A cidade é pequena. Os segredos, não • AU Regan • strangers to lovers to enemies
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CAPÍTULO 6 — Rain on Steel
(Rick’s POV)
O tempo passou com a lentidão cruel dos dias que carregam silêncio entre palavras não ditas.
Desde aquela última noite, desde a discussão, desde o tom rouco de Negan cuspindo mágoa com controle cirúrgico, tudo em mim parecia suspenso, como um cigarro esquecido no cinzeiro ainda queimando lentamente, sem pressa de apagar.
Ele não me procurou. E eu também não procurei. Mas quase todos os dias, em algum momento entre o nascer do sol e o som abafado dos passos no corredor da delegacia, meus olhos percorriam sem querer o horizonte. Às vezes pegava caminhos mais longos, às vezes desviava do previsto. S�� pra passar em frente à Sanctuary Motors. Só pra ver se ele estava lá. E ele sempre estava, sujo de graxa, sujo de mundo, limpo demais de mim.
Negan tinha virado ausência. Uma ausência barulhenta.
A viatura continuava dando problema, como se o próprio carro soubesse o que nos conectava. Mas, depois da última briga, Negan recusou qualquer serviço que envolvesse diretamente o meu nome. Quando eu mandava recado, ele fingia que não escutava, quando o carro era levado por outro policial, ele aceitava, fazia o reparo, enviava de volta, mas nunca com uma mensagem, nunca com uma nota. Nem mesmo um recibo assinado.
Eu merecia. Talvez.
Mas aquilo me corroía mais do que eu admitia. Até que o caso surgiu.
Uma caminhonete azul foi encontrada abandonada no limite sul da cidade, na borda do matagal onde o asfalto vira pó. O cheiro foi o primeiro alerta. Depois, o que vimos dentro da carroceria: um corpo jogado entre lonas plásticas e panos sujos. Nenhuma identificação, nada nos bolsos. Apenas vestígios de ferrugem sob as unhas, marcas no braço, graxa escura nas solas do tênis. E a única pista: o veículo havia passado dias antes na oficina de Negan para troca de óleo.
Eu li o registro uma, duas vezes. O nome da oficina, carimbado com tinta quase desbotada, me deu um calafrio estranho. Não era só o nome, era o retorno de algo que eu estava tentando enterrar com o tempo. Fiquei parado por minutos com o papel nas mãos, depois me levantei. O caminho até a Sanctuary foi mais longo do que o habitual e mais curto do que eu desejava.
A oficina estava aberta, como sempre. Portas metálicas erguidas, um rádio velho chiando uma música sem melodia definida, e o cheiro conhecido de óleo, poeira, e umidade. Ele estava de costas, abaixado sob o capô de um carro escuro, suado, com a camisa colada nas costas e sozinho, pela primeira vez estavamos sozinho em seu território, mas não me viu, ou fingiu não ver.
— Negan. — Minha voz saiu mais firme do que minha vontade. E nada. — Preciso falar com você. — Ele não levantou. Apenas deixou o silêncio crescer. Mais uns segundos e puxou o pano do bolso, limpando as mãos devagar, como se o gesto fosse um ritual e quando se virou, seus olhos eram puro aço.
— Tem alguém morto, é isso? — Direto. Sem rodeios. Ele sabia.
— Sim. — respondi, tentando não ceder ao peso daquele olhar. — E o veículo passou por aqui. Precisamos conversar. —
— "Precisamos". — ele repetiu, o gosto da palavra escorrendo com ironia. — Agora você fala "precisamos"? —
— Isso é uma investigação. — reforcei. — Eu sou o xerife. —
Ele se aproximou, andando devagar, o olhar cravado no meu como um aviso e quando parou, ficou a poucos centímetros. O calor do ambiente parecia se dobrar ao redor dele.
— Então seja xerife. Faça o que precisa. Me interroga, me revira, me acusa. Mas não vem aqui fingir que ainda tem direito de entrar nesse lugar como se fosse bem-vindo. —
Aquilo doeu e talvez porque fosse verdade. — Eu nunca te acusei de nada. —
— Não precisou. Sua ausência fez isso por você. — Ficamos em silêncio. Um trovão retumbou ao longe. O cheiro de chuva se aproximava como prenúncio.
Negan voltou a andar, como se já tivesse encerrado o diálogo. Pegou uma caixa de ferramentas, passou por mim e sumiu na parte dos fundos. Não me mandou embora, mas também não me impediu de ficar.
E eu fiquei.
