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Prof. Dr. Pedro Cáceres debate sobre a gestão consciente, em conferência na Pontifícia Universidade de Goiás.
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Conferência: Gestão e Cuidado da Vida - PUC Goiás
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Conferência: Gestão e Cuidado da Vida - PUC Goiás
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FRATERNIDADE E POLÍTICAS PÚBLICAS
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O ESPELHO DE TESEU
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Rap da Mulher Afegã Legendado em Português (BR)
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DEVANEIO
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Sanções mais duras reduzem a taxa de criminalidade?
Pesquisa realizada pelo Ibope entre os dias 28 e 31 de julho revela que 46% da população brasileira é favorável a adoção da pena de morte. Em relação à pena de prisão perpétua, o índice de brasileiros que defendem sua instituição é de 69%.
A referida pesquisa constatou que a maioria dos entrevistados acredita que o aumento da criminalidade decorre, principalmente, da impunidade, que deve ser combatida com políticas de “tolerância zero” e com penas mais duras.
Ante o atual panorama da elevada criminalidade registrada em nosso país, não surpreende que a população manifeste nas pesquisas de opinião o desejo de sanções mais duras, inclusive a pena de morte e a pena de prisão perpétua.
O constante aumento da criminalidade, sobretudo da criminalidade violenta, proporciona aos cidadãos o sentimento cada vez maior de insegurança (vulnerabilidade), agravado por informações frequentemente exageradas e sensacionalistas dos meios de comunicação de massa sobre fatos violentos, o que provoca enorme angústia diante do temor de ser vítima de um delito (vítima em potencial).
Registre-se, aliás, que o mass media contribui significativamente para a elevação da mentalidade penal da população, posto que infunde nos indivíduos a falsa ideia de que uma dura política sancionatória pode reduzir a criminalidade.
A demanda da população por penas mais duras será aqui examinada sob o seguinte prisma: se mediante sanções mais duras se pode reduzir a taxa de criminalidade. É dizer, se sanções mais severas são realmente eficientes e conduzem à meta desejada de diminuir a delinquência.
Desde o final da Segunda Guerra Mundial, a maioria dos países do ocidente registrou, em maior ou menor medida, um crescimento contínuo da taxa de criminalidade. Esse aumento teve como resposta imediata uma política de sanções mais severas.
Nessa linha, merece destaque o movimento punitivista conhecido por Lawand order, surgido nos Estados Unidos na década de 90 e logo acolhido em vários países. Tal movimento defende políticas penais excessivamente duras, como, p. Ex., a adoção da pena de morte e de penas privativas de liberdade de longa duração, além de outras medidas severas.
No Brasil, o modelo de política criminal, corretamente classificado pelo festejado penalista Luiz Flávio Gomes como “tendencialmente autoritário e intervencionista”, vem intensificando seus aspectos repressivos desde o início da década de 90 do passado século, especialmente a partir da chamada “Lei dos Crimes Hediondos”. Evidencia-se um crescente intervencionismo manifestado na progressiva agravação de penas, na contínua tipificação de novos delitos, na supressão de direitos e garantias, etc.
Aliás, leis de conteúdo meramente simbólico ou promocional (como a supracitada Lei 8.072/90) não desempenham nenhuma função instrumental que as legitime, se limitando, como assevera Silva Sánchez, a desempenhar um mero papel simbólico, com exclusiva incidência sobre a opinião pública e seus sentimentos de insegurança.
Apesar da adoção de uma política penal mais dura, constata-se que a criminalidade no Brasil não só não diminuiu, como segue aumentando continuamente. Isso significa que a política de sanções mais duras não só não repercute na diminuição da taxa de delinquência, senão que tão pouco pode evitar a subida da mesma.
O frequente argumento de que mediante penas mais dura não se reduz a criminalidade, mas pode ao menos frear sua enorme subida não convence, e nem pode ser demonstrado estatisticamente.
Diversos fatores determinam o nível de delinquência de um país, sendo certo que a prática sancionatória tem um papel limitado.
A taxa de criminalidade está influenciada por um grande número de fatores econômicos, sociais, individuais e situacionais, que estão fora do âmbito do sistema penal.
Pesquisas feitas em outros países (Estados Unidos, França, Espanha e Alemanha, etc.) mostram que a eficácia das penas duras, em particular a pena privativa de liberdade, é muito limitada no sentido de diminuir a criminalidade.
Dentro dos países ocidentais os Estados Unidos se destaca por um rigoroso sistema penal, que se reflete não só na alta cota de encarceramento, mas também na adoção da pena de morte.
Sanções severas contam com amplo apoio da maioria dos norteamericanos. A pena de morte continua bastante popular nos Estados Unidos, apesar de muitas discussões sobre os seus efeitos dissuasórios.
Assim, seria de se esperar uma redução na taxa de criminalidade, devido ao efeito dissuasório das sanções, já que isto constitui o substrato que fundamenta as penas mais duras.
No entanto, vários estudos demonstram que isso não se verifica. Apesar de serem ditadas mais penas de morte e do elevado aumento da cota de encarceramento, o número de crimes violentos segue aumentando consideravelmente.
No Texas foi realizada uma pesquisa sobre o pretendido efeito dissuasório das penas de morte executadas entre 1984 e 1987. Os pesquisadores partem de que, caso houvesse algum efeito dissuasório nesse tipo de sanção, isto deveria ficar comprovado sobretudo no Texas, por ser o estado com o maior número de penas de mortes ditadas e executadas nesse período. Entretanto, não foi encontrado efeito dissuasório algum.
Em Los Angeles, examinou-se a evolução da taxa de homicídio antes e depois da primeira execução, realizada no ano de 1992, na Califórnia, após 25 anos de moratória nesse estado federal. Porém, foi constatado um pequeno aumento no número de homicídios nos oito meses seguintes à execução.
Uma comparação feita entre vários estados federais dos Estados Unidos com e sem pena de morte comprovou que os estados com pena de morte têm uma cota mais alta de assassinato do que os estados que não a adotam.
Diversos estudos indicam que a pena de morte tem justamente um efeito de “brutalização”, já que o número de crimes graves, especialmente o homicídio, aumentou. Assim restou constatado em uma pesquisa realizado na Califórnia, onde a média de crescimento anual de homicídios dobrou nos anos em que foi praticada a pena de morte, ou seja, foi mais elevado (10%) que nos anos em que não foram realizadas execuções (4,8%).
Ressalte-se que mais da metade dos norte-americanos são favoráveis a pena de morte, apesar de estarem cientes do perigo de que de vez em quando seja executado um inocente (80% acreditam que já foi executado pelo menos um inocente).
Um estudo feito há alguns anos no estado de Illinois comprovou que dos vinte e cinco internos no Corredor da Morte, pelo menos treze eram inocentes e, por essa razão, foram postos em liberdade.
A cota de encarceramento dos Estados Unidos é hoje a mais elevada do mundo, sem que isso produza qualquer efeito significativo na redução da delinquência.
É certo que os norte-americanos rechaçam cada vez mais a pena de morte em favor de uma reclusão perpétua. No entanto, isto não afasta a evidência de uma postura extremamente dura da população, e também aqui se questiona o efeito preventivo dessa sanção, carecendo de qualquer sentido condenar alguém a uma pena privativa de liberdade larga sem dar-lhe o direito de recuperar a liberdade.
Os Estudos realizados nos Estados Unidos sobre o efeito preventivo das sanções duras mostram claramente que essas não têm nenhum papel significativo no sentido de diminuir a prática de crimes.
Mais da metade dos países do mundo aboliram legalmente a pena de morte ou já não a praticam. Na Alemanha essa pena foi abolida em 1949, na Áustria em 1945, na Finlândia em 1972, no Canadá em 1976, em Portugal em 1977, na Espanha em 1978, na Noruega em 1979 e na França em 1981.
A ideia de vingança jamais pode justificar a utilização da pena, que tem como único objetivo a realização de fins preventivos (prevenção geral e especial).
Concluo valendo-me das sábias palavras de Luiz Flávio Gomes: “A pena, em conclusão, somente quando é justa e quando é aplicada de modo infalível e rapidamente é que pode gerar algum efeito preventivo.”
Claudia Viana Garcia  - Doutoranda em Direito Penal pela Universidade de Barcelona. Especialista em Direito Penal pela PUC/SP. Pós-graduada em Direito Penal pela Universidade de Salamanca. Professora de Direito Penal. Advogada criminal.
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Referências - Pós-Modernidade
Chapeuzinho Vermelho
Rubem Alves
Era uma vez uma jovem adolescente a quem todos conheciam pelo apelido de Rúbia. Rúbia era ruiva. Ruiva porque tingira seu cabelo castanho que ela considerava vulgar. Ela pensava que uma ruiva teria mais chances de chamar a atenção de um empresário de modelos que uma morena.
Rúbia morava com sua mãe numa linda mansão no Condomínio Omegaville. Pois, numa noite, por volta das 10h, sua mãe lhe disse: “Rubinha querida, quero que você me faça um favor...”. Rúbia pensou: “Lá vem a mãe de novo...”. E gritou: “De jeito nenhum. Estou vendo televisão...”. “Mas eu ia até deixar você dirigir meu BMW...”, disse a mãe. Rúbia se levantou de um pulo. Para guiar o BMW ela era capaz de fazer qualquer coisa. “Que é que você quer que eu faça, mamãezinha querida?”, ela disse. “Quero que você vá levar uma cesta básica para sua vovozinha, lá na Rocinha”. Você sabe: andar de BMW, depois das 10 da noite, na Rocinha é perigoso. Os seqüestradores estão à espreita... Rúbia já estava saindo da garagem com o BMW quando sua mãe lhe gritou: “A cesta básica! Você está se esquecendo da cesta básica!”. Com a cesta básica no BMW, Rúbia foi para a casa da vovozinha, na Rocinha. Foi quando o inesperado aconteceu. Um pneu furou. Até mesmo pneus de BMWs furam. Rúbia se sentiu perdida. Com medo, não. Ela não tinha medo. O problema era sujar as mãos para trocar o pneu. Foi quando uma Mercedes se aproximou, dirigida por um senhor elegante que usava óculos escuros. Há pessoas que usam óculos escuros mesmo de noite. A Mercedes parou e o homem de óculos escuros saiu. “Precisando de ajuda, boneca?”, ele perguntou. “Claro”, ela respondeu. “Preciso que me ajudem a trocar o pneu furado.” “Pois vou ajudar você”, disse o homem. “Você precisa de proteção. Este lugar é muito perigoso. A propósito, deixe que me apresente. Meu nome é Crescêncio Lobo, às suas ordens.” Aí ele se pôs a trocar o pneu, cantarolando baixinho uma canção que sua mãe lhe cantara: “Hoje estou contente, vai haver festança, tenho um bom petisco para encher a minha pança...”. Rúbia, olhando para Crescêncio Lobo, pensou: “Que homem gentil e prestativo! E ainda canta enquanto trabalha... É dono de uma Mercedes! Acho que minhas orações foram atendidas!”. “Pronto”, ele disse. “Para onde você está indo, boneca?” “Vou levar uma cesta básica para minha avó.” “Pois eu vou segui-la para protegê-la...” E assim, Rúbia, sorridente e sonhadora, se dirigiu para a casa de sua avó, escoltada por Crescêncio Lobo. Ao chegar à casa da avó, Crescêncio Lobo se surpreendeu. Pensou que ia encontrar uma velhinha, parecida com a avó de Chapeuzinho Vermelho. Que nada! Era uma linda mulher, uma senhora elegante, fina, de voz suave, inteligente. Logo os dois estavam envolvidos numa animada conversa: Crescêncio Lobo encantado com o suave charme e a inteligência da avó, a avó encantada com o encantamento que Crescêncio Lobo sentia por ela. Crescêncio Lobo pensou: “Se não fossem essas rugas, ela seria uma linda mulher...”. Rúbia percebeu o que estava rolando, e foi ficando com raiva, vermelha, até que teve um ataque histérico. Como admitir que Crescêncio Lobo preferisse uma velha a uma adolescente? Começou a gritar, e, por mais que os dois se esforçassem, não conseguiam acalmá-la. Passava por ali, acidentalmente, uma viatura do 5º Distrito Policial. Os policiais, ouvindo a gritaria, imaginaram que um crime estava acontecendo. Pararam a viatura e entraram na casa. E o que encontraram foi aquela cena ridícula: uma adolescente ruiva, desgrenhada, gritando como louca, enquanto a avó e o Crescêncio Lobo tentavam acalmá-la. Os policiais perceberam logo que se tratava de uma emergência psiquiátrica e, com a maior delicadeza convenceram Rúbia a acompanhá-los até um hospital para ser medicada. Rúbia não resistiu porque ela já estava encantada com a força e o charme do policial que a tomava pela mão. Afinal, aquele policial era lindo e forte! Quanto à avó e ao Crescêncio Lobo, aquela noite foi o início de uma relação amorosa maravilhosa. Crescêncio Lobo percebeu que não há cara de adolescente cabeça-de-vento que se compare ao estilo de uma senhora inteligente e experiente. E a avó, que ouvira de uma feminista canadense que o melhor remédio para a velhice são os galetos ao primo canto, entregou-se gulosamente a esse hábito alimentar gaúcho. Crescêncio Lobo pagou-lhe uma plástica geral e a avó ficou novinha. E viveram muito felizes, por muitos anos. Quanto a Rúbia, aquela crise foi o início de uma feliz relação com o policial do 5º DP, que tinha mestrado em psicologia da adolescência...
Indicações de Científicas:
. Zigmunt Bauman . Michel Foucault . Michel de Certeau . Clifford Geertz . Jacques Derrida . Gilles Lipovetsky
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AS ORIGENS DO MEDO - Preleção Parcial.
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A espiritualidade, o sofrimento, o prazer e a morte nas hermenêuticas dos jovens
Resumo A temática central do capítulo foi estruturada a partir de duas questões problematizadoras: Q1. Um dos fatos mais marcantes da minha vida e Q2. Um fato marcante na minha vivência espiritual. Em consequência das mesmas o texto se desdobrou em três partes correlacionadas. A primeira parte tratou do constructo antropológico da dor, do prazer e da morte. Intencionando desenvolver um breve estudo da evolução cognitiva dos hominídeos – fato esse que possibilitou a espécie alcançar a fase atual: homo sapiens sapiens. A pretensão foi a de levantar uma base historiográfica e antropológica a fim de compreender o nascedouro do homem-transcendental. A segunda parte consistiu em trazer a tona alguns pensadores que desenvolveram teorias acerca do prazer, da dor, do sofrimento e da morte, entre eles: Sócrates/Platão, Epicuro, Schopenhauer, Heidegger, Paul Ricoeur, etc. A terceira e última parte teve como cenário o prazer e a dor entre os jovens universitários. As falas e as evocações dos entrevistados foram analisadas a partir de Q1 e Q2, com a finalidade de revelar e compreender as visões de mundo dos jovens universitários da PUC-GO.
