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o caso daspu

Desfile-performance da Daspu realizado em frente ao Masp durante manifestação pró-bolsonaro. 26 de maio de 2019.
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O conceito de prostituta, escreve Gabriela Silva (2018), tem variações dentro da história da humanidade, assim como seus papeis sociais. Em períodos primitivos e nas civilizações antigas, o sexo tinha caráter ritualístico e as mulheres associadas a estes cultos detinham, além de poder, uma ligação com o divino.
A partir da queda do Império Romano e a ascensão da Igreja Católica, a prostituição foi marginalizada, tornando-se um mal necessário (p.21) e o prazer e a sexualidade femininos extremamente reprimidos. Antes parte da estrutura social, as prostitutas passaram a ser associadas à devassidão, à vergonha, verdadeiros flagelos sociais que precisavam ser controlados (p.21).
Para Michel Foucault, nas sociedades ocidentais no período compreendido entre o século XVII e meados do século XX, a conduta sexual virou objeto de análise e intervenção. Ao encorajar as pessoas a falarem sobre sexo e sexualidade, os mecanismos de poder (como o Estado e Igreja, por exemplo) puderam exercer certo tipo de controle sobre os indivíduos e, se fosse se o caso, puni-los (as condutas sexuais consideradas desviantes, por exemplo).
O corpo feminino sempre foi alvo de controle. Reprimir a sexualidade feminina era uma forma de manutenção do papel social da mulher, quase sempre relacionado ao casamento e ao cuidado dos filhos.

Vestido de noiva confeccionado com lençóis de motéis
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Então quando Gabriela Leite, a partir das próprias experiências, cria a Daspu, em 2005, ela busca discutir o direito à sexualidade e ressignificar o papel da prostituta nos âmbitos social, político e estético. A marca teve auxílio da ONG Davida, também criada por Gabriela em 1992, que presta auxílio à prostitutas e defende a regulamentação profissional da prostituição
O nome, que alude à outrora boutique de luxo brasileira Daslu, reforça a ideia de inserção em um contexto dissociado dos espaços comuns da prostituição. Assim como as passarelas. No texto anterior, sobre performance na moda, vimos o espaço da passarela é essencial para consolidar e difundir a moda.
Para as modelos Daspu, escreve Elaine Bortolanza, “a passarela é um direito subjetivo, um espaço de expressão e afirmação da sexualidade, além de ser palco midiático do consumo” (p.154). A presença dessas mulheres em um local considerado sagrado para a moda causa estranhamento e também explicita o que a autora chama de “instrumentalização da sexualidade feminina” - ou seja, aquele corpo padronizado e bem aceito socialmente.
Talvez seja esse aspecto - a inserção das prostitutas em espaços apartados da prostituição - que divida as opiniões. Preconceitos relacionados à prostituição ainda se perpetuam. Com a leitura dos textos, percebo que o propósito da Daspu é, claro, vender roupas, mas também desfazer estigmas relacionados à prostituição. Fugir desse controle sobre o corpo e o desejo feminino, além de visibilizar a lutar por espaço das prostitutas, bem como reconhecimentos das mesmas como sujeitos sociais e políticos.
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REFERÊNCIAS
BORTOLANZA, Elaine. Daspu: zonas de passagem. In: MESQUITA, Cristiane; PRECIOSA, Rosane. Moda em ziguezague: interações e expansões. São Paulo: Estação das letras e cores, 2011.
EL PAÍS. De la acera a la pasarela. 04 de setembro de 2006. Disponível em <https://elpais.com/diario/2006/09/05/sociedad/1157407210_850215.html>. Acesso em 10 de agosto de 2020.
SILVA, Gabriela. As muitas faces da prostituição: uma aboradagem histórica sobre o controle da sexualidade a partir de Foucault.In.: Divers@, Matinhos, v. 11, n. 1, p. 15-25, jan./jun. 2018.
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a arte performática na moda
Alexander McQueen, Primavera Ready to Wear, 1999
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Pesquisando uma rápida definição de performance no Google para começar este texto percebi que os principais resultados quase sempre se relacionam à arte, embora a palavra também signifique “atuação ou desempenho”.
De acordo Jorge Glusberg, citado no texto de Maria Lucineti Silva e Paula Linke (2012), define performance como “uma ação, uma comunicação corporal, produtora de sentidos e significações, concebida em um determinado contexto” (p.27).
Na moda, a performance quase sempre se concretiza na forma de um desfile. Segundo as autoras, o desfile é um modo de alardear certas coisas - sejam elas as vestimentas, as aparências ou os comportamentos. Ao potencializar esses elementos, o desfile faz do corpo um veículo de significados culturais.
Analisando praticamente essa concepção, temos o desfile-manifesto da marca diegogama, realizado na 42 ª edição da Casa de Criadores em 2018. A coleção SOBNÓS propunha ressignificar as relações humanas e quebrar regras estéticas e sociais acerca da vulnerabilidade, percebida como sinônimo de fraqueza. No desfile, além dos looks da coleção, corpos nus também se faziam presentes.

A apresentação foi bastante criticada nas redes sociais por conta da presença de nudez na passarela. Lúcio Agra (2011, p.133) observa que a nudez é um clichê relacionando à performance - “um corpo que se move ao lado do meu, completamente nu porém desprovido de qualquer sentido ‘erótico’”.
A presença de corpos nus no desfile, a meu ver, fazem contraponto com os corpos vestidos em tons e texturas que lembram rochas, terra e chão - uma oposição entre vulnerabilidade e estabilidade. O corpo nu, de certa forma, está desprotegido - daí lembremos que os humanos passaram a se cobrir para se proteger. Creio que essa percepção também se aplique às relações humanas: intimidade - seja com você mesmo ou com o outro - requer certa vulnerabilidade, estar despido de pré-conceitos. O corpo nu em performances gera tanta polêmica porque, talvez, ainda não saibamos lidar direito com a nudez (a tendência de tratá-la como imoral) e também pela onda de grupos conservadores reacionários que tender a inflamar tal noção.
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O desfile de moda, citando novamente Lucineti Silva e Paula Linke, também serve de reflexo da sociedade de consumo, que espetaculariza a moda por meio de formas criativas, convidando o espectador a tomar parte no evento, atiçando sonhos e valores, envolvendo-o emocionalmente. Para as autoras, a estratégia sedutora do desfile têm objetivos publicitários e mercadológicos, consistindo, assim, em uma ferramenta fundamental para divulgar e consolidar a moda.
Antes tidos como eventos altamente exclusivos (em certo nível, ainda o são), os desfiles, hoje, se beneficiam da força das mídias. Com a instantaneidade, as marcas puderam se aproximar cada vez mais de possíveis consumidores ou mesmo de encantar espectadores com apresentações produzidas e pensadas para o registro.
Dessa maneira, os textos em questão me levaram a refletir sobre os desfiles de moda durante a pandemia. Como sabemos, algumas semanas de moda tiveram suas edições físicas suspensas ou canceladas por questões de segurança. O digital, diante da situação, se fez mais do que indispensável paras as marcas divulgarem suas coleções.
E tivemos de tudo: ensaios à distância, ensaios feitos com familiares, campanhas que dispensaram modelos e focaram só nos produtos e àquelas que optaram por desfiles virtuais com modelos virtuais (como já mencionado em textos anteriores).
Também não faltou espetáculo. Destaco, assim, a coleção de alta-costura 2020-2021 da grife francesa Dior, que produziu um belíssimo curta-metragem evocando o Théâtre de la Mode (quando costureiros franceses desenvolviam miniaturas e as enviavam por toda a Europa) em meio a criaturas fantásticas.
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No entanto, apesar das recomendações, outras marcas insistiram em apresentações físicas. Uma delas foi a também francesa Jacquemus, cujo desfile da coleção de primavera-verão 2021 se deu em uma plantação de trigo e com a presença de cerca de 100 convidados. O designer da marca, Simon Porte Jacquemus, justificou a escolha dizendo que, por ser uma grife autônoma, os desfiles fazem parte da estratégia da marca e tem impacto direto nas vendas.