A chuva caiu de repente, forte, molhando o chão de terra em segundos. Os pneus dos carros no pátio afundavam devagar, formando marcas. A camisa dele grudava no corpo como segunda pele quando voltou, e pela primeira vez em semanas, nossos olhos se cruzaram com algo além da raiva.
Era desejo, frustração, medo. Era tudo o que a gente evitava nomear.
— Vai embora, Rick. — ele disse, sem elevar a voz. — Eu não vim aqui por mim. — Na verdade eu nem sabia se isso era verdade.— Não minta pra mim. Nem pra você. — ele continuava a responder com calma e frieza.
Fechei os olhos por um instante. A água escorria pelo telhado, batendo em ritmos irregulares e eu ainda estava ali, parado, sujo de dúvidas, mais molhado por dentro do que por fora.
E pela primeira vez em muito tempo, eu não sabia o que fazer a seguir.
— Eu só quero entender o que está acontecendo. — soltei, tentando encontrar alguma firmeza na voz. — Com o caso. Com você. Comigo. —
— Esse é o problema. — ele rebateu, enfim se aproximando mais. — Você quer entender, mas não quer sentir. Quer encaixar tudo na lógica de xerife, na moral do seu mundinho limpo. Mas isso aqui... — ele apontou entre nós dois — isso aqui nunca foi limpo. —
— Eu não tô aqui pra negar o que aconteceu. — Mas negou. Por semanas. — O tom dele se elevou, ainda controlado, mas afiado. — Fingiu que não existiu. Que eu não existia. Que aquele toque foi só um erro de cálculo. —
— Eu não sei lidar com isso, Negan. — E você acha que eu sei? — O trovão trovejou mais perto agora. O chão sob nossos pés parecia vibrar. Eu já não sabia mais se estava ali como policial, como homem... ou como o garoto perdido que ainda morava em algum lugar dentro de mim.
— Eu não queria te machucar. — Eu falava com sinceridade.— E machucou mesmo assim.— Você acha que isso é fácil pra mim? Que eu tô jogando? Que tudo isso é um jogo? — Não é um jogo. — ele disse, mais baixo, mas com mais raiva. — É a minha vida. E eu não sou teu experimento emocional. —
— Então me diz o que fazer.— Não sou eu quem tem que dizer, Rick. É você quem tem que decidir se vai continuar fugindo ou se vai finalmente parar de mentir pra si mesmo.
Havia algo nos olhos dele, algo entre frustração e dor, entre desejo e defesa. Eu dei um passo. Ele não recuou. O som da chuva agora batia nos carros do pátio como uma marcha crescente. Nossas roupas estavam coladas à pele, nossos pés sujos de lama.
O ar entre nós ficou denso. Quente. A respiração dele batia na minha boca. A minha encostava no queixo dele. Se eu estendesse a mão, tocaria seu rosto. Se ele se inclinasse um centímetro, nossos narizes se encostariam.
Mas ninguém se moveu.
— Eu não sou um caso, Rick. — ele disse, a voz falhando só no final. — E você não é só o xerife. Mas se continuar fingindo que é, eu prometo... eu prometo que da próxima vez, eu não vou nem abrir essa porta. —
Ficamos ali. Quase nos tocando. Quase dizendo. E então ele se virou. Sem pressa. Sem mais palavras.
Eu fiquei.
Na chuva. No silêncio.
#ironanddust#rickgrimes#negansmith#regan#forbiddenfeelings#emotionaltension#slowburnromance#enemiestolovers#sheriff&themechanic#chapter6
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CAPÍTULO 5 — Almost Every Day Now
(Rick’s POV)
Fiquei mais tempo do que devia naquela cadeira.
Depois que a mão dele encostou na minha, mesmo de leve, mesmo por acidente ou impulso ou provocação, ou fosse lá o que tivesse sido, eu perdi o tempo. O silêncio que veio depois pesava. Não era confortável. Não era agressivo. Era só... cheio. Como se, por um instante, tudo o que não dissemos estivesse pairando entre nós, empilhado, amontoado, implorando para ser nomeado. Mas eu não disse nada. Ele também não. E quando me levantei, já escurecia. Saí sem me explicar, mais confuso do que quando entrei.
Passei os dias seguintes tentando fingir que nada tinha acontecido. Mandei Logan buscar a viatura quando ficou pronta. Dei ordens claras, diretas, profissionais. — Só pega o carro e agradece o mecânico por mim — foi o que disse. Como se "o mecânico" não tivesse deixado minha cabeça um caos. Como se aquela oficina não tivesse virado um ponto de colisão dentro de mim.
