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Uma vez eu li que os animais sentem cheiro de medo. Quando você fica com medo um animal sente através do cheiro que você exala, algo imperceptível para nós, mas no mundo animal é algo expressivo. li até que os próprios animais exalam cheiro de medo, por exemplo, filhotes de passarinho quando exalam cheiro de medo são abandonados no ninho. Até onde li os pesquisadores ainda não sabiam porque os filhotes de pássaro com cheiro de medo são abandonados. É um pouco cruel, mas há também muita inteligência no instinto animal.
Na teoria da evolução por exemplo, dizem os pesquisadores que até os humanos na condição de animais conseguem distinguir gostar ou não de alguém através do cheiro que o outro exala e a partir daí experienciar algo como seleção natural, pois quando o cheiro de alguém lhe é agradável indica que a sua combinação de DNA com o outro é positiva em prol da qualidade da reprodução da espécie.
Isso diz muito sobre o magnetismo que sinto desde que encontrei aquele cheiro e em que fiquei viciada depois de encontrá-lo dentro de um abraço em algumas manhãs. Era como um lugar seguro, confortável e agradabilíssimo. O meu primeiro cheiro preferido! Eu até descobri qual era o perfume, mas não era só o perfume.
Aquele cheiro exalava feito cheiro de medo. Me atraía de tal maneira como se eu soubesse que aquele DNA combinava com o meu, como se eu soubesse que aquela maneira de olhar combinasse comigo e com a forma como vejo o mundo. E mesmo escrevendo sobre ele ainda não sei decifra-lo por completo. É como um trecho da música do Ben Jor que diz “Ela tem um perfume de uma flor que eu não sei o nome”!
Cheiro de medo é quando de longe um animal selvagem consegue sentir a sua presença pelo odor de medo que você expele através das suas glândulas ao perceber o animal e temer. De saber que ele te ronda, te enxerga e te faz correr perigo.
E não é que ele exale medo, mas essa é a forma mais próxima que eu consegui de explicar que morando em São Paulo a anos eu nunca senti um perfume como o dele. E não me refiro ao perfume em si, esse eu já identifiquei em diversas pessoas no meio da multidão da cidade e que levemente me trazem a memória dele. Mas o cheiro é da combinação da pele com aquele perfume.
A memória olfativa, que é tudo, me acompanha até hoje nas notas da cidade. No punho dos outros ou na lembrança ao ver um livro do Bukowski na banca de jornal.
Eu gosto muito do beijo, mas gosto mesmo é do cheiro que eu sinto quando ele se aproxima e eu conheço aquele perfume naquela pele e quando vou embora encontro no meu cabelo ou na minha roupa um leve sentido daquela essência e fico sem vontade de trocar de roupa ou Lavar o cabelo pelo resto da semana. O cheiro dele me excita!
O cheiro que vem acompanhado de um olhar que também atravessa, daqueles em que a gente se sente como a criança sendo observada e que daria tudo para decifrar se nele há sentimentos, aprovação, carinho, julgamento, admiração!
Nesse cheiro tem aquele sentimento de encontro único que a gente quer perpetuar dentro de si e perpetua de fato. Passam-se anos, mas aquele encontro de olhares e aquela essência ficam marcados em você. A gente nunca sabe quando vai acontecer de novo, mas basta a lembrança, porque todos os momentos vivem em nós.
Não carregamos pela eternidade das nossas vidas só os traumas de infância, carregamos também os olhares que nos atravessam, os abraços, as palavras ainda que truncadas e poucas, o sentimento! A aceleração que dá no coração quando nos encaramos. E eu carrego na memória aquele cheiro de medo, torcendo para que um café no futuro esteja logo ali.
Cheiro de medo - Joyce Paiva
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Num dia frio em São Paulo é assim: Se você saiu de casa para uma reunião presencial, então você aproveita a saída e vai até uma exposição de arte ou a um restaurante para terminar de fazer valer a pena o passeio.
Hoje é quarta-feira, a mínima foi de 9° e eu tive uma reunião às 14hrs na zona mais ao norte possível da cidade. Esses dias escrevi o meu primeiro diálogo por influência de um escritor russo que tenho lido e agora por influência de Sex And The City tenho escrito em primeira pessoa com facilidade, o que é uma novidade neste canal. Então, aqui vai o relato do meu dia com um toque de reflexão em algum momento do texto corrido. Pegue seu bombojaco e boa leitura! outra referência para os millennials que ouviram rap dos anos 90.
Acordei muito bem-humorada apesar do frio, final de ciclo menstrual é sempre desse jeito, fim da TPM monstruosa –aqui eu quis fazer um trocadilho entre menstrual e monstruosa, a situação combina, mas me perdoem, ficou uma bosta, mas não vou retirar- e para isso eu sempre me dou um café da manhã de rainha esfomeada que sou. Café preto, ovo com gema mole, torradinha fresca de pão integral, requeijão, pimenta, sal e aquele sheik potente de whey de baunilha, banana, morango, creatina e água. Calorias em dia, alimentei meu peixe, aguei as plantas, coloquei Lagum para tocar e fui para o banho na maior vibe.
