Tumgik
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Fique atento
Não deixe passar despercebido,
diminua a música, mas não todo o volume,
só o suficiente para que se possa ouvir
Deixe que se dilua,
permita dobrar-se, torcer, retorcer,
na busca de sentido, não, não! Na tentativa!
ou melhor, no erro!!
Permaneça reflexivo, flexível,
perceba-se vivo, se afogue
respire fundo como quem chega ao pico
onde é possível mudar a perspectiva
e por um momento
numa fragrância sutil
contemplar o que é,
pelo simples fato de ser
E como é lindo
mesmo com suas manobras temporárias
Poder olhar-se, poder olhar-te
Daqui também te vejo, são detalhes
Desagregando como onda na areia em fim de tarde
É vida em si, se fazendo presente.
Abre tsézamo
Atenda o chamado.
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Malditos olhos meus
Benditos olhos teus
Como barcos navegam
Na imensidão, onde
Se pode ver Deus
Ternos braços teus
Chacoalhar dos meus
Até que arrebentem
Viajantes ciganos
Somos
Todos
Breu
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O mundo não vale o mundo, meu bem, Eu plantei um pé-de-sono, brotaram vinte roseiras. Se me cortei nelas todas e se todas se tingiram de um vago sangue jorrado ao capricho dos espinhos, não foi culpa de ninguém. O mundo, meu bem, não vale a pena, e a face serena vale a face torturada. Há muito aprendi a rir, de quê, de mim? ou de nada? O mundo, valer não vale. Tal como sombra no vale, a vida baixa...e se sobe algum som desse declive, não é grito de pastor convocando seu rebanho. Não é flauta, não é canto de amoroso desencanto. Não é suspiro de grilo, voz noturna de nascentes, não é mãe chamando filho, não é silvo de serpentes esquecidas de morder como abstratas ao luar. Não é choro de criança para um homem se formar. Tampouco a respiração de soldados e enfermos, de meninos internados ou de freiras em clausura. Não são grupos submergidos nas geleiras do entressono e que deixem desprender-se, menos que simples palavra, menos que folha no outono, a partícula sonora que a vida contém, e a morte contém, o mero registro de energia concentrada. Não é nem isto nem nada. É som que precede a música, sobrante dos desencontros e dos encontros fortuitos, dos malencontros e das miragens que se condensam ou que se dissolvem noutras absurdas figurações. O mundo não tem sentido. O mundo e suas canções de timbre mais comovido estão calados, e a fala que de uma para outra sala ouvimos em certo instante é silêncio que faz eco e que volta a ser silêncio no negrume circundante. Silêncio: que quer dizer? Que diz a boca do mundo? Meu bem, o mundo é fechado, se não for antes vazio. O mundo é talvez: e é só. Talvez nem seja talvez. O mundo não vale a pena, mas a pena não existe. Meu bem, façamos de conta de sofrer e de olvidar, de lembrar e de fruir, do escolher nossas lembranças e revertê-las, acaso se lembrem demais em nós. Façamos, meu bem, de conta - mas a conta não existe - que é tudo como se fosse, ou que, se fora, não era. Meu bem, usemos palavras. Façamos mundos: idéias. Deixemos o mundo aos outros, já que o querem gastar. Meu bem, sejamos fortíssimos - mas a força não existe - e na mais pura mentira do mundo que se desmente, recortemos nossa imagem, mais ilusória que tudo, pois haverá maior falso que imaginar-se alguém vivo, como se um sonho pudesse dar-nos o gosto do sonho? Mas o sonho não existe. Meu bem, assim acordados, assim lúcidos, severos, ou assim abandonados, deixando-nos à deriva levar na palma do tempo - mas o tempo não existe -, sejamos como se fôramos num mundo que fosse: o Mundo.
