættir da terra, que agrupa todos os vættir que não são divindades ou húsvættir (vættir da casa).
Dentro do Heathenry tribal, os landvættir são cultuados de maneira praticamente autônoma, sendo vistos como seres que muito antes de nós habitaram esta terra, podendo mesmo ser humanos do passado, que mantiveram uma ligação com o local onde estão. Não são seres essencialmente bons ou maus, na verdade, um vættr assim como uma divindade pode agir simplesmente por seus desejos e instintos e necessidades próprias, o que pode significar em alguns momentos prejuízos para o innangarðr humano, uma vez que eles são vistos essencialmente como seres de fora que podem se aproximar (para causar benefício ou prejuízo), mas são essencialmente seres do útangarðr antes de serem “apaziguados” de entrarem no ciclo de presentes com a comunidade humana.
Os húsvættir têm no tomte, hob, goblin e kobold seus mais notórios exemplares através do mundo germânico. Eles permaneceram lembrados de alguma forma pelo folclore e tradições populares até os dias de hoje, e podiam ser diligentes e empenhados na proteção do lar caso fossem agraciados com suas ofertas favoritas como pão com manteiga, leite, ou mesmo algo alcóolico, por vezes. Eles podem servir como protetores contra humanos, animais e landvættir  do útangarðr, e muitos heathens tribais modernos os cultuam de uma forma mais proxima, estabelecendo uma relação de amizade através de presentes em um altar ou local específico com uma estátua ou casa para o húsvættr.
Um vættr que habita uma árvore antiga e imponente, pedra ou paisagem de aspecto singular, fonte ou nascente, rio, provavelmente armazena muita mæġen dentro de si, e, através das ofertas corretas, pode estabelecer uma relação de reciprocidade com o humano ou humanos que se engajem num ciclo de presentes com ele. Esse é o aspecto mais nítido do animismo dos povos germânicos, bem como da necessidade de contato com a terra e o culto à natureza. Trocar mæġen com os vættir da terra ou da casa causa grandes benefícios aos heathens e ao innangarðr como um todo, de acordo com a visão do Heathenry tribal. 
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heathenrytribal · 7 years
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Þēaw
O þēaw é o coração e o cérebro do Heathenry tribal. Ser heathen no sentido tribal é agir e pensar de acordo com a tribo; agir e pensar de acordo com a tribo é seguir o que foi estabelecido pelo þēaw.
A palavra þēaw vem do proto-indo-europeu *teu-, significando “prestar atenção a (algo)”, “voltar-se para (algo)”. Seu significado no idioma dos anglo-saxões é “costume, maneira de se fazer, prática geral de uma comunidade”. Assim, þēaw é aquilo que importa para a tribo, é a maneira de agir, aquilo para o qual seus membros estão inclinados, aquilo que a tribo observa ou segue.
Mas no plural, þēawas possuía também uma implicação ética, significando virtudes. Os þēawas  são os parâmetros de comportamento que os antigos heathens tribais tinham como admiráveis  e em certo sentido sagrados, pois se observados e alcançados garantiam boa reputação aos antigos heathens. Algumas delas são, por exemplo, a honra tribal, a equidade ou justiça, o espírito comunitário, a preservação da friðr, a coragem, a reciprocidade, a hospitalidade, a moderação ou bom-senso e a lealdade (isso não pretende resumir todos os þēawas dos antigos heathens, apenas destacar alguns dos que eram mais característicos em sua visão de mudo e que podemos entender de maneira menos difícil).
O þēaw de uma tribo estava profundamente ligado à sua ǣ, que é traduzida por “lei, estatuto, costume, rito, casamento”. Os antigos entendiam que haviam dois tipos de lei: a lei popular ou costumes habituais, e a lei superior, na qual seu descumprimento era tão inaceitável que culminava em punição, podendo ser até mesmo a morte ou banimento social: ser colocado fora da lei (būtan ǣ).
Um fora-da-lei, alguém que está ao mesmo tempo fora da proteção da lei e entendido como alguém que não respeita o þēaw tribal é a pior espécie de inimigo por ser reconhecido como uma ameaça ao innangarðr tribal; ele é o ponto desestabilizador e destruidor da friðr, um vargr em nórdico antigo, um lobo pronto para atacar e ferir a comunidade humana. Não existe nenhum romanceamento nisso ou paralelo com o satanismo, como alguns querem fazer parecer. O vargr representa o ego descontrolado e aquilo que era mais prejudicial ao grupo, numa época em que o grupo era a única forma de sobreviver seguramente.
Outro aspecto importante do þēaw pode ser percebido com um quase sinônimo: ġewuna, “costume, hábito, prática, rito” vindo do proto-indo-europeu *wné, ou aquilo a que as pessoas estão acostumadas. Assim para o  þēaw enquanto ġewuna entra em consideração também o aspecto religioso, aquilo que escapa ao que é religioso-cívico do significado de ǣ. Aquilo que nós próprios chamamos hoje de “religião” ou Heathenry era simplesmente costume ou hábito, para esses povos.