Evitei passar por lá. Evitei até cruzar a rua quando o via de longe. No mercado, uma vez, entrei e vi Negan no caixa, terminando de pagar alguma coisa, e então fingi atender o telefone e saí antes que nossos olhares se encontrassem. Outra vez, ele caminhava na mesma calçada. Eu atravessei pro outro lado com tanta pressa que quase tropecei num hidrante. E ainda assim, ele não me seguia. Não insistia. Só... aceitava. Doía mais por isso.
Duas semanas depois, a viatura engasgou de novo. Nova pane. Mesma estrada, então mandei levar pra oficina, e a resposta veio gelada:
— Negan recusou. Disse que não vai mexer. — Fiquei em silêncio por alguns segundos. — Como assim, recusou? —
— Só disse isso, chefe. Que não mexe mais e que é pra levar em outro lugar. — disse o garoto. Na segunda vez, tentamos de novo. Mesma recusa. Na terceira, deixaram a viatura no pátio da oficina. Ninguém apareceu. Nem Negan, nem os outros. Ficou lá, no sol, por quase uma semana. Abandonada. Assim como ele devia estar se sentindo.
Eu aguentei o quanto consegui, mas quando o calor começou a castigar de novo e nem o ventilador da delegacia dava conta do suor nas costas, alguma coisa em mim estalou. Saí sem avisar, peguei a caminhonete velha que ainda andava, e fui até lá.
A oficina estava aberta. Portões escancarados, o ronco de algum motor ao fundo, cheiro de óleo e metal aquecido pelo sol, mas ele não apareceu. Entrei com passos que tentavam parecer seguros, mas que denunciavam a pressa de quem não queria pensar muito. — Negan? — chamei, voz firme, mas baixa.
Ele surgiu atrás do carro mais ao fundo, um pano jogado no ombro, óculos de proteção sobre a cabeça. Não disse nada de imediato, só me olhou como se decidisse ali mesmo se valia a pena me ouvir.
— O que tá acontecendo? — perguntei. — Por que recusou pegar a viatura? — Ele deu uma risada curta, sem humor, e continuou limpando as mãos, os dedos sujos de graxa pressionando o pano com força.
— Engraçado você perguntar isso agora. E eu achando que o xerife nem lembrava que eu existia. — ele dizia sem nem olhar para, limpar as mãos com o pano sujo parecia mais interessante.
— Não é sobre isso. — Respondi o encarando.
— Não? — Ele largou o pano sobre a bancada com um estalo seco. — Porque da onde eu tô olhando, parece bem isso. Evita minha sombra na rua, atravessa a calçada, manda os outros me agradecerem como se eu fosse um maldito balconista de posto... mas aparece aqui querendo que eu mexa no carro? —
Fiquei em silêncio. Sabia que qualquer palavra errada podia transformar aquilo em algo pior. — Eu só achei que era melhor dar espaço — tentei dizer, mas a frase saiu fraca. Fraca como eu me sentia desde aquele maldito toque.
— Espaço? — ele repetiu, rindo de novo, só que agora havia raiva embaixo da risada. — O problema não é o espaço, Rick. O problema é que você age como se eu nunca tivesse estado ali. Como se nada tivesse acontecido naquela porra de noite. Como se eu fosse... Uma distração conveniente para um homem confuso demais para encarar o que sente quando o mundo não tá olhando. — Ele realmente não se segurou e eu deveria saber que isso poderia acontecer.
— Não é isso. — Falei, tentando amenizar.
— Então o que é? — Ele me encarava enquanto esperava uma resposta, mas eu não sabia o que responder e ele percebeu.
— Olha... eu passei a vida inteira sendo empurrado pro canto. Tive que conquistar cada porra de metro que ocupo nesse mundo e eu não vou ser o brinquedo emocional de ninguém. Muito menos de alguém que se esconde atrás de uma estrela dourada e só aparece quando o motor dá defeito. — Ele parou, respirou fundo, seus olhos vermelhos, talvez de raiva, talvez de outra coisa.
— Se você não é homem o suficiente pra trazer o carro até aqui, pra olhar na minha cara, pra lidar com o que quer que esteja remoendo aí dentro… então ótimo. Fica na sua, porque eu também sei ignorar, Rick. E, acredite, quando eu ignoro... eu não volto atrás. — Ele virou as costas. Voltou pro carro, mergulhou de novo no motor como se eu não estivesse ali.
E eu, parado naquele chão quente e sujo, me senti como a porra da viatura que ele se recusava a consertar. Quase inteiro por fora, mas quebrado por dentro de um jeito que ninguém queria tocar.
