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Imagem: Ana Klipper / Unsplash

MÃO

O mundo é grande,

e eu sempre quis

ser tão grande quanto.

Uma criancinha com

suas mãos pequenas

agarrando todos os livros

pra treiná-las a agarrar

um planeta inteiro

– talvez mais.

Eu tentei.

Usei toda a força

que eu tinha

– talvez mais.

Até que,

de quem estende a mão,

me transformei em quem

precisa da mão estendida.

Onde cada um só corre

pra agarrar o seu,

onde nenhuma mão

é treinada pra pegar

na que está do lado:

aqui estou eu,

desvivendo meus sonhos

e me tornando o alvo

de quem sonhei me tornar.

Não precisa me julgar

porque eu não pego barcos,

não marcho longas distâncias,

num dia me posiciono

e no outro desapareço

– eu mesma já me julgo,

faço esse trabalho por você.

Agora eu faço parte

de toda a gente que precisa

ser vista, ouvida, cuidada.

Vai te sobrar tempo?

Vai te sobrar jeito?

Vai te sobrar mão?

(Lena Five - 22/06/2025)

‒‒‒

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Imagem: Roman Mager / Unsplash

NÃO É SOBRE VOCÊ (OU TALVEZ SEJA)

Talvez eu só devesse

parar de me explicar tanto.

É, é isso. Parar de me explicar.

Porque, de onde nenhuma explicação vem,

nenhuma explicação é esperada.

E por que é que eu me importo

com se você me entendeu, mesmo?

Talvez eu não devesse ceder tanto

a enfileirar meus pensamentos numa

ordem lógica para que você compreenda.

Você só compreende o que você quer,

esteja fácil ou não de entender.

E não, não estou falando de...

– olha eu aqui querendo me explicar de novo.

(Lena Five - 23/06/2023)

‒‒

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Imagem: Liana S / Unsplash

NEM SE ATREVAM

Eu distribuí pedaços

da essência da minha alma

embrulhados com a beleza

que minhas mãos físicas

não conseguem reproduzir.

Eu escavei o máximo

da minha inteligência

e me tornei a melhor

em resolver questões

que eram suas, não minhas.

Eu tirei de dentro do peito

todas as esperanças

do meu coração

e esperei,

esperei,

esperei

que vocês as

unissem

com as suas.

Mas vocês quiseram

a minha novela das seis,

o meu Cidade Alerta,

o meu Notícias Populares.

Não lamentem quando

a fonte secar,

e nem se atrevam

a chorar por mim.

(Lena Five - 13/05/2025)

‒‒

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Imagem: Thais Domingues / Unsplash

CÁLCULO

Não se doa pela métrica.

Não estou tentando fazer poesia.

Mas se quem me lê sente esse gosto…

Bom, a culpa não é minha, é?

(Lena Five - 23/06/2023)

‒‒

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Imagem: Heather Newsom / Unsplash

INTOCÁVEL

Vocês não me tocam

por dois motivos:

Ou porque não se importam

– e dispenso qualquer lágrima

que venha de vocês.

Ou porque têm medo de me quebrar

– e não sabem que um ser intocado

é o mais quebrado dos seres.

(Lena Five - 18/05/2025)

‒‒

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Imagem: Anna Nesterova / Unsplash

Em 23/02/2022, no Senado, discutia-se o uso de constelação familiar em serviços públicos. No dia seguinte, eu escrevia:

O QUE NEM AS ESTRELAS QUEREM

Pra você ver…

Pra quem joga a bala no quintal,

quem bota o doce no pé da árvore,

igual fazia a avó e a avó da avó,

pra ver se os erês têm pena da criança

e deixam ela dormir em paz

‒ pra esse, “chuta que é macumba”!

Mas pra quem olha a criança

que não aguenta a manhã inteira

sentada na escola olhando pra frente,

estudando num livro desatualizado

há quatro anos e comendo uma

merenda vencida superfaturada,

e briga e provoca e grita…

Pra quem diz que essa criança

é assim porque o feto que veio antes

reivindica o “primeiro lugar” na família,

aquele feto que teve que morrer quando

o pai evaporou e a mãe se desesperou

‒ pra esse, dinheiro público,

voz no Senado,

agenda aberta no SUS.