Embora bem elaboradas, as apresentações presenciais levantaram questionamentos sobre a sua necessidade em tempos tão incertos. É sabido que, na Europa, a pandemia demonstra sinais de estabilidade, mas isso não significa que ela acabou completamente. Teimar com apresentações físicas demonstra, a meu ver, não só uma falta de empatia, mas também uma dissociação da realidade. Tudo voltou ao normal?
No início da pandemia, houve um desejo de repensar e dar novos rumos a moda, mas que, agora, parece ter minguado diante da exigência das vendas e/ou cumprir calendários.
Essa vontade de reexaminar as apresentações de moda não é recente e também não creio que vá acontecer de maneira súbita. Muitas coleções ainda são lançadas em curtíssimos espaços de tempo, não permitindo processar corretamente o que foi promovido anteriormente. Instantaneidade e avidez por novidades talvez sejam as palavras de ordem e a moda corrobora com este ímpeto.
Diante da situação que ainda enfrentamos, acredito que devamos - ainda mais - pensar e fazer moda para além do fugaz, com propósitos mais duradouros e sustentáveis.
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REFERÊNCIAS
AGRA, Lucio. A moda performance. In: CASTILHO, Kathia; MESQUITA, Cristiane. (org). Corpo, moda e ética: pistas para uma reflexão de valores. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2011.
SILVA, Maria; LINKE, Paula. A Arte performática na moda. In: Revista espaço acadêmico. No. 137, p.23-29, 2012.
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o corpo, a roupa e o funk

© Tânia Carlos
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A pesquisadora Mylene Mizrahi, em seu texto O funk, a roupa e corpo: caminhos para uma abordagem antropológica da moda (2019), propõe uma análise da indumentária funk nos bailes no início dos anos 2000. A autora busca abordar a moda como um fenômeno, apreendida na vida que o produz e na qual ele se insere.
Antes de chegarmos a esse ponto, resolvi pesquisar um pouco mais sobre as relações entre corpo, figurino e dança.
No artigo O corpo dançante como suporte para o figurino de dança (2015), as autoras Pétala Souza e Francisca Mendes destacam que o corpo dançante está em permanente construção e que o traje de cena precisa ser tão dinâmico quanto este corpo, já que o mesmo é modelado pelo movimento. Nessa perspectiva, o figurino deve ser adequado para permitir a fluidez da coreografia.
O aspecto da fluidez se relaciona com o texto de Mizrahi quando a autora diferencia as vestimentas masculinas e femininas. Nas roupas masculinas, há uma clara distinção em dois grupos, porém noto que ambos têm em comum as peças largas (sejam no conjunto ou na parte inferior, como faz o grupo dos “bombados”). Isso permite os movimentos vigorosos e retos.
O figurino feminino é mais complexo de ser classificado, porém, em contrapartida, as moças preferem roupas mais justas e/ou elásticas, que colaborem com os movimentos sinuosos e circulares.
Esse contraste entre roupas largas e justas permite, de acordo com a autora, estabelecer oposições binárias, cujo aspecto central é a sedução. A vestimenta se insere em um contexto de provocação, onde o objetivo é instigar o outro.
A relação entre sujeito-objeto é fundamental na abordagem da autora. Para ela, “o que dava sentido à sua roupa era a relação estabelecida com o objeto e o corpo em movimento” (p.113). Esse sentido é atribuído pelas próprias pessoas que lhes concedem o uso. A roupa ressalta as formas do corpo bem como os movimento de dança.
Para Mizhari, o sentido da roupa funk é apreendido pelo contexto em que a mesma se insere, materializando pensamentos e modos de viver.
A partir do texto, a atividade proposta busca pensar a relação entre a roupa e os corpos que dançam funk na contemporaneidade.
É fato que o funk, hoje, é umas maiores expressões culturais brasileiras e de bastante notoriedade. No entanto, ainda esbarra em antigos obstáculos como a relação do funk com a criminalidade ou a crescente oposição por uma parte conservadora da sociedade.
Confesso que tive um pouco de dificuldade em encontrar material relacionando à indumentária funk na contemporaneidade, principalmente na perspectiva de quem frequente os bailes atualmente.
Com auxílio de uma matéria do jornal Folha de São Paulo, publicada em novembro de 2018, pude traçar um pequeno perfil da moda da quebrada - estilo característico das periferias. Nesse estilo, como pontua o artigo, “questões identitárias e de gênero são peças-chave para entender como música, moda e comportamento se fundem nos novos rolês urbanos”.

© Folha de São Paulo
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Apenas duas moças são entrevistas e, pelo que a matéria dar a entender, há denominadores comuns entre roupas masculinas e femininas na moda da quebrada. Há quem prefira usar o combo tradicional de bermuda, camisa polo e tênis. Outros são influenciados pela moda streetwear ou tem preferência por artigos de marca tais como Nike e Adidas e outras mais luxuosas, como Gucci e Hèrmes.
Acredito que, hoje, o figurino funk é bastante diversificado e quase sempre se relaciona ao subgênero que seu usuário prefere - por exemplo, no funk ostentação, há predileção pela extravagância e luxuosidade. Também pontuo que as pessoas influentes no meio têm o poder de ditar tendências.
Quanto há semelhança em relação às experiências que distinguiam homens e mulheres nos anos 2000, creio que o funk tornou-se um espaço de memória e resistência, que busca abraçar a diversidade. Isso corrobora com a abordagem da autora sobre moda como fenômeno do lugar onde ela é produzida. A moda dita “da quebrada” é diferente da produzida globalmente: ela busca ser legitimada como expressão de grupos que sempre foram marginalizados.
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REFERÊNCIAS
FOLHA DE SÃO PAULO. Estilo 'quebrada' é alvo de olhares enviesados mesmo incensado pela moda. Disponível em <https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/11/estilo-quebrada-e-alvo-de-olhares-enviesados-mesmo-incensado-pela-moda.shtml>. Acesso em 02 de agosto de 2020.
MENDES, Francisca Dantas; SOUZA, Pétala Tainá de Oliveira de. como suporte para o figurino de dança. Universidade Feevale. 5º Encontro Nacional de Pesquisa em Moda, 2015.
MIZHARI, Milene. O funk, a roupa e o corpo: caminhos para uma abordagem antropológica da moda. In: Cadernos de Arte e Antropologia, Vol. 8, n° 1, pag. 105-121, 2019.
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o mito da beleza

(Sandro Botticelli. O Nascimento de Vênus. 1483. Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.)
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A beleza se tornou o novo Eldorado do capitalismo, escrevem Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015). O aumento na busca por produtos e/ou procedimentos estéticos se vincula à uma nova cultura individualista, centrada na otimização de si. Seguimos inquietos e insatisfeitos na busca por adequação ao ideal de beleza vigente.
Acredito que ambos, homens e mulheres, sejam impactados pela tirania da beleza e da aparência. Mas essa opressão é mais rígida e cruel com as mulheres e tem sido assim há tempos.
No início dos anos 1970, com a segunda onda do feminismo, as mulheres conquistaram direitos legais e reprodutivos, espaços sociais e respeito. No entanto, aponta Naomi Wolf (2018), quando essas mesmas mulheres começam se libertar das repressões materiais, uma antiga ideologia vem a tona novamente: o mito da beleza.
A historiadora Mary Del Priore (2006, p.152), quando estuda as relações amorosas no Brasil, pontua que as aparências diziam muito sobre o sistema patriarcal em que se vivia. O culto à mulher frágil, pálida, como as heroínas nos romances, revelava o desejo narcisista de dominação por parte dos homens. O homem aprecia a fragilidade porque o faz sentir-se forte.
O mito da beleza gira em torno exatamente disso: a dominação masculina. Ao objetificar as mulheres, atribuindo-lhes valor de acordo com seus atributos físicos, essa ideologia estabelece uma relação de poder, segundo a qual as mulheres precisam competir por recursos que os homens já se apropriaram.
Hoje, o mito da beleza se vale da tecnologia que difunde milhares de imagens não só do corpo físico ideal, mas também o estilo de vida. A beleza em voga atualmente é aquele corpo que exala saúde, dando a impressão de que foi conseguido quase sem esforço. Quase.
O embelezamento de si, como mencionado acima, é um negócio de crescentes demandas e bastante lucrativo. O sucesso dessas empreitadas (e, consequentemente, do mito da beleza) também se dá pelas ansiedades e neuroses afloradas em uma vida cada vez mais mediada por telas.
Como identificamos outros exemplos do mito da beleza na indústria da moda?
Acredito que o exemplo mais clássico é a idealização do corpo feminino. O corpo magro, branco e rico reflete o que é considerado descolado em um determinado momento (por exemplo, o mom jeans e os óculos de sol minúsculos). É quase como se esse corpo “normalizasse” a tendência para quem não se encaixa no “padrão” poder usar sem ser ridicularizado. O tuíte abaixo exemplifica essa ideia.