Por fim, temos a última face de þēaw enquanto sidu, ou “costume, hábitos, maneira, rito, moralidade, boa conduta”, o que está ligado aos þēawas, mas no sentido da conduta mínima do que pode ser considerado “bom” (good) no sentido daquilo que é benéfico e de acordo com o desenvolvimento e þēaw da tribo, não “bom” no sentido pós-conversão de “bem” absoluto. O sidu enquanto þēaw é aquilo que define o heathen enquanto tal e não como membro de qualquer outra cultura.
A grande importância do þēaw é que enquanto lei ou ǣ ele está fixado nas camadas, no Poço da wyrd, segundo Eric Wōdening. Podemos ver na palavra lǫg ou lei, presente no composto ørlǫg ou “lei primordial”, que significa “algo que foi estabelecido (laid)”, ou, literalmente “algo que foi deitado nas camadas da wyrd”. O þēaw é aquilo que foi estabelecido na origem como maneira, conduta, hábito correto perante a natureza e comunidade humana.
Assim, virtudes, costumes, hábitos, boa conduta, lei, e o próprio innangarðr equivaliam ao þēaw. O þēaw é a essência do Heathenry tribal, e sem aquilo ele não pode ser exatamente aquilo que é: o paganismo dos povos germânicos tribais.
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heathenrytribal · 7 years
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Tempo Cíclico
Para os antigos heathens, o tempo era visto como uma potência que regula todas as coisas. No lugar de buscarem controle sobre o tempo, os heathens entendem que a ordem das estações é fixa, por mais que os eventos particulares sejam diferentes.
Enquanto em nossa sociedade atual as relações são desenvolvidas como uma caçada individual, onde o humano lança-se na selva em busca de sua presa, para povos tribais o tempo é melhor entendido como uma plantação, em que há tempo de plantar, o tempo de limpar o solo de ervas daninhas para que os frutos possam crescer fortes e saudáveis, mas também há o tempo de colher.
Em vez de enxergarem-se como sujeitos do mundo, senhores do tempo, os antigos heathens entendiam que eram apenas parte dentro de uma teia de interrelações. Essas interrelações abarcavam tanto a comunidade humana quanto a natureza, deuses, ancestrais e demais vættir. Não pensavam unicamente na aquisição de objetivos futuros, mas nas relações de longo prazo, na posteridade, no legado que deixariam para os seus descendentes, e naquilo que os trouxe até ali.
O passado era visto não como algo a ser evitado ou esquecido. O passado, o tempo mítico era o tempo sagrado, onde as histórias de deuses e ancestrais estavam armazenadas como patrimônio das histórias populares. Era visto como fonte de lições e aprendizado, uma vez que, se o tempo é cíclico, eventos comumente se repetem. Os atores individuais poderiam mudar, mas os papéis e o cenário eram os mesmos.
O mundo em si mesmo não era visto como desempenhando uma história linear, partindo de um começo e chegando a um fim, meramente. Nas narrativas mitológicas restantes fica implícito que muitas criaturas de alguma forma já estavam ali, como que voltando à vida a partir do gelo, enquanto outras parecem ter visto tudo de longe. Mesmo que os principais deuses cultuados surjam num tempo mitológico mais ou menos preservado, muita coisa deixa a entender que haviam mais seres, e que após as narrativas de fim dos tempos, uma nova era se iniciará.
O ragnarǫkr que muitos chamam de fim do mundo, na verdade é apenas o fim de uma era e o começo de outra. O mundo ou universo como conhecemos já morreu inúmeras vezes, renascendo de sua própria semente e assim continuará.
Um heathen mais velho sabe que muitas coisas se vencem com a paciência e não com a força. A natureza continua, a cada nascer da Sól, a cada viagem de Máni, refazendo seu ciclo eterno. Eras começam e se findam, e o mesmo vale para todos os eventos. Saber como e quando isso acontece, saber desenvolver os ritos corretos para acompanhar os ciclos naturais, é o que diferencia a visão de mundo linear e individualista do ocidente e a cíclica e embasada na ancestralidade e posteridade, dos heathens tribais.
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heathenrytribal · 7 years
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Sorte Germânica
É importante notar a relação entre a ideia de sorte, ørlǫg e wyrd entre os antigos heathens. 
A sorte tanto é inata quanto herdada. Depende do que suas mães ancestrais tenham tecido e entregue no seu nascimento. Foi, através do mundo escandinavo (e, portanto, talvez possamos presumir através de todo o corpo de tribos germânicas), a característica mais importante de um chefe tribal. De acordo com Grønbech, haviam reis que podiam mudar o clima apenas com a presença deles, além de trazer a vitória no campo de batalha, mas a sorte também poderia significar a capacidade ou a habilidade de fazer neg��cios lucrativos, semear boas culturas ou ganhar vantagem em qualquer aspecto da vida humana. Assim, a primeira da dimensão da sorte é algo que emana de uma pessoa, mas que pode ser compartilhada com outros, se a pessoa desejar.