Carlos Drummond de Andrade - Cantiga de Enganar
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este pássaro armou seu ninho em mim
agarrado ao peito, estreito ao coração
por isso lhe quero e agora,
incuba em mim seus ovos de ouro
o espírito conclama, alado
deseja o que há de mais alto em si
quer ser se não arauto de um novo eu
só pode crer em um deus que saiba dançar, com riso profundo,
lágrimas e canções, ávida virtude
eu que com o tempo aprendi a andar
hoje corro,
mesmo que não haja nada de eterno senão o tempo,
morrerei por este pássaro,
viverei por este pássaro!
é o meu mais nobre tesouro
escolheu teu lar em meu deserto
e minhas escolhas lhe rogam
naquilo que chamam de "si-mesmo".
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Dia cento e vinte e seis e novamente cá estou eu, mentindo, pois não tenho a mínima noção se já passaram mesmo mais de cento e vinte dias, nunca fui bom em me lembrar de datas, aniversários, feriados, ou que quer que seja, simplesmente não consigo, talvez seja algo que pouco me interessa, mas a questão é: não há nada de magistral mais uma vez, em todos esses dias, pode ser que tenha acontecido algo um pouquinho diferente aqui ou ali, como ontem em que bati a cabeça tão forte no mármore da pia que senti uma dor insuportável da qual provei pouquíssimas vezes na vida (ao menos das que eu me lembre) e quando percebi, havia sangue escorrendo do meu couro cabeludo, sim, sangue escorrendo da cabeça, é desesperador, mas essa definitivamente foi a maior emoção que senti durante toda a semana, talvez até, durante todo esse mês, consegue imaginar? O maior êxtase de seus últimos trinta dias serem um corte miserável na cabeça e que ainda, no fim, aparentemente não era nada demais e a dor que senti foi indiferente - assim como tudo está sendo - e é mesmo como meu pai costuma dizer "vaso ruim não quebra". Apesar de tudo acho que finalmente estou me acostumando, já não me incomoda tanto (mentindo de novo, como posso ter a pachorra de cogitar não estar incomodado, ando extremamente estressado com coisas pequeníssimas, que não merecem essa descarga toda, e isso é o mais frustrante, logo após me irritar lá estou eu, me sentindo patético e um maldito descontrolado que já perdeu o senso), talvez seja essa a sensação de se estar preso, é claro que quando se está preso não há o conforto de uma cama espaçosa com um bom acolchoado e cobertores quentes, muito menos a liberdade de abrir e fechar a geladeira esperando que qualquer mágica aconteça e que dali surja alguma das comidas que se tinha em mente, só porque simplesmente sabe que não vai encontrá-la, acho que talvez esteja começando a compreender o conceito de prisão domiciliar, pode ser que isso realmente funcione, digo, está começando a fazer algum sentido, não como uma forma de reinserção social (olhando por esse lado parece uma piada de mau gosto), mas definitivamente vai te fazer se sentir claustrofóbico o bastante e extremamente incomodado e talvez lá pelo dia duzentos e cinquenta eu já esteja completamente maluco, até porque é provável que esse número seja muito maior, já que além de ser péssimo com esse tipo de conta como havia dito, terminei de perder minha noção de tempo e de conseguir acompanhar nosso calendário gregoriano, os dias perderam sua "forma", não faz diferença alguma se é dia ou se é noite, a não ser pelo frio, janelas abertas e luzes acesas.
