"Não há almoço, jantar ou satisfação no mundo, que valha uma caminhada sem fim pelas ruas pobres. Onde é preciso ser desgraçado e forte, irmão dos cães."
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15 de março...2025 (28-29 anos)
caralho, hein. tamo aqui ainda, que doideira.
eu tinha a sensação de ter postado aqui há menos tempo, 2022 já parece tão longe. ficamos em são paulo. daquele estágio na BlendOn fomos pra uma agência de comunicação que também fazia relatórios anuais. a gente ganhava 4,5k lá e só descobriu depois de um mês que a vaga era temporária, só que a gente arranjou outra pior, na faria lima, pra ganhar 5k e fazer diagramação bem em termos, cê lembra né. saímos de lá porque chamaram a gente pra ser designer na fazenda da record, que foi bem massa no início, cê tava se achando porque entrou pro audiovisual, sem perceber que tava uma merda ali. a gente entrou ganhando 4,5k como assistente e na segunda temporada que a gente fez a gente foi pra 7k. essa aí era aquele programa terrível a grande conquista, que ninguém assistiu. aí fomos pra mais uma temporada de fazenda, mas logo no finalzinho te chamaram pra fazer uma série da netflix. a mary que te chamou. cê saiu da fazenda que nem olhou pra trás, foi tudo muito massa mas foi bem difícil também lidar com ansiedade e o isolamento nessa época, porque era tudo novo e desconhecido e cansativo. a gente ganhou bem, 3,2k/semana. ficamos um mês a mais do que previa o contrato e quase morremos de ansiedade achando que não íamos ter emprego esse ano. aí na semana que tava acabando a bia mandou mensagem perguntando se vc queria fazer o Power couple. cê não queria mas a gente aceitou porque precisava bancar a casa, as contas, os gatos. hoje estamos aqui pensando todo dia em sair de lá porque ta sendo uma tortura a ideia de trabalhar naquele lugar, porque agora vc acha que eles pagam mal, teve um mal entendido com uma amiga que com certeza vc lembra do que eu to falando e é tudo muito longe e cansativo, o trabalho é chato, tudo é muito feio e brega. a cami, que trabalhou com vc na série da netflix, os donos do jogo, aliás, tentou te indicar num job, mas ninguém veio falar com vc sobre isso. estamos vivendo de barganhar com o tempo. a gente ta no meio de março (aniversário da pri. ela ainda ta casada com a Magali? a ceci tá vivona e passa bem, viu. três anos já. tamo em três gatos.) eu penso em sair desse projeto no fim de abril e jogar pra deus que outros virão, mas tô com muito medo de não virem. a nossa bulimia ta atacadissima, mas tamo fazendo muay thai ha um ano e voltamos pra academia tem um tempo. ademais a vida continua uma luta contra a morte. todo dia quase vc pensa em se matar ainda. eu acho que tenho encarado essa repetição toda com mais maturidade agora. não sei se ta tarde. vc faz 29 no mês que vem. eu não, to do mesmo jeitinho. agora nós temos planos pra por em prática porque ja passou tanto tempo e vc não resolveu foi nada. mas voltar aqui me da a impressão de que pelo menos alguma coisa aconteceu.
nao pode ficar resignada. a gente ja bateu e voltou no limite muitas vezes
ou a gente luta ou a gente morre. chega disso já
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oi, estamos em setembro de 2022
oi!
eu sei que você vai voltar aqui pra ler eventualmente enquanto esse site existir, então fica acertado entre nós duas que isso aqui é pra você. mas é sobre mim.
e eu não sei se você vai chegar a ler mais uma vez, porque chegamos aos 26 e ainda pensamos recorrentemente em suicídio. o que é uma merda... é engraçado voltar aqui e perceber que as coisas existiram de verdade. que, em algum momento, eu me esforçava pra escrever, interpretar meus sonhos, olhar a vida e entender as coisas. hoje não sobrou nada, é o que eu venho falando e sentindo na maior parte do tempo. tenho lembrado pouco dos sonhos, mas resolvi voltar a anotar quando eles surgirem. então, acho que vale lembrar de um último que foi meio marcante, engraçado e trágico. estávamos voltando de uber para casa, a gente e umas meninas que eu não sei dizer quem eram e que nunca falavam nada. parecia que estávamos perto do parque aclimação, mas tudo tinha um climinha meio sombrio, tava de noite, um breu. daí começava o problema, porque o uber errava o caminho várias vezes até começar a insistir que a casa para onde eu queria ir não existia. e ele ficava brigando e gritando e falando que a nossa casa não existia. doido pensar que talvez ela exista por pouco tempo a partir de agora, mesmo. mas isso quem vai saber é você, talvez. eu e as meninas resolviamos simplesmente chutar o homem pra fora do uber e tomar o carro.
aqui teve um corte e de repente, eu estava dentro de um celeiro imenso e vazio, também de noite. uma vibes meio nope, que eu tinha assistido há pouco tempo. dentro desse celeiro, eu estava bêbada e aparecia o gabriel, que trabalha lá na firma onde estamos agora fazendo um estágio de merda aos quase 30. enfim, eu lembro que eu começava a rir e falava pra ele que achava ele muito NORMIE, ai que ódio maldito. e aí eu via ele se transformar do pescoço pra baixo num burrinho, kk. mas a cabeça ficava igual até que eu olhava pra um lado e quanado voltava, era a cabeça de um burro. comecei a ver outros animais chegando perto e eu pensava “meu deus, tudo isso é gente”. saía correndo desse celeiro e de repente estava de dia, estava vestindo um vestido meio de camponesa e correndo numa estrada de terra com um cercado entre ela e um pasto. eu estava fugindo de ealguma coisa mas não sabia o que era e uma velha aparecia do meu lado, com cara de camponesa gringa, e mandava eu continuar correndo. eu sentia um cuspe na minha cara e olhava pra trás pra ver o que era. simplesmente um ganso imenso correndo atrás da gente.
podre como eu ainda tenho a perspectiva de que ter esses sonhos retardados é um dos principais traços da minha personalidade. esses dias assisti uma série, cenas de um casamento, baseada no filme. aí tem uma hora que o casal tá fazendo uma entrevista sobre ser um casal monogâmico e a pesquisadora pergunta sobre a personalidade deles. o cara responde que é asmático e a mina fica bolada achando zoado ele considerar isso uma parte da personalidade dele. e é podre pensar que eu me vejo do mesmo jeito, que as coisas que eu considero parte da minha personalidade são só umas coisas involuntárias que não dependem de mim e de nenhum esforço que eu tenha feito, de nada que eu tenha gostado e nem de qualquer coisa consciente.
