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o observador de pássaros.
os tons avermelhados do seu rosto me distraíam enquanto você falava. há um pouco desse tom no seu olhar acobreado, no seu cabelo, na sua barba. não sei se foi o excesso de açucar no drink ou algum feitiço no ar, mas eu conversava com você sem medo de não ser vista, sem medo de ser eu mesma. em algum momento, imaginei mesmo sem querer, que você poderia me amar com a mesma paciência com que observa pássaros e que um oceano no meio do nosso caminho não seria um grande problema. imaginei que, quem sabe, com algum esforço ou vontade, poderíamos cuidar desse fio vermelho nos ligando, quem sabe poderíamos fazer ele durar. durar muito, zelar por ele como se fosse a vida inteira. cuidar de sua fragilidade, como se fosse um desses pássaros que mudam de cor com as estações. você, curiosamente acobreado, não frio e difícil como o metal, mas quente e suave como quem oferece abrigo. você, que beija como se estivesse abrindo janelas em dias quentes. você, que me enlaça como quem sabe que está indo embora. você, curiosamente atento e sereno, me contando sobre a vida que quer ter, que é a mesma que já planejei. curiosamente tímido e cuidadoso, como quem parece que se surpreendeu com algo no caminho.
El observador de pájaros
Los tonos rojizos de tu rostro me distrajeron mientras hablabas. Hay un poco de ese tono en tu mirada cobriza, en tu cabello, en tu barba. Tienes pequeñas pecas cobrizas que se parecen con el camino a algún lugar, nuevo y desconocido. No sé si fue el exceso de azúcar en la bebida o algún hechizo en el aire, pero te hablé sin miedo a no ser vista, sin miedo de ser yo misma. Y mirándote a los ojos, en algún momento de esa noche imaginé, aun sin quererlo, que podrías amarme con la misma paciencia con la que observas a los pájaros y que un océano de por medio en nuestro camino no sería un gran problema. Me imaginé que, quién sabe, con un poco de esfuerzo o de voluntad, podríamos cuidar ese hilo rojo que nos une, quién sabe, podríamos hacerlo perdurar. Imaginarnos que podría durar mucho tiempo, y cuidarlo como si fuera una vida entera. Cuidar su fragilidad, como si fuera uno de esos pájaros que cambian de color con las estaciones. Y fué así que te miré con otros ojos: tú, curiosamente cobrizo, no frío y difícil como el metal, sino cálido y suave como alguien que ofrece refugio. Tú, que besas como si abrieras ventanas en días calurosos. Tú, que me abrazas como quien sabe que se va. Tú, curiosamente atento y sereno, contándome la vida que quieres tener, que es la misma que yo ya tengo planeada. Curiosamente tímido y cauteloso, como si te hubieras encontrado algo que te haya sorprendido en el camino.
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pela primeira vez.
finalmente você me deixou ir. eu ainda deixei a porta entreaberta para ver se você voltava em algum momento. mas nunca nada te impediu de ir embora. e você nunca teve pelo que voltar, afinal. o eclipse anunciou então que, depois de te encontrar ao longo de várias vidas, nesta, faríamos diferente: nos deixariamos ir. como uma corda que finalmente arrebenta, como um fio ancestral que finalmente se rompe, como se fossemos finalmente expelidos para fora dessa dança compulsória que nos mantinha nesse compasso secular. acontece que te reconheci imediatamente: seus olhos são os mesmos, você guarda esse mesmo olhar infantil, essa mesma cintilância verde. acontece que você não me reconheceu: meus olhos nunca te disseram nada ao longo das encarnações. acontece que você nunca me reconheceu: pelas eras, uma e outra vez nos cruzamos, uma e outra vez nos entrelaçamos, movimento ritmado inevitável que nos levou aos mesmos encontros, aos mesmos abismos, atravessando o tempo. quase como uma maldição ou um augúrio. acontece que você nunca me reconheceu, mas desta vez é diferente: aqui, pela primeira vez, desisto. aqui, pela primeira vez em milênios, te deixo ir. aqui, pela primeira vez, não fico. assim como você nunca ficou. pela primeira vez, por efeito do eclipse ou de qualquer carma ou ferida finalmente fechada, minha porta entreaberta fechou e sua porta sempre fechada, foi selada.