Pode ser um inferno se você deixar, e se não deixar, pode apostar que uma hora ou outra, vai ser um inferno de qualquer jeito, afinal, depois de tanto tempo, você acaba ficando sem escapatória, suas válvulas emperram e deixam de ser efetivas, coisas das quais você amava fazer podem acabar se tornando detestáveis, e já outras que pareciam detestáveis vão te instigar certo interesse, e depois você ainda pode passar a profanar ódio por qualquer coisa, pois as coisas vão deixando de fazer sentido conforme você se aproxima e pensa naquilo, mesmo que pense na gloriosidade sem fim que a internet hoje pode nos fornecer com seus intermináveis hiperlinks, vai ver que mesmo ela não dará conta pois tudo se torna monótono e cansativo, até chegar o ponto em que você mal consegue levantar da cama de manhã, e aí já não se tem ânimo para nada. Agora, se você tem dificuldades para lidar com solidão ou fica inquieto demais por estar sozinho, algo do qual sempre lhe pareceu inconveniente, meus pêsames meu caro, talvez você não dure muito, ainda menos do que eu supostamente vou durar, se prepare para a experiência mais esmagadora que terá em anos, é preciso aprender a lidar consigo mesmo, digo, não há outro jeito (se acha difícil lidar com seu pai ou qualquer outro cretino marrento, é porque ainda não experimentou se olhar no espelho e começar a falar) e isso pode levar anos, o ideal é que se intercale com um pouco de cerveja ou whisky, e uma dose de desabafo com os amigos, para que seja mesmo saudável, termine com uma boa foda seguida de um longo cigarro, digo longo pois estará se sentindo aliviado como nunca, e terá a sensação de que as horas e os minutos estariam mais calmos agora, o cigarro não acaba, assim como você, que por um momento se esquece o que é ter uma respiração ofegante e cansada.
Vai ver o limbo que é se pegar mais uma vez no mesmíssimo lugar, nessa cama espaçosa e bagunçada, sozinho, como todos os outros cento e vinte dias e talvez mais, e mesmo que os bocejos lhe escapem a noite, ou melhor, na madrugada, pois se tornou impossível ir se deitar antes das três da manhã, dando sinais de sono, o ritual se repete - não entrarei em algumas questões, pois compreendo bem minha santíssima posição privilegiada que me permite um suposto grande conforto, em diversos sentidos, mas vai chegar uma hora em que isso também pouco vai importar, voltará a odiar tudo, os problemas começarão a te cercar por todos os lados, não importa se são novos ou se já estão desgastados, tudo o que há de mal resolvido, confuso e até com um peso traumático dentro dessa maldita consciência, virá a tona, e vou lhe avisando, não importa o que faça, você não conseguirá nem mesmo olhar para o lado, ao menos não por muito tempo, e se por acaso conseguir, eles aparecerão enquanto dorme, num constrangedor baile de máscaras em seus sonhos.
Toda vez que me deito para tentar dormir mil pensamentos me invadem a cabeça, e não importa, a partir daí se torna impossível pegar no sono. Não importa o quão cansado eu esteja, eles sempre vem, me debulhando sobre todas as coisas as quais deixei de lado, de novo e de novo, sobre tudo aquilo que havia pensado na noite anterior e que também haveria prometido para mim mesmo que faria, e não fiz, rearranjando formas com as quais possa me convencer, ou melhor, me culpar e por vezes pensando que não poderia ser mais lastimável, provo o contrário e sou ainda mais ridículo, ao terceirizar a miséria da culpa. O mundo daqui, desse lado do travesseiro e debaixo dos lençóis pode parecer, por vezes, mais fácil, aqui as soluções surgem rapidamente e sem muita dificuldade, não é preciso matutar muito para que apareçam. Às vezes iludem, lhe fazendo se sentir um tanto “bem resolvido”, sem que haja muita preocupação; e em outras percebo a catástrofe dessa existência infame, haja contradições para um único ser, me sinto ridicularizado pelo meu próprio eu. A barra é pesada, não há escapatória ou desculpas para si mesmo, por mais que tente mentir ou se esquivar, a coisa da à volta e retorna até mim, me encarando, sabendo que não passa de conversa fiada, me revirando na cama, remexendo os cobertores com os pés como se estivesse sendo sufocado por eles, tentando desviar a atenção dessa mente inquieta, se eu viro todo o universo vira comigo, e não é melhor do outro do universo.
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“Suave mari magno turbantibus aequora ventis, e terrä magnum alterius spectarem laborem.”