8]5? (isso aqui foi a cecilia quem fez, nossa gata nova. uma esquisita, igual ao gregory. espero que viva muito, mas se não viver, estamos felizes pelo tempinho que eles estão vivendo bem. volta nesse texto quando alguma coisa acontecer) a terapia tem perdido um pouco o efeito inicial, aquela esperança de que talvez agora as coisas deem certo. o trabalho é meio podre, mas dá pra segurar até acabar essa indenização no ano que vem. e eu fico a maior parte do tempo em casa, então tem sido bom pra minha saude mental. gosto dos meus colegas de trabalho e odeio o nosso chefe. mas vai passar, eu me sinto essencialmente anestesiada quando não sinto que preciso morrer. a pri perdeu o emprego. isso tem mexido muito com a minha cabeça porque eu passei um tempão construindo essa ideia sobre ela de que as coisas estavam sólidas e estáveis. no momento, eu só consigo esperar que fique tudo bem, que ela encontre outro lugar logo e que não tenha que se desfazer de todas as coisas. já aconteceu tanta merda esse ano.
mas acho que as coisas tem estado relativamente equilibradas. só não sei até onde meus mood swings são equilíbrio ou não, kk. hoje tamo com sensaçãozinha de doença, de coisas não terminadas. mas amanhã convém acordar cedo, arrumar a casa e resolver a vida. mesmo que seja momentâneo. faltam poucos dias pras eleições. é surreal pensar que talvez tenha acabado este inferno desse governo maldito. talvez as coisas voltem a ser um pouquinho menos distópicas e horríveis daqui pra frente. sei lá, mais uma vez eu to com a sensação de que ano que vem vai ser melhor. a sensação de ano após ano e que nunca virou realidade, kk. todo ano é ruim.
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dois mil e vinte e dois.
está tarde. tem tempo que eu não falo das coisas por aqui. mudei, tentei escrever exclusivamente no papel, mas sinto preguiça na maioria das vezes. é triste reler tudo isso e saber que nada melhorou. ainda mais triste, perceber que tudo só está pior e eu, mais cansada. hoje, aos 26, me parece que cada dia é um dia a menos até o último de todos eles. e é engraçado como me parece que só encontro os mesmos relatos de gente muito mais nova. engraçado porque venho percebendo o quanto eu não saí do lugar e fiquei aqui, presa na mente de uma adolescente desajustada e que não tirou disso nenhuma vantagem. eu não tenho nada, nenhum talento, nenhuma vontade. carrego como único traço sincero da minha personalidade ser suicida. e nada mais do que isso.
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O meu pai nunca soube comunicar. Neste momento, este mesmo pai que esteve invariável presente, flutua indesejado na periferia do meu olho, ainda que silencioso e inerte. E não soube comunicar porque eu não sei até hoje o que ele pretendia e o que ele pensa. Talvez tenha comunicado de um jeito que não fôssemos capazes de entender mesmo, propositada e cruelmente. Hoje os animais que habitaram a minha infância se tornam pedras, adornos imóveis. E junto com os animais, fossilizaram-se também todas as coisas e pessoas. O meu pai, fóssil vivo. Todas as coisas imobilizadas no tempo. O tempo muda dos trinta e seis para os vinte e três graus. A transição da temperatura perfura os ossos com a malícia das coisas palpáveis. Tudo é palpável, o frio é sólido. E enquanto a temperatura vai caindo para atingir os graus negativos, eu penso que seria conveniente que o corpo se adaptasse às intempéries. Gelado e inerte. Vesti os sapatos de camurça marrom claro. Eu saí por mais um dia, um dos últimos dias. A iminência do fim de uma viagem, o fim da estadia em casa, tudo é sólido, tudo é poroso e frio. Enquanto aguardo o ônibus, ainda sem a passagem em mãos, o peso de um ano inteiro vivifica a carne que o resistiu e que sobrou e que está aqui. Ano após ano. A resignação dos olhos ditos diante da necessidade de fazer as malas e sair de novo. E deixar toda a matéria daqui imóvel no tempo e no espaço. O meu pai torturou com a maldade de quem sabe que tem poder. Torturou porque durante todo esse tempo estava certo.