Quando o francês olhou pro africano

e resolveu que queria fazer tudo diferente

e não ser associado com aquilo,

chamou de animismo, de superstição,

disse que era tudo desnecessário

porque é a cabeça que faz o trabalho.

Tingiu tudo de ciência e hoje é famoso.

Quando o alemão olhou pro africano

e resolveu que

até queria fazer parecido,

mas também não queria

ser associado com aquilo,

roubou o que viu,

botou os dogmas dele,

disse que existe uma só lei da vida

pra toda pessoa desse mundo.

Também tingiu tudo de ciência

e hoje é famoso também.

Ontem o alemão foi defendido no Senado

por gente que citou o nome do francês.

E quando o africano aparece ali,

pra ele, sobra o quê?

“Macumba não mata crente,

Jesus Cristo é o Senhor deste país!”

Uma cultura que nunca quis ser ciência,

que queria continuar cultura,

cultura importante,

cultura viva que preserva a vida,

é apagada debaixo dos pés

de quem escolhe o que é pecado,

de quem escolhe o que é aceitável,

de quem diz que um branco de 17 anos

é que foi o messias escolhido

pra acolher os guias que “ninguém” queria.

Enquanto isso, uma crença

montada de pedaços de mortos

de quem até o nome já esqueceram

e que costura em si mesma palavras difíceis

pra se vestir de uma ciência

que só os “inteligentes” podem ver

‒ mas que não existe,

igual à roupa nova do imperador ‒

mereceu ser defendida

como tábua de salvação

pra todos que estão se afogando

nas filas intermináveis

dos serviços de saúde mental

e dos serviços jurídicos deste país.

(Lena Five - 24/02/2022)

‒‒

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Imagem: Abigail Lynn / Unsplash

OLHA ELA

“Olha ela!!!”

Ela vomita

de costas e

no escuro

pra continuar

dançando

de frente

pra quem está

olhando pra ela.

“Olha ela!!!”

Ela reaproveita

estéticas com

muletas e bengalas

porque é bonito,

mas também

porque o corpo

precisa ter

onde se apoiar.

“Olha ela!!!”

Ela cria

coreografias

deitada,

tão lindas

quando jogadas

nas telas,

mas que também

poupam o esforço

de mais uma

dança.

“Olha ela!!!”

Ela pede

espaços,

faz silêncio,

diz que “não”,

pra estar pronta

pra você poder

olhar pra ela.

“Olha ela!!!”

Pra olhar pra ela,

você não olha

pros lados,

empurra gente

como coisa,

impede gente

de olhar,

derruba o pouco

que deram

pra quem é

igual a ela

pra que também

pudessem

olhar pra ela.

“Olha ela!!!”

Você olha,

escuta e

persegue,

mas não

entende

o que ela diz.

Se ela não

estivesse

no alto,

você pisaria

nela também.

Você é igual

a quem?

(Lena Five - 05/05/2025)

‒‒

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Imagem: Talia Cohen / Unsplash

ESSE SEU "SHALLOW NOW"

É óbvio que você gosta da superfície.

Não precisa nem botar a ponta

dos dedos na água pra saber se

está fria ou quente demais.

Você dá aquela olhada,

encontra algo reconhecível,

cumprimenta por educação e

segue seu caminho sentindo

que já fez sua boa ação do dia.

Mas a vida não é feita só de superfícies

e nem só das suas próprias profundezas.

Quando você estiver se afogando por

ter se recusado a aprender a nadar,

quem é que vai estender a mão?

Eu garanto que não será quem ficou

só no rasinho como você.

(Lena Five - 23/07/2023)

‒‒‒

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Imagem: Denise Jans / Unsplash

PETULÂNCIA

Que petulância crer-se

capaz de ajudar alguém.

As metas de chegada

de cada pessoa

são insondáveis.

E a sua ajuda é

aquela que pode

desviá-las do caminho

irremediavelmente.