Às 11h23 eu já estava pronta para a reunião das 14h. Sentei, respondi uns e-mails, WhatsApp e já que eu tinha tempo por que não economizar com o Uber e ir de ônibus?! Feito! Conheci umas ruas de São Paulo entre a Zona Norte e a Zone ainda mais ao norte, eu amo andar de ônibus e conhecer o íntimo dos bairros. É como voltar a infância, ver crianças correndo na saída das escolas, senhores e senhorinhas pegando ônibus de graça e se sentando na praça, aqueles restaurantes que servem PF por menos de 35,00! Acredite, em São Paulo um PF por menos de 35,00 só mesmo no íntimo dos bairros marginais. Enfim.
Cheguei às 13h54 para a reunião, muito pontual para uma pseudo-Paulistana que pegou dois ônibus. Reunião chata, pessoal despreparado fazendo perguntas aleatórias sem sentindo com o cerne da questão de estar ali, relatos pessoais sobre qualquer coisa, um café, uma água e fim.
E já que eu saí de casa num frio de 10°, economizei no uber, estava de bom humor, tarefa do dia feita e o restante do dia livre, por que não ir até uma exposição de arte ou tomar um caldo verde num restaurante que quero conhecer?! Bora! Mais um trajeto de ônibus sugerido pelo Google Maps. E aqui finalmente começa a reflexão que faz o restante do texto valer a pena, ou não.
Depois de caminhar por alguns minutos e chegar ao ponto de ônibus, verifiquei se ele realmente passava ali, e parada olhando para rua de braços cruzados com a cara amarrada na melhor pose de pseudo-executiva-paulistana aguardando o ônibus chegar, eis que uma senhorinha na faixa dos 60 – 70 me perguntou sobre o mesmo ônibus.
-Aquele ali é o Jardim Vista Alegre? Eu não enxergo direito, a idade minha filha. - Perguntou a senhora.
-Não, esse que vem aí é o Ana Rosa e depois o Metrô Santana. - respondi – Mas eu também vou pegar o Jardim Vista Alegre, eu aviso quando se aproximar.
-Muito obrigada, filha. Já não enxergo direito. E esse que vem aí? - retrucou ela.
Bastou esse diálogo para que nos tornássemos companheiras inseparáveis na espera do ônibus mais escasso de São Paulo. Até agora não entendi a sugestão do google Maps. Ela já estava ali há 15 minutos e nada, para mim no aplicativo não aparecia nem sinal do busão. Mas, amigas que somos engatamos no papo durante a espera.
-Estou indo visitar meu filho que está doente, ele está na casa da minha sogra – ela me contou.
-Jura?! Que bom, tomara que ele esteja melhor – e eu nem sabia o que ele tinha.
-Pois é, eu não estou com condições de cuidar dele. Estou vindo do postinho também, tomei uma injeção naquele lugar, estou com o corpo todo doído, e olha que eu nem usei aquilo para estar doendo – a senhorinha se sentindo à vontade contou isso, com a maior inocência do mundo das senhorinhas, e caiu na gargalhada.
“Que fofinha!” Pensei depois de ouvir o relato de uma senhora que tomou injeção no ânus e me contou no ponto de ônibus.
-E esse? É o Vista Alegre, minha filha? - perguntou a senhora.
-Ainda não, outro Ana Rosa. - Respondi e me lembrei de que o Ana Rosa servia para mim. Mas deixei passar e aguardei.
Tentei agora me lembrar do desenrolar da conversa e não consegui. Sei que não fiquei naquele ponto por mais de 20 minutos, mas sei que em dado momento enquanto eu olhava para a esquerda vigiando o ônibus e para a direita prestando atenção na fala de minha amiga, no meio do diálogo ela disse:
-Ele me deixou por outra, acredita?! - Falou com os olhos cheios de lágrimas. - Como a gente é boba não é, minha filha?! Fiquei casada por mais de 40 anos e ele está com outra. Me lembro de quando ainda era jovem e deitados na cama falei para ele “Imagina quando estivermos velhinhos e juntos” e não imaginava que ia terminar assim. Por isso é melhor ficar sozinha mesmo, as vezes homem só dá tristeza. - Concluiu ela.
A senhorinha ainda disse que a filha estava triste pela situação, mas não tinha o que fazer. E eu que via o quarto Ana Rosa passar estava agora envolvida em muitos pensamentos depois desse relato ora cômico, ora solitário e reflexivo de minha amiga de transporte público. Quando avistei o quinto Ana Rosa vindo ao longe comecei a me despedir, também porque eu já não sabia o que dizer a ela e tinha muito o que dizer a mim mesma depois de tudo que ouvi.
A começar pela solidão.
Não é novidade para ninguém que estamos sempre em estado de solidão. Seja querendo carinho, companhia, em busca da nossa alma gêmea, de um melhor amigo, do terapeuta perfeito, da música que vai dizer exatamente o que sentimos, daquilo ou de alguém que vá entender os nossos sentimentos, ou em busca de algo dentro de nós mesmos que vai nos dar norte, o verdadeiro nirvana! ou da passagem da bíblia que vai nos dizer o que é a vida e nos confortar por não estarmos sozinhos e o nosso futuro já estar devidamente traçado.