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28 de janeiro, 2019
Eu estava viajando com o Heitor. Nós chegávamos a pé em uma cidade pós-apocalíptica, ela parecia ter sido destruída em um incêndio e não havia ninguém nas ruas. Eu não sei como e nem por onde a gente entrou, porque a primeira coisa que eu via já era a cidade e nós dois andando no meio da rua, carregando umas mochilas grandes de tecido. Dos prédios e carros tinha restado só a carcaça e tudo que não era de concreto era de metal retorcido e desgastado. Haviam carros tombando no meio-fio. O céu tava cinza e tinha uma fumaça escura no horizonte. Nós entrávamos em um dos prédios e haviam escadas de concreto que desciam até o subsolo. Conforme descíamos as escadas, eu começava a ver sofás e tapetes sujos e rasgados, mas que permaneciam na configuração de uma sala. Ali, com um abajur de luz laranja acesa, algumas pessoas estavam sentadas, olhando pra frente, em silêncio. Além desta sala, havia um balcão de madeira e por trás dele uma mulher velha e gorda, de cabelo cinza preso e batom vermelho, estava sentada, com um cigarro na mão. Ela estava na penumbra, eu só enxergava metade do corpo dela na luz. Tudo era escuro, todas as coisas estavam na penumbra e haviam poucos pontos de luz, como aquele abajur laranja. Ela segurava um cigarro e me olhava, pelo menos ela parecia olhar pra mim e ter consciência de onde ela estava, diferentemente das outras pessoas que eu havia encontrado ali. Ela não dizia nada, mas eu intuía que estávamos num hotel e que ela era a dona. Sem falar nada, continuávamos subindo e descendo degraus, eram lances curtos e irregulares. Conforme fazíamos esse percurso, eu só enxergava os degraus e minha vista começava a embaçar. Finalmente, a gente chegava num quarto. O teto era inclinado e inteiramente de vidro, por onde dava pra ver aquela mesma fumaça escura que eu via na rua quando nós chegamos. Dentro do quarto havia uma cama de casal suja e meio rasgada, com espumas saindo e uns edredons velhos e manchados. O quarto era inteiro de concreto, o chão e as paredes. Por baixo da janela de vidro inclinada havia um sofá, onde havia algumas almofadas coloridas espalhadas. Eu lembro que essas almofadas eram as únicas coisas coloridas que apareciam e, ainda assim, elas eram de um rosa queimado e antigo, com franjas e botões dourados. Uma parede dividia o quarto e entre ela e a cama haviam armários de metal. A gente deitava na cama e começava a se beijar. Nesse tempo, umas pessoas começaram a entrar no quarto e mexer nos armários. Eu escutava tudo e enxergava parcialmente, porque a cama ficava do outro lado da parede de concreto, mas eu sabia que as pessoas estavam tirando camisas e calças de algodão cinza e, no lugar, vestindo umas túnicas e biquínis de vinil vermelho. Eles apertavam um bracelete de metal nos dois pulsos. A única dessas pessoas que ficava no quarto era uma menina de cabelo curto vermelho e olho verde. Ela tava usando só uma calcinha daquelas de vinil vermelho, um salto alto enorme do mesmo material e cor. Ela usava batom vermelho. Era tudo vermelho, exceto os braceletes de metal, que tinham uma luzinha azul em formato de triângulo que piscava com uma frequência esquisita e irregular. Enquanto ela ia até a cama, eu não entendia por quê ela tinha ficado ali e estava indo na nossa direção. O Heitor não tava prestando atenção nela, mas ele sabia que ela tava ali e parecia que ele sabia o que ela ia fazer. Ela deitava na cama e, apesar de eu tá olhando pra ela o tempo todo, ela não olhava pra mim. Nessa hora, ele virava e começava a beijar essa menina e ela começava a olhar fixamente pra mim. Eu lembro de ter ficado com raiva e de me arrepender de tá ali, porque eu intuía que as coisas seriam assim mesmo. Eu levantei da cama e chamei ele, mas o Heitor nem olhava mais pra mim. Comecei a descer aquelas escadas irregulares pra ir embora e as mesmas pessoas continuavam ali naquele saguão, estáticas e em silêncio. Eu não encontrava a saída do hotel, ele era subterrâneo e os lances de escada e passagens eram como uma senha pra sair dali. Saber o caminho não era suficiente, você precisava fazer um caminho específico e seguir o padrão pra destravar as saídas. Quando eu desisti e cheguei numa outra sala escura e empoeirada, que tinha uma mesa de sinuca e uns tapetes, o Heitor apareceu. Nessa hora parecia que ele tinha voltado ao normal e ele começava a me explicar que tinha combinado de encontrar com aquela menina e que ela era mais velha que eu, que ela era doutora em qualquer coisa que eu não lembro. Esse era o propósito, a gente tinha ido até esse lugar exclusivamente pra eles se encontrarem. Eu subia as escadas e, dentro do quarto, eu começava a jogar todas as nossas coisas pela janela inclinada. A menina continuava lá e não falava comigo, ela só ficou sentada na cama, todos os músculos inertes e o olho duro no nada. O bracelete dela tinha apagado e ela tinha só uns reflexos meio robóticos. Enquanto isso acontecia, o Heitor chegou e tava apático e sem expressão, igual às outras pessoas no hotel. Ele parou de me responder e eventualmente parou de falar. Ficou estático também e olhando fixamente pra frente. Ele, a menina, a velha e os hóspedes estavam praticamente estáticos, exceto por alguns movimentos mecânicos que aconteciam como se fossem reflexos. Com o tempo minha raiva foi virando resignação e eu começava a chorar enquanto tentava sair dali.
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Talvez esteja tarde. É possível que só tenha passado das três da manhã e que, a esta hora, caiba assentir com a condensação dos humores. O olho duro e enfático contra o gradiente que torna-se lentamente substancioso, sólido. O gradiente que se torna inevitavelmente físico e assume todos os sentidos. Pensar demais, às três da manhã, endurece os rostos nos retratos dispostos irregularmente pela sala. E nesta sala, às três da manhã, não existe conforto contra as epidemias ou a febre. Ela não recua, é inegável. Não existe remédio ou conforto no mundo contra a febre debilitante. E o olho duro não é capaz de posicionar-se firme contra o pensamento. O miasma machuca as paredes nasais e mata com a mesma honestidade da carne aberta com uma faca ou uma agulha. O vapor torna o ar sólido e a cabeça vai dissolvendo lenta e gradualmente. Não existe objeto no mundo capaz de manter-se firme o suficiente contra a saudade dos deuses enterrados; e, mesmo assim, as estátuas vão trincando pelos altares. A debilidade amolece os músculos, a febre recrudesce. E nesta sala, às três da manhã, os passos no teto são fruto de nenhuma massa. Não há objeto ou massa, ou qualquer coisa sólida no mundo, capaz de manter-se suficientemente firme contra o peso do olho ácido que dissolve o metal. O ônibus sai em breve. É preciso levantar e abotoar a camisa, fechar até o pescoço, fechar as malas e ir. A viagem dura dez horas, o destino só se torna concreto quando o motorista avisa que já chegamos e os olhos vão desembaçando do sono, forçado pelos calmantes. As poltronas se esvaziam e em cerca de dez ou quinze minutos, é a estrada que deixa de ser concreta. Tudo o que é substancial e sólido torna o músculo menos maleável; tudo é apatia. Tudo que não curva-se diante do gradiente dos sentidos, que flui do olho para os dedos, vira apatia. E tudo vai virando apatia. Tudo fica seco e vítreo. E, de fato, seria sensato dedicar-se a este pensamento se ele não fosse apenas a natureza. Se ele não fosse apenas o cansaço e a preguiça das coisas se alastrando no formato de um hematoma esverdeado. E as cicatrizes que ficam na pele são só outra confirmação de que tudo é concreto. O sangue seco no nariz e a l��ngua queimada de café. Tudo seco e concreto, apático. A porta é o meio físico pelo qual o miasma ultrapassa e toma a forma da minha casa; pelas frestas, pela fechadura, por onde puder entrar o miasma, ele entra. E quando ela está totalmente aberta, como agora que é preciso sair e pegar o ônibus das seis, o miasma preenche a sala rápida e inevitavelmente. Nenhuma máscara protege o pulmão contra este vapor infeccioso. O algodão embebido dos aromas que antes filtrava este cheiro está agora exposto sobre a mesa. Para aqueles que conheceram o perigo nuclear, a morte não tem cheiro nem rosto de nada. Ela é invariavelmente transparente. Um passo para fora e a toxicidade do ar começa a se fazer sentir. Os humores, já condensados, tornam-se ainda mais impenetráveis. O olho ainda está duro e seco. Muitos passos e o corpo fica estéril, e a sala já não é sólida.
