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Ívina Garcia
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Bacharel em Jornalismo pelo Centro Universitário Fametro (2023), com bolsa integral pelo ProUni. Destaca-se a produção do trabalho de conclusão de curso na área de Jornalismo Esportivo, intitulado "Jornalismo Esportivo: Análise da Cobertura Jornalística de E-sports no Amazonas," que recebeu aprovação com nota máxima 2022 (2022). Foi agraciada com o primeiro lugar no Prêmio Águas de Manaus de Jornalismo Ambiental em 2022, pelo mérito em reportagens sobre questões ambientais. Além disso, foi selecionado como um dos trinta participantes da Jornada Galápagos de Jornalismo, realizada entre julho e agosto de 2023 em São Paulo, e também como um dos vinte e cinco escolhidos para o Curso Valor de Jornalismo Econômico da Editora Globo, programado para ocorrer entre outubro e novembro do mesmo ano. Apresentou com sucesso duas oficinas de jornalismo na Semana de Comunicação da Fametro: "Apuração e Portal da Transparência" em 2022 e "ChatGPT: Usando Inteligência Artificial para Jornalismo Multimídia" em 2023. Possui experiência diversificada, atuando em produção de reportagens especiais, jornalismo digital, impresso, redação para redes sociais, produção para televisão e assessoria, em diversas editorias.
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ivinagarcia · 2 years ago
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‘Reféns do Carvão’: exploração de trabalhadores em carvoarias na Amazônia
Texto: Ívina Garcia | Fotos: Ricardo Oliveira
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A reportagem esteve em carvoarias nos municípios de Boa Vista e Rorainópolis, no Estado de Roraima, entre janeiro e março de 2023, e identificou trabalhadores em situações degradantes, sem registros empregatícios, com jornadas de trabalho de até 14 horas diárias, em locais de estrutura inadequada, com ausência de itens essenciais, como água potável e materiais de segurança; baixa remuneração, que pode chegar a R$ 10 ou R$ 100, por dia; e exposição a condições insalubres, com altas temperaturas, fumaça e sujeira. O cenário encontrado pela reportagem é similar aos de alvos de operações do MPT em diversos Estados da Amazônia Legal, que já resgataram milhares de trabalhadores escravizados, ao longo das últimas décadas.
Magros, vestindo camisetas, bermudas e calçando chinelos, os carvoeiros encontrados pela reportagem passam os dias cobertos da negra fuligem de carvão, que pinta suas peles, na maioria, de pardos. E, sem oportunidades melhores de garantir o sustento, comem e bebem o que dá e tentam sobreviver aos riscos diários da lida com o fogo, que converte a madeira em carvão. É uma vida cinza, como as fotografias em preto e branco que ilustram esta reportagem.
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No Brasil, submeter alguém a trabalhos forçados, jornadas exaustivas, condições degradantes de trabalho e restrições de locomoção do trabalhador é crime, que pode levar à pena de reclusão de dois a oito anos de prisão, tendo ainda o agravo correspondente à violência praticada, amparados pelo Artigo 149 do Código Penal Brasileiro, que caracteriza esses elementos como a redução de um ser humano à condição análoga a de um escravizado.
O juiz do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 11ª Região em Manaus, doutor em Direito Trabalhista, pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Igo Zany Nunes Corrêa, explica que a justiça estuda as novas formas de exploração, novas formas de escravidão e as velhas práticas escravagistas, o que permite que trabalhos realmente degradantes sejam vistos como trabalho escravo.
“O trabalho escravo, hoje, saiu dessa esfera de prender a pessoa, impossibilitar de ela ir e vir, e está dentro de uma esfera de degradação da pessoa humana. Então, para além da restrição de ir e vir, temos outras condições degradantes. Sem banheiro, sem alojamento devido, comida estragada, você, basicamente, a submete [à condição] de sub-humana, e isso faz com que incorra nesse tipo de crime”
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O jurista explica que é importante identificar os tipos de exploração em que o trabalhador está sendo submetido. “Tudo isso hoje, por analogia, se considera trabalho escravo e, na verdade, é trabalho escravo. O modus operandi é o mesmo, uma exploração capitalista com uma sub-humanização e uma coisificação do ser humano”, relata.