Me pergunto agora se Abujanra já leu a bíblia, imagino que se em algum momento ele teve oportunidade olhou para Deus e disse “Deus, o que é a vida?”, também acredito que ele tenha repetido algumas vezes a mesma pergunta.
-Oi Deus, aqui é a Joyce, desculpe a blasfêmia, é licença poética! Amém.
Embora não seja novidade que estamos sempre em estado de solidão, física, existencial ou emocional, me surpreendi com aquele relato. Não que eu não tenha conhecido alguém da terceira idade que seja sozinho, mas naquela tarde a solidão do relato da senhorinha me mostrou algo para qual eu ainda não tinha olhado diretamente. Veja, neste momento tenho 28 anos e oito meses, tenho amigas de 20 que estão sozinhas sofrendo das solidões acima, especificamente por amor. Tenho amigas da mesma idade que eu e até da faixa dos 40 vivendo as mesmas solidões. E agora alguém da faixa dos 60 – 70 que foi abandonada, trocada, está longe dos filhos, completamente entregue a uma amiga mais nova que conheceu no ponto de ônibus há alguns minutos.
Você leitor, que também é humano e já captou o cerne da questão há alguns parágrafos, já chegou na conclusão em que eu também cheguei, sei disso! Então vamos compartilhar.
A conclusão é: não é sobre idade e não existem garantias.
Viver implica nunca saber como seriam os caminhos que não tomamos, saber menos ainda como vão ser os caminhos que escolhemos. Não existem garantias de nada para os anos à frente, assim como também não existem garantias de que as suas agonias e os seus conflitos de hoje não serão os de amanhã. Assim como também não existem garantias para a sua posição social, as suas origens, a estética, a personalidade, nada lhe garante a não solidão. Se você aprendeu a desfrutar da solitude, bingo! Fica mais leve, mas ninguém está livre da solidão.
Ainda que eu tenha pensado em inúmeras frases e reflexões coachianas sobre o lado bom da solidão ou sobre como lidar com ela ou sobre o sentido da vida, nos poupo. Fique você com suas reflexões a respeito disso, e sofra, vá madrugada afora ou simplesmente tome seu ônibus.
Falemos agora da saúde física.
Nunca o texto Filtro Solar de Pedro Bial ressoou tão enfático em minha mente como hoje. “Use filtro solar” e todo bla-bla-bla seguinte. Digo bla-bla-bla com respeito, o texto de fato faz sentido. Injeção no ânus?! Meu Deus!
Eu que vivo a temer uma velhice dependente de outras pessoas me peguei pensando na injeção da minha senhora amiga, aparentemente sem motivo, acredito nela! Por isso daqui em diante o projeto verão seguirá como nunca visto na história da série de minha vida! E não por causa do verão mais próximo, mas principalmente por aqueles que ainda não consigo nem visualizar no calendário. Seria ainda mais cômico se não fosse tão trágico! Adoro essa frase, adoro quando a vida é ridiculamente engraçada nos momentos mais sofridos e improváveis. Se cuide você também, meu caro leitor.
Ainda que eu tenha chegado a uma exposição de arte, que tenha tomado o meu caldo verde numa tarde fria e cinza em São Paulo, a reflexão após os 20 minutos na espera do ônibus que nunca passou tomaram todo o resto do meu dia.
Por fim, eu ri.
Chegando em casa me sentei no divã que é o meu sofá preto muito confortável na companhia da amiga que divide apartamento comigo. Amiga essa com quem converso sobre tudo! E depois de muito rir sobre o meu dia e sobre a história do ponto de ônibus, minha amiga, que sabe que sou supersticiosa e que também o é, me contou que dizem por aí que as vezes os anjos se disfarçam para nos ensinar algo. Que quando alguém se dirige a nós do nada no meio da rua pode ser um ser de outra dimensão querendo nos passar uma mensagem, ou até mesmo Deus para testar a nossa fé.
Rimos da história, rimos das coisas pelas quais sofremos e às quais estamos fadadas a sofrer, rimos da nossa superstição sem limites, rimos, pois para quem é doido o suficiente tudo é um sinal.
Jardim Vista Alegre - Joyce Paiva
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Reza a lenda que 3 horas da manhã é o horário das almas. Pois bem, se 3horas da manhã de fato for o horário das almas elas são artísticas e criativas, ou absurdamente incômodas e revoltadas. Esse é o horário que minha criatividade aflora. Eu que tenho insônia desde os 12, leia douze, foi como pensei ao lembrar de como fala uma amiga carioca, aliás que sotaque impregnante. Passe um dia ao lado de um carioca e não absorva os maneirismos do sotaque e lhe darei os parabéns com louvor e merecimento de medalha. Enfim, insônia desde os douze anos de idade sofrendo de uma perturbação ávida que me faz levantar e escrever.
As vezes sai um compilado de coisas que só faz sentido para mim, as vezes uma coisinha açucarada que faz minha mãe chorar, as vezes uma revolta de algo que eu já não consigo suportar aqui dentro.