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17.08 de novo
sei lá porque eu parei de escrever, eu sinto que ainda tem tanta coisa. eu lembrei agora que quando eu era criança eu inventei de escrever um romance num modelo muito revolucionário. eu achava que pra ser fiel a proposta eu tinha que parar de escrever e voltar a escrever no outro dia. era como um diário, só que eu cumprimentava meus leitores, apresentava o tema e achava muito revolucionário. eu sempre me achei muito apta a escrever coisas e me achava muito crítica com qualquer produção dos outros. hoje, repensando, eu não fui nenhum geniozinho da literatura. eu acho que nem gostei tanto de literatura assim durante esses primeiros anos. eu acho que menti, porque o p foi falar das aptidões e dessa patifaria toda que é as pessoas acreditarem em inteligências diferentes. daí falou dessa coisa de se refugiar na intelectualidade quando todo o resto deu ruim. eu tentei, né. mas infelizmente comigo não rolou. o p tá lá gastando o dinheiro acadêmico dele com umas espadas e uns escudos, inteiro um cavaleiro medieval fumando malrboro e bebendo coca zero. só que daí a gente fala que não tem aptidão e mesmo assim as pessoas nascem inclinadas a fazer coisas. isso é bizarro, eu não sei como funciona.
sei la. eu to cansada e com tendinite
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17.08.2018 23h15
esther e eu andamos pela casa arrastando o barbante no chão. eu acho que tô entendendo melhor os acessos do meu pai. eu tô com vontade de subir na pia e enroscar o cinto no pescoço e puxar até arroxear a pele e ficar nodoada depois, pra lembrar. mas eu acho que ficaria melhor sem esse escândalo, até porque eu acredito que essas coisas não são genéticas. eu não aguento como essa cena não esgota. eu penso nele e eu vejo meu pai em cima da pia com o cinto amarrado no pescoço. e eu odeio lembrar da reação do daniel quando eu contei dessa história e falei dos sonhos e dos poemas. sei lá, bh me faz mal, mas eu acho que vai ser assim em qualquer lugar. e eu to repetindo de novo coisas que eu escrevo invariavelmente e não aguento mais. só que tô mesmo de saco cheio de falar pros outros, porque eu acho que por mais que eu me importe, ia ficar meio aérea escutando os problemas deles também. quando eu penso que alguém não tá nem aí eu me imagino escutando as conversas deles e não tenho saco. eu to de saco cheio dessa gourmetização da antisociabilidade, isso é chato pra caralho. assim fica parecendo as coisas que o marcos escreve e eu fico igualmente insatisfeita. Façamos assim, agora retomando as manias de retórica dos tempos em que éramos hh e eu sozinhas: eu vou escrever do jeito que der vontade no momento. até porque não tem ninguém lendo isso aqui. eu queria transformar isso aqui num diário, mas eu quebro o maldito ritmo da escrita com essa coisa de cansar dos formatos. eu faço isso com os desenhos também. acho que minha respiração tá falhada. parece que de vez em quando eu esqueço de respirar e quando eu respiro conscientemente o pulmão não enche: vai até metade e para. daí entre os pequenos alívios do dia, o melhor é bocejar e puxar ar o suficiente pra encher o peito e sentir que to respirando efetivamente. eu tenho sonhado que tô sufocada e acordado realmente sem ar, com a garganta fechada. e eu quero dormir o tempo todo, tô sem energia. acho que ainda são os efeitos da pílula que eu tentei tomar. acho que me faz mal ver a cartela esvaziando que me dá me deixa mais consciente do tempo que tá rolando e eu tô aqui alongando os dias longe de casa de um jeito ruim. e eu não sinto que eu to na faculdade. acho que nesse sentido social da coisa eu nunca fui muito impressionada, porque eu tava nos mesmos rolês quando eu era mais nova. e eu sinto falta das pessoas de campinas e de são paulo, aqui é tudo muito esquisito. e eu que sou meio ruim de conversar com os outros acho mais difícil ainda fazer isso completamente sozinha. saco cheiooooooooo de pensar nessas coisas e falar sobre elas. da outra vez eu falei que ia ficando sem ninguém como se fosse um processo gradual. agora eu acho que os cortes tão sendo rápidos, eu tô sentindo com mais intensidade. (esqueci de pegar a caralha do fone, mas eu acho que só quero dormir) amanhã eu preciso fazer muita coisa. eu queria acordar tarde, mas nunca consigo. a minha rotina de sono piora tudo, porque eu fico irritada, eu não aguento mais dormir mal. eu fico pensando se é egoísta eu fazer outra pessoa encontrar um corpo já meio podre estendido no banheiro. sei lá, sempre que tem notícia de suicídio eu penso se o morto escolheu o lugar pensando no que aconteceria depois. e aí te recolhem e vai ser difícil reocupar o quarto, ninguém quer tomar banho por cima do sangue dos outros. eu imagino que eles sairiam daqui, mas não sei. talvez eu esteja pensando mais do que os outros pensam nessas coisas toscas, porque no fim é uma perda de tempo do caralho mesmo. agora eu podia tá lendo sobre as casas subterrâneas da amazonia ou podia tá bêbada vomitando no da da biologia, mas to aqui sozinha em casa e triste. não sozinha porque renan tá trancado no quarto. eu acho engraçado que to percebendo umas manias minhas morando com ele. quando a gente vive com a família eu acho que é normal segregar um pouco, ficar recluso muito tempo. mas quando eu vim pra cá eu me esforçava muito pra fazer um socialzinho. ele nem tenta. até porque ele tá na família dele. é foda que aqui é tudo família de alguém e eu to me sentindo de fora.