O segundo tipo de sorte está mais relacionado com algo que é externo a uma pessoa. A sorte também é em partes dada por guardiões como a fylgja ou animal protetor, e as fylgjukonur, espíritos femininos ancestrais que acompanhavam cada ser humano. Enquanto as fylgjur morriam com seus donos, as fylgjukonur apenas passavam a acompanhar outros membros da família. A quantidade de fylgjukonur variava de pessoa para pessoa, e quanto mais delas acompanhassem alguém, mais sorte essa pessoa teria. Já a fylgja era sempre apenas uma para cada ser humano.
A sorte pode ser melhorada pouco a pouco quando alguém armazenava as ações certas nas camadas da wyrd, mas não pode ser essencialmente mudada rapidamente.
A sorte e a mæġen também estão entrelaçadas, como elas estão também com a fama ou boa reputação. A boa reputação ganha mæġen e sorte, bem como a sorte ganha mæġen e boa reputação. A sorte também é essencial para a tribo, pois indivíduos que têm muita sorte podem fazer com que a friðr da tribo seja alcançada mais facilmente.
Na maneira germânica de pensar, a sorte não tem nada a ver com aleatoriedade, no sentido da fortuna do latim. O mundo das antigas tribos heathens germânicas foi guiado por leis rigidamente definidas que não eram facilmente mudadas, em vez disso, elas devem ser respeitadas e compreendidas. Você não tem uma sorte “aleatória”, se você tem sorte, você não pode ter azar a maior parte do tempo.
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heathenrytribal · 7 years
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Reputação
Para os heathens antigos a reputação não estava ligada apenas ao ser amplamente conhecido, como diz o ditado moderno “falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, na verdade, esse ditado não possui nada a ver com honra no sentido tribal. Orðstír era a palavra em nórdico antigo comumente usada para se referir a renome e boa reputação, ou fama. 
Essa orðstír ou boa reputação era essencialmente obtida através de atos valorosos para todo o innangarðr, a qual era inclusive recompensada com presentes valiosos pelos cyningas ou outros nobres e pessoas de status social avançado, e assim obviamente proporcionava mais mæġen para o grupo e para a pessoa com grande fama.
A verdadeira fama buscada era a imortalização, na verdade, dentro de toda a forma de pensar antiga, a fama era uma das virtudes mais individuais, sob um aspecto: os heathens antigos esforçavam-se para ser o mais exemplares e possuírem uma fama tão grande que resistisse à morte, e fosse recontada por gerações, sendo elevada ao tempo mítico, à memória coletiva, eternizando o personagem famoso e o seu cyn ou grupo tribal.
Alcançar a orðstír era assim, além de aumentar a mæġen, também aumentar a sorte, a honra e as relações de friðr do innangarðr ou grupo tribal. A boa fama de um líder como jarl ou cyning era o suficiente para propiciar maior bem-estar e harmonia para toda a tribo, e servir de exemplo para todo o seu povo.
Por outro lado, muitos feudos iniciavam-se justamente por ataques à boa reputação de uma pessoa. A fama era assim como a honra, e precisava ser mantida a todo o custo, e toda a calúnia ou difamação deveria ser resolvida, em geral através de duelo mortal, uma vez que para os antigos era mais importante a morte a uma vida sem honra. Nos dias atuais, nosso código penal considera crime atos de limpeza de reputação e honra. Todavia, existem também leis que punem falsas afirmações e degradação de imagem alheia, o que está, certamente, baseado em ideias tribais posteriores.
Também é necessário destacar a importância. Ela é o aspecto da fama dentro do innangarðr, isto é, quando uma pessoa torna-se relevante o suficiente para ser amplamente respeitada, conhecida, admirada e até mesmo imitada dentro do grupo tribal. Ela difere-se um pouco da fama, mesmo estando interligada a ela, pois a fama é essencialmente reconhecida pelo útangarðr, sendo mais uma espécie de temor ou cuidado a se ter com a pessoa de boa reputação pelos encargos que ofendê-la podem gerar.
Muitas pessoas prestam atenção e se importam apenas com a importância, confundido-a com fama, ao considerar apenas a forma como o seu grupo tribal ou heathen o vê. Todavia, nossa fama enquanto pessoas particulares pode afetar os laços de friðr pela reputação que nosso grupo tribal terá perante o útangarðr, uma vez que um grupo reconhecido com má reputação sentirá os efeitos disso em sua sorte e honra. Ao mesmo tempo, nossa fama enquanto heathens também é influenciada pela forma que outros heathens agem. Todavia, é importante se destacar que diferentes grupos tribais têm diferentes parâmetros para conferir importância ou boa fama para as pessoas. Não existe preto no branco, mas quando alguém é reconhecido como tendo boa ou má reputação, ele certamente leva a reputação de seu grupo junto de si.