Hoje um mosquito me ronda desde as 19hrs da noite. Quando avistei o inseto enorme na parede fiz uma cena digna de filme de esquizofrenia, comecei a perseguir o bicho e narrar a perseguição como uma estratégia de guerra, pode rir à vontade, sou louca quando sozinha. Alvo detectado e fiz a minha primeira tentativa de ataque para preservar o sangue da nação que habita este quarto. Tentativa #1: Fail.
De novo imobilizei o exército para deixar o inimigo a vontade e visualizá-lo. Com alvo novamente na mira identificamos que ele estava em território neutro: o teto! Em teto branco não se mexe, pois a marca da morte do inseto causa manchas difíceis de remover, este acordo foi ratificado pelo órgão mantenedor da paz e da boa ordem logo que me mudei em 2017.
Uma nova estratégia foi definida pelo pelotão e então provocamos o inimigo ao tentar acertar uma bolinha de papel para que ele deixasse a zona neutra e pudéssemos atacá-lo. Tentativa #2: Fail.
Acionamos então uma arma química para enfraquecer o inimigo, ligamos à tomada um veneno de mercado altamente eficaz e fedido. Nem os humanos conseguem suportar. Essa tentativa talvez tenha enfraquecido o inimigo, não sabemos com precisão, mas nessa hora rebaixei a patente do exército à infantaria devido ao insucesso com a batalha.
Pausa na história para dizer que acabo de me dar conta de que adoro estratégias de guerra, desde jogar War a ponto de perder amizades, até nomear o meu grupo de amigos na faculdade de Comboio Ternura, me autodenominado Comandante e nomeado cada um dos meus amigos à uma patente – lembrar de tratar deste assunto em terapia-.
Voltando ao caso de hoje a operação foi suspensa às 20h para jantar na casa dos meus pais. Retornando ao campo de guerra o quarto já estava empesteado com o cheiro da arma química e nenhum sinal do inimigo. Uma breve vitória.
Onze horas e enfim todos os aparelhos foram desligados, finalizei um livro e comecei outro, à meia noite os livros foram devidamente fechados e as luzes apagadas, então o zumbido natural do meu cérebro que há 17 anos me atormenta começou.
Entre meia noite e três da manhã pensei nas tarefas que não fiz hoje, me cobrei das que farei amanhã, repassei o check list de amanhã, lembrar de começar a ir para academia todo dia no mesmo horário, já não faz mais sentido ler Karl Marx porque isso me angustia, a crise climática está aí, devo largar os meus estudos e me dedicar a militância, Rita Von Hunty disse num vídeo que temos mais 5 anos apenas, deixei minha água com gás no congelador, quero fazer xixi, esqueci de responder o email da sótrackboa informando o dia em que quero usar meu ingresso, treinar redação em inglês, responder as pessoas que deixei no vácuo no whatssapp, porque te entendo? Mereço uma resposta, esqueça isso, essa semana tem terapia não vejo a hora, o que vou dizer? Preciso lavar roupa, pedir mais treino de glúteo meu treino acaba em 12 dias, comprar nachos se eu não usar o abacate amanhã vai estragar, tem pessoas vivendo como clásse média mas não deixaram de ser classe trabalhadora, é tão difícil sair da bolha e ser politizado de fato, entender que a esquerda está mais para direita do que nunca antes visto na história do Brasil, preciso ler mais Karl Marx, comprar um tenis bom de corrida, tem hamburgada de rua dia 19, comprar o ingresso, mandar as doações do RS pro correio, dar comida pro peixe de manhã só três bolinhas senão ele morre, como o peixe é feliz nesse aquário pequeno? Aquariano nato, que merda, mas Contardo Calligaris defende a vida interessante, e seu não for boa professora? Que medo da morte dos meus pais, pai nosso que estais nos céus santificado seja o vosso nome, se eu escrevesse meus pensamentos teria páginas e páginas sem sentido como no livro de James Joyce, eu queria escrever bem como James Joyce, amanhã terminar Gamsci e começar Alighieri, a ignorância é uma benção, instalar as lâmpadas no apê novo, a proposta não foi respondida, preciso alugar logo, correr e tomar sol vai me fazer bem, quero um sorvete mas também preciso emagrecer, tomei vinho de novo, recomeçar o alcool zero, meu deus acho que estou ansiosa, meu coração acelerou, não consigo dormir que merda, que calor, que saudade dele, e se eu tivesse estudado pra medicina? Tem formatura da prima em julho, escolher o vestido, eu quase não fechei o vestido no ultimo domingo, preciso emagrecer, hidratar o cabelo, ver a cirurgia dos olhos, será que precisa de anestesia? Eu queria uma anestesia pra dormir, mas também queria eliminar a necessidade de dormir, se eu não fizer um detox de instagram volto a ficar viciada, dois aniversários dia 18, home office na segunda é uma benção, se eu não me casar até os 35 anos vou ter que desistir de ter filhos, porque hoje em dia tem tanta criança com autismo? Talvez valha a pena assinar a folha de novo, que merda tô ouvindo o zumbindo do mosquito.
Foi aí que o campo de guerra abriu novamente.
O exército se levantou prontamente para exterminar o inimigo, olhos atentos, havaiana branca na mão -aliás aprendi com uma amiga supersticiosa que não se pode deixar o chinelo junto virado para a cama, pode ser que alguma alma queira encaixar os pés a noite e fique virado para cama te olhando, desde então não tive paz e venho compartilhar para que vocês experimentem mais essa perturbação- olhei em volta e nada nas paredes. Alvo não detectado.