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O 'Deus Mercado' e a religião capitalista
Segundo especialista (Jung Mo Sung), a narrativa religiosa do neoliberalismo coloca a fé no Mercado como única possibilidade de salvação e culpa os pobres por sua pobreza
Os aspectos religiosos do neoliberalismo e o proselitismo na comunicação foram temas debatidos pelos professores da Universidade Metodista, Jung Mo Sung (Ciências da Religião) e Magali Cunha (Comunicação). Eles participaram do seminário “A Metafísica do Neoliberalismo e a Crise de Valores no Mundo”, promovido pelo Fórum 21, no último dia 2 de julho (sábado), no auditório da Fundação Escola de Sociologia e Política (FESP).   O evento é o primeiro de uma série de debates voltada à discussão do neoliberalismo hoje. A escolha do tema, explica Anivaldo Padilha, presidente do Fórum 21, deve-se ao caráter sagrado atribuído ao mercado que congrega os atributos da “onipotência, onipresença e onisciência”. Uma espécie de “deus Mercado” que vem fracassando, sistematicamente, “em termos de justiça social e de igualdade entre os homens”.    Daí a pergunta: por que o capitalismo atrai tanto?    Segundo o professor Jung Mo Sung, a compreensão dos aspectos religiosos do capitalismo é fundamental para o entendimento não apenas de sua atração, mas também do que se passa hoje no Brasil. Mostrando, a partir de imagens, os ícones (Ferrari, bolsas Louis Vuitton), templos (shopping centers), igrejas (institutos von Mises) e mitos do neoliberalismo, Sung destrinchou a narrativa religiosa - e sedutora - por trás do discurso neoliberal.    “Antes, quando as pessoas se sentiam pecadoras ou impuras, elas iam à Igreja para recuperar a humanidade e a pureza. Hoje, quando se sentem tristes, elas vão ao shopping. Verdadeiras catedrais modernas”, apontou. Não é de se estranhar, portanto, a forte semelhança arquitetônica entre as catedrais e os shopping centers (confiram a imagem acima).   Os mitos do desenvolvimento   Ao longo das décadas de 1960 e 1970, a teoria econômica (da esquerda e da direita) foi embalada por dois mitos principais. Primeiro, a crença de que o “bom da vida era aumentar o poder de consumo”. Sung destacou que, frente a essa ideia, a modernidade promoveu uma inversão: o “bom da vida” passou a ser possível dentro da história (via consumo) e não mais restrito ao pós-morte”.    O segundo mito era que “o padrão de consumo dos países ricos poderia ser universalizado”, fortalecendo “a ideia de que todos os seres humanos têm direitos”. Sung também mencionou que a discordância entre os economistas marxistas e liberais capitalistas se deu aos caminhos para se atingir essa universalização: o mercado ou a planificação estatal.    O exemplo é simples: “Quando se privilegia o ajuste econômico no Brasil e se corta o dinheiro da Educação e da Saúde, por exemplo, é preciso justificar essa decisão. Quando se corta o pagamento de juros aos bancos, para privilegiar programas sociais, também é preciso justificar. Essas duas justificativas, porém, são completamente diferentes porque trabalham com duas estruturas míticas diferentes”.    Em 1970, porém, esses mitos caíram por terra, quando da publicação de “Os Limites do Crescimento” (1972), pelo Clube de Roma. A obra reconhecia os limites do crescimento do sistema capitalista e a impossibilidade da universalização do padrão de consumo. “A primeira reação dos capitalistas foi dizer ´isso é bobagem´. Depois não deu mais para negar”, lembra.    A Fé no Mercado   A partir de então, novos mitos foram construídos. Em 1974, em plena crise do petróleo, F. von Hayek, um dos teóricos do capitalismo, ganhava o Prêmio Nobel de Economia com a obra “A Pretensão do Conhecimento”. Hayek sustentava que a crise do sistema tinha como principal causa a “pretensão dos economistas de saberem como o mercado funciona, porque toda intervenção pressupõe conhecimento”.   “A raiz de todas as crises”, explicou Sung, passou a ser a tentativa de compreensão do funcionamento do Mercado. Em termos míticos, “esse discurso neoliberal é uma reeleitura do mito da Gêneses”, que interditava a Adão e Eva os frutos da Árvore do Conhecimento. “Se não podemos conhecer as leis do Mercado, o que podemos fazer? Temos de ter fé no Mercado”.   Uma fé, destacou, de que “o mercado sempre vai produzir outros melhores resultados possíveis”. “Essa é a base epistemológica do neoliberalismo” que apresenta uma contradição lógica: “se você não pode intervir, porque não pode conhecer o mercado, como pode afirmar que ele sempre vai produzir melhores resultados possíveis? O salto lógico se tornou uma questão de fé”.    Anos depois, ou prêmio Nobel, Milton Friedman, afirmaria: “os que são contra, no fundo, têm um problema de falta de confiança na liberdade do mercado”. Uma narrativa, frisou Sung, disseminada em todos os cantos do mundo, a partir da mídia e, também, da proliferação de institutos, como os institutos von Mises.   Sobre a obra de L. von Mises, “A Mentalidade Capitalista”, o professor avaliou: “é uma maravilha de livro de teologia”. Nela se defende a ideia de que “todo adulto é livre para montar a sua vida de acordo com os seus próprios planos, a partir de um conceito de liberdade pelo qual não existe o outro: sou eu e o meu desejo. É puro indivíduo”.    Captura do desejo   Para L. von Mises, no sistema de mercado livre, “os consumidores são soberanos” e “desejam ser satisfeitos”. Mas, apontou Sung, “consumidor não é qualquer indivíduo” nesta lógica. “O nível é: todos somos humanos, mas nem todos os humanos são cidadãos, e nem todos os cidadãos são consumidores. O desejo soberano [se restringe] aos consumidores”.   Com base na impossibilidade de satisfação dos desejos - conforme alguns vão sendo satisfeitos, surgem novos desejos – von Mises chega a defender a avidez como “impulso que conduz o homem em direção ao aperfeiçoamento econômico”. Afirma, ainda, que “ manter alguém contente com o que já conseguiu ou pode facilmente conseguir, sem interesse por melhorar suas próprias condições materiais não é uma virtude”.     “Essa é a tese teórica”, salientou Sung, lembrando que a sociedade vem criando mecanismos para, justamente, controlar a avidez do desejo individual.  “Nós somos seres infinitos na condição de finitude e o nosso desejo é infinito, mas, em uma economia escassa, não há satisfação para todos”.    E se não há satisfação para todos, então, como lidar com a frustração?  “A saída neoliberal é a criação de uma verdadeira teologia da culpa”. No capitalismo, todos somos alimentados pela frustração”, apontou.   Teologia da Culpa   “Se você não consegue ser o rei do chocolate, o campeão de boxe ou a estrela de cinema, você é o culpado. Essa é a teologia da culpa: o indivíduo passa a ser culpado pela sua própria frustração”, explicou. E trata-se de uma culpa que atinge a todos, começando pelos mais pobres.    “Por que pobre é pobre? Porque é culpado. Ele merece a sua pobreza”. Segundo essa lógica, “o pobre que não pode comprar brinquedo para o filho assume a culpa duas vezes: pela pobreza e por sentir culpa em ser pobre”. Enquanto isso, o Mercado se consolida enquanto juiz transcendental.    “Se a culpa é de todos, por conta da distribuição de riqueza, quem é o juiz que faz essa destruição? O Mercado. Mas, eu posso questionar o mercado? Não. Ele é inquestionável, está além do bem e do mal, do injusto e do justo”. Na medida em que não está sob o juízo humano, o Mercado se torna algo sagrado. “E o sagrado é aquilo que é separado do sistema profano, acima do juízo e do questionamento da justiça”, explicou.    Sung também alertou: para o capitalista e para o neoliberalismo, o verdadeiro o problema “está nas pessoas que acreditam que os seres humanos têm direitos”.   Direitos Humanos   Ele explicou que o pensamento liberal moderno foi fundado na tradição neotestamentária. Segundo essa tradição, primeiramente, “todos os homens são iguais perante a Deus. Depois, todos os homens passaram a ser iguais perante as leis; e, de acordo com a razão moderna, a essência humana traz consigo direitos implícitos”.    São justamente esses direitos implícitos, denunciou, que estão sendo rejeitados pela teoria pós-moderna ao defender que “tudo é cultural”, inclusive, “afirmar que a natureza humana dá direitos é cultural”. Sob essa ótica, “o grande erro das esquerdas e dos humanistas é acreditar que ser humano tem direito por natureza. Não tem. Quem não conseguiu direitos no contrato do mercado, não tem direito nenhum”.   Essa é a narrativa dos que criticam programas sociais como o Bolsa Família ou o Mais Médicos. “Se pobre não tem direito a comer, porque não tem direito, o que é um programa social como o Bolsa Família? Um roubo. Você tira de quem tem direito – e o ganhou justamente via Mercado - e passa para quem não tem direito”.    Daí a inversão, situou Sung, já que “os defensores dos direitos dos pobres e dos programas sociais tornam-se os grandes malfeitores da humanidade”. A violência explode: “eu estou frustrado porque esse desgraçado de esquerda continua querendo o meu imposto para dar para esses pobres desgraçados. De quem é a culpa da minha frustração? Da esquerda e dos pobres. Aí eles colocam fogo no mendigo”, destacou.    Deveres    Quando o então ministro Alexandre Padilha (Saúde) comemorava o sucesso do Mais Médicos, ele estava reafirmando não apenas o direito das pessoas à Saúde, mas o dever do Estado para com elas. No entanto, muitas pessoas foram contra o programa e retrucaram: “eles não têm direitos e nós não temos deveres. Isso é um roubo”. “Tratam-se de duas estruturas de pensamento diferentes. Saber isso nos ajuda a compreender a agressividade”, explicou.   Em sua avaliação, sempre existiram egoístas exagerados, a diferença é que antes, “as pessoas tinham vergonha de ser publicamente egoístas, porque havia uma pressão cultural. Hoje, elas têm orgulho. Depois que passar a vergonha do Temer, vai continuar esse orgulho e ele vai continuar enquanto esse modelo civilizatório prevalecer”.    A lógica da Responsabilidade   Segundo Sung, “nós retornamos a um debate surgido no século XVIII: o ser humano tem direitos? Para os defensores do neoliberalismo, esses direitos são vistos como ´coisa de bandido´. O processo tecnológico chegou ao ponto de destruir as bases humanistas do mundo moderno”.   A saída, apontou, “está na luta social”. Uma luta que, em última instância, pressupõe “a descoberta dos direitos fundamentais de todos os seres humanos”. Sung também alertou: “culpa e humilhação não acabam quando você come. Quando você come, você mata a fome. Isso vai aparecer em violência familiar, em neuroses, loucuras. E quem se sente culpado não luta”.    Em sua avaliação, “para sair desse entrave é preciso lembrar que apenas um mito combate outro mito”. Citando a experiência do apóstolo Paulo de Tarso que, em pleno Império romano, conseguiu criar comunidades de resistência, Sung avaliou que “Paulo tem algo a nos ensinar”, sobretudo, quando afirma:    “Enquanto ainda éramos inimigos de Deus, Deus se reconciliou conosco” (Rom 5,10).    Essa citação, analisou, é uma “crítica radical à ideia de Deus norteadora das culturas de opressão, que pressupõem um Deus que culpa e pune. E não um Deus – não importa aqui se existe Deus ou não – que humaniza o ser humano e se reconcilia. Antes de qualquer articulação cultural, todos os seres humanos têm direito à vida”.    A proposta de Paulo, avaliou, abre uma fenda na “lógica da culpa” e nos permite entrar em outra lógica: a da responsabilidade. “É preciso responder aos problemas sociais. A lógica da responsabilidade nos chama à ação. A lógica da culpabilidade apenas aponta o culpado. E apontar culpados não resolve nada”, concluiu.
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A religião e a máscara da cordialidade brasileira
O Estado não é uma ampliação do círculo familiar e, ainda menos, uma integração de certos agrupamentos, de certas vontades particularistas, de que a família é o melhor exemplo (HOLANDA, 1995, p. 141).
 O historiador e sociólogo Sérgio Buarque de Holanda (1995) desenvolveu um precioso conceito, que até hoje causa bastante confusão, principalmente naqueles mais desavisados. O nomeado “homem cordial”, presente em Raízes do Brasil (1995), seu primeiro livro, no qual o autor desenvolve investigações acerca das origens de uma forma de sociabilidade brasileira, mais afeita aos contatos informais e à recusa das esferas públicas de convívio. O “homem cordial” só é cordial no interior de sua esfera íntima, de sua familiaridade, nas relações de compadrio, entre seus pares e agregados (compadres, afilhados, cunhados e amigos). Este é, em certa medida, incapaz de ser cordial com o outro, aquele que se encontra distanciado por inúmeros fatores histórico-sociais.
O autor, não trata – especificamente – sobre a violência no que diz respeito ao “homem cordial”, porém a violência ganha maior legitimação, na construção histórica do Brasil, na medida em que grupos centrais, patriarcalismo, por exemplo, se impõem com violência sobre as minorias. A própria cordialidade, criticada por Sérgio Buarque é uma forma de violência instituída como raízes que, ainda hoje, transfiguram nas vidas ceifadas pela práxis da violência. Como afirma o senhor Cláudio Assunção Figueiredo, negro, 35 anos, tio de um rapaz vítima de homicídio:
 As amizade! Quem mato meu subrinho foi os “amigos” dele. Eu tenho certeza. Aqueles que não saia lá de casa. Eles ficava o dia todo jogando vídeo game e comendo besteira. Eles faltava aula e ficava o dia inteiro na rua, sem fazê nada. A família toda buzinô dizendo que aquilo não tava certo. Deu no que deu. Quando meu subrinho se envolveu com o que não divia, aqueles que dizia sê amigo dele, sabe como é? Amizade acaba quando o dinheiro fala mais alto. O dinheiro das droga. Respostas a (QA/Q1) O que você acha que provocou o ato praticado contra o seu familiar?
De certo modo essas raízes estão inseridas em práticas muito antigas, que retomam os ritos sagrados de muitas religiões. A religião como edificadora de toda e qualquer sociedade (DURKHEIM, 2000), cria marcas identitárias que segregam espaços considerados sagrados (puros), dos espaços considerados profanos (impuros).  Deste modo o Batismo, como sacramento, garantia que a criança pobre fosse batizada por padrinhos ricos (oligarquia rural brasileira). Por meio desse rito religioso um elo sagrado era constituído, permitido que a criança, os pais e as famílias comungassem de um mesmo espaço de poder. Formando em vários jogos de interesses uma sociedade mediada pelo compadrio (compadres e comadres).