Um tuíte zoando estas mulheres tem 100 mil curtidas, mas, eu juro por Deus, se a Bella Hadid usasse exatamente a mesma roupa, ela estaria em milhões de quadros “inspirações dos anos 80″ do Pinterest porque, como sempre, a moda é julgada exclusivamente pelos corpos que a vestem.
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Outro exemplo é a matéria Os filtros estão mudando a nossa aparência na vida real?, do site Elle Brasil. O artigo discute a busca por “um rosto de Instagram”, como se esse rosto fosse uma versão melhorada de nós mesmos.
O fato dos celulares estarem em nossas mãos quase 24 horas por dia e terem assumido a função de espelho corroborou com essa obsessão. Segundo dados da matéria, isso aumentou a busca por procedimentos estéticos como preenchimento labial, rinoplastia e harmonização facial. Além disso, mostra como a superexposição impacta a autoestima e cada vez mais cedo: entre as adolescentes de 13 a 18 anos, muitas se dizem insatisfeitas com a própria aparência, o que as leva a investir em cirurgias estéticas para “corrigir” os defeitos.
Tudo isso, muitas vezes, em nome da validação que as redes proporcionam.

Beyoncé, Pretty Hurts, 2014.
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Na contramão dessa fixação estética, existem iniciativas que buscam valorizar a autenticidade do eu como body positivity (já citado anteriormente em outros textos) e o também o skin positivity, que busca visibilizar a pele com acne.
Algumas marcas também adotam um tom de não conformidade aos padrões, como a Gucci Beauty. Recentemente, a marca convidou a modelo Ellie Goldstein para promover a máscara de cílios L’Obscur. Essa é a primeira vez que uma modelo com síndrome de Down estrela uma campanha da marca.

Perfil @skinnoshame no Instagram / Ellie Goldstein para Gucci Beauty
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Em suma, concordo com Naomi Wolf quando a mesma diz que objetivo do mito da beleza é cercear a autonomia feminina, conquistada por uma luta árdua, deixando as mulheres à mercê de algo tão superficial quanto a aparência.
Acredito que a moda ainda dá suporte a certos aspectos relacionados ao mito da beleza (a promoção de estilos de vida glamourosos e caríssimos é um deles), no entanto, também percebo tentativas de se desvencilhar dessa ideologia e destacar uma beleza mais autêntica. Porém, ainda há muito a ser feito.
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REFERÊNCIAS
DEL PRIORE, Mary. Meteorologia das práticas amorosas. In: História do Amor no Brasil. São Paulo: Contexto, 2006
ELLE BRASIL. Os filtros estão mudando a nossa aparência na vida real?. Disponível em <https://elle.com.br/beleza/filtros-instagram-nos-deixam-iguais>. Acesso em 23 de julho de 2020.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015
WOLF, Naomi. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro:Rosa dos Tempos, 2018.
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corpo, roupa e as relações de gênero
(Orlando, dir. Sally Potter, 1992)
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A diferença entre os sexos tem, felizmente, um sentido muito profundo. As roupas são meros símbolos de alguma coisa profundamente oculta. Foi uma transformação do próprio Orlando que lhe ditou a escolha das roupas de mulher e do sexo feminino. E talvez nisso ela estivesse expressando apenas um pouco mais abertamente do que é usual - a franqueza, na verdade, era sua principal característica - algo que acontece a muita gente sem ser assim claramente expresso (p.105)
A passagem acima é do livro Orlando, escrito pela inglesa Virginia Woolf e publicado em 1928. O personagem-título nasce na Inglaterra elizabetana e, durante uma temporada na Turquia, simplesmente acorda como uma mulher. Na obra, Woolf aborda as ambiguidades das identidades masculina e feminina e como elas se relacionam nos ambientes sociais.
Para Letícia Lanz (2017), nenhum outro processo simbólico, de acordo com a autora, constrói e dá suporte ao dispositivo binário de gêneros com tanta eficiência quanto a roupa e, consequentemente, a moda. A roupa funciona, ao mesmo tempo, como “um operador de socialização, um mecanismo de controle social e um veículo de libertação da tirania dos condicionantes culturais” (p.173). A escolha do que vestir (ou não vestir) parte de um desejo de expressão particular e também observação das regras sociais.
A primeira pergunta relacionada aos textos lidos é como enxergamos essa relação entre moda e gênero.
Relacionar determinadas roupas a uma categoria de gênero foi um dos modos encontrados pela sociedade para vigiar e controlar os indivíduos, determinando o que seria o corpo “normal” de homem ou de mulher e quais são as vestimentas compatíveis com esses corpos.
Um exemplo claro dessa distinção são as cores rosa e azul no vestuário infantil.
Fenômeno recente, a relação dessas duas tonalidades com categorias de gênero se deu por conta de um padrão estabelecido pela indústria da moda norte-americana, cujo intuito era vender mais roupas. Antes, as vestimentas infantis eram definidas pela praticidade e conveniência - em séculos anteriores, os bebês usavam vestidos e de preferência na cor branca (mais fáceis de trocar e limpar).
Essa separação por gênero, de certa maneira, obrigou os pais a comprarem roupas consideradas adequadas para seus filhos e filhas - quase como para garantir que a criança seja identificada como menino ou menina logo de cara.
Concordo com autora quando a mesma diz essa pressão social das categorias de gênero é exercida mais fortemente sobre os homens, já que as mulheres têm mais flexibilidade no vestuário. Um bom exemplo são as mulheres passando a usar calças no início do século XX, algo que, até então, era exclusivo dos homens.
Porém o contrário, homens se apropriando de vestimentas consideradas femininas (ex. saias, vestidos) e até mesmo dos símbolos comumente associados ao feminino (laços, motivos florais, tecidos leves, etc), é considerado um desvio de conduta do gênero masculino.
As coleções de moda masculina apresentadas para temporada 2020/2021 tentaram resinificar os códigos da masculinidade na moda ao estabelecer um diálogo com o feminino. Algumas marcas optaram pelo singelo, outras vieram com propostas mais ousadas.

Gucci; Valentino; Louis Vuitton; Rick Owens; Loewe; Dior Men.
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A mensagem das expressões binárias de gênero são lida e ensinadas culturalmente, de acordo com Kaio Lemos (2020). Então confrontar esse dispositivo é considerado um ato subversivo.
O corpo trans, não-conformista com os papeis de gênero pré-estabelecidos, é visto como transgressor da ordem social, passível de ser marginalizado, ridicularizado e rejeitado. As regras impostas urgem para que esse corpo, considerado deslocado, seja enquadrado em uma categoria em vez de legitimá-lo como ele é.
Como mencionado anteriormente, a moda contribui para perdurar os esterótipos de gênero. O cineasta e ativista Ariel Nobre, durante a conversa que tivemos, disse que a moda precisa de algo transformador ao mesmo tempo em que tem dificuldades em acolher o diferente. Para ele, as marcas precisam entender a importância da representatividade e dos conteúdos de relevância.
Dessa maneira, chego a segunda pergunta proposta: pesquisar ações afirmativas na moda quanto à população LGBTQIA+, especificamente xs corpos trans. Quais são os erros e acertos de tais investidas?
O primeiro exemplo são justamente ações feitas durante o mês de junho, em que se celebra o Orgulho LGBTQIA+. Empresas de enorme visibilidade como Nike, Havaianas e C&A (este artigo elenca outras mais) elaboram coleções especiais, cujos lucros são revertidos para organizações ligadas à causa como, por exemplo, o centro de acolhimento Casa 1.

Por um lado, considero esse tipo de ação como algo positivo - mostra que grandes marcas querem se aproximar da comunidade. Por outro, levanto uma questão tratada anteriormente quando falamos sobre inclusão das minorias: o que essas mesmas empresas tem feito, nos bastidores, para incluir pessoas LGBTQIA+ em seus quadros de funcionários, em posições importantes ou até mesmo de querer conhecer mais esse potencial público-alvo? Como disse o próprio Ariel Nobre, as marcas precisam se lembrar que as minorias são capacitadas. Em outras palavras: não basta colocar a bandeira do arco-íris nos produtos e achar que está fazendo o suficiente.
O segundo exemplo são campanhas ou publicações de moda estreladas por modelos trans. Como já dito outras vezes, a moda quase sempre preferiu certo tipo de corpo/beleza em detrimento de outros. Modelos trans em grandes publicidades abrem espaço para que outras pessoas trans se sintam vistas e representadas.