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sobre a sua mãe morta
vou até a praia com você, o dia é quente, a água verde cintilante que nem teus olhos se olham pro sol. teu olhar é sempre o de uma criança pequena pedindo colo. me comovem, me machucam. às vezes, me enfrentam em silêncio e me fazem chorar escondida do outro lado do corredor, no quarto andar.
me imagino indo até o 401. bato na sua porta para perguntar sobre sua mãe morta. você continua sistematicamente desvirando meus chinelos, então sempre imagino que nossa ferida congênita e primordial é a mesma, e é a única coisa que realmente nos aproxima: a falta do amor de uma mãe. a ausência de uma mãe: viva ou morta. então me imagino parada na sua porta te perguntando se você considera mais perturbador perder a mãe na infância e viver nessa sombra que não é fresca ou ter a mãe por toda a vida e saber que ela não te quer, como uma sombra de fantasma mesmo. me pergunto frequentemente o que você me responderia e, às vezes, rio da pretensão de que você elaboraria algo sobre. creio que me convém mais pensar que você é um pires que não elabora nada do que alguém que nunca quis me entregar um palmo de confiança e profundidade.
me machuca menos, me fere menos que teu olhar verde no sol, naquele dia na praia. aquele dia na praia você contou, rindo, sobre uma vez que, muito pequeno - talvez com 12 anos - foi velejar, sem saber velejar. seu pai apenas autorizou mas nem sequer apareceu. o vento levou teu veleiro para qualquer lugar longe o suficiente da costa, longe suficiente pra te causar pânico. imaginei que você pensou na morte por alguns miléssimos de instantes naquele momento. você me contou que cogitou pular no mar. voltou para a costa com ajuda de pescadores e ligou em prantos para seu pai. a gente riu, porém, dentro de mim, não senti que era engraçado, sabe? conheço esse desamparo, sabe? conheço exatamente esse desamparo. queria te contar que sei o que é isso. sei o que é se sentir sozinho em vida.
no final, acho que essa mesma vida só quer me mostrar que você é um grande espelho, colocado pra morar na porta ao lado. dividimos a mesma imagem: culpa, desamparo. mães mortas.
todos os dia eu viro o meu chinelo te lembrando que sua mãe está morta, todos os dias você o desvira, me lembrando que a minha está viva.
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pequenos escritos do fim do mundo 2.
te faço pequenos escritos sobre o teu corazón aflito e manso, pequenos escritos sem grandes intenções
se sento no teu sofá com luz baixa, parece um te conhecer de longo tempo, é um já ter visto esse olhar terra-mar em outros cantos que nem sei quais são
tem o que nesse teu olhar que não se decide por ser terra ou mar?
tem o que nesse teu olhar que me faz prometer coisas ao pé do ouvido e depois esquece?
você, que me prende e me solta, que diz que me quer e não dá conta
você me escapa por entre os dedos e eu escapo pelos teus, nessa dança esquisita, quais são as tuas-minhas feridas então?
me conte pra ver se eu me assusto e vou embora de você. me diz, pra ver se decidimos finalmente ficar e desistir dessa dança de desencontros
acabei de sair da tua casa, que de tão perto, parece minha
percebi que as vezes ando um pouco presa nesse teu olhar, capturada.
falamos sobre o fim do mundo, rimos de qualquer banalidade.
você mostra feridas sem medo, mas sem abrir espaços e antes de dormir me pego pensando que gostaria de ter sido tua melhor amiga quando você tinha 12 anos.
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te encontro no corredor e você diz que deve ser destino.
ouço vozes no corredor, penso que provavelmente é você chegando em casa. perdi a conta de quantas vezes agucei o ouvido só pra te ouvir passar pelo lado de fora da minha porta, ou imaginar que você está logo ali, desvirando meu chinelo pra não correr o azar da minha mãe morrer. as vezes te encontro no corredor, saindo ao mesmo tempo que eu e te digo, meio atônita de te encontrar sem imaginar: "novamente!" e você me responde que "deve ser destino".
pois penso (mas não te digo) que não é destino. é no máximo a vida rindo da gente. do chinelo virado, da minha mãe ausente, da tua mãe já morta, do meu medo de abandono, das tuas feridas abertas, das minhas cicatrizes petrificadas, das horas que não dividimos, do amor que não damos, do afeto que não chega, do beijo que não vinga, das conversas vazias de elevador, do abraço estabanado, do nosso eterno não dito. olho pra sua porta, sempre fechada, e algo muito pequeno se despedaça um pouco dentro de mim quando me pergunto, com certa insistência irritante: "será que você vai sempre se perguntar 'e se'?"
ainda olho em direção à sua porta quando chego em casa. ainda olho pra sua porta com certa frequência. tão tão perto de você e esse abismo todo aqui. acordei pensando que você faz tanto eco aqui dentro por que essa história nunca aconteceu, costurada por tantos quase. parada no tapete da minha porta, olho pro 401 e me pergunto, com certa insistência inconveniente: "o que teria sido de nós se?" e me machuca. me machuca sem deixar ferida, como um corte superficial qualquer, feito com folha de papel, mas que ainda assim vai arder durante um tempo.