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14 de agosto, 2018.
faz tempo que eu não anoto meus sonhos, acho que não lembro bem como fazer isso direito. de qualquer forma, eu resolvi anotar o de hoje na hora que acordei e agora preciso reescrever contando os detalhes que eu ignorei. o sonho começa dentro da garagem do apartamento da vó sarita. eu e algumas pessoas desconhecidas estamos em fila entre a vaga do duda e do meu pai. vejo que tem uma bancada na frente dos elevadores e duas mulheres sentadas atrás de fichas e computadores velhos. é dia de votação e eu estou lá porque preciso justificar minha ausência, afinal agora eu moro em belo horizonte e não posso votar longe da minha cidade. eu tenho estado realmente preocupada com esse compromisso de justificar minha ausência e me certifico diariamente de que meu título de eleitor ainda tá no porta-lápis na escrivaninha. estranhei ter sonhado isso agora, porque já estive mais preocupada com isso, mas, de qualquer forma, eu acho que esse é o motivo. quando chega minha vez na fila, eu digo que esqueci meu título e uma das moças me diz que eu preciso voltar para casa e buscar antes das 21h, horário de encerramento das votações. ela me informa que eu posso escolher um apartamento para ir procurar meu documento e me dá um cardápio com as opções. neste cardápio eu vejo fotografias que se mexem como se cada uma delas fosse uma janelinha dos apartamentos possíveis. a mulher me oferece também um serviço de transporte, mas eu recuso quase sem prestar atenção no que ela tá falando. um dos apartamentos me deixa meio hipnotizada; dentre todos, este é o único composto exclusivamente por mulheres. ele tinha um título chamativo, mas eu não me lembro mais. era qualquer coisa sobre o critério de aceitação das mulheres que entravam na casa. eu me sentia completamente inapta a participar, mas ia até a beira da janela ver o que acontecia ali. a casa era pequena, mas meio colonial e pintada inteira de rosa pastel. a janela era branca e muito grande. através dela eu via uma festa onde só haviam mulheres e todas pareciam ser da década de vinte, com colares de pérolas, cabelo curto enrolado na altura do maxilar e aqueles vestidos retos com franjinhas acima dos joelhos. elas fumavam e cantavam. o som parecia abafado por dentro da fumaça, ainda que a janela estivesse aberta. aqui eu tive uma sensação que eu costumo ter na maioria dos sonhos: eu me sentia sublimando e via as coisas embaçadas, ouvia mal, meio distante. resolvia sair dali, porque eu queria muito entrar, mas não achava que eu conseguiria fazer parte daquele ambiente. desci a rua que era inteira de paralelepípedos, toda coberta de neblina e cheia de ladeiras. eu sabia que estava em belo horizonte, mas a cidade parecida ouro preto e a inglaterra do século xix ao mesmo tempo. apesar de estar em belo horizonte, eu começava a pensar no paulo e no nicolas. eu e o paulo tínhamos diálogos mentais em que conversávamos sobre como a gente enxergava o nicolas. de repente eu chegava numa parte da rua que tinha uma escadaria, como se fosse uma arquibancada, mas estava vazia. na frente dessa escadaria, o paulo estava sozinho dançando e cantando, muito bêbado. eu tinha a impressão de que ele era um fauno, porque ele se movimentava e falava de um jeito meio satírico. ele me via e eu perguntava sobre a bárbara, mas ele não sabia quem ela era. ele me dizia que havia uma exposição acontecendo e que nós deveríamos ir para lá. mas conforme caminhávamos, ele foi desaparecendo e eu fiquei sozinha na rua. descendo uma das ladeiras a caminho do evento, eu via uma mulher sozinha sentada num café que me lembrava um restaurante romeno da época do ceaușescu. ela parecia com a mendiga que morava na rua de cima do meu pai quando eu era criança e que diziam que havia enlouquecido porque o marido e os filhos a tinham abandonado. todo mundo chamava essa mulher de “a fedida” e ela vivia no cambuí recolhendo lata e tendo uns surtos psicóticos. a mulher do meu sonho se vestia e comportava exatamente da mesma maneira: usava um gorro, tinha o cabelo cinza, um suéter cinza desbotado e luvinhas sem as pontas dos dedos. a mulher falava sozinha e tinha os mesmos surtos psicóticos. eu sentia pena dela e um pouco de medo, mas segui meu caminho sem falar nada. chegando na exposição, havia um trilho que recortava todo o espaço. o evento acontecia num lugar que parecia a estação cultura, só que uma versão europeia do século xix. havia um caminho ondulado no chão que lembrava um rio e que estava efetivamente molhado. chovia e o tempo estava fechado e muito escuro, sempre com neblina. de repente eu escutava um homem gritando e quando me virava via que tinha um fotógrafo fazendo uma apresentação. ele parecia muito famoso, porque estava rodeado de pessoas e aparentemente era especialista em fotos eróticas. haviam muitos casais espalhados pelo chão e eles estavam abraçados e sem roupa. toda vez que o fotógrafo gritava “fuck” eles começavam a transar e o homem tirava foto dos momentos exatos em que isso começava. eu lembro de achar as fotos muito medíocres e o trabalho dele muito forçado. eu achava que era capaz de tirar fotos melhores e estava efetivamente carregando minha câmera no pescoço naquela noite. eu lembro que por muito tempo no sonho e via através da lente da câmera e tirava fotos de meninas que saíam invariavelmente bonitas nas fotografias. eu queria mostrá-las, mas estava sozinha e isso só aconteceria depois que fosse embora. eu passava pelas minhas fotos muitas vezes e achava impressionante que as meninas eram sempre bonitas. enquanto eu andava pelo evento, eu encontrava com umas drags famosas que me cumprimentavam e diziam que eu deveria expor minhas fotografias. aqui tem um corte e eu estou dentro de um quarto com um velho. o quarto parece com o meu antigo na casa do meu pai, só que ele é todo de concreto e não tem iluminação. eu mando o velho trancar a porta. ele está sem roupa e eu estou deitada de sutiã e meia na cama. ele se ajoelha perto do meu rosto. eu lembro que masturbava ele, mas não deixava gozar. eu ria muito e ele ficava indignado me olhando como quem diz “mas que porra você tá fazendo, menina”. eu me sentia dominando e ao