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heathenrytribal · 7 years
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Relacionalidade e tribo
Um aspecto importante de se analisar é que o Heathenry Tribal questiona as mais profundas bases da experiência humana no mundo material. A forma como cada pessoa percebe a realidade é determinada pela sua visão de mundo, ao ponto que ideias que temos como canônicas e óbvias dentro da sociedade ocidental contemporânea parecem sequer ter existido antes da expansão da civilização.
Uma dessas ideias é a individualidade. Enquanto na cultura ocidental tendemos a ver cada membro da sociedade como único e indivisível, como a instância máxima onde a lei pode operar, quando falamos de povos tribais a coisa fica um tanto mais complicada.
Reconstruir a personalidade dos antigos heathens tribais germânicos aponta para uma forma completamente diferente de se entender a si próprio. Enquanto para os ocidentais somos indivíduos únicos e indivisíveis, definidos por nós mesmos, completos, e fechados hermeticamente em relação ao mundo externo, os povos tribais comumente veem a si próprios de uma maneira mais dividual, em um duplo sentido. 
O primeiro, é que aquilo que chamamos de “individualidade”, cai mais especificamente sobre a família, não havendo uma divisão e oposição entre indivíduo e social, ambos formando um todo inseparável (daí a honra ser uma virtude coletiva, por exemplo).
O segundo, é que cada membro do grupo tribal era em si mesmo entendido como formado por uma miríade de substâncias, as quais alteram sua disposição e existência, desde materiais, até as mais sutis: ao mesmo tempo que água, álcool, ossos, carne, sangue, podem compor cada pessoa em diferentes proporções (veja a importância dada a se comer determinados animais, ou carregar determinados amuletos, por suas características), também a hamr, ou forma, que substitui (mas não equivale) ao nosso conceito de alma é formada de várias partes que, embora interdependentes, são quase entidades autônomas em seu próprio direito.
Assim, dentro do Heathenry tribal, em vez de seres individuais fazendo parte de uma comunidade universal, como na sociedade ocidental, o þēaw (costumes, lei, etc.) unem todos os membros que fazem parte do grupo tribal (innangarðr), expressando o espírito do coletivo dos seus membros ou divíduos que existem relacionalmente e não individualmente. Daí a importância dos valores coletivos, da ética, dos códigos de sociabilidade, etc.
Característica importante de povos relacionais é o ciclo de presentes. Neles, não apenas algo material é trocado, mas a própria mæġen, como poder pessoal, é investido no outro, os próprios objetos são vistos como portadores de consciência (noção básica em visões de mundo animistas) e capazes de integrar a essência daqueles que os recebem.
Da mesma forma que a automutilação é considerado um ato não aconselhado socialmente, dentro de um grupo de pessoas relacionais a ausência de lealdade, egoísmo, traição, quebra de juramentos são considerados longe do ideal, retratado mitologicamente em figuras como Loki, entre os nórdicos.
Os atos que prejudicam o grupo são atos que prejudicam a si mesmo, e são vistos como atos similares à automutilação ou suicídio, se compararmos a sociedade individualista com grupos relacionais. Com isso não intenta-se dizer que na sociedade atual pessoas com tendências suicidas são inferiores, apenas que, num grupo tribal, atos que são contrários à sociabilidade devem ser previnidos, acompanhados e corrigidos, da mesma forma que seria ideal que se acontecesse na sociedade aberta.
Assim, o innangarðr não deve formar-se apenas de um amontado de indivíduos, cada um preocupado com sua gnose pessoal, mas de um todo unificado de consciências e personalidades, de seres que se relacionam, partilham a si mesmos com os outros e com lealdade e sem egoísmo também recebem aquilo que neles é investido. Sem um espírito grupal forte, sem o sentido de unidade, o Heathenry sequer pode ser considerado “tribal”.
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heathenrytribal · 7 years
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Mæġen
Dentro do Heathenry tribal contemporâneo, poucos conceitos possuem tanta importância como a mæġen (no alfabético fonético internacional /ˈmæjen/, pronunciando-se grosseiramente como “méien”), e estão tão interconectados a todos os outros elementos da visão de mundo tribal reconstruídas dos antigos povos germânicos.
Mæġen, em inglês moderno, pode significar “main, might, strength, force, power, vigour, efficacy, virtue, faculty, ability“, e então, “poder, força, vigor, potestade, eficácia, virtude, faculdade, habilidade”. Esse conceito é extremamente antigo no mundo indo-europeu.
No idioma reconstruído dos proto-indo-europeus (falado provavelmente entre 8.000 e 4.000 antes da Era Comum) encontramos a raíz *megʰ-, “ser capaz, ser apto”. Ela chega ao mundo germânico como *maganą, “ser capaz ou apto, poder”. No saxão antigo transforma-se em megin, no alto alemão antigo magan, megin, e chegou ao nórdico antigo como magn, megin, megn, todas dentro do espectro de significados oferecidos por mæġen. No inglês antigo, além de mæġen há o verbo magan, “poder, estar apto”.
