Don't wanna be here? Send us removal request.
Text

“A minha história é outra, e começa agora. Estou sempre a começar.”
ADÍLIA LOPES 1960-2024
@Alfredo Cunha
10 notes
·
View notes
Text
António Franco Alexandre (1944)

Fica dentro de mim, como se fosse eterno o movimento do teu corpo, e na carne rasgada ainda pudesse a noite escura iluminar-te o rosto. No teu suor é que adivinho o rastro das palavras de amor que não disseste, e no teu dorso nu escrevo o verso em pura solidão acontecido. Transformo-me nas coisas que tocaste, crescem-me seios com que te alimente o coração demente e mal fingido; depois serei a forma que deixaste gravada a lume com sabor a cio na carícia de um gesto fingido. – António Franco Alexandre in Duende (assírio & alvim, 2002)
Nasceu em Viseu, Portugal, em 1944. Estudou matemática em Toulouse, na França, entre 1962 a 1969, terminando sua graduação nos Estados Unidos. É doutor em matemática pela Universidade de Harvard e doutor em filosofia pela Universidade de Lisboa, onde leciona na Faculdade de Letras. O poeta estreou em livro com Distância, uma pequena edição de autor de 1969, mas ao recolher todo o seu trabalho ao fim da década de 90 escolheu não incluir este livro. O próximo livro seria Sem Palavras nem Coisas, em 1974. A estes seguiram-se Cartucho (1976), Os Objectos Principais (1979), Visitação (1983), A pequena face (1983), As Moradas 1 & 2 (1987) e Oásis (1992), reunidos em Poemas (Lisboa: Assírio & Alvim, 1996).
14 notes
·
View notes
Text
Manuel António Pina (1943-2012)

Os gatos
Há um deus único e secreto em cada gato inconcreto governando um mundo efémero onde estamos de passagem
Um deus que nos hospeda nos seus vastos aposentos de nervos, ausências, pressentimentos, e de longe nos observa
Somos intrusos, bárbaros amigáveis, e compassivo o deus permite que o sirvamos e a ilusão de que o tocamos
Manuel António Pina, “Os gatos”, Como se desenha uma casa. Lisboa: Assírio & Alvim @assirioalvim , 2011.
O poeta que gostava de gatos foi jornalista, cronista, escritor de ficção e de literatura infantil. Original e irreverente, Manuel António Pina (1943-2012) recebeu o prémio Camões, um ano antes de morrer.
0 notes
Text
Maria Rosa Colaço (1935-2004)

Outra Margem
E com um búzio nos olhos claros Vinham do cais, da outra margem Vinham do campo e da cidade Qual a canção? Qual a viagem?
Vinham p’rá escola. Que desejavam? De face suja, iluminada? Traziam sonhos e pesadelos. Eram a noite e a madrugada.
Vinham sozinhos com o seu destino. Ali chegavam. Ali estavam. Eram já velhos? Eram meninos? Vinham p’rá escola. O que esperavam?
Vinham de longe. Vinham sozinhos. Lá da planície. Lá da cidade. Das casas pobres. Dos bairros tristes. Vinham p’rá escola: a novidade.
E com uma estrela na mão direita E os olhos grandes e voz macia Ali chegaram para aprender O sonho a vida a poesia.
Maria Rosa Colaço (poema musicado pelos Trovante, no álbum Baile no Bosque, 1981)
Defensora da liberdade e de uma participação cívica activa, era uma escritora com carácter forte, sempre atenta às modificações da sociedade. Através das suas obras principais obras, foi possível olhar para a realidade do país, porque nelas se retratava uma vida de que pouco se falava: da miséria, da fome, da morte, dos maus tratos, das barracas. Dar a palavras às crianças, há cinquenta anos, era uma atitude original, de afronta aos poderes.
0 notes
Text
Maria Alberta Menéres (1930-2013)