Ah, como é agradável, enquanto no mar revoltoso o vento joga as embarcações contra os recifes, observar da terra os grandes esforços de um outro. Não que haja qualquer prazer na desgraça de alguém, mas porque é bom observar os males que não se sofrem.
- Lucrecio
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O por do sol leva pouco mais de três minutos, digo, a partir do momento em que o sol está paralelo a linha do horizonte, a deriva da rotação e de todos os astros flutuando e circulando pelo vazio infindável. É um espetáculo magnífico que tem a duração de míseros três minutos humanos, todo o esplendor que penetra-nos de vida e queima os olhos. Talvez devêssemos contar os dias em decorrência desse vislumbre profano, assim sendo, um dia seria o mesmo que um por do sol, com pouco mais de três minutos, e teríamos assim, consequentemente, mais dias no calendário, poderíamos então, pelo mesmo tempo que nos sufoca, deleitarmo-nos de muitíssimos mais dias; se você tem cerca de trinta anos, ao invés então de ter vivido quase onze mil dias até aqui, teria vivido (se meus cálculos estiverem certos) mais de cinco milhões de dias, não seria glorioso? É claro, isso se ainda considerarmos um ano com trezentos e sessenta e cinco dias. Mas no final, pouco importa dez mil ou cinco milhões, se você já não se espanta e já não se admira muito com o por do sol.
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a complexa fábula nefasta do existir
veja como é enfadonho
há delírios que sobressaem a natureza,
o atrito sob nossas cabeças caducas
deformando os mais patéticos estados de compreensão
não como uma janela aberta para o mundo,
mas num periscópio voltado para o nada
fora das profundezas desse oceano social,
idolatrando a dúvida
como haveriam de fazer os filósofos e poetas.
aah, a solidão dos mais íntimos mares revoltos
aflições,
receios,
pesares e
o tempestuoso tédio
que cerca pelo silêncio as fantasias
com o véu afiado do absurdo,
à deriva do incompreensível,
à estreita do imensurável,
imerso no que há de mais ridiculamente real
encurralado pelo mais requintado abstrato.
tolo, não há senão tolos por aí
e serão somente tolos, injuriados
no restante do tempo em que não havemos de ser tolos
seremos somente o que somos
adultos e crianças, venderores, delatores
poetas e zé ninguéns, mendigos e putas
amantes desiludios, romanticos desprezados
ignorantes, ou ainda mais cretinos
que consideram saber qualquer coisa,
crentes, descrentes, abastados e sem tetos
alunos a duvidarem dos professores,
filhos mimados do castigo, do pecado
o silêncio dos covardes, o grito das vítimas
o anseio vigarista, as manias incontestáveis
querendo ser senão deuses,
sentindo-se importantes pelo sofrimento
nauseados diante o milagre do óbvio.
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Você ainda teria medo se eu lhe dissesse que a vida vai destruir não importa de onde venha todos que nasceram para a solidão se eu lhe dissesse que a poesia e os vícios vão te matar antes dos 50 que família não significa muita coisa e pensar em deixar algo pra esse mundo é atormentante demais se eu lhe dissesse que é necessário morrer pra poder viver novamente que é necessário sucumbir para que tudo se faça verdadeiro que a literatura é uma farsa cheia de palavras vazias de significado e somente os que compreendem isso vão lhe entender que Péricles não passa de um charlatão e Leônidas é o verdadeiro poeta se eu lhe dissesse que suas lágrimas não vão adiantar muita coisa e no fim Werther foi fraco os românticos sempre estiveram errados se eu lhe dissesse que algumas vezes nem arte ou amor podem nos salvar que nessas vezes são eles que nos desesperam se eu lhe dissesse que em um ou dois dias a angústia pode ser maior e que talvez não seja a última vez mas você não pode parar aí se eu lhe dissesse que a filosofia não vai te levar a lugar nenhum que os remédios são a melhor opção e que teu orgulho é um erro se eu lhe dissesse que a tristeza não é tão bela assim nem tão necessária mas os outros não sabem disso que seu sorriso já não é mais tão branco ou tão bonito ou tão verdadeiro que o quarto nunca foi quarto e a casa nunca foi lar as noites sempre mais longas se eu lhe dissesse que se dopar não é tão ruim assim mas escutar a música certa é sempre melhor se eu lhe dissesse que não existe música certa Você ainda teria medo?