Mas essa noção não está presa ao mundo germânico. Um cognato proto-indo-europeu, *méǵh₂s “grande”, no sentido de great, poderoso, dá origem a vários termos relacionados em significado. Entre os gregos clássicos μέγᾰς (mégas) significada “grande (big e great), largo, poderoso, maravilhoso, estupendo”, e daí o nosso prefixo “mega” em português, usado para denotar grandeza. No latim, temos magnus, “largo” ou “grande”, tanto em sentido físico, como de reconhecimento e poder, como em títulos como Carlos Magno, o poderoso imperador de origem franca.
No português moderno ainda temos mais termos correlacionados. “Magnata”, do latim magnatus refere-se a uma pessoa reconhecida como importante ou grande. “Magnânimo”, do latim magnanimus, significando “grande em espírito”, “de mente elevada”. “Magnanimidade”, de magnanimitas é a característica da grandeza de espírito. Todas essas palavras são relacionadas com o nórdico antigo magn, “força”, e o verbo magna, “empoderar, fortalecer”.
Essa primeira face da mæġen não tem pouca importância, apesar de ser extremamente material. Uma pessoa que tem muita mæġen, algo que talvez vejamos como poder político ou social, carisma, autoconfiança, estabilidade,  reconhecimento, ampla e respeitada reputação, pode ser referida como um magnata, uma pessoa magnânima. A quantidade de mæġen que cada vættr tem é uma das coisas que os diferencia em sua força ou tipo. As divindades são vistas como os seres mais poderosos, logo, os que mais possuem mæġen.
Termos como mæġencyning, um cyning superior ou poderoso, entre os anglo-saxões ou meginskjöldungr, em nórdico antigo, com o mesmo significado, apresentam a relação entre a quantidade de mæġen que uma pessoa pode ter e seu poder social, semelhante ao que encontramos no termo latino māiestās o qual originou em português “majestade”, usado para se referir a reis, mas que originalmente podia se referir à grandeza, magnitude e dignidade também; fazendo menção à qualidade de ser dos deuses; também a condição dos homens de alta escala, como reis, cônsules, senadores, cavaleiros, etc., e, nos estados republicanos, especialmente pessoas de alta classe.
Através das narrativas dos povos germânicos encontramos comumente os reis e chefes tribais presenteando os valorosos e aqueles que fazem atos admiráveis. Não é estranho ver figuras que armazenam muito mais mæġen do que o comum a compartilhando com aqueles que as beneficiam.
O megináss é o chefe dos deuses Æsir, e megingjörðr, o “cinto principal (main)”, ou “cinto do poder”, é um dos equipamentos do deus do trovão. Meginþing é uma grande assembleia ou encontro. Como vemos, a mæġen é certamente o diferencial, aquilo que confere status e poder especial às coisas, quando presente de maneira maior que o comum.
O ciclo de presentes é a forma básica pela qual a mæġen é passada adiante e multiplicada. Ele acontece de maneira principal, no Heathenry tribal, dentro do innangarðr. Quando todos os membros da tribo possuem muita mæġen, e seus membros estão em harmonia, juramentos sendo mantidos, e o ciclo de presentes está funcionando de maneira natural, multiplicando a mæġen, entre humanos,  vættir, ancestrais e deuses, ela está provavelmente em estado de friðr.
Mas a mæġen também funciona como uma espécie de força “mágica”. Em seu trabalho principal, We Are Our Deeds, Eric Wōdening aprofunda-se em mæġen como um conceito metafísico e o explica da seguinte forma:
“Pelo menos, sabemos que todos os seres vivos a possuem, dos insetos aos homens aos deuses (a asmegin, que Þunor tem em abundância). A mæġen pode ser transferida de pessoa para pessoa; por isso, vemos os reis emprestando spēd (outra palavra para mæġen) aos seus homens antes de entrar em qualquer empreendimento importante. Um homem também pode perder mæġen através de várias circunstâncias. Finalmente, a mæġen poderia ser manipulada através das várias artes metafísicas, como galdor e seiðr”.
Assim, a mæġen pode também ser usada como uma força física ou não. Ela pode ser concedida através de presentes, bençãos, bendições ou ser utilizada em ataques físicos, seja corpo-a-corpo, seja através de galdor e seiðr, seja em batalhas com grandes exércitos. Em sua faceta metafísica, a mæġen é uma força semelhante à mana, ao qi, ou à orenda. A mæġen aumenta a sorte, e é um dos pilares da friðr, e pode ser multiplicada através do ciclo de presentes. Ela é a força essencial que os heathens tribais visam acumular, dada a gama gigantesca de usos que temos ao termos consciência e lançarmos mão de uso dela.
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heathenrytribal · 7 years
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Innangarðr e útangarðr
Innangarðr e útangarðr em nórdico antigo, innanġeard e utanġeard para os anglo-saxões, comumente simplificado como innangard e utangard, algumas vezes traduzidos como intragrupo e extragrupo em português, são talvez os conceitos mais básicos dentro da visão tribal de Heathenry, pois eles delimitam o que é tribo e o que não, e todos os outros conceitos, como personalidade relacional, ciclo de presentes, e assim por diante, emanam deles.