mesmo tempo era quase melancólico que eu tava numa posição de inferioridade e tinha a sensação de que aquilo era prostituição. eu estava numa casa cheia de mulheres, sujeira e fumaça. saindo do quarto, uma assistente social me lembrava que eu precisava encontrar meu título de eleitor, porque logo iam acabar as votações. nós procurávamos o documento pela casa e eu lembrava perfeitamente de tê-lo visto todos os dias precedentes. isso porque eu realmente vejo esse título acordada todos os dias e me dá um alívio de saber que ele tá ali. encontrávamos o documento, mas aqui acontece outro corte e de repente estou descendo a rua daquele restaurante romeno onde a velha estava. vejo que ela está chorando e que está toda suja de um líquido preto, a cara toda nodoada de carvão. eu percebo que a câmera velha dela está quebrada e que por isso ela havia enlouquecido há muitos anos. nesse momento aparece um homem todo de preto, de sobretudo e óculos escuros. a neblina persiste, está frio, mas eu estou com roupas normais. eu pergunto ao homem se a câmera da velha havia quebrado. nesse momento eu sinto que estamos todos estranhamente conectados, como se eu soubesse da história dele e da velha. e era como se os dois me conhecessem também. ele olha pra mim e acena com a cabeça em silêncio, indicando que sim, a câmera havia quebrado e por isso ela havia enlouquecido. eu sinto um calor nas minhas mãos. a câmera ainda está pendurada no pescoço. quando olho para baixo percebo que o mesmo liquido que sujava a cara da velha está escorrendo nos meus dedos. seguro a lente da câmera e vejo que é de dentro da objetiva que o líquido está vertendo. começo a tremer e tenho medo de ligar a câmera e descobrir que está quebrada, mas faço mesmo assim. as imagens estão todas amareladas e desfocadas. começo a chorar e tenho de novo aquela sensação de sublimar, não enxergar nem ouvir nitidamente. pergunto para o homem “a minha câmera está quebrada?” ele permanece silente e coloca a mão no meu ombro sugerindo que sim. ele sublima efetivamente no meio da neblina e ficamos só eu e a velha no cenário. a velha segue ausente como se eu não existisse e eu ajoelho no chão e começo a chorar muito, porque eu percebia que o tempo estava distorcido e que aquela velha e eu éramos a mesma pessoa, vivendo em tempos diferentes no mesmo espaço.
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19 de julho, quinta-feira.
fiz minhas matrículas na ufmg à contragosto. estranhamente, eu sinto saudade de subir a antônio carlos pelas seis horas e atravessar o aglomerado de universitários bêbados no cabral, cuidando pra não ser atropelada e, ao mesmo tempo, indiferente diante da possibilidade. eu estou lendo a redoma de vidro, depois de três anos de indicação; plath escreve gostosinho e de um jeito triste. acho que desde shonagon eu tenho tido essa vontade de consumir coisas igualmente gostosas e tristes. a frida deitou do meu lado durante todos esses dias e me contornou por todo tempo que foi possível; eu imagino que se resolvesse falar ela diria que certamente eu vou ficar aqui pra sempre. quando eu me sinto mais sozinha ainda nessas horas é bom pensar que pelo menos o cachorro...todos os vizinhos apagaram as luzes, eu não vejo mais as quatro salas amareladas contornadas pela porta arredondada da varanda, mas até no escuro esse predinho é bonito. é igualmente bonito e triste, igual ler plath ou shonagon. tem dias em que apertam mais essas incertezas e eu tenho mais medo de não decidir nada; não decidir entre os figos dourados da plath. medo de não ter esses figos pendendo sobre a minha cabeça. e por baixo da figueira eu acho que só me estenderia com o corpo rígido e gelado. acho que esse desconforto em todos os lugares se atenuaria ainda que eu fosse enterrada no cemitério do meu pai. medo dele aparecer craquelando as cartilagens endurecidas pelo tempo em inércia. a frida encaracolou o corpinho, ela tá triste porque esquecemos a única bolinha que ela não destruiu em são paulo. medo de pensar em sp e de pensar em tentar de novo e falhar de novo e ter que lidar com mais um espectro, mais uma confirmação de que para todas as aptidões para as quais eu me inclinei cinco de agosto chega impiedosamente e eu não sinto saudade e nem vontades. ao mesmo tempo eu quero subir a antônio carlos às seis da tarde e a glicério às dez da manhã.
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desde seis de julho
hoje é doze de julho. se antes o prognóstico para o mês era que ele parecia igualmente interminável e curto demais, agora os dias correm impiedosos. eu fiz as malas sem pressa antes de vir, apesar de estar em cima da hora. a pilha de roupas ia tornando-a substanciosa e a arara esvaziava estranhamente; assim, era preciso deixar algumas coisas estimadas ali. um lenço pendurado, uns sapatos na prateleira, livros, o marcador de páginas da edição especial de vinte anos do ghost world encaixado no porta-lápis rosa pastel. belo horizonte talvez tenha se tornando minha casa mais lentamente do que aquele apartamento. é verdade que eu já começava a me acostumar com as dificuldades daquela cidade, ainda que nada fosse ideal ou planejado. é como se lá fosse a realidade e aqui alguma coisa abstrata onde tudo vive com a cara etérea de quem existiu e hoje sublima, ainda que persistente no desejo de permanecer vivo. ainda assim, voltar vai tornando tudo mais concreto e me parece que ir embora vai ser ruim de novo. acostumar é uma desgraça e eu me acostumei com tudo: belo horizonte tem minha casa, campinas é minha casa. ficar lá e aguentar as intempéries torna meus músculos tão inertes quanto voltar e, de novo, querer fazer as coisas e não ter o que, nem com quem e nem ânimo. campinas me lembra de tudo e me força a reviver vinte e um anos. a sensação hoje é a de que nada adere, nada se fixa. a sensação é de que não só o músculo vai se tornando inerte, mas todo o corpo e este quarto com as minhas coisas velhas espalhadas. e dói arrumar tudo de novo, deixar confortável e do jeito que eu gosto, porque dentro de aproximadamente vinte dias tudo acaba de novo. e volta nas férias que vem só pra acabar mais uma vez. eu tenho medo de viver essas inconstâncias por todos os anos em