#ReganFanfic#RickGrimesPOV#QueerAngst#SheriffandMechanic#SlowburnRomance#LGBTQFanfiction#EnemiesToLoversAU#RickxNegan#Capitulo5#Chapter5
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CAPÍTULO 4 — He Didn’t Pull Away
(Negan’s POV)
Tem gente que passa e tem gente que fica, mesmo quando vai embora.
Rick Grimes era do segundo tipo e eu soube disso assim que o vi parado naquela estrada, com a viatura cansada debaixo do sol e o olhar tão fundo que parecia preso a um lugar onde ninguém mais tinha acesso.
Desde aquele dia, ele não saiu mais da oficina. Ou melhor: não saiu de mim.
Não era sobre quantas vezes ele aparecia, mas sobre o espaço que ele ocupava mesmo sem estar. O som da bota dele no piso de concreto ecoava horas depois de ter ido embora. A maneira como olhava, direto, sem cerimônia, como quem nunca aprendeu a fingir, ainda cortava dentro da minha cabeça nas madrugadas mais silenciosas. E foi por isso que, quando ele voltou, eu não me surpreendi.
A porta rangeu como sempre, mas não foi o som que me alertou, foi o silêncio que veio com ele.
Rick não chegou anunciando. Não tossiu, não pigarreou, não deu desculpa alguma. Entrou como quem não tinha outra opção, como quem procurava qualquer coisa que pudesse distrair daquilo que morava dentro do peito ou talvez estivesse tentando se afastar de mim e, por alguma razão, escolheu o pior lugar possível pra isso.
— Viatura tá quase pronta — falei, sem olhá-lo de imediato, limpando a graxa das mãos com o pano já encardido de dias iguais. Minha voz saiu mais baixa do que esperava. Não por nervosismo, mas porque ele estava perto. E perto demais, Rick tinha cheiro de terra, de farda velha, de coisa contida. O tipo de cheiro que ninguém notava... a não ser que quisesse. E eu queria.
— Não vim cobrar — ele disse, encostando-se à bancada como se fizesse parte dela, os dedos tamborilando levemente o metal, quase como se estivessem tentando acompanhar o ritmo da própria confusão. — Só… precisava sair um pouco da delegacia. — Não comentei. Nem provoquei. Só assenti, e o deixei ali, com o silêncio ao lado.
Porque às vezes, quando o barulho dentro de alguém é alto demais, a gente faz o favor de calar tudo ao redor. E por mais que meu instinto gritasse pra soltar alguma frase torta, algum comentário que cutucasse a ferida até fazer sangrar, algo em mim decidiu que não era hora.
Ele ficou um tempo em pé, observando a oficina, como se enxergasse mais do que o que estava ali. Como se procurasse alguma parte de si mesmo entre as ferramentas penduradas e os motores abertos. Até que se sentou. Não disse nada. Apenas puxou a cadeira de madeira que costumava ser de Logan e largou o corpo ali, os ombros ainda tensos, o maxilar travado. Eu continuei trabalhando, mas os olhos me traíram… Voltavam pra ele.
Até que, de repente, quando terminei de ajustar uma peça, deixei as ferramentas de lado, virei de frente e encarei de verdade. E ele... não desviou. — Tá tudo bem com o garoto? — Demorei a perguntar, mas perguntei. Porque era a única brecha segura. Carl, o filho, o ponto de ancoragem.
Rick pareceu demorar a sair de algum lugar dentro da própria cabeça antes de responder. — Tá, sim. — A voz veio mais baixa, quase rouca. — Às vezes eu acho que ele lida melhor com a vida do que eu. — Sorri de canto, não pelo comentário, mas pelo que veio depois. Porque ele levantou os olhos até os meus e por um segundo inteiro, inteiro mesmo, sem corte, sem escudo, ele deixou cair aquilo que segurava desde o primeiro dia. O cansaço, o desejo, a culpa, a curiosidade… Tudo num só olhar. E eu vi. Eu vi cada parte.
E talvez por isso, ou talvez porque o silêncio estava alto demais, eu me aproximei. Pouco, mas o suficiente. — Sabe... não é errado procurar um lugar pra respirar. — Ele franziu a testa, como se quisesse entender o que eu estava dizendo. — Às vezes, a gente só precisa parar de segurar o mundo um pouco. Mesmo que ele continue girando. — Acho que ele ia retrucar. Dizer alguma coisa racional, algo que jogasse a conversa de volta pro terreno seguro. Mas não disse.
Ele ficou quieto. Olhando. E quando minha mão roçou de leve a dele, sem intenção clara, sem plano, ele não afastou. Ele não recuou. E eu, que já havia passado a vida inteira tendo que recuar por todos, por tudo... Soube que aquele gesto, por menor que fosse, era o mais alto que ele podia gritar naquele momento.