Em Louvor da Utopia
Esta certeza de não estar aqui
e o vento
e as desordens prometidas
levantam hoje o muro da utopia
de pedras desiguais, de folhas
e sementes
de corpos de lagartos nevoentos.
Ó doce e colorido e opaco
muro
sem sombra ou dor que nos oculte
o insulto,
o teu momento é belo e foi escolhido
na hora do calor, na febre
mansa
desta hora de sol e desespero.
Esta certeza de não estar aqui
e o vento
e a certeza de não ter ficado
em outras madrugadas,
levantam hoje o muro da utopia
de pálidas palauras já sem mãos,
de gestos pequenissimos
sonhados
na noite imensa do imenso dia.
Maria Alberta Menéres (Vila Nova de Gaia, 1930 - Lisboa, 2019), Água - Memória, 1960.
Maria Alberta Menéres nasceu em Vila Nova de Gaia, em 25 de agosto de 1930. Licenciada em Ciências Histórico-Filosóficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi professora do Ensino Técnico, Preparatório e Secundário, nas disciplinas de Língua Portuguesa e História. Organizou a Antologia da Poesia Moderna Portuguesa (1940/1967), em 1976, e, dois anos mais tarde, a Novíssima Antologia da Moderna Poesia Portuguesa, em parceria com o poeta E. M. de Melo e Castro.
De 1974 a 1986, foi Diretora do Departamento de Programas Infantis e Juvenis da RTP, tendo sido autora e produtora de inúmeros programas. Foi Assessora do Provedor de Justiça, de 1993 a 1998, sendo da sua responsabilidade as primeiras linhas de apoio a crianças e idosos em Portugal. Criadora do conceito e responsável pelo nome do "Pirilampo Mágico", foi autora, durante seis anos, das letras das canções dessa campanha solidária que dura até hoje.
Maria Alberta Menéres é autora de mais de 100 livros infantis e juvenis, muitos publicados pelo Grupo Porto Editora, com merecido destaque para Ulisses, que conta já com 45 edições e mais de um milhão de exemplares vendidos. Fez traduções, adaptações, dezenas de peças de teatro, para além de uma sólida obra de poesia adulta. Em 1986 recebeu o Grande Prémio Gulbenkian de Literatura para Crianças, «pelo conjunto da sua obra literária e a manutenção de um alto nível de qualidade». Em 2010, foi agraciada com a Condecoração da Ordem de Mérito Civil no grau de Comendador.
Faleceu em Lisboa, a 15 de abril de 2019, com 88 anos de idade.
0 notes
Text
Alda Espírito Santo (1926-2010)