C.Sanches
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saudemos! um brinde, o mais glorioso brinde! a todos meus amigos, meus verdadeiros amigos que tiram antes do tapa, a compreensão, livre de preceitos ou julgamentos, para depois bater. um brinde a todos vocês pois sem vocês, agora, hoje eu seria um lunático fodido da cabeça.
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O Presidente dos Estados Unidos da América, os grandes ministros de estado, deputados e senadores, os grandes bispos e bliptblopts e fodões por toda a parte, até os mais reles trabalhadores de fábrica com peito estufado de orgulho e o rosto sujo de graxa, estrelas de cinema, executivos e grandes engenheiros e presidentes de firmas advocatícias e de empresas de publicidade com camisas de seda e gravatas e enormes maletas caras onde eles guardam esse monte de pentes ingleses importados e aparelhos de barbear e pomadas e perfumes, todos estão andando por aí com o cu sujo! E além do mais, você sabe o que acontece com as pessoas que andam por aí com o cu sujo? Elas sentem uma enorme culpa que não conseguem compreender por mais que as acompanhem o dia inteiro, vão trabalhar limpinhas pela manhã e você pode sentir o cheiro de roupa recém-lavada e água-de-colônia, mas tem algo corroendo elas, alguma coisa está errada, elas sabem que alguma coisa está errada, só não sabem o que. E nem imaginam que possa ser esse cu enrugado, peludo e sujo.
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Hoje acordei e o dia não era dia. Percebi a imatura consciência que em mim foi forçada, e me aterroriza a ideia de que não sou o único anestesiado com dogmas e preceitos sem que desconfie; percebi que não sabia de nada. É como quando se questiona sobre a ideia de destino, de história já contada, “uma personagem tão trabalhada que não lhe restou personalidade”, outra marionete bem manuseada, com os fios bem esticados, se questionando do próprio livre arbítrio e de todas as aflições das quais os filósofos existencialistas tentam sufocar, das lembranças distantes não muito bem distinguidas e de detalhes confusos. Será mesmo que tudo o que entendo por “eu” é uma farsa? Haveria tudo sido introjetado lentamente ao longo dos meus anos de vida e até mesmo antes? Seria possível que não tivesse pensado ou percebido qualquer coisa que fosse por si só? Essa sensação de terror acontece ao se aproximar dos limites que nem sequer havia se dado conta, dos limites frágeis que contornam e sustentam nossa maneira aparentemente inquestionável de “levar a vida”, a tensão superficial que nos mantém sedados ao absurdo, impossibilitados de se aprofundar no mais vil delírio de existência.
Olhando para lua completamente atônito, como quem olha para o nada procurando resposta das tormentas que não calam, após ser denunciado por aquilo que chamava de realidade, percebi que assim como não sabia de nada, não sabia dizer também quanto levaria o ciclo da lua que ali me resguardava, já que nem sempre conseguia contar com sua presença das vezes que olhava para o céu da madrugada. Quanto tempo será que aquele formoso astro levaria em dias terrestres até que ficasse “cheia” de novo, logo esta questão havia se instalado a minha cabeça desesperada, como se aquele devaneio sobre a lua pudesse me puxar de volta à sanidade. Não bastava simplesmente saber, aquilo em si pouco importava, mas saber como quem a observou ao decorrer dos dias, a acompanhando, fosse de um observatório espacial ou da janela do quarto, saindo na rua e procurando aos rodopios quando não conseguia a encontrar de dentro da casa, saber como alguém que parou o que estava fazendo e anotou e com desenhos mesmo que dos mais simplistas, rabiscou cadernos para que pudesse se guiar. Desejaria entender como alguém que permaneceu por horas olhando para ela, junto a uma taça de vinho e de diálogos sem respostas, pensando em como se sentiam todas as demais pessoas que estariam fazendo o mesmo naquele instante, tentando adivinhar seus sublimes pensamentos, suas desconfianças, suspeitando de suas próprias invenções, fantasiando sobre suas vidas e rotinas das mais diversas fábulas de convicções.