E por algum motivo, talvez tolo, talvez perigoso, isso foi o bastante pra mim.
#ReganFanfic#NeganPOV#TransCharacter#SheriffandMechanic#SlowburnRomance#LGBTQFanfiction#EnemiesToLoversAU#RickxNegan#Capitulo4#Chapter4
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CAPÍTULO 3 — Where It Shouldn’t Be
(Rick’s POV)
A maioria das noites em King County termina do mesmo jeito. Luz amarela demais nos postes, cachorros latindo ao longe, vento seco que dança com a poeira e preenche o silêncio como se fosse música de fundo, mas naquela noite, havia algo diferente. Nada gritante. Nada óbvio. Só um incômodo quieto, o tipo que se instala no corpo feito roupa molhada. Difícil de tirar. Difícil de ignorar.
Eu terminei o expediente mais cedo do que devia, Carl já estava em casa, entretido com um livro novo e o resto de um milkshake que provavelmente tinha passado da hora. Eu não quis dizer nada, nem sobre o livro, nem sobre o horário, nem sobre a bagunça. A verdade é que… a última coisa que eu queria era ter que lidar com qualquer coisa que não fosse o próprio silêncio.
Fechei a porta do escritório e fiquei ali, na minha sala, olhando pra parede como se ela fosse me responder alguma coisa. A cadeira rangeu quando me sentei, mas não me importei. Havia um relógio velho no canto, e o tique-taque lento se misturava à minha respiração contida. Minha mão foi até a mesa sem pensar, peguei uma caneta, mas depois larguei. Apoiei os cotovelos no tampo de madeira, fechei os olhos e então ele veio.
O rosto dele. Negan. Aquele maldito sorriso inclinado. O jeito como falou comigo como se já me conhecesse, mesmo sem saber porra nenhuma. Como se enxergasse alguma coisa que nem eu estava pronto pra ver e, então, eu me lembrei da primeira vez que o vi.
Não na estrada, com a viatura quebrada, foi bem antes disso. Um mês, talvez dois, quando ele apareceu na reunião do comitê local, calado, encostado na parede do fundo, com uma camisa preta suja de óleo e um boné puxado até a sobrancelha. Ele não disse uma palavra, mas eu senti que havia algo ali que não era de King County. Algo que não se curvava, e isso mexeu comigo de um jeito que eu não soube explicar.
Naquele dia, eu pensei que era irritação. Hoje, sentado nessa cadeira, encostado na minha própria respiração, começo a achar que talvez nunca tenha sido isso. Talvez tenha sido outra coisa, talvez o incômodo morasse no fato de que, mesmo quieto, ele preenchia o ambiente. E agora, depois da carona, depois daquele silêncio no caminhão, depois da forma como ele me olhou como se estivesse testando alguma coisa em mim… Agora ele estava na minha cabeça, como ferrugem em metal antigo. Não fazia barulho, mas corroía.
O telefone tocou. Uma vez. Duas. Deixei tocar até parar. Não era emergência. Não era sobre a cidade. Não era nada que precisasse de mim.
Eu passei a vida sendo o homem que resolve as coisas, aquele que chega, que mantém a ordem, que cuida, mas ninguém me preparou pra esse tipo de bagunça. A que não dá pra algemar. A que não dá pra interrogar. A bagunça de sentir.
Levantei da cadeira e fui até a janela. A rua estava vazia, a noite já caía com aquele tom dourado que dura pouco e, por um instante, pensei em dirigir até a oficina. Sem motivo, só pra ver se ele ainda estava lá, só pra dizer alguma coisa que eu não sabia qual era. Ou talvez só pra escutar de novo aquele maldito jeito despreocupado de dizer tudo o que eu evito pensar.
Mas não fui. Fiquei ali. Parado. Olhos fixos no fim da rua. Pulso levemente acelerado e com a certeza incômoda de que alguma coisa tinha se instalado em mim.
Alguma coisa que não deveria estar lá. Mas estava. E crescia.
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CAPÍTULO 2 — A Man Who Doesn’t Flinch
(Negan’s POV)
Quando se vive tempo demais olhando o mundo de dentro pra fora, a gente aprende a enxergar nas entrelinhas. Não nas palavras, nem nos gestos, mas naquilo que as pessoas tentam esconder quando acham que estão sendo discretas. Redridge é feita disso. De silêncios longos, olhares que escorregam, frases que não dizem nada… mas dizem tudo.