(Lena Five - 01/10/2024)

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Imagem: Ruth Gledhill / Unsplash

SOBERANA

Entre as infinitas possibilidades do Caos,

eu caminho soberana pelas que me são

mais favoráveis. A cada cruzamento,

rodopio animada vislumbrando os caminhos inexplorados, e meus passos se atraem

como ímãs para aqueles que me farão feliz.

Minha fraqueza vai diante de mim,

franzina menina que gargalha alto e irônica

daqueles que se julgam melhores que eu.

Eles não sabem que, sem mim,

o Tudo não seria o Tudo.

(Lena Five - 25/09/2024)

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Imagem: Sonika Agarwal / Unsplash

OS FRACOS

O forte só existe

porque o fraco existe.

Sem o fraco,

quem o forte intimidaria?

Quem o bom ajudaria?

Quem o santo converteria?

Nomes que fazem tremer

não se fizeram sozinhos:

foram os fracos que construíram

os caminhos por eles trilhados.

São os fracos que sustentam

em seus ombros o peso do nome

dos santos, dos bons e dos fortes.

Só os fracos podem fazê-los cair.

(Lena Five - 24/09/2024)

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Imagem: Parastoo Gheisari / Unsplash

MEU LUGAR ESPECIAL

Era o melhor dia do ano.

Muito melhor que o Natal.

Se alguma vez cheguei a

reclamar da obrigatoriedade

daqueles passeios,

não guardei lembrança.

Também não me lembro

de nem um dia sequer

em que tenha chovido

– o sol mais iluminado

nos acompanhava

do início ao fim.

As fileiras de intermináveis

retângulos, de mármore,

de azulejo ou de cimento apenas,

eram o meu lugar especial,

mesmo que eu nunca tenha

aprendido seus caminhos.

Tudo atraía meus olhos:

as fotos antigas,

os nomes e as datas,

as esculturas repetidas,

os cães e os gatos.

Ah… Os cães e os gatos!

Sonolentos ou se esgueirando

por frestas surpreendentes,

sempre ali, sempre presentes.

Nunca me permitiram passar

a mão em nenhum deles…

Talvez os tantos que eu trouxe

pra casa já mais velha tenham

sido uma secreta vingança

por tamanha vontade insatisfeita.

Depois de muitos tropeços

nas irregularidades do chão

– afinal, era o único lugar em

que eu não caminhava

olhando pra baixo –,

o passeio chegava ao fim.

Um ano inteiro de espera até

o próximo dois de novembro.

(Lena Five - 02/08/2023)

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Imagem: Possessed Photography / Unsplash

SAGITTARIA

Não há vergonha

em ser a prímula,

nem mesmo em

ser a mãe sem nome.

Todos veem a seta

certeira que voa longe,

mas poucos conhecem

o passado e futuro.

Nem todos

podem ser fortes

em um mundo

de mentiras.

Nem todos

podem ser fortes

nem sequer em um

mundo de verdades.

Quase ninguém percebe

a beleza que há

na fraqueza de agora.

Perceba você.

(Lena Five - 05/01/2025)

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Imagem: Nathália Rosa / Unsplash

MATÉRIA-PRIMA

Eu não sou

matéria-prima

pra você pegar

minhas partes,

meu corpo,

minhas dores

e minha história,

manipular como

bem entender,

enlatar e botar em

todas as prateleiras

pra encher seu

rabo de grana

enquanto o alvo

continua sendo eu.

(Lena Five - 28/04/2025)

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Imagem: Ashley Levinson / Unsplash

CONFIA OU VAZA

Se tem uma coisa

que eu odeio

é me sentir testada,

mas continuo com

essa mania de

querer ser aprovada.

Ah, que inferno!

Um voto de confiança

é tão difícil de dar?

Tudo e todos têm

que ser do jeito que

a sua cabeça criar?

Quem diabos é você

pra achar que pode

subir e se sentar

no alto do Coliseu

pronto a mostrar

seu maldito polegar?

Pra cima ou pra baixo,

decidindo sobre vidas

que nunca conheceu,

tratando gente como pedras

a serem tiradas do terreno

em que você quer construir

o que considera só seu.

Já chega! Ser testada

nunca me trouxe nada,

só machucou e doeu.