A religião, no transcorrer do período colônia e imperial, foi utilizada para apartar as famílias, os indivíduos, as classes sociais. Unir os puros e afastar os impuros, com a finalidade de garantir os espaços de dominação, controle e partilha. A figura do coronel foi um determinante imperativo do poder. A sua volta – como satélites – circulavam os agregados, os consagrados pelo batismo, pelo casamento, ou por outras formas de união menos formais, tais como participar do mesmo espaço e rito sagrado.
Um forte exemplo se constituía na missa de domingo, em que todos usavam a melhor peça de roupa para a ocasião. Excluídos dos espaços sagrados dos brancos, os negros erigiram – principalmente a partir do século XVIII[1] – “as Igrejas dos pretos”, uma forma de sobreviver e reificar suas memórias identitárias mediante as inúmeras formas de violências infligidas. Afirma Oliveira (2012):
 Se a etnicidade consiste num sentimento de pertencimento que, por sua vez, é produto de um processo de identificação, no qual a pessoa se reconhece como membro de um grupo e se reconhece nesse grupo enquanto se identifica nos outros; e se, paralelamente, a religião reforça a etnicidade enquanto um dos elementos de coesão e solidariedade do grupo e nela (religião) estão em jogo os elementos do imaginário simbólico que são fatores de identidade, devemos convir, então, que a religião pode contribuir para reforçar e legitimar os preconceitos dos grupos.
 Todavia os tentáculos da violência não possuem fronteiras espaciais ou temporais, nem, tão pouco, são inseridos, apenas, em meios tradicionais. No Brasil atual as redes sociais inauguram um novo aspecto da realização da violência. Podemos considerar que o campo é novo, mas o direcionamento da violência consiste concretamente nos tradicionais alvos, as minorias.
Manuel Castells, em seu novo livro Redes de indignação e esperança – Movimentos sociais na era da internet (2016) – analisa diversos cenários em que as redes sociais foram ferramentas decisivas e cumpriram importantes papéis na dinâmica dos movimentos sociais. Deste modo, as redes sociais estão contribuindo com o fazer histórico, na Primavera Árabe, no Chile, no México e, é claro, no Brasil. Na maioria dos casos citados, os movimentos não foram programados, nasceram, cresceram e se propagaram com ajuda da internet. O que moveu estes protestos, incluindo os ocorridos no Brasil em 2013 e 2015 (Posfácio do autor presente na obra indicada acima), segundo Castells, foi um forte grau de insatisfação guiada pelas emoções à flor da pele. Ele defende que as redes sociais não tornaram o brasileiro mais violento, diz:
 “A imagem mítica do brasileiro simpático existe só no samba. A relação entre as pessoas, sempre foi violenta”. (CASTELLS, 2016).
 Em 2013 o Governo Federal passou a monitorar a intolerância religiosa nas redes sociais[2], essa tarefa foi incumbida à Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). De acordo com a, então, ministra Ideli Salvatti, grande parte do ódio fundamentado no escopo religioso é disseminado pela internet.  Outros órgãos federais e estaduais participaram das atividades de combate a essas práticas de ódio e intolerância nas redes sociais, entre eles – a Polícia Federal (PF), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e defensorias públicas dos estados. Essas políticas afirmativas de combate à violência e intolerância religiosa[3] são estruturadas a partir da lei 11.635/2007.
É notório que a intolerância religiosa, também pode ser denominada de racismo religioso, pois se direciona, no Brasil – em destaque, ferozmente às religiões de raízes africanas. Há um ataque sistemático a essas denominações, que pelo fato de – tradicionalmente, pertencerem aos outros (minorias) devem ser combatidas violentamente, de forma virtual e física. Como destaca o depoimento de Cláudia, em Rocha – 2011:
 O Barracão onde frequento, na esquina tem uma igreja cristã e sempre que passamos em frente à igreja o pastor aumenta consideravelmente a música, com louvores direcionados a nós, dizendo que somos filhos do diabo.
 “A sociedade brasileira não é simpática, é uma sociedade que se mata. Esse é o Brasil que vemos hoje na internet. Essa agressividade sempre existiu”. (CASTELLS, entrevista ao Jornal Folha de São Paulo)[4]. O sociólogo conclui afirmando que a internet funciona como espelho, reproduzindo a tradicional violência do povo e das suas instituições, incluindo das instituições religiosas. Porém a violência preconizada nas redes sociais deixou de atender a lógica institucional. O ódio contra o outro ganha corpo, pois não há mais distâncias físicas separando os agressores dos agredidos. Do mesmo modo as reações contrárias repercutem pelas redes atingindo o seio familiar, as ruas, as instituições de ensino. Enfim, a internet vem deixando de ser um lugar sem lei, um território onde se diz o que quer, sem arcar com as devidas responsabilidades. Diz Castells (2016, p. 21) e Maria Madalena:
 A questão fundamental é que esse novo espaço público, o espaço em rede, situado entre os espaços digital e urbano, é um espaço de comunicação autônoma. A autonomia da comunicação é a essência dos movimentos sociais, ao permitir que o movimento se forme e ao possibilitar que ele se relacione com a sociedade em geral, para além do controle dos detentores do poder sobre o poder da comunicação. (CASTELLS, 2016, p. 21).
 Um mês atrás meu filho tava recebendo uns telefones estranhos, alguém dizendo que ia mata ele. Ele contou pra mim que tinha gente querendo o mal dele, sabe. Umas mensagem xingando ele, dizendo palavra feia, dizendo que para ele fica esperto, que o fim dele tava chegando, viu. No começo ele ficou preocupado, mas sabe como é, né. Eu disse pra ele i para a casa da tia dele e ele disse que era bobagi. Deu no que deu. (Maria Madalena, 46 anos – mãe).
             A fala de Castells reforça a desconstrução do mito da cordialidade brasileira, além de revelar de forma mais evidente as distinções de um país marcado pelas desigualdades regionais, sociais, raciais, religiosas, sexuais, entre outras tantas. O filho que é xingado e ameaçado de morte pelas redes sociais, representa a violência participando de todos os meios. Não há qualquer espaço que se mantenha livre da violência, dos ataques à moralidade, à dignidade da pessoa humana.
Uma máxima popular que afirma que “cão que ladra não morte”, de longe corresponde à vivenciada realidade. A mãe, a família e o filho que tem sua morte previamente agendada vivenciam virtualmente a gentileza da cordialidade brasileira. A violência digital se implanta em seus corações antes da efetivação cruelmente realista da materialização do homicídio.
A internet é também esse espaço, em que a violência deixa a sua marca. Invade a privacidade das famílias, afeta a vida daquelas/es que se preocupam com o destino do ente amado. Redes sociais também são portais para a exposição desnecessária e criminosa de cenas de mortes violentas, como a relatada por Maria Madalena: “eu recebi no meu celular uma fotografia o meu filho morto na calçada do colégio”. De forma cruel e rasteira a barbárie invade todo é qualquer espaço dinamizando as dores da vida.
Aqueles que propagam a violência, nas redes sociais, se escondem por detrás de perfis falsos, crendo que estarão impunes. Dessa forma estão livres para verter o discurso de ódio, indiscriminadamente. Parcela de uma considerada classe superior (elite e classe média) acredita que certos indivíduos (negros, mulheres, índios e outras minorias) não devem fazer parte da sociedade, principalmente das esferas mais altas. “O racismo expressa a convicção de que certa categoria de seres humanos não pode ser incorporada à ordem racional”. (Bauman, 1998 p.87).
O preconceito, o racismo, a homofobia, a misoginia, a xenofobia são umas das formas mais usuais de disseminação do ódio. O ato de rotular o outro com uma “marca negativa” evidencia-se com uma forte carga de inferiorização expressa na denominação religiosa, na cor da pele, na região geográfica. A dor e o sofrimento provocados pela violência virtual, psicológica, social, moral, religiosa, institucional e física constituem um fardo quase que insuportável que a nação brasileira precisa enfrentar, sem medo, agindo em variadas dimensões (cultura, primeira e segunda socialização, educação, comunidades, projetos de lei, ações afirmativas, etc.). É imperativo vontade política para fazer desse país uma nação, verdadeiramente, cordial.
[1] As irmandades e/ou confrarias dos pretos eram constituidas por escravos e forros e chegaram no território brasileiro durante o século XVI. Essas irmandades de religião católica devocionavam, em especial: Nossa Senhora do Rosário, São Benedito, Santo Elesbão, Santa Efigênia, entre outros.
 [2] Em 2015, houve um aumento de 69,13% nas denúncias de violação de discriminação religiosa em relação ao ano passado. Dados do Ministério da Justiça e Cidadania.
[3] 21 de Janeiro - Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa
[4]http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/05/1630173-internet-so-evidencia-violencia-social-brasileira-afirma-sociologo-espanhol.shtml
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BERGER E A RELIGIÃO
Faustino Teixeira
Introdução  
No âmbito das pesquisas de sociologia da religião realizadas no mundo anglo-saxão, a extensa obra de Peter Berger revela-se de fundamental importância. Trata-se de um autor contemporâneo, mas que pode ser inserido entre os grandes clássicos da sociologia da religião. Nascido em Viena no ano de 1929, Peter Berger emigra para os Estados Unidos ao final da segunda guerra mundial, depois de passar um período de formação na Inglaterra. Ao início, intencionava aceder ao pastorado luterano, projeto que será abandonado depois dos estudos de filosofia e sociologia realizados na New Schooll for Social Research de Nova York. Neste centro de reflexão fará contato com autores que pontuarão decisivamente sua reflexão sociológica, como Alfred Schutz, Carl Mayer, Albert Salomon e Thomas Luckmann, seu colega de estudos.
O interesse pela sociologia da religião manifesta-se na temática de sua tese doutoral, defendida em 1954, onde abordou o seguinte tema: “Da seita à igreja: uma interpretação sociológica do Movimento Bahai”. Em sua carreira acadêmica passará por diversos centros de formação, dentre os quais a Universidade de Georgia, a Academia Evangélica de Bad Boll (Alemanha), Hartford Seminary Fundation, New Schooll for Social Research e Brooklyn College. No ano de 1980 obtém uma cátedra no Boston College e em seguida na Boston University, onde permanece atualmente como pesquisador.
As importantes reflexões de Berger a propósito da natureza da realidade social, bem como suas incursões no campo da sociologia da religião  foram gestadas entre os anos de 1963 e 1970, quando então ensinava na New Schooll for Social Research e no Brooklyn College (Nova York). São deste período suas importantes obras: A construção social da realidade (1966 – escrito com Thomas Luckmann), O dossel sagrado (1969) e Rumor de Anjos (1969). Retornará posteriormente ao tema em duas outras obras: O imperativo herético (1979) e Uma glória remota (1992).[1]
O tema da religião ocupa um lugar de destaque na vasta obra de Peter Berger, mas sua contribuição teórica estende-se para outros setores da teoria sociológica  em geral[2]. Segundo Cecília Mariz, “o grande mérito de sua teoria é oferecer um aparato conceitual capaz de integrar tanto a análise de problemas no nível micro da psicologia  social com os do nível macro das ideologias e mudança cultural em geral”[3].  Trata-se de uma reflexão criativa, marcada por pressupostos teóricos diversificados. Quanto aos fundamentos do conhecimento na vida diária (sociologia do conhecimento), percebe-se o influxo de Alfred Schutz. Com respeito aos dados antropológicos, verifica-se a influência dos primeiros escritos de Karl Marx, bem como as implicações antropológicas  da biologia humana, presentes nas obras de Helmuth Plessner e Arnold Gehlen. Para a elaboração teórica da natureza da realidade social, foram de fundamental importância os aportes de Durkheim, retomados numa perspectiva dialética com o influxo de Marx e a contribuição de Weber. Este complexo quadro teórico foi ainda complementado em âmbito da sócio-psicologia  pela presença da reflexão de George Herbert Mead e da escola simbólico -interacionista  da sociologia americana.[4]    
1. O processo dialético fundamental da sociedade
A singular elaboração da teoria sociológica de Berger e as pistas fundamentais para a afirmação de sua sociologia  da religião encontram-se delineadas nos livros de sua primeira fase acadêmica, ou seja, A construção social da realidade, O dossel sagrado e Um rumor de anjos. É sobretudo nestes trabalhos que o autor traduz sua concepção do processo dialético fundamental da sociedade. Esta tarefa é vista por ele como típica de uma sociologia do conhecimento[5]. Para Berger, a sociedade é um fenômeno eminentemente dialético, que traduz simultaneamente a dimensão de realidade produzida pelo sujeito, mas que reage continuamente ao seu produtor.
Para a elaboração desta reflexão, Berger serve-se de uma “conjunção sutil e original” de Marx, Durkheim e Weber. Os conceitos de auto-produção humana mediante a externalização (ou exteriorização) e da objetivação são tomados do jovem Marx, que proporcionou a aplicação de tais conceitos hegelianos  aos fenômenos coletivos. O influxo de Durkheim se fará sentir na sua abordagem da objetividade  do mundo institucional.  Tal abordagem será, porém, equilibrada com a interação do significado subjetivo da ação. E aqui entra a presença de Weber, mostrando que em toda a objetividade  do mundo institucional há a participação da significatividade humana que a introduziu. Com base neste autor, Berger sublinhará que esta objetividade  é “produzida e construída pelo homem”. Esta peculiar síntese teórica das abordagens dos clássicos da sociologia, favorece a Berger a manutenção da intenção fundamental dos autores analisados, sem cair, porém, em dois possíveis riscos: a distorção idealista do fenômeno social ou a reificação sociológica. [6] Segundo Berger, “o mundo institucional é a atividade humana objetivada, e isso em cada instituição particular. Noutras palavras, apesar da objetividade que marca o mundo social na experiência humana ele não adquire por isso um status ontológico à parte da atividade humana que o introduziu”[7].
O processo dialético da sociedade define-se para Berger em três momentos: externalização, objetivação e internalização. A primeira etapa, da externalização, indica o processo de “contínua efusão do ser humano sobre o mundo, quer na atividade física quer na atividade mental dos homens”[8]. Trata-se do momento de expressão do ser humano no mundo, de ruptura de seu isolamento mediante o ato da imaginação e da criação. Esta dinâmica de exteriorização corresponde para Berger a uma necessidade antropológica fundamental. O homo sapiens, diferentemente de outros mamíferos superiores, encontra-se permanentemente diante de um mundo aberto, provocado ao desafio contínuo de “tornar-se homem”, desenvolvendo sua personalidade e assimilando  a cultura.  