Valentina Sampaio para Vogue Paris, março de 2017; Hunter Schafer para Calvin Klein; Lea T para Elle Brasil, dezembro de 2017; Indya Moore para Louis Vuitton.
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Por fim, trago o desfile-performance da estilista Vicenta Perrotta realizado na 46ª edição da Casa de Criadores em novembro de 2019. A designer propôs transformar a apresentação de sua marca, a VP Upcycling, em uma plataforma para novos estilistas trans. O desfile reuniu mais de cem modelos, em sua maioria trans e travestis, que também participaram da concepção da coleção. Vicenta criou um projeto para ensinar essas mulheres a criar e costurar roupas, tirando-as da marginalização.
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REFERÊNCIAS
BBC BRASIL. Rosa nem sempre foi 'cor de menina' - nem o azul, 'de menino'. Disponível em <https://www.bbc.com/portuguese/geral-46764940>. Acesso em 21 de julho de 2020.
FASHION FOWARD. Menswear: Conversa entre feminino x masculino domina passarelas da temporada de Inverno 20/21. Disponível em <https://ffw.uol.com.br/trends/menswear-conversa-entre-feminino-x-masculino-domina-passarelas-da-temporada-de-inverno-2021/>. Acesso 23 de julho de 2020.
LANZ, Letícia. O corpo da roupa: a pessoa transgênera entre a transgressão e a conformidade. Curitiba: Movimento Transgente, 2a edição, 2017. p.: 171-195
LEMOS, Kaio. Olá, tudo bom? Você já retirou o código da sua roupa? Ou você já reparou que sua roupa tem um código? Cuidado com alarmes!. In: Medium. [S.I], 2020. Disponível em: <https://medium.com/@kaiolemos/ol%C3%A1-tudo-bom-3943c4283c05>.
LILIAN PACCE. Moda masculina e performance política na Casa de Criadores 46. Disponível em <https://www.lilianpacce.com.br/desfiles/moda-masculina-e-performance-politica-na-casa-de-criadores-46/>. Acesso em 21 de julho de 2020.
WOOLF, Virginia. Orlando. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1978.
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nós, os ciborgues

(Ex_Machina, dir. Alex Garland, 2014)
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O advento da tecnologia digital, surgida em meados do século XX, possibilitou o desenvolvimento de habilidades que permitem armazenar, compartilhar e recuperar informações. Segundo Lúcia Santaella (2007, p.128), a interação dos homens com as máquinas transformou o mundo em uma gigantesca rede de troca de informações.
Essa relação também possibilitou moldar e transformar o corpo orgânico por meio da tecnologia. Um novo organismo surge da combinação do humano com a máquina: o ciborgue.
A ideia do ciborgue - um ser ampliado e aperfeiçoado - veio para questionar a essência cartesiana da humanidade: de sujeitos racionais, pensantes e reflexivos. A natureza híbrida dos ciborgues nos perturba: não sabemos ao certo onde termina o humano e começa a máquina (e vice-versa).
De acordo com Tomáz Tadeu (2009, p.11), essa “promiscuidade traduz-se em uma confusão entre ciência e política, tecnologia e sociedade, natureza e cultura” - nos dando a entender que não existe nada que seja simplesmente puro. A existência ambígua dos ciborgues, como aponta o autor, não nos leva a discutir a natureza das máquinas, mas a questionar o que nos torna humanos.
Talvez o corpo ciborgue sirva como analogia para um novo tipo de sujeito, cuja identidade já não é mais definida ou modelada por categorias tradicionais como nacionalidade, raça, religião ou gênero. Sua essência deixa de ser estável para tornar-se cambiante.
No texto Ciborgues invadem a moda, a autoras Aliana Aires e Josenilde Souza (2018) discutem o conceito de bioidentidade, proposto por Francisco Ortega. Essa concepção fala de uma reconfiguração da identidade, em que os valores internos de construção do eu são deslocados para valores externos, como estética e aparência. Nessa perspectiva, ciência e tecnologia têm papeis fundamentais pois oferecem instrumentos capazes de modificar o corpo e, consequentemente, a subjetividade.
Para ilustrar essa nova configuração do sujeito, as autoras analisaram o desfile de outono da grife italiana Gucci durante a Semana de Moda de Milão em 2018. Inspirado no texto Manifesto Ciborgue (1984), de Donna Harraway, o desfile adotou um cenário que lembra uma sala de cirurgia, onde modelos de aparências andróginas aparecem segurando réplicas das próprias cabeças, um bebê dragão e usando roupas contendo as mais diferentes referências.

(Gucci Fall/Winter 2018. Semana de Moda de Milão.)
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Analisando a apresentação sob a ótica das modalidade de discurso propostas por Foucault, temos um enunciador, Alessandro Michele, que é designer de moda e ocupa a posição privilegiada de diretor criativo de uma marca de luxo. Michele, que assumiu a Gucci em 2015, é conhecido por seu gosto pela excentricidade, psicodelia e maximalismo.
O local da fala do designer é uma grife tradicional italiana com grande visibilidade, ainda mais depois que o mesmo assumiu a diretoria. A Gucci é uma marca que, com a chegada de Michele, passou por um processo de rebranding, adotando uma postura intelectual e não-conformista perante certo tradicionalismo de algumas grandes casas de moda e da sociedade em geral.
Michele fala para um público que, assim como ele, é privilegiado. São amantes de moda, pessoas que trabalham ou estudam moda, além dos consumidores da marca. Embora a mensagem seja positiva, ela ainda não alcança um público mais geral.
Essa pluralidade e até mesmo certo desconcerto trazido pelo desfile pode ser entendido como uma metáfora sobre como a moda funciona desde seu surgimento: regida pela celeridade das novidades e tendências. Na moda contemporânea pode se dizer que não existe mais um estilo único, mas uma multiplicidade de cenários, em que referências são resgatadas e traduzidas em novos contextos.
Aires e Souza (2018, p.16) destacam que o consumo é essencial para a compreensão dos novos modos de construção identitária e das novas subjetividade promovidas pela moda. Os consumidores, agora, já não se conformam mais com identidades estáticas e buscam se construir absorvendo todos os estilos e gêneros.
Com as tecnologias digitais, a moda ganhou renovados impulso e visibilidade, promovendo estéticas, materialidades e estilos de vidas para serem consumidos por clientes desejosos de transformações. Citando Gilles Lipovetsky e Jean Serroy (2015), os produtos anunciados são veiculam afetos e sensibilidades, moldando um universo estético bastante eclético.
É curioso notar que a relação entre corpo, moda e tecnologia tomou um rumo diferente durante esses tempos de pandemia. Na falta da materialidade física do corpo humano - já que muitas semanas de moda foram suspensas devido á questões de segurança -, muitas marcas optaram pela virtualidade para exibir suas coleções. Destaco dois exemplos:
Um é a campanha da coleção TBSummer da grife inglesa Burberry, em que um avatar da modelo Kendall Jenner foi criado a partir de fotografias tiradas em 360 graus e renderizadas em 3D. A equipe envolvida no projeto trabalhou por meio de videoconferências.
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O segundo exemplo é o desfile virtual da marca Hanifa, da estilista congolesa Anita Mvuemba, que também fez uso da tecnologia 3D para criar modelos virtuais.
youtube
Em suma, acredito que, atualmente, uma só subjetividade já não contém esse ser humano que é constantemente bombardeado por informações todos os dias. Nossa expressividade - seja na vestimenta ou em outros aspectos - são resultados daquilo que processamos dessas informações. Agora temos a possibilidade de decidir quem ou o quê queremos ser.
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REFERÊNCIAS
AIRES, Aliana; SOUZA, Josenilde. Ciborgues invadem a moda: corpo, gênero e medicina. IN: 14o Coloquio de Moda. 2018.
LIPOVETSKY, Gilles; SERROY, Jean. A estetização do mundo: Viver na era do capitalismo artista. São Paulo: Companhia das Letras, 2015
SANTAELLA, Lúcia. Pós-humano - por quê?. Revista USP, n. 74, p. 126-137, 1 ago. 2007.
TADEU, Tomaz. Nós, ciborgues. O corpo elétrico e a dissolução do humano. In: HARAWAY, D.; KUNZRU, H.; TADEU, T. Antropologia do ciborgue: as vertigens do pós-humano. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.
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invisíveis ou inclassificáveis?