Vê se vaza, porque,

se ficar por perto,

quem vai te testar

agora sou eu.

(Lena Five - 09/12/2024)

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Imagem: Yannick Pulver / Unsplash

MEU LEGADO

Eu servi café em um bar pra albergados,

por 25 centavos o pequeno

e 50 centavos o grande.

Expliquei as diferenças entre

xampus e condicionadores,

mostrei os diferentes perfumes

e desodorantes pra ajudá-los a escolher.

Com albergados também li contos,

discuti literatura e sabedoria de vida.

Eu ensinei o alfabeto ocidental

pra imigrantes de origem árabe

vivendo na Itália. Eles arregalavam

os olhos de surpresa quando

eu respondia “Aleicum Salaam”

aos seus cumprimentos

(coisa que aprendi desde criança,

na escola onde eu tive

a sorte de estudar com colegas

de culturas diferentes da minha).

Eu ajudei filhos de imigrantes

a fazer a lição de casa.

“Podemos começar com matemática?

A minha mãe não sabe me ajudar”,

disse o menino de origem árabe.

E fomos com a matemática,

difícil também pra mim.

Ele terminava tudo rápido e corria

pra prateleira de livros ou

pro globo do mundo

me perguntando os países.

“Você é muito inteligente”, eu disse.

“É mentira”, ele respondeu,

“nunca ninguém me disse

que eu sou inteligente”.

Tinha a menina do Leste Europeu

e a menina da África

que eram melhores amigas,

e que gostavam de vir me

perguntar coisas quando

conheciam outras brasileiras.

E as irmãs adolescentes da Etiópia,

que talvez estranhassem minhas roupas

tanto quanto eu estranhava as delas,

e que gostavam de vir

tentar conversar comigo

nos nossos italianos enrolados.

Eu recebi mulheres vulneráveis

pra passar a noite em um

lugar quente e seguro.

Algumas delas tinham ido

parar na Europa como

vítimas do tráfico humano.

Eu servia o jantar à noite

e de manhã um chá quente.

Às vezes tinha que lidar

com os conflitos entre

as diferentes culturas,

e às vezes tinha que lidar

com uma moça nigeriana

tão cheia de hostilidade

quanto de feridas internas.

Eu tratei com rispidez e grosseria

adolescentes de classe média

só pra mais tarde eles descobrirem

que era tudo uma dinâmica

pra mostrar a eles como

o mundo tem funcionado.

Eu cuidei de adolescentes

endurecidos enquanto eles

faziam voluntariado a mando

da escola da qual tinham

sido suspensos.

“Seu nome é nome de homem!”,

uma delas (italiana) me disse,

como se isso fosse me ofender.

Eu reescrevi e cantei

pelas ruas de São Paulo

em um microfone

marchinhas de Carnaval

com mensagens que tentavam

fortalecer os laços de uma comunidade,

ao som de uma bateria de sucata

que eu ajudei a ensaiar

sem saber percussão.

Eu traduzi para o português

um livro que fala dos horrores

do genocídio armênio

(às vezes eu tinha que parar

por não aguentar o que estava lendo),

e que está por aí em suspenso,

esperando o dia em que será publicado.

Eu traduzi um TCC que se tornou

um livro que incentiva cada pessoa

a olhar o outro com humanidade.

Eu revisei um mestrado que

se tornou uma das obras mais

importantes para a preservação

das culturas de terreiros no Brasil.

Houve muitas outras coisas,

muitos outros acertos

e muitos mais erros no

caminho até aqui.

Mesmo nos erros,

quem pode dizer

que eu não tentei?

Meu nome não é conhecido,

ninguém sabe se um dia será.

Mas meu legado está feito.

(Lena Five - 06/11/2024)

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Imagem: Annie Spratt / Unsplash

SOTERRADA

A cabeça pesada

afunda o travesseiro

até debaixo da terra.

E eu, soterrada,

não reclamo nem sequer

do que me impede de

buscar o ar.

A exaustão é assim: às vezes,

transforma a gente

em semente, mesmo.

(Lena Five - 06/12/2024)

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