Desde que cheguei, fui observado com aquele cuidado que beira o desconforto. As pessoas não sabiam quem eu era, mas sabiam que eu não era “daqui”. E, por essas bandas, isso é o bastante para se tornar ruído. Ou ameaça.
A oficina foi a minha forma de silêncio. Sanctuary Motors é a única coisa que eu construí com as próprias mãos que não tentou me quebrar de volta. É onde eu respiro entre motores e graxa, onde o barulho das ferramentas encobre qualquer lembrança que insiste em voltar. Aqui dentro, tudo tem uma função, uma lógica, uma ordem, mesmo que por fora pareça caos.
Eu estava terminando um ajuste simples num carro velho quando o rádio chiou o nome do xerife. A viatura dele tinha parado no meio da rodovia, e Logan, meu mecânico mais antigo, achou que seria bom avisar. Podia ter mandado alguém no meu lugar, mas alguma coisa me fez largar a chave inglesa, limpar as mãos no pano sujo e pegar o caminhão. A estrada até ele foi curta, mas quando estacionei e vi aquele homem encostado no capô aberto, camisa grudada no corpo e o olhar perdido no motor como se tentasse encontrar ali alguma coisa que já tinha se perdido dentro dele, soube que não era só mais um chamado.
Ele parecia exausto. Não de um cansaço comum, mas daquele tipo que a gente carrega nos ossos, mesmo quando o corpo ainda aguenta. Tinha algo nele que lembrava as vigas da oficina, retas, firmes, sustentando tudo, mesmo rachadas por dentro. Desci do caminhão devagar, sem fazer alarde e o chamei com um sorriso enviesado, daqueles que uso quando quero provocar, mas não empurrar.
— Dia bonito pra quebrar a viatura, hein, xerife? — Ele me olhou. Não sorriu. Mas também não desviou. E ali, naquele silêncio entre nós, algo se instalou no ar — pesado, denso, feito poeira fina pairando entre a tensão e o que ainda não tem nome.
— Só preciso que leve pra oficina — ele disse, com a voz firme, mas cansada. Assenti sem pressa, dando a volta no carro, como sempre faço, mesmo quando já sei o que esperar. A viatura estava no osso, mas o olhar dele… Esse era inteiro e doía de encarar.
— Posso fazer isso, claro — falei, sem tirar os olhos da lataria riscada. — Mas vou te dizer… esse carro parece tão exausto quanto você. — Ele ergueu a cabeça. Me encarou e não desviou. Por um instante, nada se moveu… Nem o vento, nem os carros, nem as lembranças. Foi como se o mundo tivesse apertado o pause só pra ver se um de nós dois seria covarde o suficiente pra recuar.
Nenhum foi.
— Quer que eu chame um guincho ou vem comigo? — perguntei, voltando pro caminhão. — O banco do carona ainda funciona. Só morde se merecer. — Ele subiu. Sem palavras, sem drama, só abriu a porta e sentou. O banco rangeu sob o peso dele, e o cheiro familiar do caminhão, óleo, couro envelhecido, fuligem, pareceu se espalhar entre nós, como se estivesse testemunhando um encontro que ainda nem entendia o que era.
A estrada até Redridge correu silenciosa pela janela. As mesmas casas, a mesma terra seca, a mesma sensação de que a cidade inteira estava presa no tempo e nós dois, de algum modo, fora dele.
— A oficina tá tranquila? — ele perguntou, sem tirar os olhos da estrada, como quem joga palavras ao vento só pra evitar ouvir os próprios pensamentos. Soltei um riso baixo. Não por sarcasmo, mas por saber que aquele tipo de pergunta só vinha de alguém que não sabe onde pisa.
— Tranquila nunca foi uma palavra que combina comigo, xerife. Mas tá viva. E isso… já é mais do que muita coisa por aqui. — Ele não respondeu, mas eu o observei pela lateral dos olhos. As mãos grandes apoiadas nos joelhos, o maxilar travado, a tensão em cada parte do corpo. Era um homem que parecia estar sempre segurando algo, como se uma vez solto, não soubesse mais como parar.
Quando chegamos, ele desceu sem pressa, mas sem hesitação. Fez um aceno rápido de cabeça, agradeceu da forma mais breve possível, mas antes de entrar na viatura reserva que já esperava, olhou por cima do ombro.
Me olhou. Direto. E foi aí que soube. Que ele tinha sentido também, mesmo que ainda não soubesse o que era.