Diferentemente da sociedade aberta, formada por indivíduos, organizados em famílias, todos igualmente submetidos a um mesmo estado, ou de outros grupos religiosos onde todos os praticantes são vistos como irmãos, o Heathenry tribal coloca muita ênfase na cultura vivida coletivamente por um grupo específico.
Assim, a partir de cada família e seu lar (hearth), que é a unidade básica da personalidade, e não o “indivíduo”, estendendo-se aos parentes consanguíneos ou por juramento e enfim também a outros lares unidos, formando assim a tribo, temos o innangarðr. 
Dentro do innangarðr as pessoas encontram-se sob a mesma lei, o mesmo þēaw, estão ligadas pela mesma sorte, e pela mesma teia da wyrd. O innangarðr é o cerco que delimita espacial e socialmente o grupo de pessoas em que se pode confiar (por estarem sob as mesmas regras) e as que não. O útangarðr é tudo que está fora disso que é seguro, nele, as leis e costumes tribais podem ou não ser reconhecidos, uma vez que ele é um local de caos (no sentido de desconhecido, inesperado, não seguramente amigável).
Um garðr é literalmente “um recinto, lugar fechado, quintal, jardim, corte, habitação, lar, região, terra; septum, lŏcus septus, hortus, ārea, habĭtācŭlum, domĭcĭlium, régio”, algo que delimita um determinado espaço. Nos tempos antigos podia ser associado diretamente com os limites e cercas das vilas e povoados tribais. O innangarðr é assim o “cercamento interno”, e o útangarðr é a área fora desse cercamento. O innangarðr equivale à segurança, enquanto o útangarðr à incerteza, e a possibilidade de prejuízo para a comunidade tribal.
O innangarðr é assim composto de pessoas: nos tempos antigos, os parentes, pais, irmãos, etc, uma vez que eles compartilhavam lei e þēaw além do sangue com cada um dos outros. Todavia, como a maioria dos parentes dos heathens tribais hoje em dia seguem outros costumes, é necessário associar o conceito de innangarðr também com a comunidade que partilha da mesma lei, þēaw e cultura, ou seja, a tribo heathen  a que se está ligado por laço de juramento, tão importante quanto o de sangue.
Nos tempos dos antigos heathens o innangarðr estava unido fisicamente também, todavia, hoje graças às cidades muitas vezes a união física não é tão possível, a não ser que as tribos pagãs morassem em comunidades, ou tivessem seus próprios sítios e áreas para morar coletivamente.
O innangarðr além de ser igualado com a (sua própria) lei e com o þēaw é equivalente ao que podemos chamar de bem (good). Com isso queremos dizer que a sociedade humana, o coletivo, a tribo expressa pelo innangarðr tem suas próprias regras, criadas por aceitação do coletivo, está direcionada por um determinado tipo de þēaw ou ética, mas também conjunto de costumes, incluindo o religioso, em suma, sua cultura como um todo. E ao dizer que a tribo se equivale ao bem, queremos dizer que þēaw  e lei estão dispostas de maneira a levar o innangarðr a alcançar a friðr, a harmonia, o bem-estar, a paz interna do grupo.
Tudo aquilo que ajuda a harmonizar o innangarðr é “bom”, logo, bem e mal aqui não são valores absolutos, mas relativos ao innangarðr em questão. O que é bom para um grupo pode ser mal para outro. Bem e mal não são potências máximas, mas “bom” é simplesmente aquilo que beneficia o innangarðr e mal é aquilo que o prejudica. Assim, apesar da associação do innangarðr com o bem, o útangarðr não é necessariamente equivalente ao mal. O útangarðr só se torna mal quando age em detrimento do bem da tribo.
Innangarðr não tem a ver com raça, mas com associação de pessoas. Qualquer grupo tribal contemporâneo possui uma política, ainda que não abertamente proclamada, para a entrada de membros exteriores, para evitar a dissolução total de sua cultura, leis e costumes. O mesmo vale dentro do Heathenry tribal, que almeja reorganizar os que por ele se interessem em tribos baseadas no þēaw, lei e bem, protegidas pelo innangarðr, para a manutenção da mæġen, honra, sorte, e  friðr contra o útangarðr e seus ataques desestabilizadores, que visam subtrair tudo isso do grupo tribal.
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heathenrytribal · 7 years
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Juramento
Para os heathens tribais a palavra é, simplesmente, sagrada. Palavras são ferramentas poderosas, que possuem sua própria vida e podem ser usadas para lançar feitiços, amaldiçoar, abençoar, e fazer juramentos, entre as suas várias funções. Palavras possuem muita mæġen.
Um juramento é em sentido geral, dentro do contexto dos antigos heathens, o ato de proclamar publicamente perante a comunidade tribal a verdade antes dela ter acontecido. A palavra “juramento” está ligada ao latim ius, significando “justiça, direito ou lei”, como expressão do comportamento social obrigatório. Mas jurar também implica a presença divina como testemunha dos laços estabelecidos dentro do innangarðr humano, uma vez que o juramento é a massa que preenche e une a sociedade humana, e a função do juramento é social, não meramente individual.