A segunda etapa expressa o momento de objetivação do mundo humanamente produzido. Nesta etapa, os produtos exteriorizados ganham autonomia com respeito ao seu criador, adquirindo um grau de distinção específico. Os instrumentos, valores, regras, leis e instituições  produzidos ganham agora um caráter de realidade objetiva, que se revelam opacos para o seu produtor e passam a confrontar-se com ele  como um “lá fora” da consciência.  Seguindo as pistas abertas por Durkheim, Berger busca sublinhar neste momento o dado da facticidade externa da sociedade, subjetivamente opaca e coercitiva. As operações da sociedade escapam ao entendimento dos sujeitos, e revelam-se coercitivas na forma mesma como se constituem e se impõem como realidade. Para exemplificar sua reflexão, o autor identifica a objetividade que vem caracterizar os elementos não-materiais da cultura: “O homem inventa uma língua e descobre que a sua fala e o seu pensamento são dominados pela gramática. O homem produz valores e verifica que se sente culpado quando os transgride. O homem forja instituições,  que o enfrentam como estruturas controladoras e intimidatórias do mundo externo”[9]
Para Berger, é a percepção da sociedade como realidade objetiva que favorece ao ser humano um mundo para habitar. Trata-se da afirmação de um quadro referencial complausibilidade[10]  coletiva. Na visão deste autor, “a própria vida do indivíduo só aparecerá como objetivamente real, a ele próprio e aos outros, localizada no interior de um mundo social que tem o caráter de realidade objetiva”[11]. Para que isto ocorra é necessário um terceiro passo, de internalização desta mesma realidade objetiva. Na visão de Berger, a internalização é o momento do processo dialético  onde o mundo social vem reintroduzido na consciência mediante a dinâmica de socialização. Cabe agora ao indivíduo apreender e assumir os diversos elementos do mundo objetivado.[12] Para que esta assunção do mundo objetivado seja realizada com sucesso é necessário que o mesmo seja dotado de sentido para o sujeito. Daí a importância do processo de socialização primária e secundária, que se traduz na “ampla e consistente introdução de um indivíduo no mundo objetivado de uma sociedade ou de um setor dela”[13]. O sucesso desta socialização depende do potencial de simetria que se consegue estabelecer entre o mundo objetivado da sociedade e o mundo subjetivo.
Esta tarefa de construção social do mundo não é, porém, um empreendimento isento de dificuldades.  Enquanto processo de ordenação e nomização da experiência ele pressupõe o estabelecimento e manutenção de uma conversação permanente do sujeito com os outros significativos implicados no processo de socialização. A conversação ocupa para Berger um lugar decisivo  na afirmação da plausibilidade  do mundo socialmente construído.[14] É através dela que ocorre a apropriação do mundo objetivo pelo sujeito, bem como a manutenção deste mundo como real para ele.[15] Como forma de manter viva a conservação da realidade subjetiva, esta conversação deve ser contínua e coerente e, nos momentos de crise, explícita e intensa. Segundo Berger, a manutenção da realidade subjetiva depende essencialmente de estruturas específicas de plausibilidade[16],  ou seja, de estruturas que conferem a base social para a conservação da realidade, eliminando  o risco dissolvedor da dúvida. É com base em tal plausibilidade que o conhecimento da vida cotidiana pode manter-se como tal. Para exemplificar este dado, Berger indica: “Enquanto meu conhecimento funciona satisfatoriamente em geral estou disposto a suspender qualquer dúvida a respeito dele”[17].
As estruturas de plausibilidade  constituem, assim, base social fundamental para a “suspensão da dúvida”. A aplicação desta tese ao campo religioso faculta perceber a importância essencial da comunidade religiosa  para a manutenção do sentimento de sua plausibilidade.  Recorrendo ao tradicional adágio da teologia católica, extra ecclesiam nulla salus (fora da igreja não há salvação), Berger busca mostrar que o mais difícil não é ter uma experiência de conversão, mas a possibilidade de conservá-la como plausível ao longo do tempo. Quando menciona este axioma, traduz o termo salus não com o seu sentido literal salvação, mas  como “a realização empiricamente bem sucedida da conversão”. Nesse sentido, o que garante a permanência da conversão é a recorrente presença e participação, ou seja conversação, no contexto da comunidade religiosa.[18]
O imperativo antropológico  de construção de um mundo humano esbarra, porém, na provisoriedade  das estruturas que regem a dinâmica cultural, “inerentemente precárias e predestinadas a mudar”. Instaura-se uma tensão entre “o imperativo cultural da estabilidade  e o caráter de instabilidade inerente à cultura”. Como indica Berger, o ser humano depara-se com o imperativo de construir um mundo humano, mas enfrenta a grande dificuldade  de manter este mundo funcionando satisfatoriamente.[19]
A manutenção da realidade subjetiva do mundo depende assim do “tênue fio da conversação”, daí ser sua continuidade um dos imperativos mais decisivos da ordem social. A inserção positiva no mundo social implica  o exercício de uma vida ordenada e significativa. A quebra desta ordenação significa  a potencialização da anomia e o risco da perda de sentido. Para fazer frente ao risco da anomia e da ameaça das “situações limite” que podem provocar no sujeito a suspeita da consistência do mundo de sentido socialmente construído, é que a sociedade organiza mecanismos de proteção da ordem social. A manutenção do nomos, ou da ordem significativa, é um dos imperativos essencias de engenharia social.
Na visão de Berger, a socialização exerce um papel importante de garantia de um consenso duradouro a propósito do oscilante edifício da ordem social. Mas a seu lado devem atuar outros mecanismos fundamentais de manutenção do nomos, entre os quais destaca o processo de legitimação e  de controle social. Por legitimação entende Berger “o  ‘saber’ socialmente objetivado que serve para explicar e justificar a ordem social”[20]. Trata-se de um processo cognitivo de justificação da ordem institucional, que confere  “dignidade normativa” a seus procedimentos práticos. Berger visualiza diferentes níveis de legitimação, entre os quais a legitimação incipiente  já presente no processo de transmissão de um sistema de objetivações linguísticas,  a legitimação rudimentar das proposições teóricas vigentes nos provérbios e máximas morais, a legitimação das teorias explícitas e a legitimação dos universos simbólicos.  Para Berger, é neste último nível que se afirma de forma mais sólida a integração unificadora dos processos sociais. Quanto aos mecanismos de controle social, Berger sublinha por exemplo o papel importante concedido às práticas terapêuticas, ou seja, as “práticas organizadas destinadas a silenciar dúvidas e prevenir lapsos de convicção”[21]. As diversas “agências terapêuticas” são instrumentos importantes de auxílio para a sociedade no encaminhamento daqueles que vivem uma experiência de “dissonância  cognitiva”. Estas diversas formas de legitimação e controle social destinam-se na prática “a convencer o povo que aquilo que lhe é dito não é só a coisa sensata mas também a única certa e salutar”[22].  
Embora os mecanismos específicos de manutenção do mundo e de afirmação de sua plausibilidade  sejam vigorosos, nem sempre eles surtem o efeito esperado. Em sua reflexão, Berger sublinhou  que o processo de transmissão do universo simbólico  de uma geração para outra é complexo e às vezes problemático. E isto em razão das dificuldades  que acompanham a realização da socialização.  Nem todos “habitam” o universo transmitido da mesma maneira. Há peculiaridades e variações no  processo de concepção do universo,  e nem sempre a internalização corresponde ao desejado. Este problema intensifica-se sobretudo quando emergem as dissonâncias  cognitivas, ou seja, quando “versões divergentes do universo simbólico” passam a ser partilhadas pelos “habitantes” de um mesmo ambiente.  Esta disparidade pode ocorrer quando no próprio universo emergem grupos minoritários  de dissidentes  (minorias cognitivas),  mas também quando uma sociedade defronta-se com outra marcada por diverso universo simbólico.  No primeiro caso, a ameaça pode ser contida por medidas de controle social, como a reafirmação da realidade tida como oficial contra os competidores. A questão se complexifica no segundo caso, pois a visibilidade de um outro universo simbólico  traduz na prática a constatação empírica da não inevitabilidade  do universo particular. Neste caso o “enfrentamento” exige um mecanismo conceitual mais elaborado[23].
2. Religião e Sociedade
A abordagem sociológica  da religião realizada por Berger segue um horizonte de orientação claramente definido pelo autor. Segundo a proposta de sua teoria sociológica,  a religião vem entendida “como projeção humana, baseada em infra-estruturas específicas da história humana”[24]. Sem negar o valor de outras abordagens possíveis sobre o tema, como a teológica (que vislumbra a religião sub specie aeternitatis), este autor busca se mover no âmbito da teoria sociológica empírica, para a qual a religião deve ser sempre consideradasub specie temporis.
A compreensão fundamental da sociologia  da religião de Berger encontra-se presente no seu livro O dossel sagrado, publicado  originalmente em 1967. Neste livro, o autor busca aplicar sua teoria da construção social da realidade ao tema da religião.  Para Berger, a religião  é um dos sistemas de símbolos fundamentais dos seres humanos. Trata-se de um “edifício de representação simbólica” elaborado pelos seres humanos, e que para eles parece elevar-se sobre a realidade da vida cotidiana, garantindo-lhe  uma nomização peculiar. Entendida como um empreendimento humano de cosmificação sagrada, que transcende e inclui o ser humano, a religião exerce de fato para os que a ela aderem uma ordenação da realidade, servindo de um potente escudo contra o terror da anomia. Para Berger a religião consiste na “ousada tentativa de conceber o universo inteiro como humanamente significativo”[25].
A esta dimensão nomizadora da religião vêm acrescentadas por Berger outras funções exercidas pela religião na sociedade. Em primeiro lugar, a função de legitimação. Na visão de Berger, a religião  “foi historicamente o instrumento mais amplo e efetivo de legitimação”[26]. A grande eficácia da legitimação religiosa consiste em fundar na realidade transcendente as precárias construções da realidade humanamente construída.[27] Com base nesta relação instaurada, a religião acaba servindo para manter a realidade do mundo socialmente construído. Trata-se para Berger de um processo de alienação, na medida em que as instituições humanas acabam ganhando com a religião umstatus ontológico de validade suprema. Prejudica-se, assim,  a compreensão da relação dialética entre o indivíduo e seu mundo, que acaba ficando ocultada e perdida para a consciência.  Em razão desta operação, o indivíduo “ ‘esquece’ que este mundo  foi e continua a ser co-produzido por ele”[28].
Em segundo lugar, Berger sublinha a função religiosa deintegração das experiências marginais ou limites. A religião exerce um importante papel de integração das experiências anômicas, facultando um significado  para as crises biográficas. Há nela uma capacidade única de “situar os fenômenos humanos em um quadro cósmico de referência”[29]. Diante da situação limitada e de impermanência que marca a condição humana, a religião funciona como um dossel sagrado protetor do nomos, possibilitando  interpretações que satisfazem não apenas  o campo teorético, mas sobretudo aquele da “sustentação interior para enfrentar a crise do sofrimento e da morte”[30]. A teodicéia religiosa ocupa, assim, um lugar fundamental, ao proporcionar a “localização” do sofrimento e da morte.[31]
Berger vislumbrou ainda uma outra função da religião, ou seja, de desalienação.  Embora muitas vezes a religião exerça uma influência de justificação  da ordem humana, concedendo-lhe uma solidez fundada em razões meta-históricas, ela pode igualmente, e em nome da mesma transcendência, exercer um papel diverso. Sublinhando  a unilateralidade  de uma certa interpretação marxista, Berger indica a real possibilidade  de uma atuação relativizadora da religião sobre as formações precárias da história humana, uma vez que a mesmas são encaradas sub specie aeternitatis. Em afinidade  com a dimensão cômica, a religião vem animada de uma “qualidade relativizadora, desmascaradora, desencantadora das pretensões do poder humano”, podendo em situações específicas colocar em questão o status mesmo do mundo empírico.[32]
3. Religião  e Modernidade
A reflexão sobre a relação da religião com a modernidade[33]vem ocupando a atenção teórica de Peter Berger desde seus primeiros trabalhos. Em seu livro O dossel sagrado (1967) dedicará três capítulos ao tema da secularização. A atenção teórica do autor volta-se, na ocasião, para a “crise de credibilidade” da religião e o seu deslocamento do horizonte da vida cotidiana de setores significativos  da população. Por secularização, o autor entende “o processo pelo qual setores da sociedade e da cultura são subtraídos à dominação das instituições e símbolos religiosos”[34]. Em sua visão, a secularização atua em dois níveis: no nível subjetivo da consciência  e no nível da sociedade e da cultura. Por um lado, há o processo de  privatização da religião , ou seja, sua reduçao ao domínio do indivíduo  ou dos pequenos grupos.  Por outro, o processo de pluralismo religioso,  resultado da ruptura do monopólio religioso  e a instauração de uma situação de competição entre definições distintas  da realidade.[35]
Enquanto boa parte da história humana os estabelecimentos religiosos  atuaram como monopólios na sociedade, com o controle assegurado do pensamento e da ação, esta situação modifica-se nos tempos modernos com a afirmação da secularização e do pluralismo.  O traço característico desta nova situação é a perda da antiga segurança das estruturas religiosas  que garantiam a submissão de suas populações. As adesões seguem agora um ritmo voluntário, e não mais decorrente de uma imposição de autoridade. Berger mostrou com acuidade como as antigas estruturas de plausibilidade , que garantiam o ancoradouro das visões de mundo em certezas subjetivas, acabam se enfraquecendo na medida em que vai se instaurando a moderna sociedade industrial.
“O indivíduo moderno existe numa pluralidade de mundos migrando de um lado a outro entre estruturas de plausibilidade rivais e muitas vezes  contraditórias, cada uma sendo enfraquecida pelo simples fato de sua coexistência involuntária com outras estruturas de plausibilidade. Além dos ‘outros significantes’ que confirmam a realidade, há sempre e em toda a parte ‘aqueles outros’, incômodos refutadores, descrentes – talvez o incômodo moderno por excelência”[36].  