#ReganFanfic#RickGrimesPOV#NeganPOV#EnemiesToLovers#SlowBurn#ForbiddenDesire#TransCharacter#SecondChances#PoeticProse#DustAndDesire
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CAPÍTULO 1 — Rust in the Air
(Rick’s POV)
O calor naquela manhã parecia ter saído direto do ventre da terra — denso, abafado, o tipo que se arrasta pelas costas e finca os pés na alma. O céu de Redridge, sempre indiferente, ostentava aquele azul estourado demais, como se estivesse à beira de explodir em algo que jamais seria chuva.
A viatura engasgou uma, duas vezes, antes de morrer de vez no acostamento da Highway 54. Nada de novo. A mecânica já vinha avisando há semanas, mas assim como muita coisa na minha vida, eu empurrei com a barriga. Rangido seco, fumaça amarelada, um silêncio cortante que veio logo depois. Desci devagar, como quem já sabe que não há o que fazer, e levantei o capô com a frustração resignada de quem entende que não adianta brigar com o inevitável.
O motor era um emaranhado de promessas vencidas. Peças queimadas, peças corroídas, cheiro de ferro cansado. Olhei para aquilo com a mesma expressão que usava diante do espelho nos dias em que acordava mais homem do que pai, mais vazio do que xerife. Fingi que entendia o que via, mas a verdade é que aquilo era só mais um reflexo, uma estrutura ainda de pé, mas que já tinha quebrado por dentro há muito tempo.
— Que maravilha. — Respirava fundo ao ver que eu estava sem sinal no celular. O rádio? Morto. Tudo calado ao meu redor, exceto o peso na cabeça e o zumbido persistente daquilo que a gente tenta ignorar. Quarenta minutos passaram com a lentidão dos dias longos. E então ele apareceu.
O som do caminhão chegou antes dele, um motor antigo, grave, como se cuspisse lembranças com cada rotação. O logo desbotado na lateral dizia Sanctuary Motors, e atrás do volante vinha um homem que parecia ter saído direto de outro tempo: jaqueta jogada no banco, óculos pendurados na gola, botas empoeiradas e um andar sem pressa, sem pedido de licença, como se o mundo abrisse espaço para ele sem que precisasse falar uma palavra.
Negan Smith.
Desceu com a calma desconcertante de quem já viveu o suficiente pra não se apressar por nada. Limpou as mãos num pano encardido, deu uma olhada rápida na viatura como se já conhecesse cada falha antes mesmo de tocar. E então sorriu, aquele tipo de sorriso que não pede permissão, que não suaviza, que chega inteiro e se instala feito faísca no peito.
— Dia bonito pra quebrar a viatura, hein, xerife? — A voz era rouca, mas segura. Não respondi de imediato. Só fechei o capô com força, respirei fundo e disse, já farto daquele jogo que nem tinha começado:
— Só preciso que leve pra oficina. — Ele assentiu com um gesto leve, já circulando o carro como quem patrulha território conhecido. — Posso fazer isso, claro… — respondeu. — Mas vou te dizer… esse carro tá com a mesma cara de exaustão que você. Se quiser, dou um trato nos dois. —
O comentário veio acompanhado de um olhar direto. Firme. Eu o encarei de volta. Não por orgulho. Mas porque não sabia como desviar. Aqueles segundos esticaram no ar, carregados de algo que não dava nome. A cidade parecia distante naquele instante, como se nós dois estivéssemos numa redoma construída de poeira e não-ditos.
— Quer que eu chame um guincho ou vem comigo? — Ele perguntou, já subindo no caminhão. — O banco do carona ainda funciona… só morde se merecer. —
Subi. Sem responder, sem pensar muito. O banco rangeu sob meu peso, o couro quente grudando na camisa como se avisasse que, dali pra frente, nada ia passar despercebido. O interior do caminhão era um retrato fiel do homem que o dirigia: cheiro de óleo, couro velho, fumaça antiga e algo mais, algo cru, bruto, que gruda na pele feito poeira fina que se aloja em lugares que a gente nem sabe nomear. A estrada de volta se estendia à nossa frente, reta e vazia. Redridge desfilava pelas janelas com suas casas de madeira quase todas iguais, sua rotina que nunca mudava, suas fachadas que escondiam mais do que mostravam. Tudo ali era conhecido demais. Repetido demais. E, de certo modo, sufocante.
— A oficina tá tranquila? — perguntei, num tom mais leve do que pretendia. Ele soltou um riso curto, mas não debochado, parecia mais um cansaço que aprendeu a se disfarçar de sarcasmo.
— Tranquila nunca foi uma palavra que combinou comigo, xerife… Mas tá viva. E só isso já é mais do que muita coisa por aqui. —O silêncio voltou a se acomodar entre nós, mas dessa vez ele parecia menos incômodo. Olhei pela janela, fingindo distração, mas, por dentro, algo se agitava. Havia um peso diferente naquele caminhão, e não era o do motor. Era o dele. Ou talvez fosse o meu.