Repressão
Os abutres varrem a face da Terra.
Jamais, jamais enquanto vida eu tiver
Poderei esquecer o horrendo dia que esta data simboliza.
Marcada a ferrete dentro de mim
Eu solidarizo-me com todas as vítimas
Que sofreram o mesmo suplício.
Que todas as vítimas imoladas
Possam soltar o canto da libertação.
Caxias, 1965, Alda Espírito Santo, São Tomé e Príncipe (1926) - São Tomé e Príncipe (2010).
Alda Neves da Graça do Espírito Santo foi uma das mais conhecidas poetizas africanas de língua portuguesa, tendo ocupou s cargos de relevo nos governos de São Tome e Príncipe, como o de Ministra da Educação e Cultura, Ministra da Informação e Cultura tendo sido igualmente Deputada.
0 notes
Text
Ilse Losa (1913-2016)
PENSAVA EM MEU IRMÃO
Quando a luz tímida anunciava o novo dia, pensava em meu irmão.
Imaginava-o a olhar o nascer do sol através do postigo gradeado.
Parecia-me vê-lo estremecer ao lembrar-se do tormento que o esperava. E eu sabia que os seus olhos escuros estavam cheios de tristeza e de saudade.
Quando à hora do almoço me juntava aos meus na nossa casa, pensava em meu irmão. Imaginava-o dobrado sobre a tigela grossa, comendo o magro rancho sem gosto. Parecia-me ouvir o berro brutal do guarda para que ele se apressasse. E eu sabia que as suas mãos largas se fechavam num gesto de revolta.
Quando à tardinha a chama da lareira nos aquecia amigavelmente, pensava em meu irmão. Imaginava-o arrepiado de frio na cela sombria e gelada. Parecia-me ver o seu rosto pálido, as mãos que o ar áspero e cortante tornara rígidas. E eu sabia que cerrava os dentes para não gritar o seu ódio surdo.
Quando na noite negra e triste estava estendida no leito, pensava em meu irmão. Imaginava-o na t��bua húmida e dura, que não dava descanso ao seu corpo dorido. Parecia-me que o meu quarto se enchia dos gemidos abafados nas mãos regeladas. E eu sabia que as suas lágrimas quentes caíam amargamente como as minhas.
E, pela noite lúgubre, comunicava-lhe: «Sê forte, meu irmão! Não tarda que as nossas mãos se unam de novo! Não tarda que o sol se levante também para ti e que as tuas lágrimas se acabem. Hás-de viver, irmão!»
Os meus pensamentos, penetrando a noite escura, alcançavam meu irmão; fechavam-lhe os olhos ardentes como uma mão subtil e fresca. E então o sonho, com as imagens de tempos idos, envolvia no seu manto caridoso, por umas curtas horas, meu pobre irmão.
Ilse Losa (Buer, Melle, Alemanha, 1913 - Porto, 2006), Grades Brancas (poemas em prosa), Lisboa: Centro Bibliográfico - Cancioneiro Geral, 1951, pp. 23-25. Membro da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos
Ilse Losa nasceu na Alemanha. Frequentou o liceu em Osnabruck e Hildesheim e depois um Instituto comercial em Hannover. A sua qualidade de judia criou-lhe embaraços no seu país, de onde foi forçada a sair. Na Inglaterra teve os primeiros contactos com escolas infantis e com os problemas das crianças. Refugiou-se em Portugal, aqui casou, adquirindo a nacionalidade portuguesa. A sua já vastíssima obra inclui romances, contos, crónicas, trabalhos pedagógicos e literatura para crianças. Tem colaborado em diversos jornais e revistas, alemães e portugueses, está representada em várias antologias de autores portugueses e ela própria colaborou na organização e traduziu antologias de obras portuguesas publicadas na Alemanha. Traduziu do alemão alguns dos mais consagrados autores. Em 1984 recebeu o Grande Prémio Gulbenkian, premiando o conjunto da sua obra para crianças. Alguns dos seus livros estão também publicados na Alemanha e em França.
0 notes
Text
Maria Eugénia Cunhal (1927-2015)