Estas reflexões de Berger sobre os temas da secularização e do pluralismo, por ele considerados “fenômenos intimamente aparentados”, ganharam continuidade em obras posteriores como O imperativo herético (1979). Nesta obra, Berger desenvolve  a complexa questão da modernidade como universalização da heresia. Em sua visão, a consciência moderna vem  acompanhada de uma tendência “potencialmente relativizante”[37]. Com a pluralidade de mundividências e a decorrente multiplicação de opções que se colocam para o sujeito moderno, torna-se extremamente difícil a garantia das certezas subjetivas. A pluralização institucional da modernidade provoca uma instabilidade das estruturas de plausibilidade. No lugar das antigas certezas religiosas, instaura-se a dúvida. O enfraquecimento das estruturas de plausibilidade  provoca a perda de evidência do mundo religioso,  anteriormente garantido pela tradição, e isto repercute no âmbito da consciência subjetiva. O que antes era considerado realidade evidente, só pode ser agora atingido mediante um esforço deliberado. Na modernidade a escolha (heresia) torna-se um imperativo.[38]
Mas sua reflexão atual ganha uma elaboração mais aperfeiçoada ao tratar da relação entre modernidade e religião. Vale destacar sua posição mais complexa e nuançada sobre a teoria da secularização.[39] Para Berger, a idéia tradicional de que a modernização leva necessariamente ao declínio da religião  encontra resistências bem vivas no campo empírico contemporâneo. Ele admite, por um lado, os efeitos secularizantes que acompanharam a modernização, ainda que observados de forma diversificada. Sublinha, porém, a simultaneidade  da presença de vigorosos movimentos de contra-secularização. Aprofundando a questão dos dois níveis de atuação da secularização, o societal e o da consciência individual, destaca o dado de sua desvinculação:
“Algumas instituições religiosas perderam poder e influência em muitas sociedades, mas crenças e práticas religiosas antigas ou novas permaneceram na vida das pessoas, às vezes assumindo novas formas institucionais e às vezes levando a grandes explosões de fervor religioso. Inversamente, instituições religiosamente identificadas podem desempenhar um papel social ou político mesmo quando muito poucas pessoas confessam ou praticiam a religião que essas instituições representam”[40]
Quando Berger abordou o tema da situação pluralista na sua clássica obra de sociologia da religião,  em 1969, reconheceu com pertinência que uma tal situação engendrou não apenas a “era do ecumenismo”, mas igualmente a “era das redescobertas das heranças confessionais”[41]. O pluralismo moderno aciona novos mecanismos de conversação, leva a “sistemas abertos de conhecimento” e possibilita uma “consciência  ecumênica”.[42] Mas, ao mesmo tempo, provoca a ênfase de afirmação identitária e de diferenciação. Os desdobramentos teóricos desta questão serão tratados por Berger no seu livro Uma glória remota (1992), onde busca abordar a questão da fé na época do pluralismo.  Uma das questões que busca desenvolver ao longo de sua obra refere-se às diversas reações religiosas ao pluralismo.  Berger reconhece que o pluralismo faculta um certo grau de tolerância, mas acentua igualmente as dissonâncias cognitivas:
“O pluralismo cria uma condição de incerteza permanente com respeito ao que se deveria crer e ao modo como se deveria viver; mas a mente humana abomina a incerteza, sobretudo no que diz respeito ao que se conta verdadeiramente na vida. Quando o relativismo alcança uma certa intensidade, o absolutismo volta a exercitar um grande fascínio”[43].
Particularizando sua reflexão no domínio das comunidades cristãs, embora sua aplicação caiba a outras comunidades religiosas,  Berger aponta três posicionamentos de reação ao pluralismo moderno. Aborda primeiramente a negociação cognitiva. Não há como negar a presença de uma “contaminação cognitiva” que opera no mundo moderno. Nas sociedades pós-tradicionais  a conversação, o intercâmbio, a convivência de estilos diversos de vida, valores e crenças, constituem dados incontestáveis. A opção pela negociação cognitiva implica  a assunção de uma perspectiva de abertura e diálogo. Trata-se de uma opção desafiadora, mas que pode, segundo Berger, alargar-se de tal forma a conduzir a um difuso relativismo. Experiências teológicas realizadas no campo do diálogo com o mundo moderno, como a teologia liberal protestante, acabaram, segundo Berger, reforçando a dúvida e o laicismo moderno.[44] Para este autor, o desafio maior consiste  em garantir as convicções fundamentais, distanciando-se  seja do risco do relativismo como dos falsos absolutismos.
Uma outra reação possível ao pluralismo vem identificada por Berger com a capitulação cognitiva. Trata-se de uma escolha que evita a dolorosa troca de concessões recíprocas. A título de simplificação do trabalho cognitivo  alça-se a bandeira branca da rendição identitária.  O resultado imediato é um alívio cognitivo, mas com consequências bem previsíveis. Acaba-se aceitando com reduzidas reservas o espírito da época. Para Berger, a teologia da morte de Deus, presente no cristianismo americano, significou um estilo específico de capitulação ao laicismo moderno.[45]
Uma terceira reação ao pluralismo, muito recorrente no atual momento histórico, é a redução cognitiva. Trata-se de uma perspectiva precisa de desafio ao risco da dúvida, com o intuito de reafirmação ortodoxa. Esta escolha pode tomar duas formas precisas. Pode ocorrer como redução cognitiva defensiva ou ofensiva. No primeiro caso, manifesta-se como opção em favor de um fechamento comunitário. Face ao risco da dissolvência plural, opta-se pela estratégia do gheto. Neste caso, trata-se de preservar a todo custo uma sub-cultura e exorcizar a contaminação cognitiva do pluralismo.  Na visão de seus aderentes, “basta deixar uma pequena fissura e o vento impetuoso da cultura pluralista entra assoviando”.[46] No segundo caso, adota-se a estratégia da cruzada, ou seja, o caminho da reconquista da sociedade em nome da tradição religiosa particular.
O fascínio que os diversos fundamentalismos exercem sobre as pessoas hoje em dia encontra certa explicação no clima de incerteza e insegurança relacionados  com a dinâmica do pluralismo moderno. O fundamentalismo é a expressão de uma “tradição sitiada” e o clamor pela afirmação de um absoluto ameaçado. Há na base dos fundamentalismos uma “forte paixão religiosa”  e uma reação viva e substantiva contra as forças secularizantes. Berger tem razão quando sustenta que “na cena religiosa  internacional, são os movimentos conservadores, ortodoxos ou tradicionalistas que estão crescendo em quase toda parte. Esses movimentos são justamente aqueles que rejeitaram o aggiornamento à modernidade tal como é definida pelos intelectuais progressistas”[47].
4. Os rumores da transcendência
Retomando atualmente a sua antiga proposta de “relativizar os relativizadores”, Peter Berger contesta os pensadores mais radicais do iluminismo  e seus descendentes intelectuais.  Para estes grupos de analistas, a modernidade levaria inexoravelmente ao declínio da religião. O que se percebe, entretanto, é uma vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo e, como afirma Berger, “não há razão para pensar que o mundo do século XXI será menos religioso do que o mundo atual”[48].
Ao analisar este cenário religioso,  Berger visualiza a presença de duas grandes forças florescentes: a islâmica e a evangélica. Dos diversos movimentos religiosos em curso, estes dois apresentam-se como os mais dinâmicos , embora distintos quanto ao conteúdo religioso e à presença no mundo. Apresentam em comum não apenas uma “inspiração inequivocadamente religiosa”, mas a proposta de reelaboração da identidade e a promessa segura ao apelo generalizado por segurança e certeza cognitivo-existencial.  Embora o termo fundamentalismo não possa ser aplicado pertinentemente a tais movimentos, eles apresentam características que se aproximam do fenômeno, como a “forte paixão religiosa,  um desafio ao que foi tido como o Zeitgeist, e uma volta às fontes tradicionais de autoridade religiosa”[49].
A vigorosa presença da religião no mundo contemporâneo não exclui a existência de bolsões secularizadores que, segundo Berger, afirmam-se na Europa Ocidental e na cultura de elite globalizada.  A tradicional teoria da secularização encontra guarita nos índices europeus de crenças expressadas e de comportamento eclesial. Esta teoria vigora também no mundo da academia, afirmando-se como uma “subcultura internacional”. Trata-se de uma visão partilhada por certa elite intelectual,  composta não apenas por sociólogos  e antropólogos da religião, mas por outros atores sociais influentes e responsáveis pela definição “oficial” da realidade[50].
Os dados empíricos confirmam, porém, a tradicional tese de Durkheim, que indica a presença de algo eterno na religião e o equívoco presente entre aqueles que a consideram uma realidade meramente ilusória. Mesmo num período de forte afirmação secularizadora, no ano de 1969, Berger já vislumbrava a presença de sinais de transcendência na sociedade moderna. Os sinais tornaram-se hoje rumores que desafiam o olhar de qualquer analista que queira de fato perceber com riqueza a realidade.
“O impulso religioso, a busca de um sentido que transcenda o espaço limitado da existência empírica neste mundo, tem sido uma característica  perene da humanidade (isto é uma afirmação antropológica, e não teológica – um filósofo agnóstico ou mesmo ateu  pode muito bem concordar com ela). Seria necessário algo como uma mutação de espécie para suprimir para sempre esse impulso”.[51]
Conclusão
A reflexão sociológica de Peter Berger sobre a religião é extremamente rica, complexa e abrangente. Este autor trabalha com recursos teóricos de diversas procedências: sociologia, antropologia, filosofia, teologia, psicologia, biologia etc. Qualquer tentativa de síntese vem marcada por limites e imprecisões. O que se tentou apresentar aqui foi apenas um breve esboço de alguns dos traços importantes de sua abordagem sociológica  da religião. Há que reconhecer que o pensamento deste autor é objeto de diversificados questionamentos, enquanto teórico da sociologia [52],   sendo que as críticas mais contundentes referem-se à sua visão política conservadora. A pertinência das críticas não pode, porém, apagar o valor de suas reflexões, que permanecem válidas e atuais, ainda que controvertidas. O horizonte do debate, da discussão e da crítica permanece aberto. Mas não há como negar a importância de sua contribuição para a reflexão sobre o tema da religião no mundo contemporâneo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
A)   Obras de Berger
BERGER, Peter L. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1973.
BERGER, Peter L. & LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973.
BERGER, Peter L. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985.
____. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
____. Le piramidi del sacrificio: etica politica e trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981.
____.  & BERGER, Brigitte. Sociologia: la dimensione  sociale della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995.
BERGER, Peter. L’imperativo eretico: possibilità contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987.
____. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994.
____. Homo ridens: la dimensione cosmica dell’esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999.
____. A dessecularização do mundo: uma visão global. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 9-23, 2001.
2) Sobre Berger
GRASSI, Piergiorgio. Secolarizzazione e teologia: la questione religiosa in Peter L. Berger. Urbino: Quattro Venti, 1992.
MARIZ, Cecília Loreto. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: ROLIM, Francisco Cartaxo (Org.) A religião numa sociedade em tranformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91-111.
____. Secularização e dessecularização: comentários de um texto de Peter Berger. Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 25-39, 2001.
MARTELLI, Stefano. A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 287-295.
NICOLÒ, Giancarlo. Introduzione. In: BERGER, Peter L.L’imperativo eretico. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987, p. 5-35.
(Publicado no livro: Faustino TEIXEIRA (Org). Sociologia da religião: enfoques teóricos. Petrópolis: Vozes, 2003, pp.218-246)
[1] Tomaremos como base da reflexão as traduções da obra de Berger para o português ou o italiano: Peter L. BERGER & Thomas LUCKMANN. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 1973, Peter L. BERGER. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulinas, 1985; Peter L. BERGER. Rumor de anjos: a sociedade moderna e a redescoberta do sobrenatural. 2 ed. Petrópolis: Vozes, 1997, Peter L. BERGER. L´imperativo eretico: possibilità contemporanee di affermazione religiosa. Torino: Elle Di  Ci, 1987; Peter L. BERGER. Una gloria remota: avere fede nell´epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994.
[2] Dentre outras obras podem ser aqui mencionadas: Peter L. BERGER. Perspectivas sociológicas: uma visão humanística. Petrópolis: Vozes, 1973; Peter L. BERGER & Brigitte BERGER. Sociologia: la dimensione sociale della vita quotidiana. Bologna: Il Mulino, 1995; Peter L. BERGER. Le piramidi del sacrificio: etica politica e trasformazione sociale. Torino: Einaldi, 1981; Peter L. BERGER. Homo ridens: la dimensione comica dell´esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999.
[3] Cecília  Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 91.
[4] Peter L. BERGER. A construção social da realidade. Op.cit., p. 31-32.
[5] Para Berger, a sociologia do conhecimento tem por objeto não somente a “multiplicidade empírica do ‘conhecimento’ nas sociedades humanas”, mas também os “processos pelos quais qualquer corpo de ‘conhecimento’ chega a ser socialmente estabelecido como ‘realidade’”: Id. A construção social da realidade, p. 13-14 e 30.
[6] Id. O dossel sagrado. Op.cit., p. 16.
[7] Id. A construção social da realidade, p. 87.
[8] Id. O dossel sagrado, p. 16 e tb. 17-22.
[9] Id. O dossel sagrado, p. 22-23.
[10] Trata-se de um conceito fundamental na obra de Berger, apropriado da sociologia do conhecimento. Segundo Berger, “uma das proposições fundamentais da sociologia do conhecimento é que a plausibilidade, no sentido daquilo que as pessoas realmente acham digno de fé, das idéias sobre a realidade depende do suporte social que estas idéias recebem”: Id. Rumor de anjos, p. 65. Para que uma concepção de mundo permaneça aceitável  para o sujeito, é necessário que o mesmo permaneça inserido numa “estrutura de plausibilidade” que reforce, mediante a convesa,  a afirmação deste mundo.
[11] Id. O dossel sagrado, p. 26.
[12] Id. O dossel sagrado, p. 28 e Id. A construção social da realidade, p. 173-174. Para sua reflexão sobre o tema da internalização (ou interiorização) Berger serviu-se, sobretudo, do aporte teórico de George Herbert Mead e da escola simbólico-interacionista da sociologia americana.
[13] Id. A construção social da realidade, p. 175.
[14] No quadro teórico de Berger, os termos “conversa” ou “aparelho de conversa” encontram um lugar de destaque. Em sua visão, é mediante a conversa, tomada “no sentido mais vasto do termo, que construímos e fazemos prosseguir nossa visão sobre o mundo”: Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 66  Id. A construção social da realidade, 202-204; Id. O dossel sagrado, p. 29-30.
[15] Este “aparelho de conversa” pode também, segundo Berger, modificar e reconstruir a realidade subjetiva. É o que ocorre, por exemplo, na experiência da conversão (alternação), quando o sujeito reorganiza o seu aparato conversacional com outros novos significativos. Cf. Peter L. BERGER. A construção social da realidade, p. 211. Para uma boa aplicação da reflexão de Berger ao tema da conversão cf. Rubem ALVES. Protestantismo e repressão. São Paulo: Ática, 1979, p. 50-81.
