luupin

[luupin]

eu não escrevo porque quero, mas porque sinto que devo

te vi na rua, você passou por mim e não querendo fingir que não me viu admitiu que não queria ver

passou por mim na rua e deliberadamente não quis me olhar, não com indiferença, mas sim resignação.

escrevo não porque sinto que devo, mas porque quero me desfazer no nó na garganta que fiquei após. me senti pequena e inadequada, como uma criança feliz que não quer ser mal vista e sorri para o outro.

fiquei pensando se manter os sorrisos amarelos é minha vã tentantiva de não perceber o que morreu. como se os cumprimentos fossem um sinal de que nesse jardim ainda restava algo. um "está tudo bem resolvido" mesmo que não esteja.

fico me perguntando porque é tão desconfortável ter o seu desapreço. Será minha dificuldade em assumir o papel de imoral na sua história? de alguém baixa, rata, que de esconde, que pula fora? de nada ter sido justa? uma boa pessoa? ter feito o certo ou maduro? por não ter sido adulta? de ter sido covarde

[luupin]

“Queridos amigos, Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação. A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!” carta escrita por Antonio Cicero, poeta e escritor brasileiro.

[luupin]

passei a noite toda lutando contra mim mesma

[luupin]

eu tenho que resistir

a uma noite

uma por vez

uma noite

por vez

[luupin]

tenho tanto medo que nem cabe mais dentro de mim

tenho tanto medo que ele escorre de mim

contamina o solo ao meu redor

não deixa que nada cresça em volta de mim

tão pouco me permite jogar no solo as sementes que carrego dentro do meu bolso

me paralisa

me destrói

de pouquinho em pouquinho

corrói pouco a pouco como ferrugem que se acumula lentamente um dia depois do outro

não alcanço mais o que eu tinha para recuperar

não me movo para lançar mão de coisas novas

só me prende

nesse agora preso no tempo

que nem acontece

nem desacontece

é um buraco no tempo

um furo no espaço

parado

paralisado

no medo

sutil

04.04.24

[luupin]

[luupin]

tudo dói

e adoece com facilidade

é que nossa casa está frágil

.

eu sou a parte que está responsável por cuidar dela,

a parte que está "quebrada"?

estou aqui, sentada calmamente fumando um cigarro, com um olhar de cansaço.

me sento juntamente com outra parte nossa. uma que é todas e nenhuma ao mesmo tempo - a consciência talvez?-

é cansativo cuidar dela

agora ela está lá no quarto, na cama. caiu no sono depois de tanto chorar. ainda bem, assim ela descansa um pouco.

como eu tinha dito antes - traga o cigarro

tem sido difícil cuidar dela

as vezes eu chego e ela esta tão consumida por aquela agonia interna

parece que está se quebrando inteira

de dentro para fora

é um choro de desespero.

e coitada, ela não queria passar por isso. as vezes quase me imploro com um olhar para que eu a salve. que dê alguma coisa que alivie.

as vezes suplica por mais, igual uma drogada no período de abstinência. eu sei, ela só queria sentir aquilo por uma ultima vez, pra matar a necessidade que rasga ela por dentro (ela chama de saudade). outras vezes ela só quer que eu a desligue, pra não sertir mais nada, só um torpor.

me corta o coração ver ela assim, mas eu sei que não há nada que se possa fazer agora para além do que eu faço.

eu abraço ela forte, deixo que ela chore desesperadamente, e sussuro baixinho que está tudo bem. que ela pode chorar, que dói mesmo e que ela pode chorar e permitir que doa. que tudo aquilo que é indigesto de sentir e presenciar pode existir e escorrer para fora. eu não a julgo. (diferente de outras partes nossas)

não sei por mais quanto tempo vamos seguir assim, dia após dia eu tendo que passar horas ao lado dela enquanto ela chora em algum canto da casa, ou de qualquer lugar que esteja sozinha. mas bem, essa é a minha função, cuidar e estar junto ou seja amá-la.

- dá um último trago longo no cigarro e se levanta. apaga a pituca no cinzeiro e diz:

ela tem que arrumar aquela merda de cabelo. ta acabando com a auto estima dela que na atual conjuntura ta um lixo ( risinho debochado de canto de boca).

finaliza:

agora eu vou lá, ver como ela ta e ir fazer as coisas da vida, alguém tem que cuidar do resto, da vida que continua, mesmo quando um lugar nosso ta morrendo e ruindo. - vira as costas e sai calmamente

-luupin

[luupin]

eu queria que você dissesse que me odeia

que já tem outra pessoa

que ama outro alguém

que comemorou a virada feliz

que apesar de tudo está melhor sem mim

que não sente mais nada que não seja decepção

que se me vir na rua vai fingir que não me conhecesse

que foi um livramento não estar mais comigo

que eu sou péssima

.

que não sente a minha falta

que eu só fui mais uma pessoa

.

queria que me desse motivo

pra não sentir mais saudade

pra ser obrigada a seguir em frente.

queria um chute tão forte

que me levasse pra bem longe

disso tudo

tudo que eu já chorei daria pra regar todos os jardins mortos dentro de mim

[luupin]

[luupin]

[luupin]

não tem um desgraçado dia

que eu feche os meus olhos antes de dormir

e não sinta falta

.

intrinsecamente

no fundo

do

meu corpo

[luupin]

o mar a noite é lindo.

tenho admiração por ele em qualquer momento

especial a noite

quando

ele é só mar

profundo

escuro

livre

só acontece

sem pretensão

de precisar ser

nada além

de imensidão

revolta

[luupin]

[luupin]

[luupin]

na vida adulta existem formas diferentes de se martirizar

e nada envolve navalhas ou coisas do tipo

você abre uma caveta, e pega uma peça de roupa que não te pertence

e então

afunda totalmente o seu rosto nela

enfia a cara contra o tecido

com força

.

segura forte

e respira

fundo

bem fundo

como se esse fosse o seu último respiro

como se estive procurando a sua alma ali dentro

e

sente o resquício de cheiro e perfume que ainda existe ali

mas que já quase desapareceu

.

e no final, você só sente vontade de mais

.

é deplorável

me sinto patética

uma viciada

.

assim que você termina

se pergunta

porque está fazendo isso consigo mesma

mesmo sabendo

que não deveria

-luupin

[luupin]

[luupin]

hoje eu vou vestir um manto

uma capa diferente

vou ter que estampar o rosto

com um largo sorriso de recepção

e uma cara de quem concorda e gargalha

.

hoje eu vou esconder a minha dor

pela minha família

pela minha avó, que não ia querer me ver assim nessa data que eu comemoro em homenagem a ela

todos os meus natais são seus vó

.

eu queria o seu colo, e só as palavras que você teria pra fazer o meu coração doer menos, me dizer que uma hora passa, que de amor ninguém morre

e eu sei disso

só não consigo me sentir assim

.

não tem um canto que eu olhe

ou um lugar ou eu vá

que eu não imagino como seria se ele estivesse comigo

.

mas hoje eu escolho esconder a minha dor em um lugar interno onde a minha avó possa cuidar