Quando vieres Quando vieres Encontrarás tudo como quando partiste. A mãe bordará a um canto da sala... Apenas os cabelos mais brancos E o olhar mais cansado. O pai fumará o cigarro depois do jantar E lerá o jornal. Quando vieres Só não encontrarás aquela menina de saias curtas E cabelos entrançados Que deixaste um dia. Mas os meus filhos brincarão nos teus joelhos Como se te tivessem sempre conhecido. Quando vieres Nenhum de nós dirá nada Mas a mãe largará o bordado O pai largará o jornal As crianças os brinquedos E abriremos para ti os nossos corações. Pois quando tu vieres, Não és só tu que vens É todo um mundo novo que despontará la jora Quando vieres...
Silêncio de Vidro, Lisboa: 1962
Nascida a 17 de Janeiro de 1927 em Lisboa, foi professora de inglês, tradutora, jornalista e escritora, filha de Mercedes e Avelino Cunhal, e irmã de Álvaro Cunhal, desde sempre conviveu com a luta antifascista e com os ideais da liberdade e da democracia, cedo conheceu a realidade da repressão fascista, com apenas dez anos visita o seu irmão Álvaro Cunhal na prisão.
Maria Eugénia Cunhal foi presa pela PIDE com 18 anos, e foi várias vezes detida para interrogatórios, quando o seu irmão Álvaro Cunhal se encontrava na clandestinidade.
Quando questionada sobre quando abraçou o ideal comunista, respondeu “É difícil dizer. Porque, no fundo, acho que sempre fui comunista, desde que tenho cabeça para pensar. Mas muito cedo, a minha opção foi tomada muito cedo, sem dúvida nenhuma.”
Maria Eugénia Cunhal é autora das obras O Silêncio do Vidro (1962), a História de Um Condenado à Morte (1983), As Mãos e o Gesto (2000), Relva Verde Para Cláudio (2003) e Escrita de Esferográfica (2008).
Publicou entre 1947 e 1951, na revista Vértice, vários poemas com o pseudónimo de «Maria André».
Fez a primeira tradução portuguesa dos contos de Tchekov, Os Tzibukine (1963).
#Maria Eugénio Cunhal#Álvaro Cunhal#Poesia#literatura portuguesa#25 de abril de 1974#50anos25Abril1974
6 notes
·
View notes
Text
Matilde Rosa Lopes de Araújo (1921-2010)
CÃES-POLÍCIAS
Passavam na Avenida da Liberdade Cães-polícias para acossarem os homens Jovens homens E cabeças de cães sem número foram afagadas por minhas mãos Seus olhares de ternura que não sobra aos humanos E de meus olhos caía o verdete das lágrimas Enraivecidas dos homens Dos ódios Que enraivecem os olhos dos cães
Voz Nua, Lisboa: Horizonte, 1986.
Escritora e pedagoga portuguesa, de seu nome completo Matilde Rosa Lopes de Araújo, nascida em 1921, em Lisboa. Tendo feito os seus estudos liceais com professores particulares, licenciou-se em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa em 1945. Teve ainda uma apurada formação musical, com a frequência do Curso Superior do Conservatório da mesma cidade. Personalidade sempre ligada à escrita e ao ensino, foi professora do Ensino Técnico-Profissional durante longos anos, encarregando-se também da formação de professores, nomeadamente na Escola do Magistério Primário de Lisboa e no âmbito da literatura para a infância. Enquanto cidadã, dedicou-se aos problemas da criança e à defesa dos seus direitos. Tendo iniciado a sua vida literária ainda no tempo da frequência universitária, Matilde Rosa Araújo colaborou abundantemente em várias publicações periódicas ao longo das décadas seguintes. Por outro lado, o conjunto dos seus livros (de poesia e narrativa) constitui um dos mais significativos trabalhos de sempre da literatura portuguesa para e sobre a infância e a juventude. De entre as cerca de três dezenas de títulos publicados, merecem destaque, pela fina sensibilidade que revelam à vivência da infância, obras como O Livro da Tila (1957), O Palhaço Verde (1962), História de um Rapaz (1963), O Reino das Sete Pontas (1974), A Velha do Bosque (1983) e, de 1994, As Fadas Verdes e O Chão e a Estrela.
0 notes
Text
Fiama Hasse Pais Brandão (1938-2007)