Saí do quarto, voltei, fechei a janela, sacudi os lençóis, rearrumei os travesseiros, nada.
Novo cessar fogo, tentativa de dormir #2: Fail. Zumbido no ouvido.
Outra vez levantei e nada do inimigo.
Vim relatar as tentativas desse exército cansado porque me pareceu uma boa ideia, quem sabe. Penso agora que na psicanálise Freud diz que o inconsciente é a parte mais significativa dos processos mentais, porque influencia todo o modo de viver das pessoas. E as vezes o texto é só isso mesmo, uma frase no fim que dá algum sentido a todo o resto.
Se um dia eu publicar um livro e lucrar alguma coisa renomeio este texto para Linhas de Munch II. Escrever com referências pode ser uma construção elitizada e excludente apenas para que uma parcela de intelectuais compreenda, então sempre pesquise as referências elas dão um novo sentido ao texto.
Se isso fosse uma enquete no story do instagram você diria que é criatividade, esquizofrenia ou TDAH?
No mais, 04h07 da manhã, ainda sem sono, não encontramos o mosquito, mas o zumbido do meu cérebro continua.
Zumbido – Joyce Paiva
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Quando ele ganhou consciência de mundo já sabia colher fruta do pé no quintal da avó. Sabia fazer carinho nos gatos, alimentar os cachorros, proteger os pintinhos. E por mais arteiro que fosse ele era cercado das imagens dos santos de sua avó, das muitas Marias à sua volta, cheias de amor e maternidade. Cheias de uma doce risada alta no quintal enquanto preparam o banquete para família, bebendo suas cervejas como se não houvesse regras para o café da manhã nem para a ceia noturna. Essas Marias livres e sem regras, que vivem como se a vida fosse uma festa em família sem hora para parar de dançar.
Mesmo com uma revolta monstruosa e genuína do desejo em provar masculinidade no meio de tanto rímel e anéis de prata, o nome dele era angelical. Nem Da Vinci conseguiria extrair o doce do primeiro nome como ele. Único, carinhoso, doce demais num corpo diabético. Chego a pensar que nem sua própria carcaça aguentou tanto mel. E isso até rima com seu nome. Com os olhos caramelo, a pele macia, com o cheiro mais gostoso de se viciar.
Não teve jeito dessa benevolência se disfarçar, não tem a quem enganar, ele pode correr, bater o carro, se embebedar, ele pode olhar feio, pode te ignorar como quem não se importa com ninguém, pode falar uma centena de palavrões emendados um no outro mais rápido do que você pode decifrar até descobrir o segredo do sotaque mais charmoso do mundo. Ele pode ouvir Slipknot e pode mastigar de boca aberta na sua frente para te provocar nojo, mas não adianta, ele é um mel.
Renato Russo já sabia muito mais sobre o amor e sobre os choques inevitáveis e enérgicos da vida. Eduardo e Mônica são os muitos casais que se atraem quando um quer experimentar da magia do outro, do mundo oposto imaginável. Quando o universo trabalha para que evoluamos através do amor. E Em matéria de amor tudo é possível e inexplicável.
Num corpinho delicado, contido e num rostinho carinhoso com olhos grandes e muito observadores ela já guardava uma mente barulhenta desde pequena. No meio dos muitos livros que leu, das estradas por onde passou com seus pais itinerantes, ciganos, ermitões, ela já colhia aventuras, sabores muitos, imaginação fértil perante o mundo gigante que ela sabia que existia. Não atoa era a típica criança adulta com quem as pessoas pouco precisam se preocupar.
Diferente das crianças a sua volta ela sabia ser sozinha e independente, ignorava a moda do momento para ouvir as antiguidades que os pais cantavam. Quando se tem pais que declaram Dia branco de Geraldo Azevedo um para o outro depois de abandonarem suas origens para se aventurar pelas estradas do país e criar seus filhos aquém ao dogma e doutrina de uma cidade pequena, entende-se que a vida é o que der e vier aonde estiver. Esse é o espírito, ela só precisa de um livro à mão, um fone no ouvido e a liberdade de falar o que pensa, que é sempre muito, que pode ser lindo, mas também pode ser o que ela explora naquilo que ninguém quer ver e admitir. Dos desejos negáveis às liberdades desejáveis.
Havia muito o que aprender um com o outro. Da mesma forma como havia muito magnetismo, paixão e intensidade. De início nenhum gostou do outro, mas na primeira oportunidade um não largou mais o outro.
Ele precisava da injeção da vida de se libertar de antigos relacionamentos tóxicos, de perdoar o rumo da vida que lhe distanciou de suas raízes. Ela precisava de lar e de amor, da compreensão que nunca encontrara mesmo rodando o Brasil todo. Ela queria a parada, o cuidado e a segurança. O amor do filme hollywoodiano que tudo sofre, tudo crê e finda com elo eterno.