Segundo o Comitê Nacional do Ministério Público de Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Conatetrap), em publicação no site institucional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o conceito de trabalho escravo contemporâneo trazido pelo ordenamento brasileiro representa grande avanço no combate a essa dura realidade, pois evidencia que, nos tempos atuais, sua configuração vai muito além da privação de liberdade, ocorrendo nas mais amplas situações de ofensa à dignidade do ser humano, como em hipóteses de submissão a condições degradantes de trabalho, jornadas exaustivas ou forçadas por dívidas impostas aos trabalhadores. 
Instituído pela Resolução CNMP n.º 197/2019, o Conatetrap objetiva elaborar estudos e propor medidas para o aperfeiçoamento da atuação do Ministério Público quanto ao tema.
Estatísticas preocupantes
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Perpetuação escravista
Mais de 130 anos após o fim da escravidão no Brasil, com a assinatura da Lei Áurea, em 1888, ainda existem frutos da exploração de seres humanos, pois a sociedade brasileira seguiu reproduzindo os mesmos padrões exploratórios. De acordo com especialistas ouvidos pela CENARIUM, a posição do Brasil nas relações econômicas globais é uma das responsáveis por essa continuidade.
Historiador, psicanalista e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam) campus Presidente Figueiredo (distante 126 km de Manaus), Ygor Olinto Rocha Cavalcante, que concentra suas pesquisas sobre a escravidão na Amazônia, e lutas sociais pela liberdade e pela cidadania, explica o histórico da exploração do trabalho escravo.
Segundo Ygor, a escravização também é a base de uma exploração simbólica, porque a propriedade sobre uma pessoa não é apenas uma questão econômica, ela também é uma questão de poder. “Esse domínio se dá tanto no passado quanto hoje, com o domínio sobre o voto de alguém, sobre a perspectiva, sobre a cultura. O controle sobre uma pessoa foi e ainda é a chave para a nobilitação da pessoa”, diz.
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O especialista explica que a situação no Brasil e na Amazônia não mudou tanto em relação a processos exploratórios. Para Ygor, o País continua sendo palco para a exploração, tendo em vista que parte de sua economia ainda gira em torno disso. “Num certo sentido, todo brasileiro sonha em ser senhor de escravizados. De certa forma, a gente aprendeu a enriquecer ou a melhorar de vida nos valendo da exploração do trabalho de outro que está numa situação mais vulnerável”, relata.
Conforme o levantamento da reportagem, com base no Observatório de Erradicação do Trabalho Escravo e do Tráfico de Pessoas, a maioria dos casos de trabalho escravizado contemporâneo na Amazônia está relacionada a atividades rurais, sobretudo o trabalho em fazendas ou em atividades de produção florestal (nativas e plantadas).
Segundo o Sistema Nacional de Informações Florestais, do governo federal, na produção florestal, a matéria-prima pode ser proveniente de florestas plantadas ou de florestas naturais. A transformação da matéria-prima florestal resulta em produtos madeireiros e não madeireiros. A Região Amazônica é o maior fornecedor desses produtos para as demais regiões do Brasil e exterior, culminando em trabalhos degradantes e exaustivos, que requerem muitas horas de atividade e grande esforço físico.
“As causas da exploração do trabalho se devem ao fato de que o trabalho não é livre. Ele não é emancipado. E a gente está vendo isso hoje. As condições de relações de trabalho tornaram-se mais precárias"
Lacunas na Amazônia
Na visão do antropólogo, escritor, jornalista e professor universitário Paulo Queiroz, as relações de exploração de trabalho ainda são muito factuais e precisam ser amplamente discutidas. Ele cita que, atualmente, existe um mimetismo que ajuda a encobrir casos de trabalho análogo à escravidão. “A situação análoga à escravidão ainda existe muito nos lugares mais longínquos da Amazônia, onde, por exemplo, a legislação trabalhista não consegue alcançar e fiscalizar”, avalia. 