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no te surgió nada.
no te surgió nada. 4 dias juntos, no te surgió nada de adentro? olho teus escritos pensando que algo poderia ter ali. não tem nada. lembro da minha insignificância, de como não somos marcantes mesmo que seja um desejo sê-lo. volto pra minha concha, me recolho com certa tristeza, como se mais uma vez não fosse vista, não fosse apreciada. mais alguém me deixou passar, mais um que não me percebeu, mais um. dolorido um tanto seguir pelo mundo assim. coisa de desencontro, coisa de não amor. penso quantos não amores ainda me atravessarão até eu desistir. penso que se eu soubesse sobre meu destino, se eu soubesse que não há ninguém me esperando em lugar nenhum, que não há ninguém pra mim, viveria em paz, vagaria pelo mundo levando meu corazón sem esperar que alguém chegue neste porto.
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poesías a sus orillas.
hoy volví a casa caminando por la misma acera de siempre, esa de la avenida que desemboca en el mar. ese mismo mar que días atrás me contaste haber dejado algunas lágrimas de reencuentro. ese mismo mar abierto que parecía despedirnos sin pena. te fuiste anteayer, pero, como si hubieras dejado una huella, evoco una cierta emoción que me inunda poco a poco cuando me acuerdo como acercaste tus manos de ternura a mi cara, me besaste con calma y trataste de recorrer con tus manos-curiosidad mi espalda y mis caderas. por un breve segundo se me ocurrió que quizás nadie me tocó con tanta serenidad, con tanta amorosidad. incluso, te confieso que mi cuerpo, desacostumbrado a que se le acerquen con tanto cuidado, no supo muy bien qué hacer. como si algo inédito lo hubiera atravesado, como si finalmente le hubieran llegado poesías a sus orillas.
me diste pequeños besos por la cara que me hicieron recordar cualquier escaso momento de la infancia en el que me sentí amada. elocuente, me contaste tus teorías y tus creencias, riéndote, con una ironía tan característica tuya, de cosas que te parecen idiotas como creer que el movimiento de los planetas sueltos en el Universo conversan de alguna manera con la humanidad, en este punto azul suspenso en el que vivimos. al mismo tiempo que el sol encontraba tus ojos y los hacía verdes como el mar, yo me aburría de algo de esa charla elaborada y te daba un beso pequeño cerca del ombro a ver si lograba distraerte, como si tuviéramos una vida por delante para compartir ideas, como si no te fueras a tomar un avión dentro de pocas horas.
en algún momento, en alguno de nuestros días, un destello de conversación me hizo pensar que quizás nunca me comprendas totalmente pues estoy habitando la frontera de las palabras. sentados en la arena, me imagino que probablemente no entendiste la mitad de lo que quise explicar de tanto que me mezclo con el portugués y con esta tierra. trato de hacerte pequeños pedazos escritos en español a ver si la vulnerabilidad se hace menos dolorosa, si la distancia se hace poesía sin gramática. y cuando ya no te podía alcanzar, me escribiste diciéndome que te hubiera gustado desnudarme, como si en estos tres días ya no lo hubieras hecho de tantas maneras. como si realmente solo hubiera faltado una única manera de hacerlo. como si me peleara con el corto tiempo que me diste, como si mi cuerpo canela estuviera frustrado por no haber logrado despertar en tu cama, de este lado del atlántico. como si no supieras ese secreto tan bien guardado que fue tan natural revelarlo contigo, como si ya te conociera de por vida, o como si no hubiera este océano cortando con profundidad de abismo los caminos hacia ti.