BARCAS NOVAS
En Lixboa, sobre lo mar barcas novas mandei lavrar. Ai, mia senhor velida!
En Lixboa, sobre lo ler barcas novas mandei fazer. Ai, mia senhor velida!
Barcas novas mandei lavrar e no mar as mandei deitar. Ai, mia senhor velida!
Barcas novas mandei fazer, e no mar as mandei meter. Ai mia senhor velida! João Zorro
Lisboa tem barcas agora lavradas de armas
Lisboa tem barcas novas agora lavradas de homens
Barcas novas levam guerra as armas não lavram terra
São de guerra as barcas novas ao mar mandadas com homens
Barcas novas são mandadas sobre o mar
Não lavram terra com armas os homens
Nelas mandaram meter os homens com sua guerra
Ao mar mandaram as barcas novas lavradas de armas
Em Lisboa sobre o mar armas novas são mandadas
Barcas Novas, Lisboa: 1967
Dramaturga, tradutora e poeta, formada em Filologia Germânica na Universidade de Lisboa, exerceu actividade de investigação na área da literatura e da linguística. Revelou-se com "Morfismos", no âmbito da iniciativa Poesia 61, colectânea que reflectia uma tendência poética atenta à palavra, à linguagem na sua opacidade, na busca de uma expressão depurada e não discursiva. A criação poética de Fiama Hasse Pais Brandão impõe-se pela busca de uma expressão original, onde as palavras tentam evocar uma essência perdida, anterior à erosão do tempo e do uso corrente. A desconstrução das articulações do discurso e a sua metaforização provocam um estranhamento que conduz o leitor a despir a linguagem da sua convencionalidade e a entrever o acesso pela palavra pura a um tempo primordial. O critério de "amor pela leitura" que presidiu à versão de Cântico Maior pode, por extensão, ser aplicado à obra da autora que apresenta como fontes de emoção poética "o texto que cabe na pupila: o simultâneo, a grande cena das metáforas e das comparações, a Visão multiforme do Conhecimento (pus no coração a Sabedoria de Ezra), que é parcelar nas palavras e nas imagens e que só por acumulação diurna e através da absorção pupilar (como a do ar) tende para o Todo." ("Do prefácio de Cântico Maior", reproduzido em "Apêndice" a Obra Breve, 1991). Sob o Olhar de Medeia, a obra que marca a primeira incursão no romance por parte desta autora, foi publicado em 1998. Faleceu em Lisboa no dia 19 de Janeiro de 2007.
1 note
·
View note
Text
Júlio de Melo Fogaça (1907-1980)
Júlio Fogaça, filho de uma família rural abastada, chegou a ser durante alguns anos um dos principais dirigentes do Partido Comunista Português na clandestinidade, no período da ditadura de Salazar.
Esteve preso várias vezes, tendo sido desterrado para o Tarrafal.
A sua vida política terminou quando foi preso pela PIDE (a polícia política) uma última vez, em 1960, na Nazaré, onde se tinha deslocado com o seu namorado.
Júlio de Melo Fogaça é ainda hoje um nome quase desconhecido em Portugal.
0 notes
Text
Maria Velho da Costa (1938-2020)

REVOLUÇÃO E MULHERES
Elas fizeram greves de braços caídos. Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta. Elas gritaram à vizinha que era fascista. Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas. Elas vieram para a rua de encamado. Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água. Elas gritaram muito. Elas encheram as ruas de cravos. Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes. Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua. Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo. Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas. Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra. Elas choraram de verem o pai a guerrear com o filho. Elas tiveram medo e foram e não foram. Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas. Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro urna cruzinha laboriosa. Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões. Elas levantaram o braço nas grandes assembleias. Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos. Elas disseram à mãe, segure-me aqui os cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é. Elas vieram dos arrebaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada. Elas estenderam roupa a cantar, com as armas que temos na mão. Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens. Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam. Elas acendem o lume. Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado. São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.
in Cravo (1976)
Considerada uma das grandes vozes renovadoras da literatura portuguesa desde a década de 1960, Maria Velho da Costa foi autora de contos e de teatro, destacando-se sobretudo no romance. Escreve "Novas Cartas Portuguesas" com Maria Isabel Barreno e Maria Teresa Horta - tratado sobre os direitos das mulheres em Portugal - e que lhes valeria um processo judicial, suspenso depois da revolução de 25 de Abril de 1974.
16 notes
·
View notes
Text
Raul d'Oliveira Sousa Leal (1886-1964)
Raul Leal nasce em Lisboa a 1 de setembro de 1886. Seus pais Alfredo de Sousa Leal (diretor do Banco de Portugal) e de D. Adelaide Cristina Lambruschini (sobrinha de Lambruschini, cardeal responsável pela direção da Biblioteca Vaticana), recebe uma educação luxuosa tendo vivido num palácio. Estuda Direito na Faculdade de Direito de Coimbra, formando-se em 1909.
Próximo de Fernando Pessoa, consegue participar do movimento moderno-futurista de Orpheu e também do Portugal Futurista em 1917.
Em 1923 envolve-se no polémico caso dos poetas de sodoma, tendo sido apreendidas as edições de “Canções" de António Botto, "Sodoma Divinizada” e também “Decadência" de Judith Teixeira.
A 18 de agosto de 1964, aos 77 anos, o autor de Sodoma Divinizada falece na capital, depois de alguns meses hospitalizado nos Capuchos, e acabar com os ossos na vala comum do cemitério do Lumiar, onde foi sepultado.
Colaborador de Orpheu, Centauro ou Portugal Futurista, Raul Leal pouco publicou no domínio da poesia - toda ela escrita em francês -, mas ainda se pode considerar, como de si afirmou Jorge de Sena, "um dos mais típicos e significativos representantes da integral aventura espiritual a que muitos participantes de tais movimentos se não atreveram nunca."