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Donos não identificados
Durante a visita da reportagem às madeireiras e carvoarias de Rorainópolis (RR), a CENARIUM perguntou sobre os donos do local e os entrevistados não souberam ou não quiseram responder quem eram e afirmaram não estarem no local naquele momento. Das três carvoarias visitadas em Rorainópolis, apenas duas tinham placa de identificação. A reportagem buscou contato por meio dos nomes, mas os telefones encontrados não funcionam.
Em Boa Vista, a reportagem questionou os trabalhadores da carvoaria visitada para saber se havia algum dono que pudesse conversar sobre a situação encontrada, mas os relatos foram de que não há apenas um único dono, e que é difícil identificá-los. Segundo os carvoeiros ouvidos pela CENARIUM, os materiais chegam à carvoaria por meio de caminhões que fazem a coleta do lixo urbano na cidade.
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Questionado pela reportagem, o MPT explicou que parte dos trabalhadores são associados a uma cooperativa e outra parte não é. Usualmente, há pessoas lá que são donas de um ou alguns poucos fornos e “alugam” para diaristas. O MPT classificou a situação das carvoarias de Boa Vista como: “O cenário é bem complexo. Não existe um dono”, informou a assessoria do órgão.
Impactos na saúde
As condições a que são submetidos os trabalhadores nas carvoarias são prejudiciais à saúde, se não houver a utilização de equipamento adequado de segurança. A temperatura de um forno após a queima do carvão pode variar de 200°C a 450°C, dependendo do momento da queima, segundo a pesquisa “Resfriamento Rápido de Fornos de Carbonização”, dos pesquisadores Delly Oliveira Filho, Carlos A. Teixeira, Juarez de S. e Silva, Hamilton O. Reis e Cristhian L. Vorobieff, publicada na Biblioteca Eletrônica Científica Online (SciELO).
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De acordo com o estudo “Processo de trabalho e saúde dos trabalhadores na produção artesanal de carvão vegetal em Minas Gerais, Brasil”, dos pesquisadores Elizabeth Costa Dias, Ada Ávila Assunção, Cláudio Bueno Guerra e Hugo Alejandro Cano Prais, é possível notar riscos em todas as fases do processamento do carvão, desde o corte de toras até o momento em que se retira o material dos fornos, sendo esse último o momento mais perigoso da atividade.
“A retirada do carvão do forno configura uma situação crítica, observando-se um sinergismo entre o esforço físico despendido, a repetitividade dos movimentos, as condições climáticas adversas, a exposição a altas temperaturas e a falta de condições mínimas de higiene e conforto”, escrevem.
O estudo afirma que o trabalho manual de produção de carvão expõe trabalhadores a relações injustas e instáveis. “As condições de trabalho são inadequadas, sem o mínimo conforto, os equipamentos e instrumentos de trabalho são arcaicos e sem proteção”, diz o texto do estudo.
“As exigências de grande esforço físico, a exposição ao ruído e vibração pelo uso da motosserra, à radiação solar excessiva, ao calor emitido pelos fornos, às substâncias químicas produzidas na combustão da madeira e à picada por animais peçonhentos são algumas das condições de risco para a saúde identificadas no estudo”, concluem.
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ivinagarcia · 2 years ago
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‘Reféns do Carvão’: a rotina insalubre dos trabalhadores nas carvoarias de Roraima
Texto: Ívina Garcia e Gabriel Abreu
RORAINÓPOLIS (RR) – O sol ainda nem nasceu, quando os trabalhadores da carvoaria começam a chegar na Azul Indústria e Comércio Ltda., madeireira localizada pouco antes da entrada de Rorainópolis, no sul do Estado de Roraima, a 260 quilômetros da capital Boa Vista. Às 4h, já é possível ouvir o barulho de serras trabalhando e homens arrastando ripas de madeira.