Como num filme em que a gente deseja ser protagonista, eles mediam a glicose um do outro e com a gota de sangue faziam pacto de amor e de nunca se esquecerem ou separarem. Viviam dias eternos na companhia um do outro, dormindo grudados numa pequena parte do colchão de solteiro. Passando os finais de semana inteiros de pijama, se amando, comendo com a fome do mundo todo e correndo atrás um do outro pelo corredor do apartamento. Provocando um ao outro, rindo um do outro, do sotaque, do jeito, do nariz grande que ela tinha, da cor de pele dele que ela chamava de frango cru. Brigando por ciúme, controlando, vigiando, mentindo, agredindo e fazendo mil declarações de amor, chorando o perdão, conciliando no sexo, e repetindo.
Anos afio.
Mas o amor que é paciente, que é bondoso, que não inveja, não se vangloria, não se orgulha, as vezes maltrata e se ira facilmente, guarda rancor. Mesmo que tudo sofra, tudo creia, tudo espere, nem tudo suporta.
Nessa hora Renato Russo perde para Hozier, is Too sweet!
Ele perdoou seu passado, aceitou suas condições, amenizou a revolta que carregava no peito, aceitou a mudança de rota que a vida lhe fez. Amou, se divertiu, e para quem só gosta de loiras, cravou uma única morena no peito. Ela encontrou o lar que procurava, viu as raízes de perto, se deixou ser cuidada, compreendida, amada. Se permitiu o ridículo da paixão e se entregou de corpo e alma para um sotaque caipira apaixonante que jamais vira igual.
Mas nós, reles expectadores, já não compramos mais romances hollywoodianos com finais eternamente felizes. Somos a geração que faz terapia e que sabe que nada é para sempre, tudo é mutante. Que leu Lewis Carrol e sabe que não podemos voltar para ontem porque lá éramos outras pessoas. E sabemos inclusive que quando duas pessoas se unem por seus traumas o relacionamento termina quando se curam.
Fiel que é à suas Marias ele volta para suas origens. E assim como quem ama a liberdade também experimenta a solidão, ela volta a ser cidadã do mundo.
O final feliz é saber que a vida continua e que ninguém vai embora de mãos vazias. O que existe em nossa mente é eterno, o passado é eterno. Os dias bons, os amores, tudo que vivemos. Tudo que transformamos no outro e que permitimos transformar em nós é a nossa herança. Todo amor que experimentamos é inesquecível. Entre ideal e real a memória é o elo eterno possível.
Bênocê - Joyce Paiva
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Todo mundo se queixa da falta de dinheiro. A situação está mais pra urubu do que pra pintassilgo. Eu creio que o responsável pelo freio no desenvolvimento cerebral, foi o dinheiro. Quando Dario I inventou o darico, a primeira moeda de que se tem notícia, a coisa degringolou. Com o dinheiro veio a cobiça e com ela, a grande maioria dos nossos males. Se a Humanidade permanecesse no sistema de escambo, talvez não existissem tantos conflitos. Eu acredito que o homem pré-histórico conseguia enxergar no escuro. Todos os outros mamíferos fazem isso. A partir do momento que o Homem aprendeu a produzir o fogo, nós perdemos essa qualidade. Parece que o olho é o órgão mais comodista que existe. Deram claridade para ele e ele se acomodou. Outro dado: os russos descobriram que os recém-nascidos conseguiam ficar mais tempo debaixo d’água. Será que os adultos também não conseguem? Outra dica: a levitação. Os hindus fazem isso a toda hora. Em resumo, eu acho que o ser humano não perdeu totalmente, mas deixou de usar uma série de opcionais desde o começo da Humanidade. E eu culpo ao dinheiro por essa falha na evolução.
Jornal Movimento - Theo de Barros
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Ja tem uns carnavais
Que meu coração não bate,
Que a conta não fecha,
Que não há mais soma
De portas abertas,
E caixa vazio
Buscando um motivo
Que me tire do coma
O mundo?
Não cansa
Rotação incessante
Que gera esperança
Altos e baixos
A vida é uma dança
Onde sem par,
Só nos resta sambar.
Kaio R Paiva
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No traiçoeiro 3- parte 3... gostei muito da sua descrição da desigualde e indiferença de uma sociedade individualista, a parte "câncer de São Paulo" me fez refletir em como a sociedade está doente, sem ao menos saber, quando passo por aquela região me questiono será que o ser humano criou sua própria doença? Ou somos simplesmente animais em busca de sobrevivência com idéias civilizatorias? Gostaria de saber de você, qual o causador desse "câncer" da sociedade? Ass.Kauan
Oi Kauan!! Você já ouviu a frase “O homem é lobo do homem”? É do Thomas Hobbes, e quer dizer exatamente isso, que o homem é o seu maior inimigo. De onde vem as idéias civilizatórias se não de nós mesmos?! Nos primórdios os seres humanos só sabiam caçar pra sobreviver, e com a evolução de tudo nós criamos a religião, o Estado, as leis, o consumo, até a monogamia é contrária ao estado de natureza do homem kkk Mas enfim, nós criamos nossas doenças todos os dias! Vem da desigualdade, vem do consumo, da irracionalidade, da forma totalmente errada de extrair do planeta o que precisamos para sobreviver. Vem da irracional necessidade de bens materiais e status sociais. Nós não só causamos o câncer de São Paulo, como da Terra e da própria espécie humana fadada à extinção.