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pequenos escritos do fim do mundo.
te faço pequenos escritos que você provavelmente nunca vai ler pelo simples fato de que teu corazón aflito e manso não me deu brecha nem tempo. se sento no teu sofá com luz baixa, parece um te conhecer de longo tempo, é um já ter visto esse olhar terra-mar em outros cantos que nem sei quais são.
tem o que nesse teu olhar que não se decide por ser terra ou mar? tem o que nesse teu olhar que me faz prometer coisas ao pé do ouvido e depois esquece? você, que nunca sei se está ou se foi. que me prende e me solta, que diz que me quer e não dá conta.
você me escapa por entre os dedos e eu escapo pelos teus, nessa dança esquisita, te disse que quero paz? quais são as tuas-minhas feridas então? me conte pra ver se eu me assusto e vou embora de você. me diz, pra ver se decidimos finalmente ficar e desistir dessa dança de desencontros.
acabei de sair da tua casa, que de tão perto, parece minha. percebi que as vezes ando um pouco presa nesse teu olhar, capturada. falamos sobre o fim do mundo, rimos de qualquer banalidade. você mostra feridas sem abrir espaços e antes de dormir me pego pensando que gostaria de ter sido tua melhor amiga quando você tinha 12 anos.
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o conto sobre o homem com a roupa apertada demais.
Na maioria dos dias ele acorda muito cedo, dentro de um quarto gelado. O sol nem subiu e um despertador alto como megafone anuncia que é preciso viver. Se arrasta até o lavabo, enxuga o rosto, olha dentro dos próprios olhos indecisos e, antes de sair aos tropeços para o trabalho, veste sua habitual roupa apertada. Acostumou-se a vestir a roupa apertada há quase um ano, pelo que me disse. Vai ao guarda-roupa e escolhe exatamente, religiosamente, sem titubear, a mesma roupa apertada. É um homem grande, tem pelo menos mais de 1,90m. 1,96, talvez? Escolhe, no entanto, roupas diminutas, quase infantis. Coloca uma camiseta sufocantemente pequena e calças que não vestiriam nem um adolescente pueril. Se percebe de longe o quanto aquelas peças não lhe cabem mais, se percebe de longe o quão inutilmente apegado ele está àquelas peças ultrapassadas. Ao andar com tais vestimentas, tudo dói, tudo é desconforto, tudo vira angústia, parece inclusive que o próprio coração do homem esquece de bater. Se perde em descompassos infundados e angústias de um passado desenterrado diariamente. Não consegue enxergar nada ao redor. Dia desses me confidenciou que até tentou vestir outras roupas, mas o hábito é tanto, que já ao acordar pela manhã, esquece que cresceu, esquece que não cabe mais ali, esquece que as roupas machucam de tão apertadas. Se buscarmos olhar de perto, é possível ver algumas cicatrizes deixadas pelas roupas já inúteis. Fito com cuidado os olhos indecisos (não sabem se são mar ou terra) e busco compreender aquele movimento ritmado: me parece mais autoretaliação, autopunição. No fundo, bem lá no fundo, o que parece é que busca, deliberadamente e com força de rotina, voltar a escolher as mesmas roupas velhas e apertadas. Andando em círculos intencionais, aquele homem tão grande, veste, na verdade, culpa.
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augúrio.
feito augúrio ancestral, como se escrito em alguma pedra cármica, as pessoas continuam escapando por entre os meus dedos. uma e outra vez, retorno, como se fosse um ciclo interminável, para esta casa vazia. a mesma casa vazia da minha infância: a mesma casa vazia dos meus pesadelos infantis.
quem poderia ficar, me pergunto? quem vai escolher ficar? alguém em algum momento vai mesmo escolher ficar? olho ao redor e não há uma figura sequer que me diga que sim. resquício algum. em nenhum lugar, em nenhum tempo.
como uma grande tola, te faço poesias pequenas pois nem ao menos tivemos tempo de ser algo. te faço pequenos escritos, quererendo profundamente que você tivesse ouvido eu dizer que "deveria ter aceitado teu convite maluco e ido com você naquela viagem". você não ouviu, claro. você nem sequer me quer e não percebe isso. e aqui estou eu, parada novamente nesse terreno tão conhecido. o céu me pergunta a cada minuto: vai aprender a lição quando, pequena?