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A Azul é apenas uma das mais de 30 madeireiras que existem em Rorainópolis e nos distritos próximos, com uma organização idêntica: na entrada, existe uma serraria, que recebe as cargas de toras e é responsável pela produção de tábuas e ripas para a construção civil. Nos fundos estão os fornos feitos de tijolos e barro, onde as sobras de madeira são transformadas em carvão. O material produzido nessas carvoarias abastece a mineradora Taboca e os Estados de Roraima e Amazonas.
O processo da queima de madeira pode durar de três a dez dias, dependendo da quantidade colocada no forno. Segundo os carvoeiros, cada forno produz de 70 a 120 sacos de carvão, cada saco pesa 25 quilos. O valor de venda varia de R$ 25 a R$ 40, por saco. O pagamento dos carvoeiros depende da quantidade produzida por forno, podendo variar de R$ 70 a R$ 200 a diária, pagos apenas por dia trabalhado, sem considerar nenhum benefício.
Domingos Silva, 55, trabalha, há 12 anos, na carvoaria Azul. Saiu do Maranhão para o Pará, há 20 anos [2003], para trabalhar com o mesmo patrão que fundou a madeireira em Rorainópolis (RR). No território paraense, ficou por oito anos, antes de se mudar para Roraima [2011]. Domingos conta que em “dias bons”, consegue faturar R$ 160 a diária, mas optou pelo pagamento mensal.
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“Em um dia bom, a gente chega a tirar 200 sacos, depende de como a madeira chega aqui, né. Daí, nossa diária pode chegar a R$ 160, mas a gente optou por receber só final do mês. A gente só recebe se trabalha”, explica. “Aposentar, só se a gente se machucar, quebrar uma perna, aí pede do INSS”, afirma Domingos, que mora em Rorainópolis com o filho de 20 anos.
Há pelo menos 10 anos, Domingos e outros trabalhadores da carvoaria se mantêm sem carteira assinada, das 4h às 14h, diariamente, sem direito a férias remuneradas, folgas remuneradas, 13º salário, aposentadoria e outros direitos trabalhistas básicos. “Trabalhamos dois anos de carteira assinada, no começo da serraria, aí, depois, o dono vendeu para esse outro e a gente não tem mais a carteira. O Ibama [Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] ‘dava muito no pé’ e ele desistiu”, conta.
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Assim como Domingos, Jorge Pinheiro Nascimento, 47, saiu de sua terra natal para trabalhar em Rorainópolis. Natural de Itacoatiara, a 175 quilômetros da capital do Amazonas, Manaus, Jorge não tem perspectivas de mudança de vida e trabalha exclusivamente para sobreviver. Quando a reportagem chegou ao local, Jorge descarregava um forno com carvão pronto. Sem máscara, luvas ou quaisquer equipamentos de segurança, Jorge carrega no rosto e nas mãos as marcas do trabalho fatigante.
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Na madeireira Azul, existe um abrigo com ripas de madeira construído para descanso e almoço, que possui poucas condições de conforto. Com metade de uma parede e telhas de zinco, os trabalhadores ficam em pé, em frente a uma mesa de madeira, onde dividem um almoço em uma vasilha de plástico. O bebedouro disponibilizado para eles fica em um recipiente de plástico, sem resfriamento e os pertences individuais são guardados em um mesmo baú de madeira onde eles guardam a serra utilizada no trabalho, que fica trancado com um cadeado. O calor e a desidratação são riscos diários aos quais os carvoeiros são submetidos.
O carvoeiro Domingos, por exemplo, precisou procurar por atendimento médico, devido ao calor do forno e a desidratação. Ele revela que sentiu fortes dores nas costas. “Perdi um dia de trabalho porque estava com infecção urinária. Lá, a enfermeira chega só de tarde, mas tem que ir cedo para conseguir atendimento. Aqui a gente tem água, mas acho que também fiquei assim por causa do calor do forno”, avalia.