que eu estiver longe e de que suportar e aprender a gostar de um lugar me apartem de viver de outra forma onde podia ser melhor pra mim. e vem o a. me dizer o quanto minas gerais é ruim e o quanto não faz sentido escolher qualquer outro curso só pra ir morar em são paulo, ainda que são paulo seja tão majestosa e quase erótica no seu discurso enquanto ele afirma irrefutavelmente que só quer ir embora. a sensação é de que a coragem de ter ido embora uma vez vai me permitir ir embora quantas vezes forem necessárias; a sensação é a de que molloy vai lentamente se ajustando nos meus membros e mastigando meus ossos. e então a sensação é a de que eu não vou ter ânimo para nada que não seja algum devaneio sem propósito como o de calcular as rotações das pedras pelos bolsos. e eu tenho as pedras, o que me preocupa. e são pedras desafogadas das águas do rio de granada, por onde corre o sangue do lorca e talvez chegue o de encarnación; minha tataravó esquecida nesse mesmo tempo que vai tornando tudo concreto e inerte. e as drágeas não atenuam a insônia nem a dor de estômago mais, especialmente nestes dias em que é preciso ser paciente numa viagem de oito horas e meia; e o percurso todo é desconfortável, os passageiros são estranhos e sempre faz frio. e eu que sempre fui meio psicopata de inevitavelmente imaginar um acidente de trânsito onde eu acabaria esmagada entre o asfalto e outros três passageiros não consigo evitar de pensar nisso outra vez. em belo horizonte todo mundo de campinas é saudade e em campinas são poucos os que eu efetivamente sinto vontade de rever. e entre eles têm alguns que são estranhamente familiares e inevitáveis; estes que são saudade lá e aqui, até antes de eu ir embora.é hora de pensar em perdas. eles estão aqui quando eu volto e quando eu estou lá, mas o tempo vai remexendo as configurações e daqui a pouco nenhum sobra aqui. eu tenho medo desse tempo passando e eu vivendo de longe tudo que eu vi viver aqui; de repente, eu tenho medo, tudo morre e quem sabe se eu vou sentir culpa ou remorso por ter deixado tudo pra trás e perdido um tempo crucial ou precioso. é longe demais, isso é certo. eu escolhi um caminho estranho, um que eu nunca tinha efetivamente almejado ou acreditado. e aconteceu: eu moro em belo horizonte há quase seis meses agora. e o fim de ano vem de novo com o suspiro de que o próximo vai dar certo e, ao mesmo tempo, de que ainda que tudo funcione, tudo vai continuar igualmente triste e inerte até o fim.
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16 de junho, 2018
Agora já estou além do 16 de junho, mas, porque lembrei que pretendia escrever aqui e encontrei os textos abandonados, vou relatar com atraso algumas coisas e tentar, assim, restabelecer um ritmo de escrita. Até porque, gradualmente vou ficando sem ter com quem falar e é preciso vomitar esporadicamente sem se preocupar com as respostas que certamente virão indesejadas e angustiantes. E já não há "almoço, jantar ou satisfação no mundo" que me motive a tornar público esse espaço, ainda que, como antes, eu o faça individual e particularmente. Agora eu só escrevo porque sempre escrevi e fui esgotando os meus chegados até ver-me totalmente desacoplada deles; é claro que alguns permanecem boiando na superfície, mas vou afundando. isso porque até certa idade -e eu falo disso com pouco embasamento, uma vez que vinte e dois parece pouco- tem-se um prognóstico inocente bem construído que inclui esquecer as atrocidades cometidas pela juventude e adequar-se subitamente ao que sempre esperou tornar-se. Agora vou envelhecendo irreversivelmente e certificando cruelmente que não obtive sucesso nenhum; para nenhuma aptidão me sinto inclinada, das basais às complexas, nada me serve tão frouxamente quanto agora.
O ponto do 16 de julho não era esse. Eu estive em Ouro Preto; pela primeira vez desde que vim parar em Minas Gerais, há uns penosos quatro meses, senti que valeu a pena o deslocamento físico e emocional. O desgaste da dúvida foi deliciosamente estancando enquanto eu comia angu mineiro vendo, pela ladeira de pedra, as casas tombadas. o fim de semana foi dos patrimônios; o material, concretizando-se com sutileza por baixo da neblina fosca, e o imaterial, na reafirmação certeira de Shônagon de que, apesar da relutância, bom mesmo é falar das coisas que são bonitas.
E Ouro Preto é dessas coisas bonitas que Shônagon listaria. É claro que com o fluxo indecente de pessoas qualquer lugar vai se tornando mais cinematográfico e aí a maleabilidade do olho vai desgastando até ele se tornar rígido contemplando as fotografias digitais e as analógicas, no caso dos turistas mais descolados. Ainda assim, coberta pela mesma neblina fosca, Ouro Preto no domingo é gostosa que quase dói e é preciso contrair-se inteiramente para acalmar a dor de estômago ao lembrar que, dentre todos os lugares bonitos do mundo, calhou de você nascer e se criar num lugar ruim. Agora é preciso conhecer Trindade, Diamantina, Lavras Novas, viver da celebração dos mortos.
O frio não foi bom como eu quis que fosse. Talvez estivesse sensibilizada pela noite anterior não dormida e por viajar sozinha para um lugar novo e ter de prestar atenção minuciosa para garantir que não desci na rodoviária errada; fato é que o frio doeu e me fez mal. Tom Zé me fez bem. Abraçar Tom Zé e chorar lembrando da vó Baica na frente dele foi bom também, de certa forma. "Pode chorar, faz bem". Faz mesmo, Tom. "Você é maravilhoso". Tomzinho. Ele me perguntou se eu não tinha nada para ele assinar e eu respondi, triste, que queria o livro, mas não tinha mais. "Então dá cá um abraço". Certamente, Tom. Tom Zé foi por umas horas o elemento crucial e mais importante do mundo e aí acabou o show; foi embora cantando seu xique-xique e eu sigo cantando a saudade de Augusta. Vontade de ouvir Tom cantar Duas Opiniões e ninar o violão. Saudade de trancar a porta e tocar canções eróticas de ninar na caixinha de som que parecia uma nave: a caixinha da nasa. Queria trancar de novo a porta na sexta e sair domingo à noite sentindo saudade no instante seguinte. De passar na frente do sebo casarão, de planejar coisas fumando descendo a Conceição, subindo a glicério, molhada de calor no 349.