Foi então que percebi que só forçando muito a cabeça é que poderia me arriscar em dizer que da lua nova à lua cheia corriam cerca de quinze dias, não tinha tanta certeza e mesmo assim havia sido penoso resgatar essa memória; não como quem haveria sorrido por duas semanas para a lua, empolgado com a maneira que ia “crescendo”, brilhando cada vez mais. Mas como quem num dia curioso e entediado, haveria pesquisado em alguns segundos na internet, sem se importar muito e acreditando em qualquer coisa. Aquele terror então me inundou como nunca.  E é quando se percebe que passou dos limites, o que em si queria dizer que haviam limites, mesmo que os tivesse criado. Talvez esses limites sejam algo bom, pois quando os abandona é que se percebe que já não resta esperança alguma.
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Olhando por essa varanda fria, penso em quem sou e em todas as besteiras que já cometi, é assombroso revisitar o passado mesmo que num dos mais sutis vislumbres, talvez esse seja o tipo de questionamento que por vezes temos respostas pragmáticas e por outras precisaríamos de horas de meditação intensa, quem sabe dias. É como quando me pego pensando se o tal “eu” habita o interior desse corpo aflito, e mesmo que jovem, cansado. Onde é que está a consciência que vos fala? Estaria ela dentro dessa cachola, dentro desse crânio estreito, uma alma emulsificada? Pouco provável, creio que esteja pairando neste mesmo momento em algumas cabeças espalhadas por aí, naquelas desavenças que sobem a temperatura e fazem os nervos vibrar, naquela noite em que só o que fica é uma vaga memória de relances, curtas conversas sobre qualquer coisa, talvez em um espírito apaixonado, enganado, ignorado, mais provável que em alguma historieta enfadonha de um amigo, na qual eu estive envolvido fazendo qualquer maluquice regada a álcool. Acabo deduzindo que já não há medo em partir, pois desta partiríamos para melhor, sobrevivendo em doces memórias das cabeças conhecidas sob efeito nostálgico, ainda assim, há dor para os que ficam. Dessas lágrimas escorridas é que o morto se embebeda, numa taça de cristal franzido, acometido pelo seu brilho ainda em solo terreno, as lembranças transbordam cheias de vida, mas de uma vida que já não pode ser vivida.
Há alguns anos atrás não poderíamos nem se quer revê-las em retratos, não que seja preciso fisgá-las novamente em fotos antigas, é só que por vezes nossas memórias se diluem demais, escorrem pelos dedos desta aura saudosista. Não, não estou obcecado pelo meu eu remoto, ou ao mundo antiquado, haverão sempre anciões de todos os tipos, não nos deixando esquecer quem somos, claro que além desse papo científico de mudanças de células após alguns anos, nos reinventamos, transmutamos aquilo que pensamos ser. É numa olhadela dessas pela varanda de um quarto ao som de “Autumn Leaves”, ou recostado na janela dura de um carro em movimento pela estrada, num devaneio calado olhando pro nada, desaplanando sem juízo claro, retorcemo-nos num sorriso bobo, desapegado, enfim, já é hora de fabricarmos novas memórias, sem receio do novo, transfigurando-se por esse mundo louco, aquele a quem chamo de eu, pode já não ser de manhã, tudo é como um sonho, nós só não sabemos disso ainda, como num desabrochar de uma dama-da-noite, nascemos e morremos, e há certa beleza nisso.