[16] Id. A construção social da realidade, p. 205-206; Id. Rumor de anjos, p. 65-66.
[17] Id. A construção social da realidade, p. 65.
[18] Id. A construção social da realidade, p. 209-210. Não há como deixar de lembrar a aqui a influência de Durkheim, para o qual “as crenças só são ativas quando compartilhadas”. Para este clássico da sociologia, não é o simples esforço pessoal que mantém acesa a conservação das crenças, mas o exercício de conversação comunitária: “Para reafirmar sentimentos que, abandonados a si mesmos, arrefeceriam, basta aproximar e colocar em relações mais estreitas e mais ativas aqueles que os experimentam”: Émile DURKHEIM. As formas elementares da vida religiosa. São Paulo: Paulinas, p. 503 e 264.
[19] Peter L. BERGER. O dossel sagrado, p. 19.
[20] Id. O dossel sagrado, p. 42.
[21] Id. Rumor de anjos, p. 66. O grande esforço será no sentido de facultar ao indivíduo a percepção do mundo social como “coisa óbvia” e evitar a todo custo o desgarre dos programas socialmente definidos. Para manter “encurralado o caos” serão acionados procedimentos específicos para ajudar os membros da sociedade a “ficar ‘orientados’ para a realidade’ (isto é, a ficar dentro da realidade como é definida ‘oficialmente’) e a ‘voltar à realidade’ (isto é, voltar das esferas marginais da ‘irrealidade’ ao nomos socialmente estabelecido)”: Id. O dossel sagrado, p. 37.
[22] Id. Rumor de anjos, p. 67.
[23] Id. A construção social da realidade, p. 144-147. Como sublinha Berger, “em situações nas quais existe competição entre diferentes instituições definidoras da realidade podem ser toleradas todos os tipos de relações entre os grupos secundários com os competidores, desde que existam, firmemente estabelecidas, relações de grupos primários em cujo interior uma determinada realidade é progressivamente reafirmada contra os competidores”: Id. A construção social da realidade, p. 202. Esta situação tende, porém, a se complexificar no momento de afirmação de uma sociedade plural, como veremos adiante.
[24] Id. O dossel sagrado, p. 186.
[25] Id. O dossel sagrado, p. 41.
[26] Id. O dossel sagrado, p. 45.
[27] Na visão de Berger, “a legitimação religiosa pretende relacionar a realidade humanamente definida com a realidade última, universal e sagrada. As construções da atividade humana, intrinsecamene precárias e contraditórias, recebem, assim, a aparência de definitiva segurança e permanência.”: Id. O dossel sagrado, p. 48-49.
[28] Id. O dossel sagrado, p. 97 e também pp. 46 e 99.
[29] Id. O dossel sagrado, p. 48.
[30] Id. Rumor de anjos, p. 54.
[31] Como indica Berger, “a morte estabelece também a mais aterrorizadora ameaça às realidades asseguradas da vida cotidiana. A integração da morte na realidade dominante da existência social tem portanto a maior importância para qualquer ordem institucional”: Id. A construção social da realidade, p. 138. Como bem observado por este autor, o que a teodicéia faculta não é em si a felicidade, mas significado. Indica que “nas situações de intenso sofrimento, a necessidade de significado é tão forte quanto a necessidade de felicidade”. Cf. Id. O dossel sagrado, p. 70. Em semelhante linha de reflexão, o antropólogo Clifford Geertz buscou mostrar que o significado da religião não é tanto o de evitar o sofrimento, mas fazer com que o mesmo seja algo tolerável e suportável. Cf. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989, p. 119. Ver ainda: Carmen Cinira MACEDO. Imagem do eterno: religiões no Brasil. 2 ed. São Paulo: Moderna, 1989, p. 25-26.
[32] Peter L. BERGER. Rumor de anjos, p. 214. Ver também: Id. O dossel sagrado, p. 108-109. Id. Homo ridens: la dimensione comica dell’esperienza umana. Bologna: Il Mulino, 1999, p. 301.
[33]O sentido de modernidade aqui trabalhado encontra analogia com sua aplicação filosófica, que se traduz como modernidade pós-renascentista. Um dos traços substantivos  desta modernidade refere-se à “iniciativa teórica, até agora inédita na história humana, que propugna a imanentização dos termos da relação de transcendência, com a abolição da sua dimensão metafísica e a emergência do existente humano como fonte de movimento de autotranscendência desdobrando-se na esfera da imanência: nas instituições do universo político,  na construção do mundo técnico, na concepção autônoma do agir ético, na fundamentação teórica, enfim, da visão de mundo”: Henrique Cláudio de LIMA VAZ. Raízes da modernidade. São Paulo: Loyola, 2002, p. 16.
[34] Id. O dossel sagrado, p. 119.
[35] Id. O dossel sagrado, p. 139.
[36] Id. Rumor de anjos, p. 78-79. Sintetizando a posição de Berger sobre a situação de crise de plausibilidade da religião, Cecília Loreto Mariz afirmou: “A religião no mundo plural abandona sua ambição de unir toda uma sociedade ou de ditar a ética da vida pública. Segrega-se, então na vida privada. Berger descreve a situação atual como aquela onde a plausibilidade da religião na vida pública desmorona e na vida privada é constantemene ameaçada pelas religiões concorrentes”: Cecília  Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Francisco Cartaxo ROLIM (Org.). A religião numa sociedade em transformação. Petrópolis: Vozes, 1997, p. 103.
[37] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico, p. 48. Comentando esta questão, Stefano Martelli sublinha que o processo de pluralização de escolhas que acompanha a modernidade “implica a relativização das pretensões de plausibilidade propostas por cada uma das instituições. Isso tem consequências particularmente graves para agências educativas, que são perturbadas pelos conflitos entre concepções pedagógicas diferentes, mas sobretudo para a Religião, cuja mensagem se caracteriza  pela pretensão de verdade absoluta”: A religião na sociedade pós-moderna. São Paulo: Paulinas, 1995, p. 293.
[38] Peter L. BERGER. L’imperativo eretico. Torino: Editrice Elle Di Ci, 1987, p. 60-64. Segundo Berger, “a situação pluralista não só dá ao indivíduo uma oportunidade de escolha, mas o força a escolher. Justamente por isto, torna muito difícil a chegada à certeza religiosa. É instrutivo relembrar que o sentido literal da palavra haeresis é ‘escolha’. Num sentido muito real, toda comunidade religiosa numa situação pluralista se torna uma ‘heresia’, com toda a sutileza social e psicológica que o termo sugere”: Id. Rumor de anjos, p. 80.
[39] Berger admite em reflexão recente que em período anterior acabou contribuindo para a afirmação de uma literatura em sintonia com a teoria da secularização. Sua visão atual vai em outra direção. Sem negar a presença de efeitos secularizantes que continuam em ação, argumenta que a suposição de que se vive atualmente num mundo secularizado é equivocada. Como ele mesmo indica, o mundo de hoje, consideradas algumas exceções, “é tão ferozmente religioso quanto antes, e até mais em certos lugares”: Cf. A dessecularização do mundo: uma visão global. Art.cit., p. 10. Segundo Cecília Loreto Mariz, este mea culpa de Berger deve ser relativizado, pois, de fato, ele nunca deixou de perceber a presença de sinais de transcendência na sociedade moderna. Só que agora tende a acentuar a presença mais destacada de uma busca de redenção e de transcendência, que ocorre muitas vezes em reação aos limites da secularização. Cf. Secularização e dessecularização: comentários a um texto de Peter Berger. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 26, 2001. Ver ainda: Piergiorgio GRASSI. Secolarizzazione e teologia: la questione religiosa in Peter Berger. Urbino: QuattroVenti, 1992, p. 17-18.
[40] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão global. In: Religião e Sociedade, v. 21, n. 1, p. 10, 2001.
[41] Id. O dossel sagrado, p. 159.
[42] O ecumenismo vem  entendido por Berger “no sentido de uma colaboração amigável cada vez mais estreita entre os diferentes grupos envolvidos no mercado religioso”. Mas para ele, trata-se de uma necessidade de adequação à situação pluralista, de  racionalização da competição na situação pluralista. Cf. O dossel sagrado, p. 153.
[43] Id. Una gloria remota: avere fede nell’epoca del pluralismo. Bologna: Il Mulino, 1994, p. 48.
[44] Id. Una gloria remota, p. 45. Ver também: Id. Rumor de anjos, p. 32 e 40. No caso da teologia liberal, a reação crítica  veio contundente na reflexão de Karl Bart (teologia dialética), para o qual uma infinita diferença qualitativa separava a eternidade do tempo. Com Barth instaura-se na teologia protestante uma “total negação da continuidade afirmada pelo mundo liberal entre o  humano e o divino”: Bruno FORTE. In ascolto dell’altro: filosofia e rivelazione. Brescia: Morcelliana, 1995, p. 44.
[45] Id. Una gloria remota, p. 46.
[46] Id. Una gloria remota, p. 46-47.
[47] Id. A dessecularização do mundo: uma visão global, Art. cit., p. 13. Berger sublinha o impulso conservador que vem  atuando em várias tradições religiosas: no catolicismo, no protestantismo, na tradição ortodoxa, no judaísmo, no islamismo, hinduísmo e budismo. Ibidem, p. 13. A socióloga francesa, Danièle Hervieu-Leger, mencionou em trabalho recente o crescimento de uma modalidade específica da figura do convertido no cenário religioso contemporâneo. Trata-se do reafiliado, ou seja, do religioso que redescobre uma identidade religiosa até então mantida como formal, ou vivida  minimamente. Um fenômeno que se relaciona com a busca existencial de novas condições comunitárias, que possam expressar uma experiência pessoal e fortemente emocional, de entrada num “regime forte de intensidade religiosa”: Le pèlerin et le converti: la religion en mouvement. Paris: Flammarion, 1999, p. 124-125.
[48] Peter L. BERGER. A dessecularização do mundo: uma visão global. Art.cit., p. 18.
[49] Ibidem, p. 13.
[50] Ibidem, p. 16-17.
[51] Ibidem, p. 19.
[52] Cecília Loreto MARIZ. Peter Berger: uma visão plausível da religião. In: Op.cit., p. 104-107.
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O ÓDIO RELIGIOSO E O ÓDIO À RELIGIÃO
(Palestra proferida na Semana do Direito da FANOR/DEVRY, 21/10/2015)
Pensar o ódio religioso exige buscar entender o fenômeno do ódio em si, ou da violência, ou ainda, da intolerância como anterior e mais abrangente que a religião. O ódio, tão escandaloso no espaço da religião, não é privilégio dela. Sabemos do ódio e da violência, atrelada inclusive ao sagrado, desde sempre e em todas as culturas de que se tem notícia.
A política brasileira recente e sua polarização é um exemplo de que o ódio não é uma característica nem exclusiva nem predominante da religião, mas das relações sociais e seus movimentos utópicos, místicos e idealistas.
René Girard[1]e sua antropologia da violência oferece uma interpretação da história humana, tanto quanto da história das religiões, como uma história da violência. A formação, mudança e desaparecimento de comunidades são catalisadas pelos processos de violência e no espaço sagrado. Somos violentos desde que se tem notícia das relações humanas. E assim o pensador nega a utopia da modernidade e sua concepção de que somos naturalmente bons e inocentes, sendo as relações sociais que nos pervertem. (Girard destoa do pensamento de Freud, Lévi-Strauss e Marx, o que faz dele uma figura controversa no circuito intelectual.)
Girard pode nos ajudar com o tema, à medida que desvela a violência e desmistifica o ódio social. Tratar o ódio religioso como um fenômeno outro é se livrar da complexidade e amplitude do problema.
Para compreender o pensamento de Girard, precisamos de sua teoria do Bode Expiatório e o desejo rivalístico, ou a rivalidade mimética. Não somos maus porque nascemos em pecado, como pretende o pessimismo antropológico de origem agostiniana, na doutrina do Pecado Original. O mau que nos constitui é perpassado por nossa condição contingencial e faz de nós “naturalmente”(biologicamente?) egoístas; suscetíveis, precários, finitos, carecemos da afirmação diante do outro.
Para esta constatação, Girard desenvolve a teoria do desejo rivalístico, ou do desejo mimético. Não desejamos as coisas ou os atributos, desejamos os desejos dos outros, daqueles a quem admiramos. Desejamos ser felizes, ou tão bem sucedidos quanto parecem aqueles a quem admiramos e facilmente concluímos que aquilo que os torna assim, admiráveis, são as coisas que buscam, os seus desejos. É o desejo mimético.
Imitamos desejos. E a violência, o ódio e a intolerância são o seu resultado incontornável. Há muito mais pessoas desejando as mesmas coisas, as mesmas vidas admiráveis, as conquistas dos mesmos prestígios e sucessos do que é possível ser. Logo, poucos conseguem ter e se tornar o que muitos desejam. Esta desproporção gera frustração e um forte sentido de inadequação. A partir dela, inveja, intriga, pequenas rupturas comprometem a comunidade, ou a unidade social.
O desejo mimético é a origem do sentimento de inadequação que cumulará a todos de uma crescente violência. O que fazer com essa violência que nos habita e compromete a integridade de nossas comunidades? Precisaremos encontrar um bode expiatório, alguém ou algo cuja maldade ou maldição ou ameaça simbólica ou mística explique porque sofremos e desprenda, ao ser castigada, a violência represada. Socialmente, acreditamos que a culpa pelo nosso sofrimento está naquela pessoa. O bode expiatório só desempenhará com eficiência o seu papel se todos, inclusive ele, acreditarem em sua culpa.
O bode expiatório é todo processo de desprendimento destas pequenas e grandes violências e rupturas represadas nas relações. A vítima é o remendo no tecido social.
Girard estuda diversos casos da história, que vão da caça às bruxas, a perseguição dos ciganos até o antissemitismo. Cada bruxa que queimava nas fogueiras, cada cristão que era devorado nas arenas, cada limpeza étnica, além dos lucros políticos e econômicos eventuais, servia para atenuar revoltas, reconciliar as comunidades, acalmar inquietações.
Mas a verdade é que o ódio e a violência e os bodes expiatórios se reproduzem em pequenos recortes da vida social. No bullying entre crianças e adolescentes. Nas intrigas entre vizinhos de um condomínio. Na vilanização da ovelha negra da família.
Vilanizar pessoas e grupos resolve os problemas com menos custos. É útil, fácil e producente para os mecanismos de poder encontrar um inimigo em comum, alguém sobre quem despender ódio e a violência que as frustrações de viver represam em nós.
Na religião, não é diferente.