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Nuvens vermelhas
Alguns sentimentos me dão um certo medo, me deixam receosa. O principal deles é o impacto do desconhecido no dia-a-dia, e neste caso falamos do céu.
A rotina tem me deixado desnorteada. Os números, as planilhas, erros e prazos. É como se o trabalho, o cotidiano e a rotina estressantes me engolissem.
O dia a dia nos engole a ponto de deixarmos de perceber o mundo a nossa volta e seus detalhes mais simples! Outro dia um amigo indagou “já viu o céu de brigadeiro que está lá fora?” não, eu não tinha visto. A partir de então passei a observar o céu, a cidade e tudo em volta estampado na minha cara, debaixo do meu nariz, porém ofuscado pelas frustrações do meu dia.
Ainda assim, hoje ao me ver no meio de mil e um compromissos e afazeres me peguei bebendo uma água a beira da janela, sentindo o vento do fim de primavera no meio da madrugada. Ao olhar o céu me surpreendi ao ver àquela hora da noite nuvens vermelhas no céu.
Aos vinte e três anos, como eu não me lembrava das nuvens vermelhas do céu a noite?!
Voltei para os meus trabalhos, leituras e estudos com a sensação de ter conhecido algo novo. Mas o que deve me preocupar é o retrocesso das percepções cotidianas que se perdem em meio ao caos do dia-a-dia, a insensibilidade às inúmeras riquezas nos cenários que percorremos, nas pessoas que encontramos, no tempo, nos detalhes que se tornam imperceptíveis devido ao nosso adestramento capitalista de “workaholics”
-Joyce Paiva
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Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina.
Cajuína - Caetano Veloso
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OBS!
Caso queira ler “Traiçoeiros III” leia primeiro a parte 1, mais abaixo na tela. E depois a Parte 2 que está acima ;) Sequência crucial! Boa leitura.
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A dualidade que divide o mundo está presente nos meus dias da forma mais expressiva possível, eu vejo, sinto, respiro no ar seco de São Paulo, e ouço entre o barulho das ruas e dos trens percorrendo os trilhos. É preciso uma prática de fé pra não se deixar levar pelos muros frios e céticos da cidade. Por hora, parece que nos perdemos dos nossos pais no meio do mercado. Você olha pra um lado, para outro, e não entende nada.
Eu cheguei em boa companhia à praça da liberdade no meio da famosa feirinha de sábado com muita comida, muitos gringos, dólares e reais espalhados na calçada da Igreja Santa Cruz das Almas dos Enforcados, a liberdade aliás surge como "O largo da forca" devido a prática com os escravos, depois tornou-se praça da liberdade e abrangeu ao bairro. Continue praticando fé, pois hoje apenas se lembra do reduto japonês que ali existe, alteraram até o nome da estação da Liberdade para Japão - Liberdade, mas os negros existiram, tenha fé nisso!
Dai então fomos caminhando pela avenida liberdade conversando sobre os sabores da vida, sobre a igreja, Deus, sobre a cidade linda! Que prazer andar nas ruas de São Paulo, que privilégio essa liberdade, esses olhos que vêem o mundo com beleza, e que paz estar ali! Quando fomos nos aproximando das costas da Igreja da Sé houve ainda mais essa sensação de grandiosidade, de olhar para a ponta das torres da igreja e terminar olhando o céu limpo, infinito e de brigadeiro! É uma viagem no tempo andar pelo centro velho, a arquitetura dos prédios e afins. E neste dia essa tranquilidade nos envolvia.
Tornamo-nos gratos ao que tínhamos visto, ao passeio, ao bem estar, e continuamos caminhando na rua lateral à igreja da Sé, entre a igreja e a Saraiva, que depois passa pela farmácia. Nessa hora já enxergamos que algo grandioso acontecia ali. As estruturas de palco revelaram um show ali perto, e caminhamos com mais curiosidade a partir de então, porém com a mesma calma.
Quanto mais chegávamos perto mais entendíamos o coro, lindo! Um coro lindo! Inúmeras vozes fortes, vozes de negros com a entonação e força que é só deles. Uma melodia incrível, um som gostoso, continuamos caminhando, nos acompanhe. Chegando mais perto a letra da canção dizia em alto e bom tom, e que tom! Tom de entonação e de emoção, força, arrepio na pele.. "Você é um espelho que reflete a imagem do senhor, não chore se o mundo ainda não notou! Já é o bastante Deus reconhecer o seu valor. Você é precioso, mais raro que o ouro puro de Ofir, se você desistiu Deus não vai desistir!!! Ele está aqui pra te levantar se o mundo te fizer cair."
E quando pensamos que o arrepio da música já era a surpresa suficiente chegamos à frente da igreja, à frente do palco a plateia era de mendigos lembrados por Deus, mas talvez esquecidos pelos homens. O clamor era forte, impossível não sentir. As lágrimas vieram aos olhos tão rápido quanto o arrepio na pele. Eles cantavam junto ao coro "Você é precioso.." e suas lágrimas também se fizeram presentes. O louvor era para eles como um grito de socorro numa rua escura e perigosa. "Ele está aqui pra te levantar se o mundo te fizer cair!".