Mudança de vida
Em outra carvoaria mais perto da entrada da cidade, a reportagem encontrou o jovem venezuelano Daniel de Jesus, 23. Diferente da carvoaria Azul, no local, existiam apenas fornos sem uma madeireira para abastecê-los. Daniel não soube explicar à reportagem de onde a madeira vem e nem qual seria o nome da empresa, já que o local não possuía placa de identificação. Ele conta que o trabalho é incerto, devido à carvoaria só funcionar quando os donos conseguem as sobras de madeira.
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Segundo Jennifer, a farmácia do Sistema Único de Saúde (SUS) não tinha o remédio gratuito para gripe e, por isso, Daniel foi trabalhar na carvoaria naquele dia. “A mulher me chama para vir encher o forno. Hoje ela disse que ia me dar R$ 100 para comprar o remédio. Estamos esperando ela voltar, para a gente ir à farmácia depois daqui”, explica Daniel.
O jovem venezuelano estava afastado do trabalho nessa carvoaria, após sofrer queimaduras nas costas, devido ao calor do forno. “Queimei toda a minha costa, fiquei internado um tempo e precisei ficar dois meses afastado, porque tive queimadura de segundo grau. Fiquei internado dez dias para curar minha pele”, conta o jovem, que trabalha há quatro meses no local onde sofreu a queimadura. Daniel e Jennifer moram em Rorainópolis e dividem o aluguel de R$ 650 em um quitinete com outro homem que não faz parte da família.
Nova Colina: um construtor de fornos
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Ao sul de Rorainópolis, no distrito de Nova Colina, Claudio ‘Mondrongo’, 46, é o responsável pela construção dos fornos. A reportagem encontrou com Claudio na madeireira Roraima Verde, onde ele trabalha sem registro profissional. No local, mais de 20 fornos funcionam sob a supervisão de cerca de 15 trabalhadores, sendo a maioria deles venezuelanos. Com apenas dois brasileiros no local, a comunicação é basicamente em espanhol.
A construção dos fornos leva cerca de seis horas, utilizando tijolos comprados pelo dono da madeireira e barro retirado da propriedade por outros trabalhadores. Claudio conta que é o responsável pela construção de mais da metade dos fornos que existem ali e em outras madeireiras da região.
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“No Maranhão, eu trabalhava mais. Às vezes, eu era contratado para fazer 90 fornos de uma vez. Aqui sou chamado para construir uns quatro ou cinco fornos. Na semana passada, fiz quatro lá na RR (em uma madeireira na rodovia)”, conta. Cláudio fatura entre R$ 350 e R$ 700 por forno construído, dependendo do tamanho e da demanda, tendo vida útil de 3 a 10 anos, dependendo da construção.
Claudio também já realizou trabalhos na serraria do local, mas saiu depois que o Ministério Público do Trabalho (MPT) realizou operação para o local regularizar os trabalhadores. Depois disso, “Mondrongo” resolveu ficar apenas na informalidade, porque a madeireira não costuma pagar no prazo. “Aqui você trabalha uma semana e eles pagam só duas semanas depois, não dá para continuar assim. Daí, às vezes, sou chamado para construir forno em outros lugares e se eu tiver carteira assinada aqui não consigo ir, então prefiro ficar desse jeito”, conta.
Boa Vista: ‘Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome’
A descoberta da carvoaria pela reportagem da REVISTA CENARIUM foi possível por conta da visita a um dos principais cartões-postais da capital, o Mirante Edileusa Lóz (situado no Parque Rio Branco). O monumento tem 120 metros de altura, sendo o ponto de observação mais alto de toda a Região Norte, que possibilita uma vista panorâmica de 360º de toda a cidade. É lá de cima que a fumaça chama a atenção de quem está vendo a cidade do alto.