Mia Couto, em seu romance O outro pé da sereia, põe na boca do clérigo em crise de fé, a bordo de uma embarcação missionária para a África, no séc. XVI, a percepção de quão perversa pode se tornar a religião, quando a serviço do poder:
“O padre Antunes sentia medo em regressar ao velho assunto. Agora, a meio caminho entre a Índia e África, ele perdia certezas como um corpo perde o pé nas fundas águas. O sacerdote espreitou por entre as colunas do chapitéu, perscrutou o horizonte e perguntou:
– Sabe, D.Gonçalo, o que levamos no porão das naus?
– Sei, são mercadorias.
– Nada disso, D. Gonçalo. Nós carregamos é o Diabo.
– Cruz credo, padre Antunes. Tenha tento nas palavras.
– É isso mesmo. É assim que fazemos nas conquistas: primeiro, segue o Diabo; só mais tarde é que enviamos Deus.
– As suas palavras são pecaminosas, meu filho.
– Desça lá baixo e veja com seus olhos,”
A gente pode concluir que no cerne do ódio e da violência está o projeto do poder. E dizer, a princípio, que os nossos melhores projetos tropeçam nas próprias pernas. Somos condenados a dar um tiro no pé. Inclusive na religião. Por que?
Porque o passo seguinte de um projeto é a busca de perpetuação. Organizamos, ritualizamos, hierarquizamos, regramos para que ideias e experiências que estimamos não se percam no esquecimento, para que não morram. O nome destas ações de perpetuação é poder. E no projeto de poder é que o bode expiatório se torna incontornável.
É útil, fácil e produtivo para qualquer projeto de poder utilizar os ingredientes do bode expiatório: vilanização, culpabilização, sacrifício. E aqui também tropeça a religião. Marli Cunha, em seu artigo em O Globo, de 01/10/2015, trata do ódio religioso e nos oferta alguns exemplos de comentários a uma postagem em que enaltece exemplos cristãos que pregam a tolerância às diferenças e a convivência plural com religiões, grupos políticos e outras sexualidades[2]:
“Marxistas (ateus) disfarçados de evangélicos… Se não respeitam a família tradicional, terão seu lugar reservado no inferno quando Jesus voltar… Não são evangélicos, só um bando querendo aparecer… Tenho certeza absoluta de que não são evangélicos… São idiotas querendo fazer média para agradar gregos e troianos… Lobos em pele de ovelha. Devem estar ganhando alguma grana para isso… São uma vergonha para os cristãos… Bando de esquerdistas que rezam mais para Che Guevara do que para Jesus… Na verdade são pessoas com distúrbios usando o nome da religião e dos cristãos… Esses caras nunca leram a Bíblia… É o fim do mundo! Volta logo, Jesus! Este é o lixo da Missão Integral… São verdadeiros demônios em busca de dinheiro e poder! Que p… de crente é esse? Eles pregam o inferno gospel? Essa corja de f… não são cristãos nem aqui nem no inferno. Não tenho dúvidas de que não passam de chupadores de PT, comunismo, Paulo Freire e Leonardo Boff, são, portanto, inimigos!”
Vale dizer que a religião cristã parece ser particularmente apropriada para o fenômeno do bode expiatório. A sua linguagem e lógica do sacrifício vitimador, ou da morte redentora, que perpetua a lógica primitiva da religião, presente no Antigo Testamento. Com um Deus cuja justiça apenas é satisfeita com a morte de alguém, cuja justiça só propicia redenção se alguém derramar sangue, em um ambiente religioso com essa cultura de vitimização salvadora, o ódio e a violência se tornam profícuos e legítimos.
Mas para René Girard, a grandeza do cristianismo está em negar a lógica do sacrifício na morte de Jesus. Sua morte não foi expiatória, para o antropólogo. Sua morte foi a negação do bode expiatório. James Allison, teólogo e clérigo católico, gay e ativista assumido, além de um comentarista de René Girard, pode nos ajudar na entrevista concedida à revista eletrônica do Instituto Humanitas[3]:
Essa é a proposta de Girard, e eu a compartilho. Na base de toda a forma de cultura humana existe aquilo que ele chama de bode expiatório. Temos a tendência de criar uma unidade entre nós por contraste com um outro ruim, que é “jogado fora”, seja sacrificado, expelido ou banido, mas que, desde o começo, dos nossos antepassados mais próximos aos macacos, quando os antropoides estavam desenvolvendo uma capacidade de imitação cada vez maior, começou a haver as possibilidades de uma cultura humana com base neste mecanismo sacrificial de construir unidade e distinguir quem está dentro e quem está fora. Segundo Girard, o que Jesus teria feito é voltar diretamente ao cerne de um assunto do passado, ocupando o lugar da vítima de maneira voluntária, não porque Deus precisa castigar alguém, mas para abrir os nossos olhos para nossa necessidade de castigar alguém. O típico de nossa vivência humana é imaginar que dependemos de um outro julgado ruim, perigoso, contaminante, vergonhoso para mantermos a nossa própria unidade e bondade no sentido de comunidade. Ao ocupar voluntariamente este lugar, Jesus estaria explodindo a partir de dentro o mecanismo de manutenção da ordem, da lei e bondade de toda cultura humana. Por isso poder-se-ia falar na morte de Jesus como sendo precisamente a superação de toda religião sacrificial. A partir disso, não faz mais sentido o sacrifício.
O cristianismo é a religião cuja fundação é um grito de protesto contra a lógica do sacrifício, Jesus não foi o bode expiatório porque nunca reconheceu-se culpado e cujos seguidores denunciaram seu assassinato político. O seu sacrifício não foi para a perpetuação do poder, mas foi para o desmantelamento do poder. Jesus não foi um sacrifício que remendou o velho tecido social, remendado desde sempre pelos processos de violência sagrada, mas que rasgou o tecido com o convite anárquico e anti-poder do amor.
Na pretensão do poder é que a religião, cristã ou não, se desvirtua em ódio e intolerância. E a lógica do sacrifício se reafirma. O fundamentalismo e a intolerância religiosa são ingredientes do poder. De uma religião que pretende se afirmar em detrimento de outras. Fundamentalismo é jogo de poder. Não há fundamentalismo sem pluralismo religioso.
Outro pensador imprescindível para iluminar o ódio religioso é Gianni Vattimo[4]. O filósofo italiano, membro da Igreja Evangélica Valdense, na política foi o primeiro parlamentar italiano a assumir a homossexualidade; comentador da obra de Nietzsche e Heidegger, desconstrucionistas e anti-metafísicos, Vattimo nos brinda com uma interpretação inusitada de suas obras. Para o pensador italiano, ambos os filósofos, tidos por opositores do cristianismo, são, na verdade, aliados importantes.
Para Vattimo, a morte de Deus de Nietzsche e o enfraquecimento do ser de Heidegger são a nova kenosis, palavra grega que significa esvaziamento, usada no texto do Apóstolo Paulo, na Bíblia, para afirmar que a humanidade radical de Jesus foi a encarnação de um Deus esvaziado. Em Jesus, Deus não se afirmou em poder e glória. Para o cristianismo paulino, Deus abriu mão de força, se enfraqueceu para amar. Tornando-se um de nós. Mais que um de nós. O mais frágil e humilhado e mortal de nós. O mais radical humano de que temos notícia.
Para Vattimo, o cristianismo tem na secularização, e por que não dizer no pluralismo religioso e secular, a chance de renovar a kenosis. Sua contribuição é se tornar irrelevante. Modesto. Portador de um pensamento débil. A fragilidade do seu discurso é a salvação da humanidade, porque é a ocasião para o amor e a negação do poder.
Estamos em uma bifurcação. Diante do pluralismo e sua sanha por relevância e força mercadológica, podemos ou optar pela via do poder e sua intolerância e ódio incontornáveis, ou escolher o caminho do Calvário e se enfraquecer para amar.
O ódio religioso e o ódio à religião são crias de um cristianismo que se perdeu de si mesmo. Para Richard Rorty, filósofo americano e neopragmático, no debate com Gianni Vattimo, publicado no livro O futuro da religião, a religião precisa abrir mão do projeto público e voltar ao privado; apenas assim retornará a sua vocação primeira para a charitas, para o amor. Precisa abandonar a arena e voltar aos afetos.
Dostoiéviski, no seu romance O idiota, em um discurso febril do Príncipe Michkin, afirma que o ateísmo é filho do cristianismo e suas pretensões de dominação humana. Portanto, cabe aos cristãos e é sugestivo a todos os religiosos seguir os passos do Cristo e esvaziarem-se novamente, abandonando quaisquer arenas, negando a lógica do sacrifício, dissolvendo pretensões de força, seja no discurso ou na representação política, e “voltando ao primeiro amor”, já preconizado pelo Apóstolo João no Apocalipse.
[1] (Avinhão, 25 de dezembro de 1923) é um filósofo, historiador e filólogo francês.
Atualmente, Girard é professor de literatura comparada na Universidade de Palo Alto, Califórnia, EUA.
[2] http://oglobo.globo.com/sociedade/religiao/sinal-dos-tempos-17657071#ixzz3pCuByNBA
[3]http://www.ihuonline.unisinos.br/index.php?option=com_content&view=article&id=4444&secao=393 (O grifo é meu)
[4] Gianteresio (Gianni) Vattimo (Turim, 4 de janeiro de 1936) é um filósofo e político italiano, um dos expoentes do pós-modernismo europeu.
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CONSCIENTIZAÇÃO DA MORTE E DO VIVER II
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RESSOCIALIZAÇÃO MEDIADA PELA ASSISTÊNCIA RELIGIOSA: DIREITO DOS ENCARCERADOS NO SISTEMA PENITENCIÁRIO
Bruno Moraes Costa
Texto Parcial
ASSISTÊNCIA RELIGIOSA  
Assistência religiosa é uma expressão que designa o ato de assistir pessoas em situações precárias: doenças, estresses, dificuldades financeiras, etc.
Geralmente, é realizada de modo coletivo em hospitais, presídios, asilos, ou na casa das pessoas necessitadas. Para tanto, há todo um suporte de missionários voluntários que dispõem de seu tempo para programarem atividades religiosas e as aplicarem com regularidade ao seu campo de atuação. Nas instituições prisionais, a elaboração desse contributo – em vista de se apresentar, em sua grande maioria, num cenário hostil, deletério e carente de opções de ressocialização – torna-se, talvez, o único lenitivo para os assistidos, um esteio tangível para a retomada de um novo modo de vida. Destarte, inúmeros a ele se aderem.  
1 Como se dá nas penitenciárias  
Além da Carta Magna a priori examinada (1.1.2 Garantias legais), a Lei de Execução Penal n. 7.210/84 já determinava a garantia dessa assistência aos indivíduos encarcerados no sistema prisional brasileiro, como está disposto em seu art. 24:
Art. 24. A assistência religiosa, com liberdade de culto, será prestada aos presos e aos internados, permitindo-se-lhes a participação nos serviços organizados no estabelecimento penal, bem como a posse de livros de instrução religiosa. § 1º No estabelecimento haverá local apropriado para os cultos religiosos. § 2º Nenhum preso ou internado poderá ser obrigado a participar de atividade religiosa31.
Entretanto, “Nos cárceres brasileiros, a ressocialização do apenado tornou-se um mito, uma utopia, uma ilusão enganosa e financeiramente irrealizável”32 – é o que dizem Andrade e Ferreira no trabalho que realizaram – uma “pesquisa qualitativa, exploratória, descritiva, dedutiva e bibliográfica com base em livros e artigos científicos de áreas afins”33 – sobre o sistema penitenciário brasileiro. Aspecto do tema que se passa a discorrer na subseção abaixo sequenciada pelos motivos vantajosos que levam uma parcela de detentos a se inserir no grupo de assistidos religiosos das penitenciárias.  
2. Entraves encontrados  
Uma das maiores dificuldades encontradas por parte de voluntários que realizam atividades de assistência religiosa no sistema prisional brasileiro, segundo Freitas, é o perfil de profissionais – desde os mais altos cargos do sistema penal: juízes/promotores a advogados, como também agentes penitenciários/diretores de presídios/carcereiros – que não têm qualquer noção do poder da influência religiosa na vida dos encarcerados; não têm o alcance perceptível do quão a religiosidade é capaz de penetrar na essência humana, em especial do homem carente e sedento de afeto, e ali suscitar o anseio de viver outra vida, redirecionando o seu itinerário para um devir de reintegração social. O estado de cegueira desses profissionais emperra o movimento ascendente “dos serviços de assistência espiritual dentro dos presídios e o incentivo da consciência religiosa do homem encarcerado para que encontre novos meios de se readaptar à sociedade, ou então adaptar-se a ela”34.
O envolvimento da religião nesse meio tem o fim específico de colaborar para a promoção da paz e do melhor ordenamento do ambiente precário das prisões, tornando mais humanas as relações ali estabelecidas e preparando os espectros humanos para a sua futura (re)integração social. Entretanto, apesar de todas as dificuldades que encontram os religiosos que dão assistência nas penitenciárias, “cresce o número de grupos e instituições religiosas que solicitam credenciamento para o exercício de atividades de assistência espiritual nos presídios. Mas nem sempre foi assim”35.  
A assistência religiosa prevista como direito nas políticas penais modernas permaneceu, durante muitos anos, como um serviço restrito, de certa forma, a um pequeno contingente de agentes, predominantemente vinculados à Igreja Católica. Internamente, o acesso e a atuação destes agentes eram coordenados pela direção dos estabelecimentos penais que, no conjunto de suas atribuições profissionais, considerava a atuação dos grupos religiosos como de caráter complementar, quando não, de caráter absolutamente residual36.
Com o crescimento das igrejas evangélicas e, mais ainda, das neopentecostais, sua atuação nos presídios foi aos poucos se firmando e, hoje, é o maior grupo de assistência religiosa nesse ambiente.
Os cultos pentecostais nos presídios [do Rio de Janeiro] acontecem diariamente. Para realizá-los, os agentes religiosos se revezam de acordo com a denominação à qual pertencem. Também os que ali se converteram tornamse agentes religiosos internos. Após um período de aprendizado da fé, através dos estudos bíblicos e frequência assídua às atividades religiosas, tornam-se detentores do ‘capital religioso’ e passam a atuar como ‘multiplicadores da fé’. Vale citar aqui o Grupo de Evangelismo e Visitação da Congregação Lemos de Brito composto por três ou quatro internos munidos de Bíblia que percorrem os espaços do cárcere, distribuindo folhetos evangelísticos e, surgindo a oportunidade, proferem uma oração ou leitura da ‘Palavra’37.