E o que mais me incomodava… é que eu queria entender aquilo.


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PRÓLOGO — Before the Dust
(Rick)
Carl nasceu numa terça-feira, antes do meio-dia, quando o céu lá fora parecia dividido entre o claro e o cinza, sem saber em qual lado permanecer. A luz do hospital era gélida, os corredores estavam vazios e, de alguma maneira, até o tempo parecia conter a respiração, ou poderia ser só a minha dor falando mais alto.. Lori não viu o rosto do filho, não o ouviu chorar. E eu… Eu segurei os dois no mesmo dia — um nos braços, o outro pela última vez nos dedos frios e inertes dela.
Voltei para casa com um bebê no colo e um buraco impossível de nomear no peito. King County me acolheu com olhares atenciosos, discurso ponderado e uma empatia que se limitava ao portão principal. Nunca faltou respeito ao xerife viúvo, mas também nunca houve espaço para que eu fosse mais do que isso. Criei Carl como pude: entre patrulhas e noites de histórias lidas com voz baixa, tentando esconder a exaustão. Fiz o que era certo, o meu melhor e o que se esperava. E, de tanto repetir os mesmos passos, passei a acreditar que eu realmente não queria nada além da ordem e do silêncio.
Houve mulheres, é claro. Algumas com risos doces, outras com mãos suaves. Mas nenhuma permaneceu. Talvez por culpa. Talvez por medo. Possivelmente por uma parte de mim que nunca teve a bravura de expressar o que realmente desejava. E agora… Agora eu não tenho tanta certeza de nada. Eu não tenho certeza de mais nada.
(Negan)
Foram doze anos atrás de grades. Doze anos entre paredes frias, onde o tempo escorria devagar demais, com gosto de ferrugem na boca e peso demais nos ossos. Lá dentro, o mundo parecia continuar girando do lado de fora, sem pressa de me lembrar que tudo seguia, menos eu.
Vi rostos que se modificaram, contatos que desapareceram, promessas que se transformaram em poeira antes mesmo de tocarem o chão. No começo, ainda havia um senso de luta dentro de mim, a teimosia de quem acredita que tem algo a provar. Mas com o tempo, aprendi que o mais difícil não era aguentar o confinamento, e sim sair de lá ainda sendo dono do meu nome.
Entrei no sistema como homem trans, com o peito inflado de orgulho e a cabeça erguida demais para um lugar que não perdoa nem os que se encaixam. Aprendi rápido que sobrevivência tem menos a ver com força e mais com resistência. E mesmo com os punhos endurecidos, precisei engolir muita coisa para manter a alma inteira.
Mas sobrevivi. Quando finalmente parti, não encontrei aplausos nem um céu sem nuvens à minha espera. A liberdade não veio como recompensa. Veio como cobrança do mundo, de mim mesmo, das escolhas que deixei pelo caminho.
Foi então que King County apareceu no mapa. Pequena demais para fazer barulho, esquecida o suficiente para parecer segura. Comprei uma oficina velha no fim da avenida principal. Sanctuary Motors. Quatro paredes empenadas, um telhado que vazava quando o céu ameaçava chorar, e dois elevadores hidráulicos que mais pareciam relíquias de um tempo esquecido. Mas ali, naquele chão sujo de graxa, encontrei algo que não sentia há muito tempo: posse. Aquilo era meu. E pela primeira vez em anos, eu não devia nada a ninguém.
Só que o passado, esse filho da puta, sempre encontra um jeito de bater à porta. Mesmo quando você troca de cidade, de nome, de respiração. Mesmo quando tenta andar reto, ainda tem quem te enxergue torto.
King County não é exceção. Aqui, não é preciso muito pra virar assunto. Um olhar mais demorado, uma história mal contada, um silêncio que dura mais do que o normal e pronto: você vira sussurro em mesa de bar. Eu sei o que represento. Não preciso abrir a boca pra incomodar. Sou o que a cidade prefere fingir que não vê até ser tarde demais.
Mas o homem da lei... Ah, ele viu. E o mais curioso é que, quando nossos olhos se cruzaram, ele não desviou. E isso, eu confesso, me pegou de surpresa.
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"Não sei o que você é, Negan. Mas você me faz esquecer o que eu sou."
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“Você quer me julgar, xerife? Entra na minha pele antes. Vive o que eu vivi. Depois a gente conversa sobre certo e errado."
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