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listas de shônagon sem a imperatriz
trazer de viagens curtas a reafirmação de que não há lembrança e nem memória particular que se equipare à ideia de ter nascido ali
desencontrar-se com quem se pensa ter estabelecido vínculos durante a mesma viagem, porque, de repente, descobre-se totalmente diversa desta pessoa
relembrar um hábito esquecido e saber-se inapta a habituar-se novamente
quando é preciso falar e todos a quem se pode falar certamente responderão de forma irritante e ainda mais angustiante
quando não suportamos mais e falamos a alguém não tão próximo e nos sentimos expostos e ridículos
ter de manter-se perto de um grupo de pessoas, porque estabeleceu-se que são colegas
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29 de dezembro, 2017.
São Paulo.
Os brutos, nesta noite, têm os pés pêndulos, atracados às cadeiras de madeira enfraquecidas pelo vaivém insistente dos funcionários de olho caído, sublimando ausentes e automáticos. Anoitece mais lentamente, o tempo passa e continua dia: dezembro arrasta-se pesadamente pelas avenidas, iluminado e quente.
À mesa estamos sós; a sirene que anuncia tragédias não afeta o desdém volátil dos céticos, os ouvidos estão frouxos, soltos passeando pelo tilintar das garrafas e pelos timbres secos ou deliciosos que umedecem necessariamente antes do sobressalto.
À frente, à mesa, cinco anos nos contemplam, senhores. O microcosmo se encarrega de perturbar com a malícia da pessoalidade: a grandiosidade eclipsada pelo cabelo mal cortado de alguém. Tumbas apequenadas pela ânsia de atrasar o retorno e permanecer ali sublimando ausente; dezembro arrasta este mesmo sol que atormenta com perversa precisão.
Então entende-se o que propunha um devaneio, a debilitante profusão da febre mostra-se menos estéril: é preciso fundir. Fundir as mãos da mãe às mãos destes cinco anos e fundi-las todas às de hoje; amarrar dezembro aos seus irmãos maiores, amarrar de garganta presa e profanar no altar do seu deus.
Às mesas os ambulantes vendem seus isqueiros e balas com a grandeza de Vulcano; mas pelas cadeiras afundo incerta, reclusa. Não há redoma suficiente neste mundo para enclausurar-se acocorado e emudecer diante da insuportável significância destes elementos e símbolos postos à mesa, sentados à frente, sobre a cadeira bamba balouçando frágil na calçada. A significância enraivecida, significância gradualmente tornada física; e subitamente tornada desejo.
À frente o porte imaculado e pela mente o vulgar da sexualidade apodrecendo vínculos. "Orgulho e recato, primos-irmãos" os ombros minguantes contra o potência da voz. O queixo acima dos gargalos contra o gradiente estúpido que vai fazendo a garganta acabar-se.
E por fim o retorno exausto, frustrado e incompleto dos que caminham à frente somente para ver-se analisar o ambiente antes da recepção; obviedade deve ser menos corrosiva que a elegância da sutileza; tudo afunda impotente em dezembro.
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Eu choro pela saudade dos santos que me apadrinharam e refugiaram nas águas doces e matas, ainda que suas chagas fossem mais largas do que qualquer lágrima da criança bem amparada que eu fui, mesmo tendo crescido chorando. Choro pelas boas intenções dos que riscam cachoeiras esverdeadas no sulfite que há tanto trago escondido pelas dobras dos meus brônquios, guardado acima do diafragma, deglutido, escondido no estômago e na viscosidade do intestino; o risco que suporta os anos cortados em tantos pedaços, em formato de cubos espessos e cartilaginosos, duros e macios que me estruturam e suportam perfurações, riscos, cortes e hematomas. Minha reza é descrente e cheia de criaturas santas e pagãs, roendo açucenas no quintal colorido das minhas mãos, que já tornam-se secas da insistência em rezar sem saber para e por quem; carrego nos relicários frios e metálicos a face dos que jazem por dentro de mim. E a música que dói de tão simples e atenua a cólera segue cantando que Ela tem peito de aço e o coração de um sabiá: ela, menina esticada à contragosto pelo repuxar da corrida sobre o magma, a pele acinzentando-se e virando borracha. Mas ela prevalece, ainda que vire os olhos para não se envergonhar diante de quem eu me permito ser: ela me vê menina quando me desdobro do chão dos banheiros, os olhos e a boca melados, o sangue vazio, a mucosa esbranquiçada. Sua cria não tem peito de aço, porque derrete súbita e inevitavelmente. Enquanto ele me olha, no sofá, com os botões da camisa afrouxados e um olho bêbado: filha de quem é, não vai aprender a andar. Eu deveria ter escutado os filhos de santos quando me disseram para não brincar com Ele; mas, de repente, as mãos que aqueciam minhas costas à noite no quarto isolado, tornam-se o retrato de uma fé exausta, o suspiro diante de um reflexo que aquiesce o meu peito, este que nem é de sabiá. Morre a fé, os santos e o ritual, mas Ela está e permanece, indiscutivelmente, senhora dos meus instintos, padroeira profana que me agarra pelo braço quando encontro o limiar de túmulos familiares. E nos altares dispostos pelas minhas paredes, renegando o formato de cruz e tornando-se cada vez mais amorfas, estão outras pequenas criaturas amolecidas pela exposição ao calor e fatigadas de sustentar a cerâmica que enclausura sua mística existência: miúdos que estão, não evidenciam a expansão da sua magia quando em contato com o fluido da mente, porque é preciso moldar as estátuas e concretizá-las, porque assim confinamos os santos e nos livramos da memória clara e maligna de um mundo perpendicular ao nosso, onde tudo é pedra e não há tinta para colorir a roupagem das entidades. E eu devotei tão firmemente o meu pulso a carregar as xícaras de louça, equilibrando o café que cheirava também à canela, que esqueci de sustentar o tornozelo; as mãos são mais livres, elas superam mais rapidamente a dissolução de uma crença. O pé é, indiscutivelmente, a terra para onde volto; a terra a quem temo e carrego em silêncio, eclipsando sua insistência por baixo de saias brancas e deuses multiformes. É necessário serrar o pé, cada tornozelo por vez, porque é com arte visual que fomentamos uma ideia: se não vemos os santos, esculpimos; se não suporto a textura da terra, me arranco os pés, é simples. E ando por aí com as mãos atoladas.
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