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O vácuo pressiona meu corpo e vem forçando minha musculatura, o peito dói e não me permite ficar distraído. Paredes densas de matéria escura me isolam em meu universo particular. Ouço apenas o som da minha própria respiração e batimentos cardíacos dentro do meu equipamento - os órgãos não parecem funcionar muito bem, mas seguem se esforçando -, estou a caminho do meu objetivo mesmo sem querer alcançá-lo, as estrelas me encaram como se estivessem conversando umas com as outras sobre o homenzinho perdido.
O mito do ser que se transforma em astro após sua hora de partida, permanece intacto. Olho para o vazio como olhava para mim mesmo. No espaço não existem sentimentos.
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para o intruso
que vive dentro de minhas entranhas,
o silêncio fala mais alto
que o eco de seus gritos,
insônia que desliza
por minha cadeia de células e
sangue espesso,
baila pelas estrelas
de mais uma noite em solitude,
a passos curtos
dessas pernas compridas,
arreganha os ouvidos sóbrios com
palavras indecifráveis, incabíveis
cochichando o segredo do universo
para que ninguém possa ouvir,
trimilicando os membros
antes mesmo que o pesadelo comece,
cansei das telas e dos livros,
já não vejo meu reflexo há dias,
já não sei o cheiro das ruas,
o ar é seco e
as paredes desse amarelo
que me regurgita pavor,
não há musas nem inspiração,
cadente é o sossego dessa falsa leveza,
cozinho tentando desvendar
poções mágicas e curas,
os instrumentos já não sopram mais
som algum, nota alguma
converso sozinho
enquanto ando pela casa
impaciente,
futricando o tédio,
há aqui
um novo mundo a ser explorado
todos os dias,
a louça vai se empilhando
erguendo montanhas
as quais escalo para ver de cima,
outra perspectiva,
e o gato me observa:
"que criatura é essa perdida?"
o medo da morte é que
nos ressucita a vida,
enquanto o amanhã é incerto,
hoje é um novo dia,
a carcaça desmancha
em meio a essa agonia,
o delírio é acordar
mastigando nada além de
pensamentos e incertezas.
manifesto contra o autêntico
tão mutável quanto ínfimo
imperceptível infinito
já não me restam artifícios
me escorre entre os dedos
minhas invenções medíocres
de dentro da caverna
sintetizo conflitos.
o destino despoja-se de
um vazio mudo
de versos em equívocos,
vagando rumo ao fundo.
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em meio a risos e choro de um sonho acordado em que, danço a valsa dos mortos o chacoalhar dos ossos na magnitude dos dias. luzes piscantes e noites frias se despe da culpa em sua vã poesia o pulso embaraça, arritmia. fujo nostálgico das lembranças perdidas no doce aconchego de um novo encontro é que se estremece o encalço de um próximo pranto. eu é que não sei o dia de amanhã me enlouquece a ideia de que você possa saber. como vive esta alma sã? inebriada de convicção pisa sorrateiro, num excesso de pé no chão.
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Eu delirava, como um maníaco psicótico pronto para dar ouvidos as suas vozes internas, rasgando a camisa, gritando por todos os cantos, onde pessoas apressam o passo assustadas, desacostumadas com a loucura; mas a glória enche a imaginação de domínio. Temporalidade é a fumaça dos cigarros atrás de conversas ocultas e de se perder pelos caminhos das noites em alento, toda grandeza melancólica das mães e dos filhos abandonados dentro de sacos nas correntezas do rio, o diabo em prol da fluidez, da distância que o arrasta para o colo da loba, não a faminta, mas a com sede, sede de afeto a compartilhar com teu próprio demônio da mediocridade, felizes somos nós beberrões do pus inflamado dos seios de metal dessa sociedade doente. Consagrando seus débeis pensamentos aterrorizados, ecoando lá na casa do caralho.
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