Através do juramento, todo innangarðr tem sua wyrd interligada, e eles são especialmente pronunciados no sumbl, uma das cerimônias mais solenes onde os heathens tribais pronunciam juramentos para a comunidade, como meio de ligarem-se a ela, e fazerem-na avançar e tornar-se mais forte. No sumbl a bebida alcoólica serve como selo do juramento, e é partilhada por todos os membros da tribo ou comunidade.
Em geral, grupos tribais não permitem que todo e qualquer tipo de juramento seja pronunciado, uma vez que juramentos não cumpridos trazem pesados encargos para a sorte tribal do innangarðr como um todo. Assim, o þyle do grupo é responsável por ouvir os juramentos antes de serem pronunciados, ou os negar após serem feitos, em nome de toda a comunidade.
Um juramento nos dias atuais também é comumente acompanhado de um scyld, uma maneira de compensar o que foi pronunciado, caso o juramento não possa ser cumprido, e evitar assim danos à sorte do innangarðr tribal como um todo.
Mas os juramentos têm vários propósitos. Para os nórdicos antigos, um eiðbróðir ou irmão adquirido por juramento tinha o mesmo status e obrigações que um parente consanguíneo, inclusive o encargo de vingança, caso morto. Isso algo que é visto também entre os anglo-saxões através do ġefēranāð, o juramento de companhia, professado originalmente nos contextos de tropas guerreiras.
Juramentos de lealdade também eram comuns, em geral professados para pessoas de status social mais elevado como jarl ou cyning. Nesse caso, era comum que fisicamente durante o ato do juramento se emulasse a entrega dos seus atos ao recebedor do juramento, colocando-se em posição de respeito, e as mãos dentro das mãos de quem recebe o juramento, este visto como personificação do innangarðr tribal.
Foram encontradas também dezenas de espadas datando o período de migrações germânicas pela Europa, as quais carregam um anel pendurado ou preso ao seu cabo, onde acadêmicos como Ellis Davidson acreditam que eram proferidos os juramentos para figuras nobres. Assim, ao lutar, esses chefes tribais levavam o poder dos juramentos em suas lâminas, o que estava ligado, assim, à capacidade que juramentos têm de influenciar a sorte tribal.
Mas juramentos também podiam ser pronunciados para inocentar algum acusado de crime, geralmente exigindo um número de testemunhas que variava de nenhuma a até doze, dependendo da gravidade do crime imputado.
Palavras para juramento tem uma etimologia importante de ser ressaltada, para compreendermos melhor seu valor. O termo āþ entre os anglo-saxões — o qual deu origem ao moderno oath –, está ligado em sua origem em idiomas ancestrais reconstruídos com “aquilo que foi”, indicando que a materialização do juramento é uma etapa essencial de sua existência. Promessas ou compromissos (pledges) eram expressos na sociedade anglo-saxã como wǣr, ligado ao termo latino veritas, verdade, mas também a várar no nórdico antigo, o qual era a forma plural do nome da deusa Vár, registrada na Edda em Prosa, a qual testemunhava as alianças entre casais, e a raíz germânica em última instância é *wēra-, referindo-se ao verbo “ser”.  Um voto (vow) vem do latim vōtum significando uma solene promessa a uma divindade.
Juramentos forjam assim a sorte, a wyrd e a honra de um innangarðr tribal. A quebra de juramentos era um dos crimes mais graves que imputava o banimento da comunidade, e ser considerado fora-da-lei num mundo hostil, baseado na força da comunidade, no passado, era algo praticamente mortal. Os juramentos devem ser proclamados com muito respeito e cautela, possuindo severa importância para o Heathenry tribal nos dias atuais.
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heathenrytribal · 7 years
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Honra Germânica
“Honra” é uma palavra complicada. Nós a entendemos como ela é atualmente entendida, a menos que nos dediquemos – muito – a estudar como a honra foi vivenciada entre os antigos. Se não, a reduzimos apenas a algo como uma espécie de pureza de espírito, coragem, virtude.
Só que honra não é apenas isso. Honra é, acima de tudo, lealdade ao seu ætt ou cyn (no caso dos antigos, a família). Honra é dedicação ao seu innangarðr – o seu círculo familiar ou tribo. Honra significa: se alguém machucou alguém da minha tribo, ela pagará o preço, e por isso no mundo dos antigos heathens germânicos tribais honra e vingança estavam tão interligadas. Mas honra também é todo um conjunto de qualidades tribais que melhoram e aumentam a admiração e o respeito a que você faz jus.
Esse respeito é duplamente externo. Primeiro, a honra emana do ætt, já que seus atributos são dividuais e não individuais. Isso significa que se você for o maior herói da história, mas vem de um ætt conhecido por ser corrupto, parabéns, você só é mais um corrupto. Neste ponto, honra se mistura com a fama tribal: dada de maneira interna e externa, por amigos e por estranhos. A honra é da tribo, não dos membros tomados separadamente.