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Para chegar à carvoaria, foi preciso sair do Centro de Boa Vista e voltar para a BR-174. O local fica na Zona Sul da cidade, atrás da garagem de uma empresa que faz o transporte intermunicipal e interestadual entre o Amazonas e Roraima. Segundo moradores da região, além da carvoaria, há uma espécie de lixão público, onde as pessoas jogam lixo e colocam fogo, provocando mais fumaça nos arredores.
Na carvoaria, dentre os trabalhadores, a reportagem encontrou a família da brasileira Graça Vicente, 49 anos, casada com o venezuelano André Vicente e os três filhos do casal. Os cinco membros do núcleo familiar cumprem 12 horas de jornada diária, de segunda a sábado. Eles afirmaram que vieram para o Brasil por conta da falta de emprego na Venezuela. 
Graça relata que sobrevive do dinheiro que recebe trabalhando no local. Mãe, pai e filhos ganham entre R$ 70 e R$ 120 por dia trabalhado. Se não trabalharem, não recebem nada. A família relata que há dias em que a renda é de apenas R$ 20.
A maioria dos trabalhadores na carvoaria é de imigrantes que fugiram da crise econômica na Venezuela. “Ou trabalhamos aqui, ou passamos fome, porque emprego não tem. Alguns locais aqui de Boa Vista sequer aceitam a gente para trabalhar”, desabafa Graça.
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Toda a madeira usada na fabricação do carvão vegetal é recolhida das áreas de derrubada da Floresta Amazônica ou do recolhimento do lixo produzido na cidade de Boa Vista. Alguns trabalhadores da área relataram que, no local, não há um dono fixo, e que chegaram lá por precisarem de dinheiro para se alimentar.
História de família
Durante a visita da reportagem, em um lugar improvisado, sem nenhuma higiene e sob uma lona quente, sentados em tijolos, Graça Vicente, o marido e os filhos comeram pães com mortadela, manteiga salgada e beberam dois refrigerantes gelados, para amenizar o calor e a fome.  Após o lanche, Graça descreveu como chegou à carvoaria com a família.
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A brasileira, de sorriso tímido, revela na conversa, de pouco mais de seis minutos, o sonho de ver os filhos fora do trabalho da carvoaria. Graça diz que faz preces para que os filhos estudem. Os três possuem Ensino Médio. Uma das preocupações da mulher é com a saúde da família. O temor é de que adquiram doenças, por conta da exposição à fumaça.
“Algumas pessoas que trabalharam aqui já tiveram pneumonia, bronquite, asma, irritação na pele e nos olhos. É uma preocupação que eu tenho com todos nós, mas não tem outro jeito. É a minha forma de sustento”, afirma.
Geovani Vicente, de 20 anos, foi o único dos três filhos de Graça que aceitou falar com a reportagem, mas por pouco tempo. Ele relatou que sonha em deixar para trás o trabalho na carvoaria. 
“Eu não tenho um grande sonho. Eu só quero sair daqui e trabalhar em algo em que não fiquemos assim, cheios de poeira de carvão. Todo dia para mim é isso, tenho que chegar em casa e tomar banho para tirar a poeira”, afirmou o jovem. 
‘Preciso ajudar meu pai’ 
Caminhando mais para dentro da área da carvoaria do Distrito Industrial de Boa Vista, a reportagem encontrou outra venezuelana, Maria Isabel, que desde que chegou ao Brasil, aos 18 anos, trabalha na carvoaria. Hoje, com 23 anos, a função dela é abrir sacolas e ensacar os carvões que serão distribuídos aos supermercados de Boa Vista.
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“Eu trabalho aqui de segunda a sexta-feira. Hoje, o meu único sonho é ajudar o meu pai. A situação na Venezuela não está fácil e é daqui que eu posso ajudar ele. O meu pai trabalha lá como serralheiro e quase não aparece nada para ele. Aí eu tenho que ajudar, porque, às vezes, não tem o que comer. Se eu pudesse, eu o traria para cá”, afirmou a jovem.