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A imagem acima é o filme Aquarius (2016), dirigido por Kleber Mendonça Filho. Na cena, a personagem Clara (vivida por Sônia Braga) usa esse argumento para justificar a sua decisão de não abandonar o prédio em que mora há 30 anos, do qual é a única moradora.
Lembrei dessa citação enquanto lia os textos sobre o corpo e a velhice.
De fato, como Clara diz, não gostamos do “velho”. Melhor, ainda não nos acostumamos com a ideia de ficarmos velhos. Tudo isso está relacionado a uma mentalidade ultrapassada que associa a velhice à decadência e a dependência.
Envelhecer, de acordo com o texto Envelhecimento e velhice (2015, p.52), é um processo de natureza biopsicossocial, enquanto a velhice é uma construção cultural do curso de vida.
No Brasil, segundo pesquisa recente do IBGE, os idosos representam 13% da população total e esse percentual tende a dobrar nas próximas décadas. Com a relativa melhoria da qualidade de vida nos últimos tempos, nunca se viveu tanto, mas a percepção da velhice como incômodo ainda perdura.
A pandemia do novo coronavírus evidenciou ainda mais a “velhofobia”. Por atingir mais gravemente essa faixa etária, a COVID-19 foi logo taxada como “doença de velho”. Diante de tudo isso, a vida da população idosa se viu descartável. E há uma explicação clara: a concepção de que os velhos já não são mais forças ativas e produtivas.
Vivemos em uma cultura anti-idade, da eterna juventude, “uma incansável necessidade de sempre parecermos e nos sentimos jovens” (p.55). Hoje, o envelhecer é, paradoxalmente, pautado em estilos de vida antienvelhecimento.
A antropóloga Miriam Goldenberg (2015) percebe o corpo como uma junção de capitais: físico, simbólico, econômico e social. Para ela, o corpo capital é sexy, jovem, magro e em boa forma, conquistado com investimentos financeiros e muito sacrifício (p.65).
A respeito disso, elenco dois exemplos que se relacionam com a ideia principal de ambos textos: a beleza e bem-estar são característicos da juventude.
O primeiro é a campanha, lançada em 2017, da linha de produtos anti-idade da grife francesa Dior. A publicidade foi estrelada pela modelo inglesa Cara Delevingne, então com 25 anos. A linha, chamada Capture Youth, era voltada para mulheres mais jovens, a fim de retardar os sinais de idade.
Em contraste, o segundo exemplo é uma cena da série Grace and Frankie, onde a Grace (personagem interpretada por Jane Fonda), cansada de tentar manter as aparências, revela o seu verdadeiro eu. Após tirar os cílios, os apliques de cabelo e limpar o rosto, Grace diz: receio que a só há uma direção a seguir depois daqui e não é pra ficar mais bonita.
Considero questionáveis tanto a conotação de que a velhice é um estorvo quanto a que associa a terceira idade com a positividade e sucesso.
Precisamos nos atentar para o fato de que nem todos os idosos partilham da mesma realidade e dos mesmos recursos, portanto não vivenciam essa fase da mesma maneira. Abandono e abusos ainda são experienciados pela população idosa. Então acho que não podemos falar em “melhor idade” se nem todos os velhos se sentem representados por ela.
E onde a moda pode se inserir nesse contexto?
Em textos anteriores, pudemos perceber que a moda desempenha um papel importante na construção das identidades.
É bem verdade que ela ainda se escora no culto à jovialidade (vide o exemplo da campanha da Dior), mas percebi, por meio de algumas iniciativas, que ela se mostra mais aberta a incluir a velhice em suas mídias, sejam elas desfiles, campanhas ou publicações.

Helen Mirren para Allure, setembro de 2017 / Judi Dench para British Vogue, junho de 2020.

(à esquerda) Tommy Hilfiger x Zendaya, Outono/Inverno 2019, New York Fashion Week; (à direita) Kate Spade, Primavera 2020, New York Fashion Week; (ao centro) Ronaldo Fraga, Inverno 2009, São Paulo Fashion Week.

Campanha da grife francesa Céline estrelando a escritora norte-americana Joan Didion. Primavera/verão 2015.
Enquanto pesquisava referências para este texto, notei que marcas e/ou lojas especializadas em moda para a terceira idade são escassas. Pensando nisso, supus que as pessoas idosas devem ser consumidoras de lojas de vestuário para um público em geral, mas a estética das roupas deve se adequar a idade - ou seja, o idoso não pode (ou não deve) ser chamativo demais. É curioso pensar nisso, levando em conta toda a discussão sobre o esforço para ser ou parecer jovem.
Envelhecer não quer dizer abrir mão do estilo e do bom gosto. Embora careça de lojas específicas, a população idosa busca conforto e qualidade nas peças de vestuário. As modelagens e os materiais devem levar em conta as transformações da anatomia do corpo - aqui reforço, mais uma vez, a importância de se conhecer a fundo o público-alvo.
Ainda que positivos os exemplos que reuni, percebi que ainda existem questões relativas a velhice, gênero e etnias que são pouco abordadas. Na maioria das referências que trouxe, noto que elas se voltam para uma velhice com etnia e recursos específicos.
O fato da moda estar mais receptiva no que concerne a idade pode ser um (re)início de conversação sobre a velhice. Dando mais visibilidade à temática por meio de estudos ou iniciativas, pode ser que mudemos nossa forma obsoleta de enxergar essa etapa da vida e passemos a perceber como ela pode ser vivenciada de maneiras diferentes e dignas.
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REFERÊNCIAS
GOLDENBERG, Miriam. Invisíveis ou inclassificáveis? Gênero, corpo e envelhecimento na cultura brasileira. In: MESQUITA, Cristiane; CASTILHO, Káthia. Corpo, moda e ética: pistas para uma reflexão de valores. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015. p. 61-78. Inicia com texto p. 51.
LOPES, Andrea; BERNARDO, Caroline; SILVA, Larissa; MELO, Patricia; YOKOMIZO, Patricia; YOSHIKO, Thaís. Envelhecimento e velhice: pistas e reflexões para o campo da moda. In: CASTILHO, Kathia; MESQUITA, Cristiane. Corpo, moda e ética: pistas para uma reflexão de valores. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015.
REVISTA RETRATOS. Idosos indicam caminhos para uma melhor idade. Março de 2019. Disponível em <https://censo2020.ibge.gov.br/2012-agencia-de-noticias/noticias/24036-idosos-indicam-caminhos-para-uma-melhor-idade.html>. Acesso em 1 de julho de 2020.
SEBRAE INTELIGÊNCIA SETORIAL. Moda para a terceira idade ainda é carente. Disponível em <https://sebraeinteligenciasetorial.com.br/produtos/noticias-de-impacto/moda-para-a-terceira-idade-ainda-e-carente/5885fb8c37a6ad1800ab4e9d>. Acesso em 1 de julho de 2020.
W MAGAZINE. Cara Delevingne, 25, is the Face of Dior’s New Anti-Aging Line. Outubro de 2017. Disponível em <https://www.wmagazine.com/story/cara-delevingne-dior-anti-aging/>. Acesso em 1 de julho de 2020.
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o corpo gordo na moda

(”Juice”, Lizzo, 2019)
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Durante este período de isolamento social, muitos foram os memes que circularam nas redes sociais retratando o antes e depois da quarentena. Porém engana-se quem pensa que esse tipo de publicação é engraçada ou até mesmo inofensiva.
Com a pandemia do novo coronavírus, fomos tomados por um medo generalizado. Algumas pessoas temem contrair a doença, outras de perder alguém querido e algumas temem - olha só - ganhar peso. Daí pipocaram nas redes vídeos de como se manter fitness em casa. A inciativa de ninguém ficar parado - mesmo confinado - parece bacana e divertida, porém mascara um estigma antigo: de que o corpo gordo não é saudável.
A saúde, atualmente, é um negócio bastante lucrativo. São produtos e serviços que prometem de tudo - da pele perfeita ao corpo ideal. Desejosas de serem socialmente aceitas, muitas pessoas se submetem a eles. Porém, o ideal é, muitas vezes, irreal.
Então não é exagero dizer que os tais memes citados acima afetam diretamente a autoestima das pessoas gordas.
De onde vem toda essa intolerância e como ela se perpetua?
Fazendo uma pequena retrospectiva histórica, salientemos que o corpo que o corpo gordo nem sempre teve essa conotação negativa.
No século XVI, a robustez era sinal de fartura, vigor e beleza, como nas mulheres representadas por Rubens ou Ticiano. Voltando ainda mais no tempo, o corpo gordo também era sinal de fertilidade, presente nas esculturas de deusas, como a Vênus de Willendorf.