Da direita para a esquerda: Fernando Pessoa, Augusto Ferreira Gomes, António Botto, Raul Leal e outros dois amigos no Martinho da Arcada em 1928.
Quem sou? Ao meu fidalgo amigo Fernando Pessôa Nasci de um beijo ardente e criminoso: Havia em quem o deu a ansiedade Que têm os velhos, a mocidade Fugia-lhe e com ela, a vida e gozo. Em quem o recebeu, o voluptuoso Enleio de donzela, e a ingenuidade Do mistério sagrado nessa idade Em que tudo sorri, tudo é formoso. Um dia… a flôr caiu e o zangão voou E, do seu cálice eu nasci sosinho, E assim fiquei, na terra, aonde estou Abandonado e só sem ter um ninho Sem ter ninguém, sem ter amor, quem sou? Só o semen caído no caminho. -Inéditos de Raul Leal, Dedicatórias a Fernando Pessoa
1 note
·
View note
Text
Carolina Maria de Jesus (1914-1977)

"Todos tem um ideal. O meu é gostar de ler."
- Carolina Maria de Jesus, Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada Carolina
Maria de Jesus (1914-1977) nasceu no dia 14 de março de 1914, e é uma das autoras brasileiras mais reconhecidas.
Na imagem, num encontro com Clarice Lispector em 1960, lançava “Quarto de Despejo: Diário de uma Favelada”, considerado um importante documento histórico e literário que oferece uma visão única das condições de vida nas favelas brasileiras naquela época.
No livro, um relato autobiográfico da autora na favela do Canindé, em São Paulo, descreve as condições de vida difíceis, a pobreza extrema, a fome e as lutas diárias para sobreviver.
Uma das primeiras escritoras negras a alcançar reconhecimento no país, o livro ganhou destaque por retratar a vida de uma mulher negra e pobre no Brasil durante os anos 1950 e 1960. Além do imenso sucesso editorial, o seu livro foi traduzido em diversas línguas e ainda hoje inspira por todo o mundo.
7 notes
·
View notes
Text
As Três Marias: Maria Teresa Horta (1937), Maria Isabel Barreno (1939-2016) e Maria Velho da Costa (1938-2020)

Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa (1972)
“Minhas irmãs: Mas o que pode a literatura? Ou antes: o que podem as palavras? (…) Que tempo? O nosso tempo. E que arma, que arma utilizamos ou desprezamos nós? Em que refúgio nos abrigamos ou que luta é a nossa enquanto apenas no domínio das palavras?"
Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta, Maria Velho da Costa (Novas Cartas Portuguesas, 1980)
No Dia Internacional da Mulher, no ano das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril de 1974, evocamos Novas Cartas Portuguesas, obra que celebra cinquenta e dois anos e que demonstra o poder e ousadia das palavras na luta feminista e antifascista no país.
Um livro escrito por três mulheres que, por ousarem denunciar o silêncio, a exploração e violência que a identidade feminina era sujeita neste país, foram alvo de perseguição e censura política. Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa mostravam ser rostos da clandestinidade e emancipação feminina na época. Hoje, cinco décadas após a queda de um regime fascista com quase a mesma duração, celebramos a ousadia destas mulheres sem esquecer todas aquelas que permanecem emersas numa clandestinidade e precariedade que a norma obriga.
Resgatamos o poder da palavra como palco do empoderamento e alteridade feminina. São oito livros que escolhemos para assinalar este dia mas, também, este mês que é destinado a assinalar a história das Mulheres.
Jornalista Fialho Gouveia entrevista as escritoras Maria Teresa Horta, Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa sobre o caso "Três Marias", centrado no julgamento de que foram alvo após a publicação do seu livro "Novas Cartas Portuguesas" em 1972.
#Novas Cartas Portuguesas#Maria Teresa Horta#Maria Velho da Costa#Maria Isabel Barreno#25 de abril de 1974#8 de março#Dia Internacional da Mulher
10 notes
·
View notes
Text
José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos (1929 — 1987)

“O que é preciso é criar desassossego. Quando começamos a criar álibis para justificar o nosso conformismo, então está tudo lixado! (…) Acho que, acima de tudo, é preciso agitar, não ficar parado, ter coragem, quer se trate de música ou de política. E nós, neste país, somos tão pouco corajosos que, qualquer dia, estamos reduzidos à condição de ‘homenzinhos’ e ‘mulherzinhas’. Temos é que ser gente, pá!”.
José Afonso em entrevista a José Carlos de Vasconcelos, in «Se7e», 27/11/1985
Poeta, cantor e compositor, José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos, José Afonso ou apenas e só Zeca Afonso é uma das vozes da resistência fascista. Cantou temas como "Vampiros", "A Morte Saiu à Rua", ou "Grândola, Vila Morena" um hino de utopia e libertação.
Recordamos, também, "Cantar Alentejano", música que Zeca Afonso dedica a Catarina Eufémia (1928-1954), mártir da luta popular contra o regime de Salazar.
Cataria Eufémia era uma trabalhadora agrícola portuguesa que, na sequência de uma greve de assalariadas rurais, foi assassinada com três tiros quase à queima-roupa. Catarina tinha 26 anos, três filhos, um dos quais de oito meses (ao seu colo quando foi baleada) e estava grávida de um quarto.
No dia de hoje, como sempre, recordamos o nosso amigo Zeca, símbolo da revolução de Abril.
🌹🌹🌹
0 notes
Text
Isabel de Sá (1951- 71 anos)

Será no próximo século?
O nosso amor arrasou cidades. Éramos
muito jovens e pensávamos assim.
O mundo pertencia-nos. Ninguém
percebia mas nós vivíamos contra
tudo - era um acto político.
Assim alguns seres no mundo
construíram vidas, amaram
e sofreram isolados, por vezes
espoliados, queimados na fogueira.
Mas o nosso amor resistirá
às fronteiras, aos muros de fogo
e à injustiça. Gostaríamos de viver
o tempo da verdadeira transformação,
da felicidade universal
A Alegria da Dúvida (Exlamação, 2021)
Isabel de Sá, poeta, artista plástica, representada em Colecções Privadas e Pública, e com publicações reunidas em antologias como Os Cem Melhores Poemas Portugueses dos Ultimos Cem Anos, organizada por José Mário Silva; Do Corpo: Outras Habitações, organizada por Ana Luísa Amaral e Marinela Freitas; Manu Scripta, Antologia de Poemas Manuscritos/90 Anos da Sociedade Portuguesa de Autores e O Real Arrasa Tudo, Colecção Elogio da Sombra, dirigida por Valter Hugo Mãe, é das escritoras portuguesas que escrevem poesia politicamente implicada com a condição homossexual.
1 note
·
View note