Maria Isabel conta que chegou até a carvoaria por meio da indicação de uma amiga e uma prima. Ela relata a dificuldade que é trabalhar todos os dias no sol quente. “Não é bom, por causa do sol, o sol cansa muito. Mas por conta do dinheiro, é mais fácil ficar aqui, porque em outro lugar eu não vou conseguir o valor que consigo trabalhando aqui”.
O que dizem os órgãos de fiscalização
A REVISTA CENARIUM entrou em contato com os órgãos de fiscalização ambientais e de trabalho solicitando informações sobre a ocorrência de trabalho análogo à escravidão, possíveis crimes contra o meio ambiente e outras irregularidades nas carvoarias visitadas pela reportagem em Rorainópolis e nos arredores de Boa Vista (RR). A reportagem também questionou quais as ações ou medidas adotadas por esses órgãos visam coibir práticas irregulares e proteger os trabalhadores.
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“O Ibama realiza a gestão do Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), ferramenta cujo uso é compartilhado entre o Estado e os usuários. O instituto combate, principalmente, fraudes no uso do sistema. Em abril deste ano, em operação de combate a fraudes no módulo DOF e no Sinaflor em Roraima, o Ibama eliminou 3.316 metros cúbicos de créditos indevidos dos sistemas e aplicou quatro autos de infração a duas indústrias madeireiras fiscalizadas, no total de R$ 654 mil”, informou o instituto.
O Ibama informou ainda que as autuações foram aplicadas devido a informações falsas fornecidas aos sistemas e por manutenção de madeira nativa sem licença em depósito. Além disso, também foram apreendidos 511,6 metros cúbicos de madeira.
Boa Vista
O MPT, por sua vez, informou que o trabalho análogo à escravidão pode ser verificado diante da submissão do trabalhador a condições degradantes: falta de acesso à água potável e até água para a higienização do corpo, o não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual e de vestimentas adequadas, bem como a inalação de ar contaminado por partículas liberadas durante o processo produtivo do carvão.
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Segundo informações obtidas pela reportagem no local, os trabalhadores não recebem nem mesmo salário, recebem apenas pela produtividade, o que leva à jornada exaustiva à qual, oficialmente, eles não são obrigados a se submeterem, mas acabam se submetendo por necessidade de sobrevivência. 
De acordo com Artigo 149 do Código Penal, “reduzir alguém à condição análoga de escravo, com jornada exaustiva, sujeitando-o a condições degradantes, constitui crime com pena de reclusão de 2 a 8 anos e multa, além da pena correspondente à violência”.
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Denúncias
Em nota, o MPT informou que as denúncias de trabalho análogo à escravidão podem ser feitas por meio do site mpt.mp.br, aplicativo Pardal ou pelo Disque 100. A denúncia pode ser sigilosa ou anônima.
O MPT reiterou ainda que associado ao trabalho em condições análogas ao de escravo, já foi identificado, na carvoaria do Distrito Industrial, o trabalho infantil, sendo uma das piores formas de trabalho infantil, conforme a Lista Tip (Decreto 6.481/2008), tendo o MPT atuado prontamente para combater essa violação de direitos.
Denize Vital informou ainda que apenas 64 pessoas que atuam na carvoaria do Distrito Industrial estão ligadas à cooperativa e que somente brasileiros são filiados. Em relação aos venezuelanos, estes não fazem parte da entidade. Segundo Denize, ainda não se sabe como a legislação brasileira classifica os estrangeiros na lei.
Sobre a presença de menores, a presidente da cooperativa confirmou que foi assinado, no ano passado, com o MPT, um termo de ajuste de conduta para que os associados não levem os filhos para o local de trabalho. O que, segundo a lei brasileira, é classificado como exploração do trabalho infantil. 
Sem posicionamentos
Procurados para comentar sobre a documentação da carvoaria e se há autorização da mesma para funcionamento, o Governo de Roraima e a Prefeitura de Boa Vista não responderam aos questionamentos, até o fechamento desta reportagem, no dia 06 de maio.
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