(à esquerda) Peter Paul Rubens. As Três Graças. 1630-35. Museo del Prado, Madrid, Espanha; (à direita) Vênus de Willendorf. Criada entre 28.000 e 25.000 anos antes de Cristo. Museu de História Natural de Viena, Áustria; (ao centro) Ticiano. Vênus de Urbino. 1538. Galleria degli Uffizi, Florença, Itália.
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De acordo com Patricia Nechar (2018), o corpo gordo ganha implicações pejorativas com os avanços da medicina a partir do século XVIII. A gordura passa a ser sinônimo de doença, ineficiência e desleixo. “A preocupação dos médicos com a gordura se torna ímpar e nasce, portanto, a cultura do corpo magro. Da preocupação em emagrecer e manter-se magro a qualquer custo emerge o estigma do gordo” (NECHAR, 2018, p.4).
E a moda ajudou a perdurar esse preconceito.
Relembrando Helena Katz (2015): “a moda tem um papel na biopolítica quando publiciza um tipo de corpo que colabora com a domesticação da nossa percepção” (p.17). O corpo magro - difundido pela moda e meios de comunicação - estabeleceu-se como o ideal a ser alcançado e tudo que se encontra fora dele deve ser repelido.
A falta de representatividade corpórea deu nova visibilidade ao movimento body positive. Com intuito de empoderar os corpos e vê-los com admiração, o movimento vem tentando superar a intolerância promovendo aceitação e inclusão. Com as redes sociais, a pauta se difundiu e ganhou várias defensoras como influenciadora brasileira Ju Romano e a cantora norte-americana Lizzo.
Com essa popularidade, a moda enxergou um novo nicho de mercado: o plus size. Embora seja uma referência positiva, a autora Aliana Aires (2019) a vê com cautela. Segundo ela, a moda plus size surge com intuito de diminuir a discriminação em relação ao corpo gordo, já que leva o mercado a produzir tamanhos maiores, porém não tão condizentes com aos consumidoras reais.
Para Aires, a lógica plus size tende a dar “leveza” ao corpo gordo, uma forma de disfarçar excessos. Essa prática acaba excluindo as particularidades do corpo gordo, criando uma espécie de padrão próprio: corpos curvilíneos, de quadris largos e de certa etnia (em geral, branca).
Para exemplificar essa questão, reuni seis marcas do segmento e busquei analisar como elas se posicionam.

As três primeiras marcas (Savage X Fenty, Christian Siriano e 787 shirts) se destinam a todos os tipos de tamanho, incluindo tamanhos maiores. As três últimas (Ashua, Somos Plus e Flaminga) são voltadas exclusivamente para o plus size.
Observando suas campanhas, percebi que algumas delas passam a “leveza” apontada por Aires, enquanto outras divulgam o corpo gordo de fato - as marcas de lingerie e moda praia são as que conseguem esse feito.
Destaco o empenho das marcas na estética de seus produtos, pois as funções da roupa vão além do cobrir o corpo: o vestir é parte da identidade. As pessoas gordas, como tantas outras, querem se sentir bem e confortáveis naquilo que vestem.
Percebo que ambas as propostas - de incluir mais tamanhos em coleções comuns e de criar coleções a parte destinadas ao plus size - são admiráveis, porém a moda ainda falha em perceber as especificidades do corpos gordo.
Nenhum corpo é igual ao outro. Dessa maneira, a modelagem das roupas nem sempre vai servir para todos. Para se mapear a diversidade dos biotipos (tanto masculinos como femininos), são necessários estudos antropométricos e ergonômicos, além de planejamento para que o produto atenda e agrade o consumidor. Reconheço que tais pesquisas demandam tempo e recursos, então a maneira mais prática (e talvez mais fácil) de se conhecer o público-alvo é escutá-lo, além de incluir a diversidades físicas nos bastidores: nas equipes de criação, publicidade, marketing, etc.
Perceber a singularidade dos indivíduos para melhor acolhê-los no âmbito social para ser a estratégia mais óbvia - além de tê-la citado também quando escrevi sobre as pessoas com deficiência e pessoas negras -, mas o sistema da moda ainda falha enormemente em reconhecê-la como solução plausível.
Com o texto de Aliana Aires e a análise das marcas, entendo que há, ainda, uma tentativa de “apagamento” da pluralidade dos corpos gordos em prol de um tipo de corpo maior, porém sem muitos excessos e que seja, talvez, mais facilmente aceito.
No entanto, se o objetivo é empoderar e, consequentemente, normalizar o corpo gordo, ele não será alcançado evidenciando um tipo uniformizado. Uma possível democratização só ocorrerá quando houver um ambiente que acolha o corpo gordo de fato, seus tamanhos, etnias e particularidades.
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REFERÊNCIAS
AIRES, Aliana. De gorda à Plus Size: a moda do tamanho grande. (Cap. 2, 2.4: o corpo gordo na moda) Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2019.
KATZ, Helena. Para ser contemporâneo da biopolítica: corpo, moda, trevas e luz. In: MESQUITA, Cristiane; CASTILHO, Káthia. Corpo, moda e ética: pistas para uma reflexão de valores. São Paulo: Estação das Letras e Cores, 2015.
NECHAR, Patricia. Diversidade de Corpos: A Ascensão do Corpo Gordo Através das Artes, Redes Sociais e o Movimento Plus Size. In: 41º Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Santa Catarina, 02 a 08 de setembro de 2018.
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olhares negros

(Alek Wek para Betsey Johnson, outono/inverno 1998)
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Discutir os textos de Carol Barreto e bell hooks à luz dos acontecimentos recentes nos leva a discutir o racismo, ativismo em tempos de redes sociais e onde a moda se insere nesse contexto.
O assassinato do segurança negro George Floyd pelo policial branco Derek Chauvin no dia 25 de maio na cidade de Minneapolis, no Estados Unidos, provocou uma onda de protestos em várias cidades do mundo, pondo em pauta o racismo, injustiça social e a violência policial.
A grande comoção nas redes e nas ruas ocasionada pelo ocorrido nos Estados Unidos joga luz em um problema antigo, mas que, infelizmente, só ganha reforço e repercussão quando uma tragédia acontece.
Para Foucault (2005), o racismo é uma forma de economia do biopoder, que beneficia o Estado, garantindo a regulamentação dos indivíduos e normatização da sociedade. Segundo ele, o racismo tem como objetivos: 1) fragmentar o “contínuo biológico da espécie humana” (p.305), constituindo hierarquias; e 2) estabelecer uma relação positiva com a morte do outro – o outro sendo percebido como anormal, degenerado ou inferior cuja morte é garantia de segurança pessoal e/ou coletiva.
Esse tipo de racismo com viés coletivo – o chamado racismo estrutural – é o que tem o poder de impactar significantemente a vida das pessoas, mas que, muitas vezes, passa despercebido. Suas raízes são profundas e perpassam diversos setores sociais.
Escreve o jurista Silvio Almeida (2018), “a viabilidade da reprodução sistêmica de práticas racistas está na organização política, econômica e jurídica da sociedade” (p.39). Essas práticas constituem barreiras invisíveis que impedem pessoas negras de progredir de maneira igualitária: as oportunidades negadas a elas ou delegadas à maioria branca.
A moda, como parte dessa estrutura, há tempos enfrenta críticas e cobranças acerca da falta de representatividade negra nos cargos de chefia de grandes marcas e publicações, bem como nas campanhas e desfiles. De acordo com Carol Barreto (2015), “ainda hoje os grupos majoritários em representatividade sintonizam por meio da eleição dos padrões de beleza e de bondade, aquilo que deve ser reproduzido pela massa de consumidoras de seus produtos e discursos”.
Em tempos de redes sociais, as pessoas, de certa maneira, estão mais atentas aos posicionamentos de figuras midiáticas – isentar-se diante de situações como esta pode ter uma repercussão negativa na imagem e impactos reais, como intervenção nos faturamentos ou boicotes.
Daí fica o questionamento: o quão real é esse ativismo ou o discurso é apenas midiático?
Os protestos trouxeram a tona novamente o termo ativismo performático. Uma rápida olhada na Wikipédia, a expressão é definida como “um termo pejorativo que se refere ao ativismo feito para aumentar o capital social de alguém, não por devoção a uma causa”. E poucos não foram aqueles que tentaram se promover.
Perante um movimento antirracista como o Black Lives Matter, muitas pessoas brancas aderem ao ativismo para serem consideradas aliadas e, ao mesmo tempo, apaziguar sua “culpa branca”, como aponta este artigo de Maia Niguel Hoskin para a publicação online Zora.
No texto “Paris está em chamas?”, bell hooks (2019) se dirige a essa questão da representatividade negra contada pelo e para o olhar branco. A autora usa como exemplo o documentário “Paris is Burning”, dirigido pela cineasta Jennie Livingston – branca e lésbica, mas que, de certa maneira, foi eximida da responsabilidade no tocante a questões como apropriação cultural – que aborda a cultura ballroom nos anos 1980. Segundo hooks, o filme é feito para ser consumido pelo espectador branco, quase como se a cineasta tivesse prestado um favor à cultura negra e drag.
Trazendo esse debate para os exemplos dos posicionamentos das marcas e publicações de moda, sabemos que muitas delas ainda são administradas e/ou dirigidas criativamente por pessoas brancas. Tendemos a louvar seus pronunciamentos online, porém falhamos em cobrar ações concretas, como inclusão negra em cargos de chefia ou maior reconhecimento das contribuições da cultura negra para a moda.
Ativismo é muito mais do que um quadrado preto no feed ou ajudar a levantar uma hashtag. É necessário educação e informação. Ademais, valem mais ações que não ficam só no online e têm impactos reais. Além das atitudes citadas no parágrafo anterior, outra maneira de se aliar à causa é apoiar e divulgar negócios criados e administrados por pessoas negras.
Com a ajuda de dois artigos elaborados com essa intenção, separei nove marcas que se posicionam afro-brasileiras e busquei elencar suas similaridades.