Nós nos calamos, nossos olhos engoliram aquela cena, e a nossa garganta eternizou todo esse discurso que não conseguiu sair da boca. Foi tão forte presenciar esse momento que mal conseguimos permanecer ali. O impacto de uma batida no peito e o refrão ecoando "já é o bastante Deus reconhecer o seu valor!".
A dualidade do mundo está presente nos meus dias, eu vejo, eu sinto!
Traiçoeiros III/ Parte 2. - Joyce Paiva
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Sala São Paulo localizada na Praça Júlio Prestes - SP
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O mundo se divide numa dualidade muito clara entre riqueza e a pobreza, a obesidade das Américas e a miséria da África, o ceticismo e a Fé. É como quando acordamos renovados e à noite depois de nos depararmos com os cenários da cidade vamos dormir apodrecidos, jogando os nossos sonhos na lama.
A melhor cena dessa dicotomia é na estação Júlio Prestes em São Paulo. Quando você sai do vagão se depara de cara com a parede de vidro que divide a estação de trem e o prédio inesquecível da Sala São Paulo. Caminhando ao som que toca ao redor do prédio, de música clássica tocada ali dentro, você enxerga a torre com o relógio que é cartão postal na cidade, na praça Julio Prestes com a Pinacoteca do estado ao lado. Também não deixa de notar a arquitetura de Nelson Dupré, que por um instante nos leva a 1995 e às -nem tão- utopias de Mario Covas. Grave no seu disco rígido que a sala São Paulo é a sede da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, e parafraseando o wikipédia, a sala foi construída nos moldes de altos padrões internacionais, inclusive alguns especialistas consideram-na uma das melhores salas de concerto acústico do mundo.
Continuando na calçada com música ambiente, postes bem iluminados, ao entrar no prédio o piso é de madeira, a visão da entrada é linda, paisagismo, pedras, verde, uma estátua linda de Eleazar de Carvalho, e então passando da bilheteria a primeira visão é dos andares e as pilastras lindas que os sustentam, depois o teto! Com um vitral lindo, uma cor verde, marrom, te faz querer tirar foto. E mais afundo quando você persegue os corredores e chega à sala musical, o impacto é inesquecível! É grande, bonito, amarelo numa cor que agrada aos olhos, relaxa. Quando a orquestra começa a tocar a música entra em você como um vento intenso que penteia os cabelos sem desarrumar, uma brisa gostosa de praia, nada alvoroçada e sim refrescante. De repente você esquece onde está, esquece os problemas, esquece o mundo, e a música transborda em você.
No fim da apresentação é notável a classe social que habita o prédio, as senhoras mais velhas, os homens cordiais -será que Sérgio Buarque se ofende?- as bolsas caras, os sapatos e perfumes. É um mundo diferente. Porém, meu amigo leitor, o nosso passeio não é aqui.
Ao sair do prédio há uma plateia esperando, comece sentindo cheiro forte de lixo e urina que fica na roupa e azeda. Comida podre, catarro, sujeira no cabelo e dentes podres. Ainda na calçada, ao som da Orquestra do Estado, você também está na cracolândia. As barracas inúmeras no espaço aberto, com a polícia simplesmente monitorando, e um jogo lindo de pequenos fios de fogo acendendo os muitos cachimbos dos usuários de craque.
Já viu um lixão? É realmente a cena mais horrível que já exibiram em The Walking Dead. Pessoas desgovernadas, cobertores nos ombros, carrinhos de mercado, cheiro de lixo, urina azeda na roupa. Sorrisos que você nem sabe de onde vem e falas completamente desconexas da realidade: "Que saia linda, eu amo saias". Não pense que não há vida! Há mulheres grávidas estrupadas por usuários de droga, há gritos, vozes, como se fosse uma festa. Tem fumaça, tem choro, tem risadas, tem um show de horrores dual ao que acontece ao lado.
Ao mesmo tempo em que um violino se afina um cachimbo se acende. A polícia assiste, nós assistimos, eles fazem o espetáculo. Aliás, a miséria de um é a riqueza do outro. Será que é difícil entender quando quero dizer que para haver luxo deve haver miséria?
"Uma doença chamada crack" estampa um muro branco com letras em vermelho. É um amontoado de sujeira, doenças, HIV, Lepra, sei lá! Mas tem tudo ali. Se esqueceu da sensação da música clássica? Eu também! Chego a pensar que deveria ser proibido algo tão lindo, caro e único dividir palco com o câncer de São Paulo, mas é a dualidade do mundo. Aqui neste cenário está a dicotomia do mundo, a riqueza e a pobreza, a gula e a miséria, o Dior e a urina azeda, o Lancôme e a boca seca, estourada de tanto fumar, a bolsa cara e o carrinho de mercado, a saúde e doença até que a morte os una na boca das pragas debaixo da terra.
Mas ainda tenho uma história pra contar.
Traiçoeiros III/ Parte 1 - Joyce Paiva
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Se só pudesse ficar com uma coisa na vida, ficaria com a literatura.
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“If I was young, I'd flee this town I'd bury my dreams underground..” !!!!!! <3
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