Em contrapartida, a aceitação de religiosos de matriz africana tem enfrentado muitos entraves nos presídios; eles são bastante discriminados. É o que comenta a Mãe de Santo da Casa do Perdão, Flávia Pinto, em seu artigo publicado pelo ISER, n. 61. Ela se queixa: “pessoas pouco esclarecidas, de mentes fechadas, fanáticas e bitoladas, que nos discriminaram, nos desrespeitaram. Só entramos porque o assunto foi para o jornal e o DESIPE38, no dia seguinte, nos aprovou em menos de 24 horas”. E conclui: “Mas fomos fortes e não desistimos”39.
Como se não bastasse às pastorais assumirem funções que não lhes são inerentes, ao praticarem empiricamente o seu devido papel, encontram muitos entraves. É o que atesta a pesquisa documental embasada em “relatório da CPI do Sistema Carcerário e as audiências realizadas pela referida Comissão Parlamentar”40. 
De fato, não é dado o devido valor à assistência religiosa que há nas penitenciárias. Há uma atmosfera de preconceito e uma resistência do Estado, às vezes veladas pelos bastidores, desviando os olhos de agentes externos do interior das penitenciárias e do terror do Estado no desvelamento das infâmias intramuros decorrentes da ineficiência gestora. Com efeito, é a tentativa de maquiar a desconsideração com tal assistência, pois 
[...] o Estado, em ambas as possibilidades, comprova sua ineficácia em cumprir a função social que lhe é inerente, contribuindo dessa forma, para o aumento de uma criminalidade já saturada. O guardião da Constituição Federal fere os direitos humanos, mormente o princípio da dignidade humana, quebrando uma segurança jurídica antes trincada41.
Além desses entraves a dificultarem o detento a ter a assistência religiosa, pesa a questão do “proselitismo religioso com abuso preocupante de algumas seitas não escapando tal conduta da argúcia de alguns atentos doutrinadores”42, que aproveitam da vulnerabilidade dos internos para convertê-los. Sobre tal aspecto, Flávia Valéria Melo sinaliza a assistência religiosa dos neopentecostais na prisão alertando que, por não haver autorização do proselitismo, urge que ele deva ser interditado, pois daí nasce
[...] a dúvida sobre a estratégia solidária da igreja no presídio e a revelação de seu repertório visando retornos oportunos, até mesmo porque expressando também seus preconceitos contra outras religiões, como a afro-brasileira, as igrejas pentecostais também evitam o foco de crescimento daquelas religiões a partir do presídio, garantindo assim, a oposição religiosa dentro e fora dele. Isso leva a crer que, oferecendo aos presos o que eles estão desejosos por adquirir na cadeia, as igrejas evangélicas geram a oportunidade de novos agentes, como obreiros e pastores, cujo empreendimento convalida a ação de novos líderes de suas igrejas43. 
Pesquisas também evidenciam preocupação demonstrando ser “extremamente preocupante a tentativa do poder executivo de dificultar o trabalho dos órgãos fiscalizadores do sistema, pois o controle externo é imprescindível para tentar mudar o quadro atual”44. Na verdade, no Brasil, têm sido tantas “as dificuldades para lidar com a situação dos condenados e internados, que foi necessária a criação de uma Lei para contemplar direitos e deveres dessas pessoas”45 – a já referida LEP.
2.1 Vantagens concedidas aos adeptos
Aliar-se à assistência religiosa prestada no sistema carcerário, por mais precária que ela seja, é sempre muito vantajoso para o detento, e o rol de justificativas é inumerável. Mas, em conformidade com a antropóloga Regina Reyes Novas, “Sem dúvida, relacionar religiões e prisões é sempre polêmico. Às prisões cabe punir e criar condições para recuperar cidadãos. Às religiões cabe acolher, perdoar, redimir, converter para recuperar espíritos”46. Crendo na força da religião, Pedro Souza argumenta que realmente não se pode negar que “diante da complexidade vivenciada pelo sistema prisional, [...] a religião tem sido uma ferramenta que muito tem contribuído para a ressocialização do apenado”47. Mas o próprio Souza identifica  
[...] desvios de finalidade, que sofre a assistência religiosa, em solo carcerário, quando é utilizada pelo preso como instrumento para autopromoção da imagem perante a administração da unidade penal, como também quando é usada para fins de proselitismo, na busca, única e exclusiva, de aumentar o número de membros, e também de ser instrumentalizada pelo Estado, que se exime de suas obrigações, transferindo às entidades religiosas [...]48.  
Concordando com a fala inicial de Souza, pode-se dizer que o fomento à consciência religiosa do encarcerado para que vislumbre diferentes caminhos de (re)adaptação social é uma luz na escuridão de alternativas em que se encontra. Mirabete justificou isso mediante o confronto que fez com inúmeras pesquisas empíricas realizadas por outros autores em institutos penais, cujos resultados demonstraram que a religião no ambiente carcerário possui de maneira comprovada, influência benéfica no comportamento dos presos, tornando-se uma variável única que possui em si mesma, potencialmente, a capacidade de transformação do homem, esteja ele encarcerado ou livre49.
Seja dito de passagem, lá nos idos de 1912, já afirmara o sociólogo Émile Durkeim:
O fiel que se pôs em contato com seu deus não é apenas um homem que percebe verdades novas que o descrente ignora, é um homem que pode mais. Ele sente em si mais força, seja para suportar as dificuldades da existência, seja para vencê-las. Está como que elevado acima das misérias humanas porque está elevado acima de sua condição de homem; acredita-se salvo do mal, seja qual for a forma, aliás, que conceba o mal50.
Todavia não é apenas por esse viés que a discussão deste texto pretende seguir, mas também tangenciar vantagens outras que, espertamente, levam uma parcela da clientela dos presídios à adesão a tal assistência, como ora se apresenta. Corroborando o segundo argumento de Souza, de fato, há muitos presos que se aproximam da assistência religiosa não com o propósito de conversão religiosa que, por certo, interferiria em seu comportamento para melhor, mas, apenas, para buscar a identidade do convertido e, com isso, conseguir certas vantagens na prisão. Assim foi a pesquisa de Eva Maria Scheliga, em sua dissertação de mestrado, cujo objetivo se concentrou na conversão religiosa como estratégia para alteração das “representações produzidas, pelo convertido e pelos ‘outros’, a seu respeito – redimensionando, com isso, seu lugar nas classificações produzidas no interior do cárcere”51.  
Também na ótica de Edileuza Santana Lobo, a conversão dos internos não é um sentimento nascido de reflexões sobre sua delinquência; ela “se dá de fora para dentro, com a presença constante dos agentes religiosos de diversas denominações revezando-se na evangelização dos presos”52.
Nas prisões do Rio de Janeiro, a presença dos agentes religiosos por um lado tem provocado mudanças no ambiente prisional e, por outro, transformado líderes religiosos em parceiros do Estado na administração de conflitos nas prisões, algumas vezes até, atuando com certa autonomia em situações de rebeliões53.
A imagem do convertido é também vantajosa no exame criminológico; pode resultar na abreviação do cumprimento da pena em canteiros de trabalho, quando há na unidade. Dependendo da capacidade de argumentação do convertido, alguns viram pastores quando saem dali, podendo, inclusive, fazer dessa atividade uma capa protetora para a prática de crimes. Razões como essas levam parte da polícia a generalizar em seu jargão de que “o preso que usa o escudo da religião é pilantra”54.
A conversão, no discurso dos funcionários, torna-se um recurso duplamente vantajoso: “reduzir a pena por ‘bom comportamento’ e respaldar atividades ilícitas”55. Para Scheliga, converter-se ao pentecostalismo pode significar ser bem considerado pelos funcionários das penitenciárias e pelos demais internos em razão de se tornarem mais pacíficos, obedientes e plausíveis de ressocialização facilitando desfrutarem de certos benefícios como – mais do que a conquista da permanência em alas/espaços físicos mais tranquilos com seus pares – o “novo status: o reconhecimento de que ele participa do universo pentecostal, faz com que ele redefina as relações de poder das quais faz parte”56.  
Acrescenta Scheliga: “O ‘bom comportamento’/a ‘obediência’/a ‘calma’' e praticamente todos os demais atributos que caracterizariam os detentos convertidos (e os pentecostais, em especial) estão inscritos nesta lógica relacional [...]”57. Enquanto isso, o não convertido continua não só cumprindo sua pena, que é a privação da liberdade, mas sobretudo excluído de muitos de seus pares (os convertidos), sendo desrespeitado nos seus direitos humanos sonegados.   
A adesão dos detentos à religião, como mostraram as pesquisas arroladas, é sempre vantajosa seja ela interiorizada seja apenas um disfarce, e neste caso não prevalecerá fora do cárcere. Quando verdadeira, também se torna muito difícil a sua manutenção em estado de liberdade, o qual envolve uma conjuntura complexa de aceitação nos ambientes sociais, inclusive nos próprios templos religiosos, como se discutirá na sequência.  
2.2 Permanência da assistência religiosa
Um grande obstáculo que se constata é a permanência do ex-detento na prática religiosa. Em debates com agentes religiosos, Nascimento ouviu deles “que muitos detentos ganharam liberdade, mas ficaram devendo às facções criminosas às quais estavam ligados. Ao saírem das prisões eles têm de pagar as dívidas e, por isso, muitas vezes retornam à vida do crime”58. Portanto, a perseverança no caminho reto pode exceder suas potencialidades, demandando da assistência religiosa suficiência para manter os crentes como tais, pois o mundo fora das prisões forma muralhas intransponíveis inviabilizando a acolhida do ex-apenado, dessa subclasse de indivíduos cognominados colarinho preto, isto é, uma massa de “pessoas oriundas das classes marginalizadas, pessoas que tiveram seus direitos sonegados pelo Estado quando estavam fora do sistema”59. Se em liberdade seus direitos já eram violados pela má sorte do destino, encarcerados torna-se muito mais difícil ressarcir esses direitos, os quais eles nem conhecem. Daí se depreende a imprecisão do termo ressocialização do preso, já que não fora ainda socializado na vida pregressa.
Carece que os grupos de assistência religiosa, atentos a essa conjuntura, redesenhem os seus projetos60. Nesse novo caminhar, é imperativo ter como leme a dignidade da pessoa humana – fundamento latente dos credos religiosos que se operacionaliza no respeito ao próximo. Toda pessoa tem esse direito e deve ser valorizada como tal. Isso envolve um trabalho assistencial capaz de incutir no preso a crença de que é possível a sua transformação interna, que refletirá exteriormente, verificada por “comportamento mais dignos, o que contribuirá para a sua ressocialização, capacitando-o para o convívio social normal e aceitável junto à sociedade”61. Ajustes são indispensáveis para a absorção desse contingente na sociedade, o qual precisa manter sua modificação comportamental mesmo diante da intolerância social – pontos de discussão dos tópicos abaixo.  
2.2.1 Modificação comportamental do egresso convertido
O processo de conversão envolve o indivíduo com um novo grupo cuja contextualização ele passa a experimentar e sentir pertencido a ela, enlaçado ao compromisso de se identificar “aos comportamentos e estilos do grupo no qual entra, fazendo com que ele se sinta e aja como membro pleno do grupo, sobretudo no que diz respeito aos papéis sociais, às normas e valores”69. Assim envolto, a vida errante tem grandes chances de ficar circunscrita ao passado.
Edênio Valle lembra não ser unívoca a noção de conversão. Ele a entende no sentido de H. Carrier – como “[...] ‘atitude’ que conota elementos afetivos, cognitivos e conativos”70 – e distingue suas funções como o faz Max Weber: “a de propiciar um sentido (meaning function) e a de oferecer à pessoa um lugar social de pertença no qual possa ancorar sua identidade (belonging function)”71. Com tal ótica também este trabalho concebe os fundamentos de conversão.
No decurso da conversão, o indivíduo experimenta “processos de busca que afetam sua emoção, seus valores e seu comportamento, recentrando-os, de alguma forma, no religioso e no espiritual”72. Nesse envolvimento, explicam Henning e Moré, “tanto algumas práticas ritualísticas quanto o acolhimento do grupo religioso provocam alívio para os conteúdos opressores, centralizando as atitudes da pessoa na empatia pelos semelhantes”73. 
Seja qual for a religião, o homem que a ela se entrega geralmente se desapega das coisas mundanas e passa a ser mais fraterno, tolerante nas relações interpessoais, empenhado à fraternidade, ativo na resolução de contendas humanas. Há uma mudança subjetiva e comportamental74, em busca de uma identificação afetiva com a religião, a qual pode proporcionar ao fiel “fortes experiências emocionais, convívio social, sentido existencial, encontro consigo e com Deus, paz e equilíbrio para a vida cotidiana”75.  
Após a conversão, pode haver também momentos de estresse ou letargia, cuja gravidade se associa à maior/menor maturidade/integração de cada pessoa. O comum mesmo – no caso do egresso que quer dar uma guinada extraordinária em sua vida – é a conversão torná-lo fanático (ponto negativo da conversão). Assim, em razão de sua vulnerabilidade, o desequilíbrio emocional, se muito intenso, pode carecer de tratamento psiquiátrico76.  
Mas, de um modo geral, isento de exageros, o convertido sente um tipo de poder originado do senso de convergência com o sagrado e com a irmandade que aliviam suas tensões77. Até então, se a pessoa estivera dividida, “conscientemente equivocada, inferior ou infeliz, torna-se unificada e conscientemente feliz, superior e correta, como consequência do fato de ter se firmado em realidades religiosas”78.
CONCLUSÃO
O ex-detento, mesmo com o aprendizado da assistência espiritual no presídio, se vê envolto com a criminalidade, com a dificuldade de encontrar emprego, com   o preconceito, com a dificuldade de sobrevivência, entre outras dificuldades. Ainda, podese afirmar, conclusivamente, que a própria configuração sociocultural na qual o exdetento vive vivem tende a afastá-lo da comunidade cristã, da fé e da ajuda da qual necessita para enfrentar os dilemas que vive nesta etapa. É preciso, portanto, perguntar se a filosofia de trabalho, os objetivos, os métodos, as atividades e os materiais utilizados pela assistência religiosa no presídio correspondem aos novos desafios da sociedade e às necessidades que estes desafios trazem para estes detentos, e aprimorálos constantemente para responder às necessidades destes e encaminhá-los para uma vida cristã plena.
Dessa forma, se a configuração da sociedade afasta estes ex-detentos da família, da Igreja e da fé, se as sociedades atuais são dinâmicas e mutáveis, o trabalho da assistência religiosa no presídio deve seguir essa mesma tendência, orientando-se para ajudá-los a viver sua identidade cristã e exercer sua missão como povo de Deus, no contexto sociocultural em que devem viver. Assim, a assistência religiosa tem a função de procurar salvar e curar a alma humana, a transformação do homem na imagem de Jesus Cristo e seu sentido e fundamento é prestar atenção às pessoas.
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