A-aurora por Izabela Suzart: acessórios e calçados; Iloostre por Loo Nascimento: acessórios; Dresscoração por Loo Nascimento: vestuário; Diego Gama: vestuário; Dendezeiro por Hisan Silva e Pedro Batalha: vestuário; Adriana Meira Atelier: vestuário; Laboratório Fantasma por Emicida e Evandro Fioti: vestuário e acessórios; Zambia por Vívian Ramos: acessórios; Azulerde por Karla Batista: acessórios.
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As marcas aqui reunidas são todas autorais e que buscam ressaltar a importante contribuição da identidade afro-brasileira para a moda nacional. São iniciativas que prezam a ancestralidade africana e a cultura brasileira e se situam em diversos setores - vestuário, calçados e acessórios.
Algumas propostas focam no slow fashion e upcycling, reforçando a importância da sustentabilidade e de ir contra essa lógica do mainstream de “produzir muito para vender muito”. As marcas também se empenham para valorizar a produção e o produto nacional, prezando pelo cuidado e qualidade.
Suas campanhas (tanto nos desfiles quanto em páginas oficiais) condizem com as propostas das marcas de evidenciar o fora do “padrão” e se sobressair diante da moda hegemônica.
Citando a jornalista Reni Eddo-Lodge (2019), “para desmantelar estruturas injustas e racistas ver raça. Precisamos ver quem se beneficia de sua raça, quem é desproporcionalmente impactado por estereótipos negativos e a quem o poder e privilégio são concedidos (...)”.
Para que a mudança no sistema da moda seja efetiva é preciso subverter essa lógica baseada na exclusividade e na exclusão que há tempos o comanda.
Se o objetivo é ser mais diverso e igualitário, então é necessário dar protagonismo a quem sempre foi marginalizado, ouvirmos suas necessidades e, dessa maneira, se construir uma nova abordagem para a moda, de quem a faz e para quem ela se destina.

Nem tudo que é enfrentado pode ser mudado, mas nada pode alterado até que seja enfrentado.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Silvio. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte: Letramento, 2018.
BARRETO, Carol. Moda e aparência como ativismo político: notas introdutórias. In: Enecult, UFBA, 2015.
EDDO-LODGE, Reni. Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça. Belo Horizonte: Letramento, 2019.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976) (P.285-316). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
HOOKS, Bell. Olhares e representações. São Paulo: Elefante, 2019. Capítulo: Paris está em chamas? p. 260-279.
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as visualidades do corpo-vestido

Qual a relação entre o corpo e a roupa?
Enquanto tentava responder essa questão, recordei de uma citação do teórico canadense Marshall McLuhan (1969): “a roupa é um prolongamento da pele” (p.66-67) – sinalizada na imagem acima.
Em seu livro Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem (2011), McLuhan trabalha com a ideia de que o meio de transmissão de uma mensagem é tão importante quanto o conteúdo da mesma – daí a famosa frase “o meio é a mensagem”.
A concepção da roupa como uma extensão do corpo pode ser associada as ideias abordadas nos textos de Helena Katz e Ana Claudia Oliveira (2008).
Para Katz (2008), o corpo não é um suporte vazio: é sempre um estado transitório da coleção de informações que o constitui. Porém, em vez de somente processar e expressar as informações, o corpo é entendido como a própria informação. A transitoriedade acarreta singularidade ao corpo.
A relação corpo-roupa, segundo Ana Claudia Oliveira (2008), é simbiótica. O corpo-vestido é processado em dois planos: o plano da expressão (materialidade) e o plano do conteúdo (simbólico). A sincronia dos dois produz uma visibilidade para o sujeito e mostra os modos de presença desse sujeito no social.
O corpo-vestido faz parte da construção de identidade: o vestir pode ser uma ação individual, mas é pensada coletivamente devido a valores internalizados.
Diante da perspectiva do corpo-vestido como veículo de comunicação, fiz uma seleção de imagens em que a simbiose do corpo e da roupa busca expressar diferentes valores e ideias:

O corpo-vestido é manifesto – aqui em prol do empoderamento feminino, com mensagens bem claras trazidas nas roupas: a camiseta com os dizeres “we should all be feminists” (nós todos devemos ser feministas). Embora a mensagem seja bem-vinda, esse manifesto é até um pouco contraditório, pois a peça é de uma marca de luxo e não tão acessível assim.
O corpo-vestido é poder – como no retrato da rainha Maria Antonieta, em uma época em que a aristocracia ditava as aparências e cujas regras sempre mudavam para manter longe as classes emergentes.
O corpo-vestido é despadronização – Katz cita o “corpo-modelo” com instrumento de poder. O desfile da marca de lingeries Savage X Fenty buscou justamente o contrário: a visibilidade de diferentes corpos femininos.
O corpo-vestido é desconstrução – o terno com saia usado pelo ator Billy Porter em um dos tapetes vermelhos mais concorridos da moda.
O corpo-vestido é memória – a pintora mexicana Frida Kahlo usava trajes típicos tejuanos, uma forma de afirmar sua mexicanidad (principalmente quando a pintora se encontrava no exterior).
E o corpo-vestido é transitoriedade – as roupas de papel de Jum Nakao são lembretes de que nada é permanente, nem o corpo e muito menos a roupa.
REFERÊNCIAS
KATZ, Helena. Por uma teoria crítica do corpo. In: OLIVEIRA, Ana Claudia de. ; CASTILHO, Kathia. Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008. OLIVEIRA, Ana Claudia de. Visualidade processual da aparência. In:
MCLUHAN, Marshall. Os meios são as mass-agens. Rio de Janeiro: Editora Record, 1969.
MCLUHAN, Marshall. Os meios de comunicação como extensões do homem. 20ª edição. São Paulo: Editora Cultrix, 2011.
OLIVEIRA, Ana Claudia de. ; CASTILHO, Kathia. Corpo e moda: por uma compreensão do contemporâneo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2008.
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A moda como ferramenta de inclusão?

(Aimee Mullins para Alexander McQueen, 1999)
Deficiência, de acordo com as autoras dos textos lidos, possui muitas conceituações.
Porém a que ainda predomina é a do saber médico, como aponta Julia Climaco (2018). O discurso médico costuma fazer uma separação em dois polos: normal e anormal. E o poder “normalizador” é geralmente atribuído aos corpos sem deficiência.
Dessa maneira, pressupomos que as pessoas com deficiência estão à parte da normalidade, seres humanos incompletos e necessitados. Essa construção resume a existências desses indivíduos às suas deficiências e sugere que os mesmos precisam se adaptar a uma normalidade dominada por indivíduos sem deficiência.
Escreve a autora: “a deficiência é uma construção social imbricada em determinadas estruturas” (p. 151-152). Ou seja, a deficiência não é somente biológica, ela também se caracteriza pela ausência de soluções nas estruturas sociais que poderiam (ou deveriam) facilitar a vida em sociedade.
Para que isso aconteça, um primeiro passo é tornar pessoas com deficiência protagonistas, são elas que devem elaborar e problematizar suas experiências.
No texto Inclusão: uma faceta da fraternidade, as autoras Adriana Conte e Ana Carli (2018) apontam que há uma vontade política de tornar a sociedade mais fraterna, porém, citando o autor francês Edgar Morin, “o problema chave da realização da humanidade é ampliar o ‘nós’” (p. 104).
Uma desconstrução da normalidade corporal se faz necessária se quisermos eliminar essas barreiras sociais que impedem a participação efetiva em sociedade das pessoas com deficiência. E essa é uma tarefa que envolve profissionais de diversas áreas do conhecimento.
Quando falamos em design inclusivo, o objetivo é criar produtos funcionais, desenhados a partir de pesquisas ergonômicas sobre as deficiências, mas que também tenham apelo estético e simbólico, atendendo a anseios e expectativas dos consumidores.
Se redesenhar e valorizar o corpo é um dos papeis da moda, muitos apelos têm sidos feitos por mais diversidade nas campanhas e nos desfiles.
No que concerne às pessoas com deficiência, é claro que existem iniciativas voltadas para elas (este artigo lista alguns estilistas ligados à causa), mas quando falamos no circuito fashion mainstream, os avanços existem, embora ainda muito tímidos.
Na edição de 2019 da São Paulo Fashion Week, pela primeira vez, o conteúdo esteve acessível a deficientes visuais e auditivos por meio de interpretes de libras e audiodescrição.
A plataforma Free Free desfilou na SPFW buscando celebrar a diversidade feminina na passarela, com casting de modelos não só com deficiência, mas de diferentes raças, gêneros e idades.