Cada membro se torna o espelho da tribo, e a tribo, o espelho de seus indivíduos. Além disso, a honra está ligada à reputação. Isso significa que quem diz se você é honrado não é o seu “eu”, mas o outro. A honra é uma virtude que só se dá em oposição perante o outro. Não existe honra auto-atribuída para o mundo dos antigos heathens.
Honra, sorte, mæġen e fama estão plenamente interligadas. A fama e a honra dão sorte e mæġen para o indivíduo e para o seu ætt, o fortalecendo. Com honra, sorte e mæġen é possível se relacionar em bons termos e boas posições, tanto entre outras comunidades humanas, como com os ancestrais e vættir, bem como com divindades. Nenhuma dessas quatro relações possui menos importância que a outra.
A honra significa, assim, acima de tudo, uma espécie de proteção com um brilho que ofusca os olhos dos lobos do útangarðr – o meio externo ao innangarðr, no qual a lei do ætt não é reconhecida. A honra é a própria alma do ætt, sua razão de existência. Sem o respeito à honra o ætt é apenas um amontoado desorganizado de pessoas que jamais poderá alcançar a friðr, isto é, a paz, a plenitude da existência enquanto grupo. E a friðr é o objetivo para o qual o heathen tribal e o seu ætt se direcionam.
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heathenrytribal · 7 years
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Friðr
Friðr geralmente é definida negativamente, como ausência de conflito ou paz. Mas friðr é muito mais que algo negativo. Friðr é uma forma de harmonia estabelecida entre duas ou mais pessoas através de um laço relacional de reciprocidade, que pode ser obtida através de laços de sangue ou de atos valorosos e juramentos.
Friðr era no tempo dos antigos pagãos razoavelmente intercambiável com sib (que originou o termo inglês moderno sibling, usado para se referir a irmãos ou irmãs), e servia para denotar pessoas que se engajavam, então, em uma relação familiar, de parentesco, obtendo todos os benefícios e obrigações dessa relação, incluindo aí a paz. Os principais tipos de friðr eram então a que era estabelecida entre familiares ou parentes, a friðr estabelecida entre uma tribo e seu chieftain, mas também a que se estabelecia entre o innangarðr humano e o divino.
Quando duas pessoas ou mais engajavam-se em laços de friðr, era estabelecida uma sociedade entre elas, para além da ausência de conflito, que era apenas a camada externamente visível deste conceito. A friðr culminava em respeito e abnegação mútua, que em casos extremos, como no assassinato de uma das partes, exigia a vingança da outra parte restante. Ferir uma das pessoas num grupo em que há friðr é ferir todos os outros, é sorver a honra daquele grupo, a qual precisa ser paga, através de compensação (scyld) ou vingança violenta, comumente envolvendo a morte da parte ofensora.
Nos dias atuais, de forma menos violenta, já que não amparados pelo direito, devemos proteger de fato aqueles que estão em relação de friðr conosco, como se estivéssemos protegendo a nós mesmos.
A friðr estabelecida entre um membro ou toda uma comunidade e seu líder tribal ou chieftain era necessária para que a sorte do primeiro fosse transmitida para os outros, e se estabelecesse um laço de ajuda-mútua do qual ambas as partes eram beneficiadas. Um chefe tribal que conseguisse trazer muita friðr para o seu povo era comumente muito louvado tanto em vida como na morte, uma vez que o objetivo da boa liderança era assegurar a friðr do grupo tribal que estava sob sua proteção.
O terceiro tipo de friðr era aquela firmada entre os homens e os deuses. A palavra friþġeard que significa “asilo, santuário” foi usada para designar áreas sagradas. Um friþġeard seria então qualquer área separada, dedicada ao culto dos deuses. Dentro deles armas eram proibidas, e era considerada uma afronta aos próprios poderes sagrados envolvidos causar desavenças entre as pessoas nesses espaços; era necessário, para os heathens tribais antigos, que o respeito aos poderosos deuses que ali se conectavam num laço de friðr com os humanos fosse mantido de maneira invariável. No poema Beowulf vemos que isso era também mantido na presença de reis, quando o comitatus estrangeiro deixa todas as suas armas de fora do encontro com o rei Hrothgar.
A friðr era assim, como abnegação mútua, um ato que gerava paz e transformava a experiência humana, harmonizando-a e tranquilizando-a, sendo o objetivo último do ciclo de presentes no qual os humanos investiam a si mesmos e a sua mæġen uns nos outros. A existência da friðr era algo fortemente buscado, e uma das maiores afrontas ou punições a um determinado grupo tribal, seja nos dias de outrora, seja hoje, é negar-se a friðr aos que se considera inimigos, não associando-se ou permitindo sua harmonização interna, impedindo assim a paz e plenitude do grupo contra o qual se está em conflito. 
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