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centro.
olha, querido, o quão longe consegui chegar
justamente por não
ter te transformado
no centro do meu universo
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em minha defesa.
me levanto como as ondas do oceano para então, em um lapso de tempo-memória, cair explodindo na costa dourada. em minha defesa, nada. imagino como seria ter te parado no meio daquela calçada, naquela manhã morna que cruzamos nossos olhares pelo mesmo caminho, fingindo não nos conhecer, e te contar o quanto senti sua falta todos estes meses. imagino como seria poder te abraçar no meio daquele show, como se fosse algo natural, como se nunca houvesssemos nos separado, como se eu nunca houvesse me obrigado a esquecer o acolhimento do teu abraço. como se seu rosto na multidão já não fosse uma aparição que dói nos ossos. repasso então, mentalmente, todos os momentos dilacerantes de abandono e dor que você me fez passar para, talvez, com certo viés de auto-crueldade eu relembre por que não posso te querer de volta. pego então essa pequena criança no colo, que quer voltar correndo e chorando para o laço vazio e, entre prantos e soluços, tento lembrá-la de que ela já tem um novo destino traçado e de que ela merece coisas mais bonitas e doces.
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inércia talhante.
do meu coração partido, aparentemente, você levou a melhor parte. o resto ficou aqui, despedaçado. dilacerado. não há flores, nada de vivo ficou por aqui. nenhum sonho, plano algum. uma inércia talhante habita aqui dentro, faz morada. são pedaços e mais pedaços do que fui, que encontro espalhados todos os dias por aí e, por mais que tente me recolher, por mais que tente me reunir, pareço estar atada a todas essas coisas mortas. dizer adeus significa também dizer nunca mais.
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um brinde à minha ausência.
e
não surpreendentemente, a vida seguiu assim. você pedindo perdão aos meus algozes, pateticamente recolhido, nessa casa de memórias, que escolhemos para morar juntos. onde a vista para o mar agora te sufoca, onde agora se reúnem, brindando minha ausência
e
eu não te odeio, mas, com alívio de frescor de manhã, percebo que aprendi a te desamar: você é agora só amargo desencanto
tua imagem, já turva e sempre confusa, se tornou fantasma sem lençol. personagem opaco e desinteressante, perdido na multidão de um show ou nas esquinas de qualquer bairro
e
inevitavelmente, você se desfalece, se dissolve, provando que amores covardes não sobrevivem ao tempo, nem tampouco sobrevivem à bravura que a vida exige, que tanto me sobra e que tanto te falta.
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neowise.
pela órbita da terra, naquela noite, pairava um cometa: neowise - constelação cocheiro, estrela de capela - e eu não queria ter de me haver com o que existe deste lado. naquele então, eu era leve como pluma e navegava pelo mundo em paz. apesar dos tempos sombrios, de distanciamentos, de máscaras e acenos políticos ao passado, havia você. curiosamente, lembro vagamente das conversas do dia que nos conhecemos, como se o cometa, ao atravessar a órbita terrestre, tivesse varrido essas memórias consigo. é estranho olhar pra esse passado tão vívido agora. uma e outra vez me pego imaginando como teria sido se, naquela noite, houvesse decidido não te ver mais. doeria menos agora? apagar os últimos 3 anos me ajudaria a passar mais ilesa por isso? mas há você, que durante tanto tempo fez riso e paz de tudo que parecia desafio. durante longos tempos, fomos feitos desse lampejo de coisa que você ainda não sabia ou não tinha visto. mesmo que você tenha me apagado e não queira me rememorar, já fomos leveza de brisa, serenidade de instante. atravesso, então, esta dor-fronteira, e percebo que não poderia ser diferente. que em todo e qualquer universo paralelo eu escolheria ficar e, inevitavelmente, em toda e qualquer realidade, eu te perderia. eu te perderia em qualquer contexto, fazendo ou dizendo o que fosse, aceitando o que viesse, o que você quisesse, ainda assim, miseravelmente, eu te perderia. eu te perderia por que você nunca foi meu. nunca foi meu, nem nunca esteve aqui. de todos modos, eu te perderia. te perderia para me encontrar, te perderia para seguir adiante, te perderia para perder peso. meu coração-tempestade, que você tão duramente caçoou, é o que é. você cortou a superfície e, não surpreendentemente, teve medo do que viu. fugiu como os covardes. eu não me arrependo, coração tempestade, me acompanhe pelo tempo que for. coração tempestade, não se assossegue. corazón-tempestade se acalme: ele já não quis voltar, ele partiu. quem sabe em outras vidas, em outras linhas do tempo, de outras maneiras, você saiba me amar, você me reconheça, você me ouça, você me perceba, você me enxergue. e então, em todas as linhas do tempo, você me perderia. quem sabe, quizás, quando o neowise retornar, daqui a 6800 anos, como uma promessa, como uma maldição.
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