(desfile da Free Free, SPFW, 2019)
Nas semanas de moda internacional, somente a marca The Blonds trouxe em seu casting a modelo cadeirante Jillian Mercado durante a New York Fashion Week do ano passado.

(desfile da The Blonds, NYFW, 2019)
O que percebi durante a pesquisa sobre as semanas de moda foi que, quando o assunto inclusão é trazido a tona, a deficiência é quase sempre posta em segundo plano, em eventos menores e não nos principais. Embora não diminua a importância das iniciativas, a visibilidade é maior quando falamos de marcas consolidadas e maior alcance.
Por fim, gostaria de deixar aqui um vídeo da ativista irlandesa Sinéad Burke em uma fala de 2017, no Ted Talks, sobre por que o design deveria incluir a todos.
youtube
REFERÊNCIAS
BORGES, Izabela; FERRAZZANO, Laura; GUIMARÃES, Gabrielle; RAMIRO, Pedro; SARTORATO, Gabriela. Moda Inclusiva: a luta pela representatividade de deficientes físicos. Disponível em: <https://medium.com/@labdejo2018/moda-inclusiva-a-luta-pela-representatividade-de-deficientes-f%C3%ADsicos-d7fb3bbea948>. Acesso em 29 de maio de 2020.
CLIMACO, Julia. Corpo, feminismo e deficiência. In: NIGRO, Claudia; CHATAGNIER, Juliane; LARANJA, Michele. (orgs.) Corpos que (se) importam: Refletindo questões de gênero na literatura e em outros saberes. Campinas, SP: Pontes Editores, 2018.
CONTE, Adriana; CARLI, Ana. "Inclusão: uma faceta da fraternidade". In: AULER, Daniela; SANCHES, Gabriela (orgs.) Moda inclusiva. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2018. Págs: 100-116
FASHION FOWARD. Free Free celebra a mulher em apresentação emocionante. Disponível em <https://ffw.uol.com.br/noticias/moda/free-free-celebra-a-mulher-em-apresentacao-emocionante/>. Acesso em 29 de maio de 2020.
REVISTA CLAUDIA. Com audiodescrição e libras, SPFW tem primeiro desfile inclusivo. Disponível em <https://claudia.abril.com.br/moda/spfw-desfile-inclusivo/>. Acesso em 29 de maio de 2020.
VOGUE ARABIA. This American Brand Presented its Most Inclusive Show Yet at NYFW. Disponível em <https://en.vogue.me/fashion/the-blonds-nyfw-aw2020/>. Acesso em 29 de maio de 2020.
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Foucault: corpos dóceis e biopolítica

A leitura dos textos de Michel Foucault logo no início da disciplina é interessante e importante, pois, os conceitos apresentados por ele vão, de certa maneira, permear os outros textos selecionados para a disciplina.
Em Corpos Dóceis (in: Vigiar e Punir), o autor fala da descoberta do corpo como objeto e alvo de poder – o objetivo desse poder para com o corpo é moldá-lo para obedecer.
Para tal, o poder faz uso de técnicas disciplinares, centradas no corpo e que produzem efeitos individualizantes. A disciplina tem como objetivo tornar o corpo hábil, eficaz e submisso. Ela distribui os corpos em uma localização (Foucault menciona o exército, as escolas, as fábricas e as prisões) e, a partir daí, implementadas uma série de atividades controladoras a fim de rearranjar esses corpos e torna-los úteis.
Esses processos disciplinares buscam uma nova maneira de gerir o tempo, de produzir sempre forças mais úteis e que as mesmas possam ser capitalizadas.
Ao final do texto, Foucault fala que o corpo disciplinado deve construir uma máquina cuja eficiência será elevada ao máximo – uma espécie de “massificação da disciplina”. As forças devem ser combinadas para se alcançar um aparelho eficiente e para isso acontecer é necessário um sistema de comando.
Partindo dessa ideia de maximizar a disciplina, no texto da aula de 17 de março de 1976 (in: Em Defesa da Sociedade), Foucault conceitua a biopolítica. Segundo ele, a biopolítica, em suma, lida com os acontecimentos aleatórios que ocorrem em uma população e uma capacidade de intervenção em tais acontecimentos.
Ou seja, controlar e modificar essas aleatoriedades como forma de garantir a segurança do conjunto – os mecanismos disciplinadores se articulam com os mecanismos regulamentadores. O elemento que liga os dois é a norma, que permite, ao mesmo tempo, controlar o corpo e a população. A norma é um mecanismo que amplia a dominação do poder – do singular para o múltiplo.
“Portanto, estamos num poder que se incumbiu tanto do corpo quanto da vida (...)” (p.302)
Como mencionado acima, esses conceitos de Foucault percorrem as ideias trazidas pelos outros textos da disciplina, em que autoras e autores falam do corpo gordo, do corpo velho, do corpo com deficiência, dos padrões de beleza e de todos os empecilhos da sociedade em aceitá-los e de todas as manobras da mesma para transformá-los.
Após a leitura, a atividade proposta foi uma análise dos discursos produzidos pela moda: quais a ideias veiculadas por trás das imagens?
Escolhi dois exemplos, ambos de revistas de moda e com conteúdos relacionados, de certa maneira, à pandemia do novo coronavírus. É fato que, devido ao vírus, muitas revistas buscaram refletir qual o rumo que a moda vai tomar diante de tudo isso. As propostas precisam ser reavaliadas.

Dessa forma, o primeiro exemplo é do retorno da revista Elle Brasil. Por meio de um open casting, a revista convidou leitores a enviarem suas fotografias, das quais 26 foram selecionadas. O ensaio, feito virtualmente, trouxe um novo olhar sobre quem faz os veículos de moda e para quem eles se destinam.
É papel das revistas (ainda) ditar tendências e padrões? Ou elas deveriam dialogar mais com seus leitores para, dessa forma, construir o conteúdo?
O casting realista da Elle traz aquela ideia do leitor se ver na publicação. A diversidade de corpos pode atrair muito mais leitores, do que um ensaio feito com uma personalidade. A própria ideia de chamar o leitor a contribuir, mostra que a publicação deseja estar próxima e contemplar anseios e expectativas dos mesmos.
Seguindo essa linha mais realista, o segundo exemplo que trago é da edição de julho da Vogue britânica, que celebra em suas capas os trabalhadores de serviços essenciais no Reino Unido.

Uma condutora de trem, uma parteira e uma assistente de supermercado, em seus devidos uniformes, a pompa que se espera de um ensaio fotográfico em uma revista de moda, têm suas histórias contadas e celebradas.
Não creio que as revistas de moda devam se distanciar de assuntos como roupas, produtos de beleza e outros, desde que se mostrem mais atentas à nova realidade que entramos devido à pandemia. Acredito que esse seja o momento de reexaminar o “glamour” da moda e abrir mais espaço para rostos reais e necessidades reais para, assim, repensarmos a sociedade para ser mais representativa e diversa.
REFERÊNCIAS
BRITISH VOGUE. Meet the front-line workers on the cover of British Vogue’s July 2020. Disponível em <https://www.vogue.co.uk/news/article/keyworkers-july-2020-issue-british-vogue>. Acesso em 09 de junho de 2020.
ELLE BRASIL. #olhaelle: o casting dos sonhos. Disponível em <https://elle.com.br/open-casting?rebelltitem=3#rebelltitem3>. Acesso em 09 de junho de 2020.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Capítulo I: Corpos dóceis (P.117-142) Petrópolis: Editora Vozes, 1999.
FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. Curso no Collège de France (1975-1976) (P.285-316). São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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